EDITORIAL Sou frequentador assíduo da feira livre do meu bairro. Há anos cumpro prazerosamente a agradável rotina de, aos sábados, pela manhã, acompanhado da esposa, comprar verduras, frutas, legumes, ovos, tudo muito fresquinho e de boa qualidade. E é claro: a preços bem generosos. Entendo, todavia, que algo mais me atrai àquele lugar que simplesmente abastecer a despensa de nossa casa. Desde menino, tenho contato com esse tipo de atividade comercial. Então para mim era uma obrigação acompanhar minha mãe nas compras aos domingos. Não tinha a compreensão da peculiaridade do convívio humano que tal local nos proporciona. A regularidade do comparecimento à feira me faz prestar atenção aos compradores fiéis como eu, bem como aos feirantes. É inevitável o estabelecimento de vínculos de amizade com os vendedores em cujas barracas me faço mais presente. Quando, por algum motivo, vou sozinho, sou surpreendido com a indagação: Cadê a companheira? Nestes tempos de reclusão urbana. De pessoas acuadas em seus lares, temendo a violência. Tempos em que a virtualidade chega a substituir o contacto pessoal, intriga-me a desenvoltura com que todos interagem na feira. É diferente do supermercado que, indubitavelmente, oferece mais praticidade, mas que tolhe essa liberdade. E, enquanto vou ajudando a carregar os produtos adquiridos após a escolha criteriosa da minha mulher, vou prestando atenção em tudo: dos odores às cores; dos ruídos aos sons humanos. Capto trechos de conversas que as pessoas mantêm nos contínuos reencontros semanais. Divirto-me com os pregões dos barraqueiros porque ali tenho gratuitamente o antídoto para o azedume do meu humor fragilizado pelas preocupações pessoais da semana. Já há alguns sábados, tenho observado com certa curiosidade um senhor que percorre toda a extensão da feira. Trata-se de um idoso, vestido com simplicidade, apoiado numa bengala. Nunca o vi conversando com outra pessoa. Sempre só. E não parece se sentir incomodado por estar, de certa forma, na contramão de todo aquele burburinho. Sempre que passa por mim reparo em suas mãos um boneco artesanal de madeira. Daqueles que antigamente divertiam nossa infância (nos tempos dos brinquedos simples...). É um boneco acrobata que fica preso por barbantes a hastes. Mexendo-as, ele realiza movimentos. Acredito que aquele senhor tenta vender o brinquedo.Contudo não o apregoa. Apenas caminha silenciosamente entre as pessoas. Será que alguém também presta atenção nele? Alguma criança já se interessou pelo boneco? Sempre que passo por aquele idoso me vem à mente a idéia de que mais do que auferir algum lucro da comercialização do seu produto ele quer é preencher um pouco da solidão imposta pela, às vezes, hostil senilidade, usufruindo da vida que brota daquele ambiente o qual talvez lhe suscite reminiscências. Gosto de observá-lo assim discretamente. Impressiona-me a dignidade que dele emana. Em que outro espaço ele poderia se fazer presente e presença? Nossa seção “Editorial” é atualizada mensalmente. Participe você também, escrevendo. Entre em contato com a Editoração ([email protected]).