alegando, em síntese, que possui conta corrente administrada pelo réu, tendo firmado diversos contratos de capital de giro e conta garantida. Argumentou que os contratos contêm cláusulas de juros e encargos abusivos e ilegais, devendo ser aplicadas as normas consumeristas, com a inversão do ônus da prova. Em tutela antecipada, requereu a consignação dos valores que entende devidos e a exclusão do seu nome dos cadastros de inadimplentes Pleiteou a procedência do pedido para limitar os juros remuneratórios em 12% ao ano e os juros moratórios em 1% ao ano, a multa contratual em 2%; excluir a capitalização mensal de juros, a cumulação da comissão de permanência com outros encargos de mora e a TAC. Valorou a causa e juntou documentos (fls. 20/95). A tutela antecipada foi concedida à autora (fls. 97/98). Citado (fl. 133), o réu ofereceu resposta em forma de contestação (fls. 147/181), arguindo, à guisa de preliminar, carência da ação por falta de interesse processual para pleitear a exibição de documentos. No mérito, sustentou que as cláusulas contratuais foram pactuadas de comum acordo pelas Ponderou que os contratos firmados obedecem a legislação vigente, sendo lícitas as obrigações livremente pactuadas e que a autora não comprovou as alegadas abusividades. Requereu a improcedência da ação e juntou documentos (fls. 182/184). A autora replicou (fl. 189/192). Vieram os autos conclusos. DA PRELIMINAR A preliminar de carência da ação, ante a falta de interesse processual para requerer a apresentação de documentos, não pode prosperar, pois quem possuir um direito substancial ameaçado ou lesado - como é o caso da requerente -, detém sempre interesse para agir, que é formado pelo binômio necessidade de obtenção da proteção ao interesse substancial, por meio do processo, mais adequação, ou seja, o uso da via processual correta para assegurar o direito invocado. Trata-se de ponto pacífico na jurisprudência que a parte autora não está obrigada a pleitear o fornecimento dos contratos na esfera administrativa para, só depois, em caso de recusa da instituição financeira demandada, requerer aludida providência judicialmente. Ainda, somente com a juntada dos contratos firmados é possível revisar as cláusulas Ademais, vige o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, insculpido no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. Sobre a questão em apreço, colhe-se da doutrina a seguinte lição: "A segunda condição da ação é o interesse de agir, que também não se confunde com o interesse substancial, ou primário, para cuja proteção se intenta a mesma ação. O interesse de agir, que é instrumental e secundário, surge da necessidade de obter através do processo a proteção ao interesse substancial (...). "Localiza-se o interesse processual não apenas na utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto (...)"1. Afasto, portanto, a preliminar arguida. DE MERITIS 1. DA INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR É entendimento assente na doutrina e na jurisprudência que o Código de Defesa do Consumidor aplica-se às operações financeiras, bancárias e de leasing. A questão já resultou pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça, ao editar a Súmula 297, in verbis: "Súmula 297. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras". Nessa senda, prevê a legislação consumerista, em seu artigo 6º, inciso V, que trata dos direitos básicos do consumidor, a possibilidade da modificação das cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais ou tornem o objeto da obrigação excessivamente oneroso para uma das partes. Registre-se, todavia, a inconveniência de revisão não suscitadas na inicial adaptá-las aos parâmetros entendimento recentemente verbis: ex officio de matérias - ainda que para fixados em lei -, ante o sumulado pelo STJ, "Súmula 381. Nos contratos bacários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas". 2. DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA A inversão do ônus da prova é instituto hábil a garantir os princípios da isonomia e da ampla defesa, porquanto o consumidor é a parte mais fraca e vulnerável da relação contratual, e existe para assegurar a igualdade entre os litigantes. Dessa forma, o ônus da prova recai sobre o fornecedor. Acerca do ônus da prova no Código Defesa do Consumidor, colhem-se os seguintes ensinamentos de Cecília Matos: "A prova destina-se a formar a convicção do julgado, que pode estabelecer com o objeto do conhecimento uma relação de certeza ou de dúvida. Diante das dificuldades próprias da reconstrução histórica, contenta-se o magistrado em alcançar não a verdade absoluta, mas a probalidade máxima; [...] Conceituado como risco que recai sobre a parte por não apresentar a prova que lhe favorece, as normas de distribuição do ônus da prova são regras de julgamento utilizadas para afastar a dúvida. Neste enfoque, a Lei nº 8.078/90 prevê a facilitação da defesa do consumidor através da inversão do ônus da prova, [...] A inversão do ônus da prova é direito de facilitação da defesa e não pode ser determinada senão após o oferecimento e valoração da prova, se e quando o julgador estiver em dúvida. [...] Cada parte deverá nortear sua atividade probatória de acordo com o interesse em oferecer as provas que embasam seu direito. Se não agir assim, assumirá o risco de sofrer a desvantagem de sua própria inércia, com a incidência das regras de experiência a favor do .2 (grifou-se) Como se vê, o instituto em comento tem por intuito transferir ao fornecedor o encargo de demonstrar o direito que suporta a relação controvertida posta em Juízo. Assim, uma vez alegada determinada relação jurídica pelo consumidor, reverte-se ao fornecedor a incumbência de desconstituir o direito deduzido pelo primeiro, sob pena de se presumirem verdadeiras as alegações formuladas na inicial. A propósito, ensina a jurisprudência: "RELAÇÃO DE CONSUMO – A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA ARTIGO 6º VIII DO CDC – Não acarreta a obrigatoriedade do fornecedor produzir qualquer tipo de prova, mas apenas lhe transfere o ônus de desconstituir o direito alegado pelo consumidor, que passa a ter presunção juris tantum de veracidade. Agravo provido".3 Assim, à luz do disposto no art. 6, VIII, do CDC, defiro tal pleito. 3. DA REVISÃO CONTRATUAL 3.1. Dos juros remuneratórios O Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento no sentido de que as instituições financeiras podem cobrar juros para a remuneração do capital, desde que não excedam a taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central e ao percentual contratado. Outra não é a dicção da Súmula 296, que assim prevê: "Súmula 296. Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência à taxa de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado". Nos contratos de capital de giro em questão, apresentados às fls. 24/62, pactuados em 12.11.2007, 23.05.2008, 23.10.2008, 14.01.2009, 28.07.2009, 11.08.2009 e 06.10.2009, as taxas efetivas de juros anual foram ajustadas nos patamares de 34,49%, 32,92%, 42,58%, 45,93%, 58,27%, 58,27% e 58,27% a.a., enquanto que as taxas médias de mercado para os períodos eram de 27,52%, 31,31%, 38,59%, 36,77%, 31,87%, 31,04% e 31,14% a.a.4, respectivamente. Concernente aos contratos de conta garantida, juntados às fls. 63/82, celebrados em 13.03.2008, 28.07.2008, 07.05.2009 e 06.10.2009, as taxas efetivas de juros anual foram ajustadas nos patamares de 135,53% ao ano, 3,23% ao mês, 167,94% ao ano e 168,83% ao ano, enquanto que as taxas médias de mercado para os períodos eram de 66,21% ao ano, 4,55% ao mês, 83,02% ao ano e 78,90% ao ano, respectivamente5. Assim, com exceção do contrato de conta garantida pactuado em 28.07.2008, conclui-se que nos demais contratos em questão houve a pactuação de taxa efetiva de juros anual em patamar superior à taxa média de mercado, existindo, portanto, ilegalidade na avença, devendo ser ela limitada nos patamares acima mencionados. Ressalto, por oportuno, ser totalmente impertinente a discussão acerca das demais matérias suscitadas referente aos juros, que envolvem a não auto-aplicabilidade do § 3º do art. 192 da Constituição Federal e sua revogação pela emenda nº 40, sujeição das instituições financeiras à Lei de Usura e ao art. 406 do Código Civil, diante da pacífica posição pretoriana favorável à cobrança de juros sem outro limite, salvo a taxa média de mercado e desde que não exceda ao percentual contratado, conforme já assinalado. 3.2. Da capitalização Sabe-se que, nas operações de crédito bancário, é prática recorrente das instituições financeiras a incidência do anatocismo, gerando a cobrança de juros sobre juros. Contudo, diante do novo posicionamento adotado pela eg. Corte Catarinense, a capitalização mensal de juros é incabível, ainda que expressamente prevista no contrato, em razão do reconhecimento da inconstitucionalidade da Medida Provisória n. 2.170/36. Veja-se: "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO. "ALEGAÇÃO DE INTANGIBILIDADE DA AVENÇA. REJEIÇÃO. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. EXEGESE DA SÚMULA 297 DO STJ. POSSIBILIDADE DA REVISÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 6º, V, E 51, IV, DO CDC. "CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. DECLARAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE, POR ESTA CORTE, DA MP N. 1.963-17/2000, REEDITADA PELA MP N. 2.170-36/2001. CÔMPUTO EXPONENCIAL PERMITIDO APENAS NA FREQUÊNCIA ANUAL E DESDE QUE EXPRESSAMENTE PACTUADO. PROIBIÇÃO MANTIDA DIANTE DA INEXISTÊNCIA DE DISPOSIÇÃO NO CONTRATO [...]"6. Destarte, no caso dos autos, a capitalização mensal de juros é ilegal, devendo ser excluída, tal qual na periodicidade anual, porquanto aludida obrigação não resultou expressamente convencionada no contrato. 3.3. Da comissão de permanência Quanto à comissão de permanência, o Enunciado III do Grupo de Câmaras de Direito Comercial do TJSC, recentemente alterado, dispõe: "A comissão de permanência é admitida nos contratos bancários, exceto nas cédulas e notas de crédito rural, comercial e industrial, desde que contratada e limitada à soma dos encargos remuneratórios e moratórios: a) juros remuneratórios à taxa média de mercado, não podendo ultrapassar o percentual contratado para o período de normalidade da operação; b) juros moratórios contratual limitada a 2% sobre o valor da prestação". Consoante resultou convencionado na cláusula 10 (fls. 25, 28, 31, 35, 41, 50, 59, 64 e 67) e nona (fls. 72 e 79), dos contratos, em relação à comissão de permanência, não vislumbro óbice a sua cobrança na forma como foi pactuada, desde que observados os parâmetros acima alinhados. 3.4. Dos juros de mora e da multa Segundo se depreende das cláusulas 10 e 10.3 (fls. 25, 28, 31, 35, 41, 50, 59, 64 e 67), bem assim nona e 9.3 (fls. 72 e 79) dos contratos, em caso de impontualidade, incidem sobre a obrigação principal juros de mora de 12% a.a., além de multa de 2%, cujos encargos foram pactuados em conformidade com a legislação atinente, devendo permanecer tal como convencionados. 3.5. Da coexistência da multa contratual com os juros moratórios Atinente à coexistência da multa contratual com os juros moratórios, cumpre esclarecer que nenhuma ilegalidade existe em tal prática. Todavia, aquela não poderá incidir sobre estes, já que por terem a mesma finalidade, qual seja, a penalização pela mora no pagamento do devedor, sua cumulação implicaria em bis in idem. Neste sentido: "INCIDÊNCIA DA MULTA CONTRATUAL SOBRE OS JUROS DE MORA. VEDAÇÃO. "A multa contratual deve incidir sobre o valor corrigido monetariamente e acrescido dos juros remuneratórios. Sua incidência sobre os juros moratórios, todavia, apresenta-se como bis in idem que deve ser afastado. Daí porque a multa deve ser recalculada, desconsiderando-se, para esse fim, o montante correspondente aos juros moratórios".7 Destarte, no caso dos autos, deve ser afastada a incidência da multa contratual sobre os juros de mora, nos termos acima explicitados. 3.6. Da Taxa de Abertura de Crédito TAC A TAC cobrada pelo demandado como condição para adimplemento dos contratos não encontra qualquer embasamento legal, tampouco há justificativa naqueles instrumentos para imputar à parte autora tal encargo, traduzindo-se, igualmente, em condição potestativa. Sobre o assunto, extrai-se da jurisprudência: "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. AFASTAMENTO DA MORA DO FINANCIADO COM A DECLARAÇÃO DA ABUSIVIDADE DA ESTIPULAÇÃO DE JUROS. EXTINÇÃO DO PROCESSO EM FACE DA CARÊNCIA DA AÇÃO. DE OFÍCIO, VEDADA A CAPITALIZAÇÃO EM PERIODICIDADE INFERIOR À ANUAL. ILICITUDE DA COMISSÃO DE PERMANÊNCIA, ENTRE OUTRAS RAZÕES PORQUE JÁ PREVISTA A COBRANÇA DE JUROS MORATÓRIOS E MULTA CONTRATUAL. NULIDADE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS REFERENTES À TARIFA DE ANÁLISE DE CRÉDITO E À TARIFA DE EMISSÃO DE CARNÊ. MULTA CONTRATUAL REDIMENSIONADA".8 Portanto, deve ser afastada a incidência de referida taxa do contrato em revisão. 4. DA DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA Presente algum encargo ilegal, o quantum debeatur não é aquele alegado pelo banco/réu, o que leva à descaracterização da mora da devedora/autora diante da iliquidez do montante inadimplido. Importa ressaltar que, para a caracterização da mora debitoris, além da inadimplência – aspecto objetivo -, mister se faz a presença de outro elemento essencial, qual seja, a culpa - aspecto subjetivo. Assim, caso a falta de pagamento decorra de ato culposo do próprio credor, como, v. g., pela cobrança de encargos ilegais e abusivos, não há como responsabilizar a devedora pelo inadimplemento da obrigação, porquanto ausente o prefalado elemento subjetivo. Do ensinamento do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, tem-se que a mora só existe quando: "(...) o atraso resultar de fato imputável ao devedor (art. 963 do Código Civil). Se a exigência do credor é abusiva, e portanto ilegítima, o devedor que não paga o que lhe está sendo indevidamente cobrado não incide em mora, pois pode reter o pagamento enquanto não lhe for dada quitação regular. O melhor comportamento do devedor é, em tal caso, promover a ação cabível para definir o valor exato do débito. (...)".9 Destarte, caso os encargos ilegais tenham sido cobrados, ilegal será a cobrança de encargos decorrentes da mora, devendo então ser excluída ante a sua descaracterização, conforme alhures esclarecido. III – DISPOSITIVO (ART. 458, III, DO CPC) Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE, em parte, o pedido inicial constante na presente AÇÃO REVISIONAL, o que faço com fundamento no art. 269, inciso I, do CPC e, em consequência, determino a revisão da contratualidade em exame para: a) limitar a taxa de juros remuneratórios pactuados nos contratos de capital de giro e conta garantida aos parâmetros fixados no item "3.1" da sentença; b) excluir a capitalização de juros; c) permitir a comissão de permanência, desde que observados os parâmetros alinhados no item 3.3 supra; d) impedir a incidência da multa sobre os juros moratórios; e) proibir a cobrança da taxa de abertura de crédito – TAC f) afastar a cobrança dos encargos moratórios entre a data da pactuação até a presente decisão. Caso verificada a cobrança a maior, deverá o requerido restituir à demandante os valores pagos em discordância com os ditames deste decisum, cujo montante deverá ser apurado em liquidação de sentença, nos termos do artigo 475-B do CPC, com juros de mora de 12% ao ano e correção monetária pelo INPC, a contar do efetivo desembolso, podendo haver compensação com a dívida remanescente. Nos termos do artigo 21 do CPC, uma vez que cada um dos litigantes foi em parte vencedor e vencido, condeno-os ao pagamento das custas processuais pro rata e honorários advocatícios, estes à razão de 20% (vinte por cento) sobre o montante de sua derrota, atento ao disposto no art. 20, § 3º, alíneas a, b, e c, do CPC. Descaracterizada a mora, torno definitivos os efeitos da tutela antecipada. Transitada em julgado a sentença e satisfeitas as custas finais, arquive-se.