79 MALALA: DIREITO À VIDA, MÍNIMO ÉTICO FUNDAMENTAL E AS MULHERES EM PAÍSES ISLÂMICOS Gustavo Fabris - Aluno do curso de Direito no Centro Universitário Uniseb; Rafaele Borba - Aluna do curso de Direito no Centro Universitário Uniseb; Pedro Zoppi - Aluno do curso de Direito no Centro Universitário Uniseb.1 Resumo O presente trabalho tem o afã de perscrutar as minudências do caso de Malala Yousafzai, discutindo o relativismo cultural sobremaneira radicalizado proposto por Santos (2006), trazendo, subsequentemente, casos similares e uma discussão da cultura islâmica, contrapostos ao Mínimo Ético Irredutível2 propugnado por Piovesan. O artigo tem claro intento de contrapor Direitos Humanos basilares, como a vida e a liberdade, ao relativismo cultural defendido por pensadores como Boaventura de Sousa Santos. Palavras-Chave: Malala Yousafzai; Relativismo Cultural; Cultura Islâmica; Mínimo Ético Irredutível; Direitos Humanos Fundamentais. 1. Introdução O belo e bem documentado livro de Malala Yousafzai (2013) relata seu drama pessoal, bem como o de milhares de mulheres muçulmanas de todas as idades, representadas pelo caso icônico da jovem, que repercutiu mundialmente. Desde mui tenra idade, a jovem paquistanesa teve consciência plena da importância da educação em sua vida; e, vivendo em Swat, área então mais esclarecida do Paquistão, dava grande valor ao direito que detinha de estudar, mantendo um blog anônimo em idioma Urdu no site da BBC vinculado a seu país. Não obstante, milícias talibãs, chefiadas por Fazullah (YOUSAFZAI, 2013, p.129) principiaram um movimento extremista para levar o padrão de 1 O presente artigo é resultado do Trabalho de Conclusão de Disciplina (TCD) desenvolvido pelos autores, sob orientação do Prof. Dr. Rafel Costa Freiria. 2 http://www.conjur.com.br/2009-abr-05/entrevista-flavia-piovesan-procuradora-estado-sao-paulo Acesso: 29/04/2014. Fabris, Gustavo; Borba, Rafaele; Zoppi, Pedro.Revista Científica Eletrônica UniSEB. N. 3. Ano 2. Ribeirão Preto, janeirojulho, 2014. p. 79-90. 80 vida islâmico considerado correto à região que a jovem habitava, incluindo uso compulsório de burcas, a abolição do trabalho por mulheres etc. Foram dois anos de grande tensão, entre 2007 e 2009, vividos por todos os moradores não assentes com retrocesso social, uma vez que a comunidade era budista antigamente, tornandose muçulmana subsequentemente e restringindo os mais básicos direitos das mulheres com a tomada do poder pelo general Muhammad Zia (YOUSAFZAI, 2013, p.49). Situação agravada em 2009, quando a jovem tem sua identidade revelada e principia a dar entrevistas mostrando seu rosto e sua gana por direitos e garantias fundamentais. Sua imagem ganha fama internacional desde referido momento e passa a ser um potencial alvo de ataques extremistas. A família não acreditava que Malala sofresse reprimendas tão contundentes quanto a que se deu, sendo mais plausível que seu pai as sofresse, temendo antes pela vida de seu pai3. Em 2012, entretanto, Malala sofreu um atentado, tendo sido baleada no crânio por fundamentalistas islâmicos, o que deixou o mundo perplexo e motivou a invasão da região por tropas britânicas, que a resgataram. Desde seu resgate e recuperação, porém, permanece exilada no Reino Unido. Como se nota sem grande dificuldade, a luta de Malala é pelo direito humano fundamental de segunda geração à Educação. Não obstante, ao longo de sua brava campanha, corusca o direito fundamental de primeira geração à vida, fato que motivou a inserção de seu caso no presente trabalho. Referidos direitos de primeira dimensão principiam com as revoluções burguesas (a Independência norte-americana e a Revolução Francesa), tendo como Leitmotiv a “Liberdade”. Arvoradas no ideário liberal de pensadores como John Locke (insculpido no magistral “Second Treatise of Government”), tais revoluções bradavam por direitos basilares como vida, liberdade e propriedade privada, que seriam garantidos através de prestações negativas estatais, tais como não usurpar a liberdade do cidadão, respeitar sua consciência, sua liberdade de culto etc. Já que limitadores do arbítrio estatal e, sendo os primeiros a auferir positivação, tais direitos são chamados de primeira dimensão. Consoante a breve súmula do extensolivro da 3 http://www.bbc.com/news/magazine-24379018 Acesso: 29/04/2014. Fabris, Gustavo; Borba, Rafaele; Zoppi, Pedro.Revista Científica Eletrônica UniSEB. N. 3. Ano 2. Ribeirão Preto, janeirojulho, 2014. p. 79-90. 81 jovem, detecta-se um franco vilipêndio de tais direitos pelos talibãs liderados por Fazullah, quando da tomada do poderna região de Swat, no Paquistão. Eis que surge outro problema, este com grande densidade teórica e prática: nos países muçulmanos mais aferrados à leitura fundamentalista de sua religião, tais como a Arábia Saudita, o Kwait, o Iêmen, Afeganistão e partes do Paquistão, as mulheres são despidas de seus direitos mais fulcrais, donde a questão acerca do relativismo cultural, tão em voga hodiernamente: até que ponto a soberania de um Estado e sua cultura devem ser relativizados e respeitados, ainda que afrontem Direitos Humanos Fundamentais? (SANTOS, 2006, p.436). 2. O posicionamento de Boaventura de Sousa Santos Santos (2006, p.442), ao alvedrio da farta doutrina com pendor jusnaturalista esteada primacialmente na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, afirma provocativamente que, em sua aplicação, os Direitos Humanos não são universais em sua aplicação. Haveria quatro eixos, antes: o europeu, o interamericano, o asiático e o africano, sendo que a reivindicação de ordem ética por Direitos Humanos poderia condicionar sua validade, mas não forçosamente determiná-la4. Segundo o autor (2006, p.443-444), todos os pressupostos éticos são de origem ocidental, o que de per si colocaria em xeque a Universalidade almejada: realidade humana bastante superior a tudo o que a rodeia; dignidade humana absoluta a ser protegida da comunidade e/ou do Estado; autonomia e liberdades individuais etc. O grande desafio atual consistiria em lutar contra um globalismo local e rumar para um cosmopolitanismo genuíno insurgente. A originalidade de Boaventura é inconteste ao vislumbrar quatro premissas para dilapidar a dicotomia Relativismo-Universalismo, que pensa ser sofística em seu nascedouro. A primeira é exatamente a superação do retromencionado debate (2006, p.445-446); a segunda, a visão particular de cada cultura sobre a dignidade humana, não necessariamente isomórfica e coincidente com as demais; a terceira, a incompletude da noção de dignidade ³ O termo Direitos Humanos tem um amplíssimo campo semântico e é de difícil delimitação conceitual, aqui trabalhada de maneira sui generis por Santos. A esse respeito fala Arndt (2002, p. 18): “Der Terminus 'Menschenrechte', der vermutlich zu Beginn des 18. Jahrhunderts entstand (...), ist begrifflich außerordentlich vielfältig besetzt und daher nur schwer faßbar.” Fabris, Gustavo; Borba, Rafaele; Zoppi, Pedro.Revista Científica Eletrônica UniSEB. N. 3. Ano 2. Ribeirão Preto, janeirojulho, 2014. p. 79-90. 82 humana em todas as culturas; por fim, todas as culturas conteriam versões da dignidade humana consoante com sua identidade histórico-cultural. É lamentável a ruptura do autor com os ideais jusnaturalistas imbricados nas mais modernas teorias tangentes aos Direitos Humanos Fundamentais. O autor vê a questão em termos de hegemonia e contra-hegemonia, em vez de vislumbrar a condição humana em si, como Arendt (2000) e sua belíssima perspectiva historicizante. Para Santos (2006, p.407), os ur-direitos5, isto é, os direitos originários, são suprimidos pela hegemonia de um matiz cultural, cujo imperialismo deveria ser abolido, já que ele próprio suprime a possibilidade de existência dos ur-direitos. Indagamos, a nosso turno: apesar da bela construção epistêmica de Boaventura de Sousa Santos, será esse o melhor tratamento a ser dado aos Direitos Humanos, tendo em vista o caso de Malala Yousafzai? É mister, para auferir satisfatória resposta, que mergulhemos na cultura islâmica para que nos posicionemos a contento frente ao sociólogo lusitano. 3. O Islã O islamismo religião instituída pelo profeta Maomé, tido pelos fiéis como o último profeta de Deus é uma religião predominante na região da Arábia, seus seguidores intitulados de mulçumanos constituem grandes civilizações que profetizam a religião de um só Deus, Allah, e contemplam o livro sagrado Alcorão fonte de todo ensinamento moral, religioso, e normativo de uma sociedade. A essência e o ensinamento religioso são embasados em cinco pilares de atos basilares e imprescindíveis de culto: a profissão de fé, a oração, a contribuição de purificação, o jejum no mês do Ramadão, e a peregrinação, associados a aplicação da lei islâmica, parâmetro do sistema econômico, politico, e social._ A religião mulçumana não institui graves condições de segregações a mulheres. Entretanto as interpretações radicais do Alcorão suscitaram a opressão contra mulheres nos paises que professam com rigor a lei islâmica – Chariá, tornando prática cultural a opressão ás 5 Neologismo pedante e injustificado. Por que não transformar a expressão toda em palavra alemã, isto é, Urrechte? Data permissa venia, o autor força o tom da originalidade a qualquer custo. Fabris, Gustavo; Borba, Rafaele; Zoppi, Pedro.Revista Científica Eletrônica UniSEB. N. 3. Ano 2. Ribeirão Preto, janeirojulho, 2014. p. 79-90. 83 mulheres mulçumanas, que não advém da crença religiosa, mas das agregações de tradições prejudicantes ás mulheres a cultura. 3.1. Lei Islâmica__ A lei islâmica denominada Chariá tem como fonte primaria de jurisprudência o Alcorão, segunda a Suna, que são tradições, exemplos de ensinamentos islâmicos do profeta Muhammad, a terceira é ijtihad - raciocínio individual e análogo - dos juristas mulçumanos, utilizados quando não há deliberação no Alcorão ou na Suna sobre determinada circunstância, a quarta são o senso comum e costumes locais. Para os muçulmanos a lei é uma decisão de Deus, o direito islâmico é de propriedade religiosa. A essência jurídica advém de regras religiosas e morais, é interpretada e praticada com rigor, autentificada do arbítrio dos sábios, e não pela vontade do indivíduo racional, o ser humano não frui de autonomia e individualidade para exercer sua vontade. Persiste a inalterabilidade da doutrina que não pode ser modificada por nenhuma autoridade, para se aceitar certas regras só será possível se não contrariar a lei suprema da comunidade muçulmana – Chariá. 3.2. Fundamenlismo e radicalismo_________________________________________ O direito muçulmano se constituiu por antigos juristas religiosos, sendo interpretado de forma rígida, sem abertura ao fluxo de mudanças sociais e culturais. No século XIX, porém como consequência da expansão colonial europeia, se buscou a evolução do direito Islâmico para atender o fluxo das mudanças sociocultural, as principais mudanças pretendidas foram, a implantação do sistema romano-germânica ou da common law, a codificação das matérias que não houveram ocidentalização, e defesa por pluralismo jurídico na comunidade islâmica. A ocidentalização não tem pretensão de degenerar o direito islâmico, o objetivo é modernizar o direito buscar a pluralidade jurisdicional antiga coerente com a modernidade. Em consequência à pluralidade, se fundaram grupos fundamentalistas, reformistas e secularistas. Os reformistas optaram religião Islã, mas não a lei islâmica, instituindo os sistemas common law ou o modelo sistema romano-germânico. Já os secularistas almejam a modernização, legitimam que a organização estatal não pode ter como alicerce a religião, Fabris, Gustavo; Borba, Rafaele; Zoppi, Pedro.Revista Científica Eletrônica UniSEB. N. 3. Ano 2. Ribeirão Preto, janeirojulho, 2014. p. 79-90. 84 interpretam o islamismo como religião e não forma política. Os fundamentalistas conservadores, rejeitam de forma radical e só admitem o direito muçulmano, ritos antigos e costumes locais como legítimos, aplicam a lei islâmica, mesmo quando contrariam os direitos humanos, são radicais da religião islâmica. 3.3. Movimento Talibã__ São três os países consentiram diplomacia ao movimento talibã: Paquistão, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Talibã um organização fundamentalista islâmica que se expandiu no Paquistão decorrente do movimento político e militar contra a invasão soviética do Afeganistão, se fundou profetizando a religião islâmica e a lei islâmica, propagando a esperança de se findar o manente estado se guerra e dos abusos dos dominadores da guerra, porém implementaram um rigoroso regime islâmico com ações rígidas e extremas para recuperação dos principais aspectos do Islã (cultural, social, jurídico e económico). Surpreenderam o mundo com algumas ações mais extremas, principalmente referente as mulheres, além de promoveram a destruição dos Budas de Bamiyan (Patrimônio da Humanidade), depois quase 1500 anos intactos, e banindo algumas atividades como: leitura de livros, porte de câmeras sem licença, programas de televisão, cinema, rádio contrários aos ideais mulçumanos, o uso de internet, musicas, e artes (pinturas, estátuas e esculturas de outras religiões), e a conversão islâmicas a outras religiões. 3.4. Mulheres O regime talibã não permite que as mulheres trabalhem, e são extremamente rígidas as regras para a educação feminina. O atendimento em hospitais públicos não pode ser realizado por médicos ou enfermeiros homens, impedindo mulheres em alguns casos, de atendimento médico. Não era permitido mulheres sair de casa sem acompanhantes homens, mulheres viúvas ou sem filhos o estado não ampara, não são consideradas pessoas pelo estado, devendo promover seu próprio sustento. A RAWA (Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão) elencou 29 pontos, para que a população mundial possa ter uma ideia do sofrimento que é a vida dessas mulheres: Fabris, Gustavo; Borba, Rafaele; Zoppi, Pedro.Revista Científica Eletrônica UniSEB. N. 3. Ano 2. Ribeirão Preto, janeirojulho, 2014. p. 79-90. 85 1. Total proibição do trabalho feminino fora de casa. Apenas algumas médicas e enfermeiras estão autorizados a trabalhar nos hospitais de Cabul. 2. Total proibição de qualquer atividade feminina fora de casa se a mulher não estiver acompanhada por um mahram (parente próximo do sexo masculino, como pai, irmão ou marido). 3. São impedidas de fazer compras com comerciantes masculinos. 4. Não podem ser tratadas por médicos do sexo masculino. 5. Proibidas de estudar em escolas, universidades ou qualquer outra instituição educacional (o Taliban converteu as escolas para meninas em seminários religiosos). 6. Obrigação do uso da burca, vestimenta que as cobre da cabeça aos pés. 7. As mulheres que não se vistam conforme as regras do Talibã ou que não estejam acompanhadas por um mahram são açoitadas, espancadas ou ofendidas verbalmente. 8. Açoites públicos contra as mulheres que não escondem seus tornozelos. 9. Apedrejamento público contra as mulheres acusadas de ter relações sexuais fora do casamento (muitas delas são apedrejadas até a morte). 10. Proibição do uso de cosméticos (muitas mulheres que pintaram as unhas tiveram os dedos amputados). 11. Proibição de falar ou apertar as mãos de homens não-mahram . 12. Proibição de rir alto (nenhum estrangeiro pode ouvir a voz de uma mulher). 13. São proibidas de usar sapatos de salto alto, que podem produzir som ao caminhar (um homem não pode ouvir os passos de uma mulher). 14. Proibidas de andar em táxi sem o mahram. 15. Proibidas de participar de programas de rádio, televisão ou de reuniões públicas de qualquer espécie. 16. Proibidas de praticar esportes e de entrar em centros esportivos ou clubes. 17. Proibidas de andar de bicicleta ou motos. 18. Proibidas de usar roupas muitos coloridas. Para o Taliban, isso as tornam sexualmente atrativas. 19. Proibidas de participar de encontros festivos com fins recreativos. 20. Proibidas de lavar as roupas em rios ou qualquer outro lugar público. 21. No país foram alterados todos os nomes de ruas e praças que tivessem a palavra "mulher". Por exemplo, "Jardim das Mulheres" se chama agora "Jardim da Primavera". 22. Proibidas de aparecer nas varandas de seus apartamentos ou casas. 23. Janelas de vidro são pintadas para que as mulheres não sejam vistas do lado de fora de suas casas. 24. Os alfaiates são proibidos de costurar roupas femininas ou até tomar as suas medidas. 25. Proibidas de usar banheiros públicos. 26. Mulheres e homens são proibidos de viajar no mesmo ônibus. Os ônibus são divididos em "só para homens" ou "só para mulheres". 27. Proibidas de usar calças, mesmo debaixo da burca. 28. É proibido fotografar ou filmar mulheres. 29. É proibido publicar imagens de mulheres em revistas, jornais, livros ou cartazes de qualquer ordem. 6 Em sua imposição radical a lei islâmica subalterna à mulher a tratamentos desumanos, a mulher é descomedidamente banida e segregada. O caso de Malala Yousafzai não é um fato isolado de barbárie dos direitos humanos praticado por mulçumanos radicais da religião islâmica; Cristãos que se recusaram a professar a fé muçulmana ou pagar resgate foram 6 http://www.bonde.com.br/?id_bonde=1-34--8-20131105 Fabris, Gustavo; Borba, Rafaele; Zoppi, Pedro.Revista Científica Eletrônica UniSEB. N. 3. Ano 2. Ribeirão Preto, janeirojulho, 2014. p. 79-90. 86 crucificados por jihadistas na Síria. Há também o apedrejamento previsto na lei islâmica, para punir tanto mulheres quanto homens adúlteros e homossexuais. A realidade é que a barbárie da dignidade humana é uma realidade intensa e muito cruel nos países em que se tem o radicalismo da religião islâmica foram incorporados à cultura dos países, considerada uma cultura primitiva e cruel. O que se busca é que mínimo ético e garantias fundamentais dos diretos humanos superem a cultura, e que a dignidade da pessoa humana, seja o bem mais importante. 4. A posição de Flávia Piovesan Para a autora Flavia Piovesan, no tocante ao conceito estruturante dos Direitos Humanos, “a condição humana é o requisito único e exclusivo para a titularidade desses direitos, sendo a dignidade humana o fundamento dos direitos humanos.” (PIOVESAN, 2014, p. 52). Os Direitos Humanos são conquistas históricas que surgem, se aperfeiçoam e se solidificam ao longo do tempo, passando a integrar os ordenamentos jurídicos das Constiuições dos Estados que reconhecem a dignidade humana como um princípio fundamental. Os Direitos Humanos constituem largo arcabouço de direitos inerentes à condição humana. Baseado nesses pressupostos, e após análise da situação da mulher descrita anteriormente, os Direitos Humanos não são respeitados nos países islâmicos. A afronta e ofensa aos Direitos Humanos chamam a atenção do mundo. O caso específico da menina Malala traduz o grito contido – e sintetizado – da figura da mulher naquele país. Itens supracitados nesse trabalho no tocante ao tratamento da mulher traduzem uma posição ideologica e filosofica atrasadas do ponto de vista racional. A situação gritante nos remete a um país voltado para a prática religiosa radical e de certa forma exegética do ponto de vista interpretativo e tradicional de suas leis, cujas leis usadas são baseadas no costume e na lei divina presente na doutrina religiosa, com exteriorização social baseada em uma historicidade que não condiz com a atual abrangência, proteção e garantias dos Direitos Humanos. Percebe-se que a sociedade ali presente não se desenvolveu sob o ponto de vista dos Direitos Humanos. O mínimo ético essencial não é garantido em sua totalidade. A constante imposição teológica como justificação dos atos normativos e da convivência social faz com Fabris, Gustavo; Borba, Rafaele; Zoppi, Pedro.Revista Científica Eletrônica UniSEB. N. 3. Ano 2. Ribeirão Preto, janeirojulho, 2014. p. 79-90. 87 que haja um engessamento da aplicação, eficácia e efetividade dos Direitos Humanos. A condição humana da mulher, nesse sentido, não faz juz e não é coerente com o mínimo ético essencial defendido na assertiva da autora Flavia Piovesan. A condição humana da mulher não é respeitada. Naquela cultura, a mulher é praticamente tratada como objeto, como se não tivesse sentimento, pensamento, reflexão e crítica. A capacidade de impor sua vontade é reduzida ou extinta pelo regramento existente. Ora, se a capacidade de imposição da vontade da mulher é mitigada, logo não há o que se dizer em mínimo ético essencial. A dignidade humana da mulher é diminuída, às vezes extinta. Em dado momento, se a mulher expressar seu pensamento ou cometer alguma transgressão considerados como “injusto” contra o ordenamento vigente, poderá perder sua a vida (biológica, social, biográfica), que é considerada como o Direito Humano primordial defeso pela Comunidade Internacional e pelas Constituições em seus preceitos normativos como Leis Constitucionais, Tratados, Convenções e Declarações de Direitos Humanos. Os Direitos Humanos de primeira, segunda e terceira geração não são garantias para a mulher nesse tipo de sociedade. O ordenamento jurídico presente é baseado em uma justificação divina, consuetudinária e de interpretação falha, contrária ao Direito Jusnaturalista racional que é a preservação da vida biológica, psicológica, moral e social e da dignidade da pessoa humana, direitos naturais inerentes à condição humana e faz com que a capacidade de desenvolvimento da personalidade humana fique prejudicada, não havendo alteração do status quo. Também é contrário ao Direito Juspositivista, tendo em vista que o Estado não estipula em seu ordenamento jurídico as devidas garantias que visam assegurar Direitos Humanos para proporcionar o mínimo ético essencial, requisito basilar à condição e dignidade humanas. Na tentativa de proporcionar coerência e de certa forma inserir uma possível efetividade, serão analisadas as seguintes novas tendências dos principios de Direitos Humanos: aspectos culturais e vedação do retrocesso. São conceitos modernos e importantíssimos, visto que procuram abrager e justificar a eficácia e a efetividade dos Direitos Humanos nas diferentes sociedades. Não se pode esquecer também do princípio da universalidade. Em uma breve descrição dos principios supracitados, o princípio da universalidade é a característica que trata do aspecto universal de Direitos Humanos, onde todo ser humano, independente de raça, cor, sociedade em que está inserido, religião, situação financeira, Fabris, Gustavo; Borba, Rafaele; Zoppi, Pedro.Revista Científica Eletrônica UniSEB. N. 3. Ano 2. Ribeirão Preto, janeirojulho, 2014. p. 79-90. 88 convicção ideológica, faz juz aos preceitos de Direitos Humanos. O princípio da vedação do retrocesso é uma nova tendência; os Direitos Humanos são processos históricos, conquistas que surgem, se aperfeiçoam e se solidificam ao longo do tempo. A vedação do retrocesso vai garantir que modificações no ordenamento jurídico não venham a diminuir ou prejudicar os preceitos de Direitos Humanos conquistados. O princípio dos aspectos culturais, que também é uma nova tendência, define que, independente do ordenamento jurídico adotado por um país, amoldado à sua cultura, tem que garantir o mínimo ético essencial, de maneira a efetivar os Direitos Humanos de modo a garantir a proteção à dignidade da pessoa humana. A solução, dado que aquele país é conservador e é regido por leis incoerentes com os preceitos e princípios de Direitos Humanos, seria a tentativa de uma articulação política e jurídica por parte da Comunidade Internacional, de modo a garantir a liberdade da convicção religiosa e da tradição sem, contudo, ofender, prejudicar ou excluir qualquer tipo de Direito Humano, atitudes urgentes tomadas primeiramente para o exercício e após uma busca constante da eficácia e efetividade dos Direitos Humanos, visto que o ser humano deve ser protegido nos ordenamentos jurídicos e a condição humana deve ser o princípio que fundamenta o Estado jurídico e político. 5. Conclusão Reflexão: o que a Comunidade Internacional poderia fazer para a tentativa de garantias aos Direitos Humanos da mulher na cultura islâmica? Como já descrito, o atual Estado em a mulher está inserida não permite em seu ordenamento jurídico e tradicional religioso que os Direitos Humanos sejam exercidos em sua totalidade. Não há garantias para a proteção e irradiação desses preceitos fundamentais, os direitos da mulher são cerceados, o que não condiz com a proteção da dignidade e personalidade humanas. Algumas alternativas poderiam ser executadas na tentativa de garantir o mínimo ético essencial como: acordos diplomáticos no sentido da busca da garantia de Direitos Humanos, convocação do Estado para a compreensão e ratificação de Direitos Humanos em Tratados e Convenções Internacionais, a priori, e posteriormente inserção no ordenamento jurídico tornando-os Direitos Humanos Fundamentais (o que seria uma conquista ao longo da história, visto que há necessidade de mudança no ordenamento jurídico atual), o que proporcionaria um contexto propício para a garantia desses direitos e, como última ratio, uma intervenção Fabris, Gustavo; Borba, Rafaele; Zoppi, Pedro.Revista Científica Eletrônica UniSEB. N. 3. Ano 2. Ribeirão Preto, janeirojulho, 2014. p. 79-90. 89 interna pela Comunidade Internacional no país para a obrigatoriedade de exercício e garantias dos Direitos Humanos, o que evitaria um retrocesso ainda maior. Referências ARENDT, H. A Condição Humana. RJ: Ed. 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