A CELERIDADE COMO NOVA FASE DA EVOLUÇÃO DO PROCESSO
Michael Nedeff Chehade
Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela ABDPCAcademia Brasileira de Direito Processual Civil.
Advogado.
RESUMO
Este estudo consiste numa análise do princípio da celeridade no processo civil, sua
valorização no conjunto de normas instrumentais brasileiras, envolvendo vários
segmentos da sociedade e os operadores do direito numa união de esforços em
favor da eficiência da prestação jurisdicional. Por intermédio do método zetéticodedutivo, procura-se relacionar o princípio da celeridade com a instrumentalidade do
processo proposta por Cândido Rangel Dinamarco, bem como sua influência na
efetividade do processo pela eficácia nos arestos exarados. Busca estabelecer a
importância da justiça na sociedade, e, por conseqüência, a necessidade da
admissão da celeridade do processo como nova fase de estudo do processo, com
fim último de fortalecer o Poder Judiciário, tão essencial para o desenvolvimento da
República. Traz uma proposta que estuda a relevância de se ter previsão expressa
do princípio da celeridade na Lei Maior do país com vistas a provocar os operadores
do direito para uma efetiva reforma judicial que atenda aos anseios da sociedade por
um processo civil justo e célere, mas sem ofensa às garantias constitucionais
derivadas do devido processo legal.
Palavras-chave: processo, instrumentalidade, efetividade, princípios, celeridade,
judiciário, democracia.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho diligencia no sentido de apresentar,
preliminarmente, a relevância do princípio da celeridade no estudo do processo civil,
sem, entretanto, cair nas mesmas e comuns lamúrias quanto à morosidade da
justiça brasileira.
www.abdpc.org.br
Importante que se defina o que representa o princípio da
celeridade para o estudo do processo civil, sua valorização na universalidade
normativa instrumental a partir de sua inclusão na Constituição Federal com a
Emenda Constitucional n° 45, que acrescentou o inciso LXXVIII ao artigo 5º.
Para contribuir com essa abordagem, há que transpassar a
instrumentalidade do processo, definindo os escopos do processo e delimitando a
finalidade do processo enquanto instrumento, assim como a efetividade do
processo, cujas estratégias de efetivação da prestação jurisdicional são muito
relevantes para o princípio que se estuda, pois a efetividade da função jurisdicional é
ineficaz quando dissociada da celeridade.
Portanto, o intuito do presente ensaio é instigar os lidadores do
direito, sobre a relevância da celeridade, como uma nova fase de análise da
formação e da evolução do processo civil.
1. A RELEVÂNCIA DA CELERIDADE NA EVOLUÇÃO DO PROCESSO
O processo civil brasileiro está para o princípio da celeridade
como um enfermo está para a medicina. A celeridade processual é necessária ao
bom desenvolvimento da própria sociedade, sobretudo a brasileira, que, por estar
saturada
de
desigualdades
sociais,
sofre
com
constantes
conflitos,
que
inevitavelmente acabam eclodindo no Judiciário, em busca da proteção estatal.
Portanto, para que o processo atinja o seu fim, paz social, é necessário eficiência da
prestação jurisdicional, conceito, no qual, sem dúvidas enquadra-se a presteza no
juízo.
Para conceituar o princípio é necessário recorrer à legislação.
Inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal, “a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação.”
Outros países, contudo, já fizeram constar na Lei Maior como
princípio informativo. É o caso da atual Constituição Portuguesa que, ao contrário da
Constituição Federal brasileira de 1988 que acresceu o inciso LXXVIII ao artigo 5°
somente com o advento da Emenda Constitucional n° 45 de 2004, contemplava
expressamente a celeridade e a efetividade do processo desde a origem. Inobstante
aquela Carta Maior tenha servido como fonte de inspiração à atual Carta Política do
nosso país, não foi reproduzida pelo legislador constituinte em 1988.
No ensinamento de CANOTILHO:
A protecção jurídica através dos tribunais implica a garantia de
uma protecção eficaz e temporalmente adequada.
(...)
Além disso, ao demandante de uma protecção jurídica deve
ser reconhecida a possibilidade de, em tempo útil (adequação
temporal, justiça temporalmente adequada), obter uma
sentença executória com força de caso julgado – a justiça
tardia equivale a uma denegação de justiça. Note-se que a
exigência de um processo sem dilações indevidas, ou seja, de
uma protecção judicial em tempo adequado, não significa
necessariamente justiça acelerada. A aceleração da protecção
jurídica que se traduza em diminuição de garantias
processuais e materiais (prazos de recurso, supressão de
instâncias) pode conduzir a uma justiça pronta, mas
materialmente injusta. 1
Denota-se que a idéia de celeridade contemplada na legislação
portuguesa é mais avançada e complexa que a simples duração razoável do
processo. Pressupõe o imediatismo na tutela jurisdicional, sem, contudo, afetar as
garantias processuais já vigentes, como o contraditório efetivo e a igualdade entre
as partes.
Diz ACIOLY:
Com efeito, a sociedade cresceu, os conflitos se multiplicaram
e a prestação jurisdicional tornou-se morosa, máxime pela
consagração do procedimento processual por excelência, vale
dizer, o procedimento ordinário, que permite a cognição plena
1
J. J. Gomes Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 1988, p. 466-467.
e exauriente do direito em litígio, repelindo sua cognição
parcial, sumarizada, relegando-a à excepcionalidade. Houve,
portanto, a priorização da segurança jurídica, entendida como
o direito dos litigantes à cognição exaustiva do direito em
litígio, ensejando a amplitude do contraditório, da defesa, da
interposição de recursos, etc, em detrimento da tempestividade
da prestação jurisdicional, em última análise, entendida como
acesso à Justiça. 2
Não se pode deixar de destacar, segundo o magistério de
3
CANOTILHO , as inovações trazidas em 1997 na Constituição Portuguesa, nos
moldes dos Juizados Especiais implementados pela Lei n°. 9.099, de 26 de
setembro de 1995 no Brasil, com limitação, não pelo valor da causa, e, portanto, não
pelo benefício patrimonial pretendido, mas pela natureza do direito material discutido
no processo:
Uma das importantes inovações introduzidas pela LC 1/97 (4ª
Revisão) constituiu na criação de procedimentos judiciais
céleres e prioritários (CRP, art. 20º/4) de modo a obter tutela
efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações de
direito, liberdades e garantias. Não é fácil delimitar o sentido a
processo célere e prioritário. Devem reter-se, numa primeira
aproximação, os seguintes tópicos:
a) O preceito constitucional (art. 20º/4) constitui, desde logo,
uma imposição constitucional no sentido de o legislador
ordinário conformar os vários processos (penal, civil,
administrativo) no sentido de assegurar por via preferente e
sumária a protecção de direito, liberdades e garantias.
b) A consagração de procedimentos judiciais céleres e
prioritários não significa a introdução de uma acção ou recurso
de amparo especificamente dirigido à tutela de direitos,
liberdades e garantias, mas de um direito constitucional de
amparo de direitos a efectivar através das vias judiciais
normais.
c) A efectivação deste direito pressupõe uma nova formatação
processual tendente a responder às exigências de celeridade e
prioridade (assim, por exemplo, redução de prazos, eliminação
de eventuais recursos hierárquicos necessários no contencioso
administrativo).
Um problema não inteiramente resolvido é o da extensão
destes processos céleres e prioritários. O texto constitucional
parece apontar apenas para um reduzido âmbito: os direitos,
liberdades e garantias pessoais. A lei poderá e deverá, no
entanto, institucionalizar processos céleres e prioritários para a
defesa de direitos, liberdades e garantias da participação
2
José Adelmy da Silva Acioly. Crise do processo:
<http://www.trt19.gov.br/doutrina/003.htm>. Acesso em: 18/out/2007.
3
J. J. Gomes Canotilho. Op. cit. p. 472-473.
uma
visão
crítica.
Disponível
em:
política e de direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores.
4
Não restam dúvidas de que a parte que postula direitos em
juízo pretende que seu processo seja prioritário e, por conseqüência, célere, sob
pena de existir ofensa às mesmas garantias pessoais que, por vezes travam uma
prestação jurisdicional mais eficaz e em tempo mais reduzido.
A demora processual representa uma ofensa à dignidade do
cidadão, muito maior que, por exemplo, obtenção de prova por meios ilícitos,
também objeto de proteção constitucional. Em MARINONI:
O processo é um instrumento indispensável não somente para
a efetiva e concreta atuação do direito de ação, mas também
para a remoção das situações que impedem o pleno
desenvolvimento da pessoa humana e a participação de todos
os trabalhadores na organização política, econômica e social
do país. 5
Portanto, de fato o processo deixa de servir à sociedade com
instrumento de pacificação dos conflitos de interesses, para se adequar à frase de
SOUZA SANTOS, "O sistema processual é tão burocrático que não se nota mais a
presença de seres humanos nas ações". 6
O acúmulo de processos enfrentado pelo Judiciário tende a
aumentar no futuro, principalmente devido a três fatores apontados por AMARAL:
O exercício da cidadania no Brasil possui três grandes
obstáculos:1º) o sistema jurídico brasileiro não possui uma
ampla definição de possibilidades para uma efetiva
participação popular consciente; 2º) a postura excessivamente
conservadora de parcelas do Judiciário, apegando-se a
interpretações que limitam absurdamente o alcance dos
dispositivos legais que permitiriam uma efetiva democratização
do poder; por fim, 3º) uma profunda ignorância do Direito: a
esmagadora maioria dos brasileiros não possui conhecimentos
mínimos sobre quais são os seus direitos e como defendê-los.
4
J. J. Gomes Canotilho. Op. cit. p. 472-473.
Luiz Guilherme Marinoni. Novas Linhas do Processo Civil. 2000, p. 33. (a)
6
Boaventura de Souza Santos apud Wagner Giron de La Torre. A Morosidade da Justiça e a Defunção de
Direitos. Disponível em: < http://www.apoena.adv.br/morosidade.html>. Acesso em: 12/nov/2002.
5
Desta forma, o poder continua preservado, como preservados
continuam os benefícios desfrutados por aqueles que podem
determinar (ou influenciar), de fato, os desígnios de Estado. 7
Assim, para se buscar uma efetiva e célere prestação
jurisdicional que não ofenda a cidadania, têm-se duas premissas básicas.
Primeiro, a democratização da justiça com maior participação
dos variados segmentos da sociedade com função fiscalizadora sobre o Poder
Judiciário, quebrando dogmas conservadores que, com certeza, não trazem orgulho
a qualquer operador dos foros, incluindo advogados.
Essa assertiva encontra guarida nos ensinamentos de
DINAMARCO,
Por imposição do seu próprio modo de ser, o direito processual
sofre de natural propensão ao formalismo e ao isolamento. Ele
não vai diretamente à realidade da vida, nem fala a linguagem
do homem comum. O homem comum o ignora, o próprio jurista
o desdenha e os profissionais do foro lamentam as suas
imperfeições, sem atinar com meios para melhorá-lo. A
descrença de todos na Justiça é efeito da mazelas de um
sistema acomodado no tradicional método introspectivo, que
não inclui a crítica do sistema mesmo e dos resultados que ele
é capaz de oferecer aos consumidores finais do seu serviço -,
ou seja, aos membros da população. 8
Depois, segundo o mesmo autor, a adoção de um corpo
normativo que não incentive a tramitação dos processos em todas as instâncias.
Ovídio Baptista da Silva iniciou sua exposição, em 25 de maio de 2002, ao proferir
palestra na VII Jornada Internacional de Direito, afirmando que o Código de
Processo Civil brasileiro, sobretudo o procedimento ordinário, está arquitetado para
que a tramitação dos processos se alongue mais que o devido. Esta posição não é
isolada; difícil encontrar elogios à estrutura normativa instrumental brasileira.
7
Luiz Otavio de Oliveira Amaral.. O Processo que precisamos, a justiça que merecemos. Disponível em:
<http://www.advogado.adv.br/artigos/ 2001/luizamaral/processoejustica.htm> Acesso em: 12/nov/2007.
8
Cândido Rangel Dinamarco. A Instrumentalidade do Processo. 1999, p. 11.(a)
Em verdade, o princípio da celeridade é um instituto formador
do processo civil que demanda uma reformulação constante do sistema processual,
através da participação de todos os segmentos, jurídicos ou não, sem afastamento
absoluto dos demais princípios garantidores da relação processual. Ainda em
DINAMARCO:
O processualista moderno adquiriu a consciência de que,
como instrumento a serviço da ordem constitucional, o
processo precisa refletir as bases do regime democrático, nela
proclamados; ele é, por assim dizer, o microcosmos
democrático do Estado-de-direito, com as conotações da
liberdade, igualdade e participação (contraditório), em clima de
legalidade e responsabilidade. 9
Também, há que se reconhecer o cidadão como consumidor
de um produto (justiça) de qualidade.
Para
isto,
a
necessidade
de
atualização
das
normas
instrumentais é constante em qualquer Estado, especialmente considerando a
natureza cada vez mais diferenciada dos direitos materiais objetos dos litígios. No
Brasil, esta atualização deve ser ampla, atingindo o âmago da problemática da
saturação das demandas nos tribunais.
A crise é enfrentada de forma séria. A presença de idéias
voltadas à agilização processual é constante:
As reformas efetuadas, ao longo dos últimos anos, no Código
de Processo Civil inspiraram-se declaradamente no instituto
básico de simplificar o itinerário dos feitos, assegurando-lhes
trajetória mais desembaraçada e mais rápida, e, com isso,
tornando mais efetiva a prestação jurisdicional. 10
Apesar da importância dada à agilização dos processos nos
projetos de lei que alteram o Código de Processo Civil, muito está sendo feito
experimentalmente, de maneira que a validade efetiva desses normativos, somente
9
Cândido Rangel Dinamarco. Op. cit. p. 25. (a)
José Carlos Barbosa Moreira. As reformas do Código de Processo Civil: condições de uma avaliação objetiva.
Revista da Ajuris. jul/1996, p. 6. (a)
10
poderá ser avaliada a médio ou longo prazo, quando emergirem os resultados
concretos de tais proposições legislativas.
Torna-se, então, necessário como estão funcionando, in
concreto, os mecanismos reformados, a fim de julgar se vale à
pena preservar no rumo adotado, se convém retificá-lo em
menor ou maior medida, ou se, afinal de contas, o melhor é dar
marcha ré. Em não poucos casos importa mesmo, antes de
mais nada, averiguar se a nova regra está recebendo
aplicação uniforme, ou se ao contrário objeto de interpretações
díspares por parte dos inúmeros órgãos incumbidos de aplicálas. Pode muito bem acontecer que, para assegurar bom êxito
a uma reforma, basta homogeneizar, tanto quanto possível, o
tratamento que lhe dão os juízes, fixando, dentre os
entendimentos concebíveis, o mais adequado. 11
A eficiência, pela reforma legislativa, está sendo buscada, mas,
como na maioria dos problemas sociais brasileiros, as soluções relativas à
celeridade correm o risco de terem um efeito sintomático e não preventivo e
constante, como seria o ideal.
Hipoteticamente, pode-se conjeturar que, caso a elaboração do
Código de Processo Civil em 1973 fosse norteada pelo princípio da celeridade, não
chegaríamos à situação de hoje em alguns tribunais, onde alguns processos
aguardam até mais de 5 anos para serem distribuídos em segunda instância,
podendo haver dilação deste prazo para além de uma década até a solução
definitiva de lides muitas vezes singelas.
O princípio da celeridade é reconhecido tardiamente pelos
processualistas brasileiros. Poder-se-ia ter avançado muito, de forma preventiva,
mesmo porque o crescimento das demandas é natural em qualquer civilização, pois
tal incremento se dá na mesma proporção que o crescimento da politização das
relações pessoais e aumento da cultura dos cidadãos, por mínimos que sejam tais
avanços sociais.
11
Idem. Ibidem. p. 6.
Na mesma proporção do crescimento de demandas judiciais,
impõe-se que sejam recicladas as formas e o tempo dos atos processuais, a fim de
que a solução das lides atenda ao clamor da sociedade, isto é, sejam céleres,
seguras e justas, sem, contudo, perder a consciência finalística do processo,
considerado o seu caráter instrumental, verificado a partir da evolução do Estado,
sobretudo pelo abandono da visão individual e privada dos direito em favor da
coletividade, do social.
O estudo do processo lato sensu apresenta-se, principalmente,
em três fases distintas e perfeitamente identificáveis.
Até meados do século XIX, o processo era considerado
simples meio de exercício de direitos (direito adjetivo). A ação era entendida como
sendo o próprio direito subjetivo material que, uma vez lesado, adquiria forças para
obter em juízo a reparação da lesão.
Não se tinha consciência da autonomia da relação jurídica
processual em face da relação jurídica de natureza material. O direito processual era
integrante do direito material.
A segunda fase, conhecida como autonomista ou conceitual, foi
marcada pelas grandes construções científicas do direito processual. Foi durante
este período de praticamente um século que tiveram lugar as grandes teorias,
desenvolvidas, especialmente sobre a natureza jurídica da ação e do processo.
Faltou nesta fase uma postura mais crítica. O sistema
processual era estudado nos seus aspectos conceituais e técnicos, sem maior
preocupação com a sua finalidade, ou seja, resultado prático para a vida das
pessoas, realização da justiça e o resguardo da paz social.
Ora em curso, a terceira fase, denominada instrumentalista, é
caracterizada pela conotação crítica. O processualista moderno sabe que, no
aspecto técnico, a ciência do processo já atingiu níveis muito expressivos de
desenvolvimento, mas o sistema continua falho na sua missão de produzir justiça e
segurança entre os membros da sociedade. Já não basta mais encarar o sistema do
ponto de vista dos produtores do serviço processual (juízes, advogados e
promotores de justiça). É preciso levar em conta o modo como os seus resultados
chegam aos consumidores desse serviço, ou seja, o cidadão.
Essa terceira fase ainda está longe de exaurir o seu potencial
reformista. Os progressos no plano prático se fazem notar na legislação que rege os
juizados especiais de pequenas causas (simplificação dos procedimentos, maior
acesso popular, e outros.), na ação civil pública (tutela jurisdicional dos interesses
supra-individuais) e no código de defesa do consumidor.
A conquista da instrumentalidade do processo é marcada pela
definição de seus escopos, na visão de DINAMARCO:
É vaga e pouco acrescenta ao conhecimento do processo a
usual afirmação de que ele é um instrumento, enquanto não
acompanhada da indicação dos objetivos a serem alcançados
mediante o seu emprego. Todo instrumento como tal, é mio; o
todo meio é tal e se legitima em função dos fins a que se
destina. O raciocínio teleológico há incluir então,
necessariamente, a fixação dos escopos do processo, ou seja,
dos propósitos norteadores da sua instituição e das condutas
dos agentes estatais que o utilizam. Assim é que se poderá
conferir um conteúdo substancial a essa usual assertiva da
doutrina, mediante a investigação do escopo, ou escopos em
razão dos quais toda ordem jurídica inclui um sistema
processual. 12
O fim último pretendido no processo é a pacificação social:
(...) a pacificação é o escopo magno da jurisdição e, por
conseqüência, de todo o sistema processual. É um escopo
social, uma vez que se relaciona com o resultado do exercício
da jurisdição perante a sociedade e sobre a vida gregária dos
seus membros e felicidade pessoal de cada um. 13
12
Cândido Rangel Dinamarco. op. cit. p. 11.(a)
Carlos de Araújo Cintra; Ada Pllegrini Grinover; Cândido Rangel Dinamarco. Teoria Geral do Processo. 1996,
p. 25.
13
Ainda com base na doutrina de DINAMARCO, 14 pode-se
afirmar que este aspecto teleológico do processo se afirma nos níveis jurídico, social
e político. Tem escopo jurídico, pois trata de dar meios para que se defina a
incerteza de um direito material pretendido ou defendido. No ponto de vista social,
atinge seu objetivo a partir do momento em que põe cabo ao conflito de interesses
em discussão na lide. Os escopos políticos são, por fim, definidos basicamente em
três aspectos:
Primeiro, afirmar a capacidade estatal de decidir
imperativamente (poder), sem a qual nem ele mesmo se
sustentaria, nem teria como cumprir os fins que o legitimam,
nem haveria razão de ser para o seu ordenamento jurídico,
projeção positivada do seu poder e dele próprio; segundo,
concretizar o culto ao valor liberdade, com isso limitando e
fazendo observar os contornos do poder e do seu exercício,
para a dignidade dos indivíduos sobre as quais ele se exerce;
finalmente, assegurar a participação dos cidadãos, por si
mesmo ou através de suas associações, nos destinos da
sociedade política. Poder (autoridade) e liberdade são dois
pólos de um equilíbrio que mediante o exercício da jurisdição o
Estado procura manter; participação é um valor democrático
inalienável, para a legitimação do processo político. 15
Como toda proposição doutrinária, a instrumentalidade do
processo pressupõe um duplo sentido, o que lhe confere racionalidade e favorece o
aprimoramento:
Para esse aprimoramento, há de ser útil à visão panorâmica
das projeções que a instrumentalidade do direito processual
tem sobre ele, seja para contê-lo funcionalmente na sua
posição devida sem invasão de áreas que não lhe pertencem
(aspecto negativo da instrumentalidade), seja para abri-lo tanto
quanto possível na mais enérgica afirmação de sua utilidade
jurídica, social e política (aspecto positivo). 16
Pode-se afirmar que a instrumentalidade consagrou o processo
como ramo do direito, com luz própria e capaz de promover a efetiva tutela dos
14
Cândido Rangel Dinamarco. op. cit. p. 169.(a)
Idem. ibidem. p. 169.(a)
16
Cândido Rangel Dinamarco. op. cit. p. 267 (a)
15
direitos materiais que a ele são submetidos quando se busca a prestação
jurisdicional, sem abandonar seus objetivos teleológicos específicos.
Entretanto, é impossível alcançar princípio da celeridade no
direito processual civil sem referir o tema que ocupa o pensamento processual
brasileiro, a efetividade, conforme ensinamento de MOREIRA, que enumera os
aspectos relevantes na busca da eficácia jurisdicional:
Efetividade, não abrangente, comporta dose inevitável de
fluidez. Em trabalho que já conta mais de dez anos, mas em
cuja substância, no particular, não nos pareceria necessário
introduzir hoje alterações de monta, procuramos sintetizar em
cinco itens algo que, sem excessiva pretensão de rigor, se
poderia considerar como uma espécie de ‘programa básico’ da
campanha em prol da efetividade. Escrevíamos, então: a) o
processo deve dispor de instrumentos de tutela adequados, na
medida do possível, a todos os direitos (e outras posições
jurídicas de vantagem) contemplados no ordenamento, quer
resultem de expressa previsão normativa, quer se possam
interferir do sistema; b) esses instrumentos devem ser
praticamente utilizáveis, ao menos em princípio, sejam quais
forem os supostos titulares dos direitos (e das outras posições
jurídicas de vantagem) de cuja preservação ou reintegração se
cogita, inclusive quando indeterminado ou indeterminável o
círculo dos eventuais sujeitos; c) impede de assegurar
condições propícias à exata e completa reconstituição dos
fatos relevantes, a fim de que o convencimento do julgador
corresponda, tanto quanto puder, à realidade; d) em toda a
extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há
de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da
específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento; e)
cumpre que se possa atingir semelhante resultado com o
mínimo de dispêndio de tempo e energias. 17
A efetividade da prestação jurisdicional é princípio que se
aplica e contempla, de forma igual, todas as partes da relação processual, não se
confundindo com a idéia de um processo que satisfaça à pretensão do autor que,
supostamente, tem razão, buscando-se meios de vencer a resistência do réu,
freqüentemente havida como litigância de má-fé. Tanto o autor quanto o réu devem
sair fortalecidos com a efetividade. Também o Estado-juiz, que poderá ter papel
fundamental nesta relação processual remodelada.
17
José Carlos Barbosa Moreira. Efetividade do Processo e a Técnica processual. Revista da Ajuris.
jul/1995 p. 149-150. (b)
O processo civil brasileiro já evoluiu neste sentido, mas não
se verifica mesma consideração com a celeridade prática e específica do processo,
cuja solução ainda está distante, ainda que o sistema já preveja formas de tutela
imediata de direitos, sem ofensa às garantias processuais constitucionais como o
contraditório e a igualdade:
Na tutela jurisdicional há, portanto, o processo normal,
naturalmente lento e demorado; e há o processo de
emergência, para as situações de urgência. Nos casos de risco
de dano iminente e grave, o processo normal se apresenta
como inútil, sendo necessário que sejam utilizados recursos
emergenciais, como a antecipação de tutela, para que o
provimento final não se torne inócuo para uma das partes.
Conforme sabemos, lamentavelmente, o provimento
jurisdicional não pode ser ministrado instantaneamente,
automaticamente. Deve obedecer a trâmites prefixados, ao
devido processo legal, segundo os princípios fundamentais do
contraditório e da ampla defesa. Há apenas um aparente
antagonismo entre a garantia do devido processo legal e a
necessidade de celeridade e eficácia na prestação
jurisdicional. Encontramos na antecipação de tutela
exatamente o meio ideal para minimizar esse antagonismo.
Verificamos, portanto, ao longo desse estudo, a relevante
importância do instituto da tutela antecipada. É o reflexo de
uma exigência, uma necessidade social, a fim de que se
garantisse maior efetividade ao processo. Mister é, por outro
lado, ressaltarmos que o instituto que ora analisamos deve ser
utilizado com bastante cautela, de modo que não se
sobreponha às garantias do devido processo legal. 18
Entre os aspectos que contribuem para o adiamento desta
excelência em efetividade, a demora processual é o maior, podendo-se enumerar
outros, não muito diferentes dos que Barbosa Moreira já citava há muito tempo.
É inegável que o processualista, antes de buscar a efetividade,
entendida como a eficácia de decisões judiciais justas, volte sua atenção à
celeridade. Os efeitos buscados pelas decisões exaradas nas lides judiciais de nada
servem ao cidadão ou à sociedade se forem proporcionados intempestivamente.
18
Marco Aurélio Ventura Peixoto. Antecipação de Tutela: Reflexo da Evolução do Processo Civil no Brasil.
Disponível em:<http://www.apoena.adv.br/antecipacao-tutela.htm>. Acesso em: 31/out./2006.
Os anseios da sociedade se refletem nos balcões dos Cartórios
Judiciais onde todos buscam seus direitos, na medida em que é promovido o
incremento do nível cultural e social, principalmente, uma maior valorização da
cidadania. A sociedade, mais e mais, demanda pelos serviços judiciários na defesa
de seus interesses.
Sem embargo do argumento de que o conceito de cidadania
evoluiu ao longo da história, devemos nos centrar em seu
conceito atual. Atentos, ainda, para o fato de que o tema não
comporta, neste breve estudo, maior densidade, vamos
ressaltar alguns de seus aspectos. Num primeiro momento, é
possível dizer que o indivíduo só vive a plenitude de sua
cidadania se tiver os meios para que seja realmente livre.
Enquanto aquele estiver sob o jugo de necessidades básicas,
não terá condições de ser um cidadão pleno. Dessa forma,
cremos que a mencionada plenitude só pode ser obtida a partir
de uma perspectiva de indivisibilidade dos direitos humanos. 19
No momento em que se têm instituições democráticas sólidas,
a sociedade busca transformar o meio que vive de todos os modos. Desde a
renovação de quadros e propostas governamentais, até na reformulação de
preceitos jurídicos.
A eficiência processual é a busca da excelência em
produtividade no trâmite dos processos no Poder Judiciário, ou seja, fazer mais pelo
processo em menos tempo, e, ainda assim, cumprir e assegurar o devido processo
legal, sob pena de estar-se transformando a celeridade numa falácia, pois o estudo
do processo civil sob o prisma da celeridade e a procura de um procedimento mais
justo que atenda aos anseios da sociedade, pressupõe a abordagem do direito
processual constitucional:
O direito processual constitucional põe o estudo do
procedimento sob o enfoque da garantia do devido processo
legal e com isso o estudioso conscientiza-se de que as
exigências do Código constituem projeção de uma norma de
maior amplitude e mais alta posição hierárquica, sendo
indispensável uma interpretação sistemática. 20
19
Alan Pereira de Araújo. Institucionalismo e Efetividade Jurídica. Disponível em:
<http://www.direitoemdebate.net/>. Acesso em: 12nov/2007.
20
Candido Rangel Dinamarco. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 2002, p.731. (b)
O estudo deste princípio da celeridade não é convalidar os
institutos processuais vinculados às tutelas de urgência, a antecipação de tutela e os
processos cautelares, que se revelam céleres, mas, às vezes, ofensivos aos
princípios do contraditório e da ampla defesa, mas sim, ver reconhecida sua
relevância como princípio formador do processo civil.
A excelência nos serviços judiciários depende dos princípios
assentados na Lei Maior, especialmente ao se discutir a reforma processual e
reforma do Poder Judiciário, como um todo.
A celeridade é instituto que consagra e reafirma as garantias
processuais contidas na Constituição Federal de 1988 que, apenas devem se
adaptar às exigências da eficiência pretendidas pela sociedade, segundo os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Essa intenção integradora do
aprimoramento da prestação jurisdicional é patente:
Outros princípios e garantias complementares visam ao
aprimoramento do serviço jurisdicional, tendo em vista os
interesses, as necessidades e as dificuldades dos
consumidores deste. Daí a garantia do contraditório, agora
explícita para o processo civil e trazendo em seu bojo a
exigência de efetivo ativismo judicial, atí também as garantias
da ampla defesa e do devido processo legal, somando-se
essas e outras e reunindo-se em torno do objetivo de
aprimorar os serviços jurisdicionais oferecidos. 21
Com isso, o princípio da celeridade, enquanto promove a
função jurisdicional, também consolida as demais garantias processuais previstas na
Constituição Federal de 1988, integradas como um fim mediato da celeridade
processual, a ser verificada na estrutura legislativa, com a reforma processual que
ora tramita.
Portanto, a celeridade processual, não pode mais ser vista
como um princípio informativo que garante “duração razoável do processo”, mas
21
Idem. Ibidem. p. 864. (b)
também como a nova fase de estudo do processo civil, mesmo porque as
recentíssimas alterações legislativas dão conta de que está se considerando o
abarrotamento dos Cartórios Judiciais como causa e conseqüência das leis
processuais ora em vigor.
CONCLUSÃO
A morosidade da justiça brasileira é notória e atinge todos os
segmentos sociais, provocando o desgaste da imagem do Poder Judiciário.
O presente estudo, assim como a problemática que ele atinge,
se caracteriza por uma série sucessiva de necessidades que foram se apresentando
no decorrer de sua elaboração, quase que se escrevendo sozinho e exigindo a
busca de materiais mais selecionados dentre o vasto manancial de produções
científicas que trazem as mais diversas formas de abordagem da crise na justiça
brasileira.
A exposição do princípio da celeridade no processo civil de
forma séria e objetiva prescinde de uma avaliação das circunstâncias sociais e
políticas em que os Códigos de Processo Civil e a própria Constituição Federal
foram promulgados, pois a abordagem do contexto geral da promulgação de
qualquer lei tem o objetivo de justificar as virtudes e os equívocos legislativos de
cada época e as suas conseqüências.
Por intermédio do levantamento e estudo dos princípios do
processo civil previstos na Constituição Federal de 1988, surgiu a necessidade de
conceituar o princípio da celeridade propriamente dito, sobretudo por pautar as
reformas legislativas atuais.
Como uma forma de complementar tal abstração e seus
reflexos nos escopos do processo, definidos por Cândido Rangel Dinamarco na obra
“Instrumentalidade do Processo”, que demarcou a finalidade do processo como meio
de fazer direito material, mas qualificado de luz própria a fim de modificar e valorizar
a cidadania, mais adiante, houve necessidade de abordar a influência da efetividade
do processo na formação da celeridade que realmente promova a eficiência da
prestação jurisdicional, pois a justiça, mesmo que revestida de celeridade, não
conseguiria atingir os seus fins e fazer surtir efeitos sem a efetividade promovida
pela garantia do cumprimento das decisões judiciais e que, aos poucos, está sendo
introduzida pelas alterações da legislação processual.
Os princípios do processo civil previstos na Constituição
Federal de 1988, não podem representar entraves para uma prestação jurisdicional
mais eficiente, mas sim conferir o caráter garantidor da cidadania e do Estado de
Direito, revestindo-a de segurança e confiabilidade.
A eficácia da previsão constitucional expressa do princípio da
celeridade é verificada na produção legislativa, mas não tem mesmo tratamento na
comunidade científica, que não admite essa nova possível fase de estudo do
processo.
As recentes modificações introduzidas no Código de Processo
Civil e os projetos que ainda tramitam, são orientados por tal princípio que, mesmo
nas sombras das necessidades estruturais procedimentais brasileiras, orienta a
alteração do Diploma Processual Civil para que torne mais eficiente à prestação
jurisdicional, impondo-se seu reconhecimento como nova fase de evolução no
estudo do processo.
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