Verdade e mentira no processo civil
Juarez Rogério Felix
No presente artigo1 vamos tratar do problema em torno do dever de veracidade das
partes no processo civil, relacionado com o tema da mentira, numa breve análise do tema na
história do pensamento ocidental, a propósito de definir o que venha a ser a moralidade no
processo civil, em relação à atuação das partes e seus advogados.
1. Partes: Abuso da Demanda e da Defesa
O processo antigo era formado por ritos, verdadeiras cenas, em que as partes juravam,
autor pela demanda justa, de boa-fé, e réu por ter boa defesa. A prova, desde tempos
imemoriais, se dava diante de Deus, significando que o vencedor tinha a verdade divina
consigo. Foi assim em Roma e foi assim no direito germânico. Isto passou para o direito
lusitano, através das manquadras, cujas origens germânicas ou romanas gera muita
controvérsia na doutrina portuguesa2.
De fato, o comportamento das partes em juízo sempre esteve sob consideração da lei.
Desde o Direito Romano, e também na tradição luso-brasileira, sempre se impôs
regulamentação nesse sentido, contra o abuso, a malícia, a insinceridade e a má-fé no
processo. É obrigatória a menção aos textos, colhidos das seguintes passagens de Gaio3:
G. 4, 171. Reprime-se a temeridade não só dos autores como também dos réus,
ora mediante penas pecuniárias, ora pelo juramento religioso, ora pela ameaça
de infâmia. A pena pecuniária o pretor a institui em certos casos contra os réus
recalcitrantes, sob a forma de uma acepção em dobro (dupla), como , por ex.,
nas ações judicati (de coisa julgada), depensi (de quantia paga), de dano
injusto, de legados per damnationem. Em outros como nos de pecúnia credita
(quantia certa emprestada) e pecúnia constituta (constituto), permite-se fazer
sponsio, mas na acepção certae credita pecuniae, a sponsio é pela terça parte do
valor da acepção, e na acepção constituta pecúnia, pela metade
G. 4, 172. Porém se o réu não correr o risco de sponsio, nem de condenação em
dobro, e se desde o seu início a acepção for simples, o pretor permite se exija o
juramento de não contestar maliciosamente. Portanto, embora os herdeiros ou
os que estão em lugar deles, bem como as mulheres e os pupilos se eximam ao
risco da sponsio (a não ser que se obriguem por fato próprio), o pretor ordenalhes, isso não obstante, o juramento.
G. 4, 173. A acepção é desde o início de valor, superior ao dano sofrido, como,
por exemplo, não acepção de furto manifesto, que é no quádruplo; na de furto
não–manifesto, em dobro; de furto concepti e oblati, do triplo.
1
Artigo se refere ao capítulo 6 da dissertação de mestrado do autor: “O Princípio da Moralidade no Processo
Civil: Um Ensaio de Teoria Geral do Direito”, PUCSP, 2000.
2
Como se pode ver pelo livro de Eduardo Vera-Cruz Pinto, As Origens do Direito Português, a Tese Germanista
de Teófilo Braga.
3
CORREIA, Alexandre e SCIASCIA, Gaetano. Direito Romano. São Paulo: Saraiva, 1951, vol. 2, p. 285-.
2
G. 4, 174. Também a má-fé por parte do autor é reprimida, ora pela acepção de
malícia ora pela contrária, ora pelo juramento, ora pela reestipulação.
G. 4, 175. O processo de malícia aplica-se contra todas as ações e na décima
parte do valor da acepção, sem contar que o processo contra o adsertor
libertatis é na terça parte do valor da acepção.
G. 4, 176. Fica ao arbítrio do réu opor ao adversário o processo de malícia ou
exigir deste o juramento de não agir com intuito doloso.
G. 4, 177. O processo chamado contrário institui-se em certos casos; por
exemplo, quando se age por injúrias, ou contra mulher, alegando-se que,
imitida na posse, no interesse do nascituro, transferiu dolosamente essa posse a
outrem; ou ainda quando alguém age alegando ter sido imitido pelo pretor na
posse, não podendo portanto exercê-la, por impedimento de outrem (ab alio
quo). Porém, a acepção contra injúrias é na décima parte do valor da acepção
direta; e as ações contrárias às duas últimas são na quinta parte do valor das
ações diretas.
G. 4, 178. A repressão é mais severa no processo chamado contrário. Pois, no
processo de malícia ninguém é condenado na décima parte, que não reconheça
ter agido dolosamente, propondo a causa com intuito vexatório, esperando
vencer mais por efeito de erro ou injustiça do juiz do que pela verdade das
alegações; pois o crime de malícia como o de furto, reside na intenção. Mas o
autor é sempre condenado no processo contrário, não se provando a causa,
embora, induzido por alguma opinião, acredite estar agindo legitimamente.
G. 4, 179. Em todos os casos nos quais se pode propor acepção contrária, podese também agir por malícia porém só se admite a propositura de uma ou outra
das duas ações. Por onde, obtendo o réu o juramento de que o autor não agirá
com intenção dolosa não se lhe deve dar o processo contrário, por não caber
processo de calúnia.
G. 4, 180. Em certos casos aplica-se também a reestipulação penal; e assim
como, no processo chamado contrário , o autor é sempre condenado, não
provando a causa, sendo irrelevante indagar da sua boa-fé, assim também, pela
reestipulação penal, o autor que não consegue vencer é sempre condenado.
G. 4, 181. Contra quem pode sofrer a reestipulação penal não se pode propor a
acepção de malícia, nem reclamar o juramento religioso; pois é evidente que
em tais casos não se aplica o processo chamado contrário”.
Um sistema em que a temeridade de autor e réu é igualmente combatida no processo,
mediante penas pecuniárias, juramento religioso e infâmia, permitindo-se a sponsio,
estipulação entre autor e réu em que se fixava um valor como pena pecuniária para o
perdedor. O pretor aplica as penas pecuniárias ao réu recalcitrante, quando não cumpre a coisa
julgada, quando não paga quantia certa emprestada ou quando não solve constituto por
quantia certa. Se o réu, no entanto, não se obriga pela ação em dobro, sendo ela simples desde
o início, e se não estipulam pela sponsio o pretor permite ao autor exigir juramento de não
contestar maliciosamente, estendido aos herdeiros, à mulher e aos pupilos, todos isentos
3
também da actio dupli, que é uma ação de regresso, uma ação indenizatória por
responsabilidade, sempre pelo valor superior ao dano, por acréscimo de terça parte ou metade,
pelo dobro, triplo, quádruplo.
A repressão ao mau comportamento no processo do autor se dava pela ação contrária
ou pela ação de malícia, pelo juramento ou pela reestipulação. Ao arbítrio do réu ficava opor a
exigência de juramento pelo autor, de não agir com intuito doloso, assim também quanto a
opor o processo de malícia ou o processo contrário, como ações concorrentes excludentes.
A ação contrária produzia resultados mais fortes no mundo prático do que a ação de
malícia, pelo seu fundamento, que poderia ser a injúria ou o dolo da mulher na administração
de bem de nascituro, pelos quais respondia o autor sempre que não se provasse a causa, ainda
que, induzido por alguma opinião, acreditasse estar agindo legitimamente. Mas, um
mecanismo inteligente evitava esta circunstância drástica da ação contrária, e consistia,
exatamente, numa outra forma de repressão ao mau comportamento em juízo, que é o
juramento do autor de não agir dolosamente, uma vez prestado, impedia a propositura da
mencionada ação contrária.
Já a ação de malícia levava apenas à condenação da décima parte, se o autor
reconhecesse ter agido dolosamente, propondo a causa com intuito vexatório, esperando
vencer mais por efeito de erro ou injustiça do juiz do que pela verdade das alegações.
A reestipulação penal, como se extrai do texto acima, tinha um sistema semelhante ao
da ação contrária, já que o autor, não provando a causa, era sempre condenado,
independentemente de sua boa-fé.
Mas a pior de todas as penas que poderia recair sobre o autor era a infâmia, “os
denominados juízos infamantes, derivados dos processos de furto, rapina e injúria; e, mais
tarde, das ações de sociedade (pro sócio), fidúcia, tutela, mandato e depósito, baseadas na
boa-fé”.4
Alexandre Correa e Gaetano Sciascia5 anotam que “os criadores do Direito tiveram
muito cuidado em que os homens não movessem demandas fàcilmente; em que também
pomos estudo. E isto pode conseguir-se mui fàcilmente reprimindo-se a temeridade tanto dos
autores como dos réus, ora com uma pena pecuniária, ora por um juramento religioso, ora
pelo medo à infâmia.”
A noção de que o réu não expõe suas alegações sem antes ter jurado que veio se opor
julgando ter uma boa defesa é muito importante para dar ao direito de defesa seu verdadeiro
contorno e limite. Uma hipertrofia perniciosa do conceito fez corrente a idéia de que direito
de defesa é direito de falar qualquer coisa, por pueril ou até mesmo cínica que seja a assertiva
defensal, se tomada a circunstância pelo critério do senso comum, pelo modo como agiria
qualquer pessoa de bem, quando, em verdade, direito de defesa é oportunidade de defesa, se
houver defesa justa.
Proporciona o texto critérios seguros e plenamente válidos para um preciso controle e
repressão da imoralidade processual. Ao autor cabe juramento de calúnia – coisa normal no
4
TUCCI, José Rogério Cruz e AZEVEDO, Luiz Carlos. Lições de História do Processo Civil Romano. São
Paulo: RT, 1996, p. 131.
5
CORREIA, ob. cit., p. 631-3.
4
direito americano e inglês - , respondendo por ação indenizatória em quantia sempre maior
que o equivalente ao dano.
O caráter público da ofensa que se perpetra pela ação imoral em juízo deve ser
remarcado, pois o juramento deferido às partes é imposto pelo pretor, que dispõe sobre o
processo. Isso mostra como é sem razão o argumento, que tanto tempo esteve em voga, de que
o abuso do processo não poderia ser punido em face do princípio dispositivo, numa visão
exclusivamente privatística do processo. Felizmente hoje já está bem combatida pela doutrina
essa idéias, não restando dúvida de que seu caráter público exige moralidade no decorrer.
Sempre tiveram atenção na lei processual as ações das partes em juízo atentatórias à
boa administração da justiça. É antiga a regulamentação minudente do tema na tradição do
direito lusitano, que vigeu no Brasil, ultimamente através das Ordenações Filipinas, até que
entrasse em vigor o Código Civil (Ordenações Filipinas, livs. II e III, p. 618 e ss.):
TÍTULO XXXIV. DO QUE DEMANDA EM JUIZO MAIS DO QUE LHE
HE DEVIDO
Todo o que demandar em Juízo sobre ação pessoal por qualquer divida, que lhe
deva, se demandar maliciosamente mais do que na verdade lhe é devido,
vencerá somente aquela parte, que provar ser-lhe devida, e o réu será absolutio
na parte em que se mostrar não ser obrigado: e quanto às custas, será o autor
condenado em tresdobro na parte, em que o réu for absoluto, por demandar
maliciosamente o que lhe não era devido, e o réu será condenado somente nas
custas singelas daquela parte, em que for condenado. Porém, se o autor antes
da lide contestada se descer de demandar o que assim pedia mais do que lhe era
devido, podel-o-ha-fazer, sem ser condenado em custas em dobro, nem
tresdobro, mas pagará as custas singelas, que até li foram feitas da parte, que
couber à quantidade, de que se desceu, quando de todo se não descer da dita
demanda. E se se descer de toda demanda, será condenado em todas as custas
singelas.
E quando o demandador por ignorância, ou simplesa, sem outro engano e
malicia, demandar ao réu em Juízo mais de que lhe for devido, será condenado
nas custas singelas, ou em dobro, segundo a simplesa, ou culpa em que for
achado.
1. Porém, se o réu provar que o autor com engano o fez obrigar por escritura
publica, ou perante testemunhas, em mais, do que na verdade lhe devia, se o
autor per tal obrigação, assim enganosamente feita, demandar o réu em Juízo, o
réu seja absoluto, assim do que na verdade for devido, como do mais, que per
engano foi acrescentado. E posto que depois de citado o réu, se queira o autor
arrepender, não deixará de incorrer na dita pena. E se além do dito engano
entrar simulação, incorrerá nas penas conteúdas do Livro quarto, Título 71:
“Dos Contatos simulados”.
TÍTULO XXXV. DO QUE DEMANDA SEU DEVEDOR ANTES DO
TEMPO, Á QUE LHE HE OBRIGADO
5
Se alguma pessoa citar outra, e der petição por escrito, ou por palavra contra
ela, antes de vir o tempo, ou condição, em que lhe é obrigado fazer, ou pagar
alguma cousa (quer o réu pareça em Juízo por si, ou por seu Procurador, quer
não), tal pessoa não será recebida em Juízo a fazer tal demanda, e pagará ao
citado as custas em dobro, que lhe fez fazer. E se depois que o dito tempo, ou
condição vier, o quiser tornar a demandas por mesmo, não será a isso recebido,
sem primeiro pagar as ditas custas, seja já lhas não tiver pagas. E além disto,
haverá o réu todo aquele tempo, que faltava, para haver de ser demandado,
quando o autor primeiramente o demandou, com outro tanto.
TÍTULO XXXVI. DO QUE DEMANDA O QUE JÁ EM SI TEM
Se alguma pessoa for obrigada a outra em alguma divida, e lhe pagou toda, ou
parte della, e o que a recebeu, demandar outra vez o que já tem recebido, e lhe
for provado, seja o autor condenado, que torne ao réu em dobro tudo o que já
dele tinha recebido, com as custas em dobro; ou se ainda é devedor em alguma
parte da divida, desconte-se-lhe della o dito dobro, se alquilo, que lhe ainda
dever, para isso bastar: e não bastando, paga-lho o autor por seus bens. Porém,
se o autor antes da lide contestada se quiser descer do que assim pedia, que já
em si tinha, pode-lo-á fazer sem pena alguma, somente pagará as custas em
dobro á parte, que lhe fez fazer, até se descer da demanda.
1. E posto que no fim de sua ação, ou petitório do labelo, depois de declarar a
cousa certa que pede, proteste, ou diga que levará em conta tudo o que o réu,
mostrar que tem pago, mandamos que a tal clausula, ou protestação o não possa
escusar da dita pena do dobro e custas, se se achar que na quantidade certa que
declarou, pedia o que em si tinha.
TÍTULO XL. DO QUE NEGA STAR EM POSSE DA COUSA QUE LHE
DEMANDAM
Sendo algum demandado em Juízo per ação real por cousa, que possua, e sendo
perguntado pelo Juiz se está em posse della, o negar, provando o autor, como
ele estava em posse della, logo sem outro processo, nem labelo, nem
contestação será privado da posse da dita cousa, e será trespassada ao autor, e
se o réu quiser haver a cousa, será feito do réu autor, e do autor réu. E isto foi
assim dado por pena ao réu, por negar ao Juiz possuir a cousa, e lhe ser
provado o contrario.
E isto haverá lugar, quando o réu negar em Juízo possuir a cousa, e o autor lhe
provar o contrario; mas se o réu depois que houver negado possuí-la, antes que
o autor prove o contrario, confessar star em posse della, não haverá a dita pena,
porém, poderá o autor, se quiser, dizer que não quer aceitar a confissão assim
feita pelo réu, e que quer dar sua prova, como o réu a possui. E recusando o
autor de aceitar dita confissão, o réu será privado da posse como dito he. E
fazendo o réu confissão, depois que o autor tiver provado, como estava em
posse da cousa, já a tal confissão lhe não aproveitará, mas será privado da dita
posse.
6
E no caso onde o autor tivesse provado, como o réu estava em posse da cousa,
e o réu dissesse e alagasse ser sua, oferecendo-se a tal razão lhe não
aproveitará, nem será redebido a ela; porque este caso especialmente em
Direito é privilegiado, assim como o caso de esbulho, onde a tal razão não se
recebe, mas o esbulhado antes de outra cousa é restituído á sua posse, de que
foi esbulhado.
E depois que, no caso acima dito, o autor for entregue da posse, se o réu quiser
provar como a cousa é sua, e lhe pertence de direito, será recebido a isso em
novo Juízo, e ser-lhe-á feito cumprimento de direito; e poderá ainda em esse
novo Juízo mudar a negação sobre a posse, e dizer que estava em posse da
cousa, se se entender ajudar da posse, por dizer que a possuiu por muitos
tempos com algum titulo, de que se possa causar prescrição, por conservação
de todo o seu direito, ou por alguma outra razão, de que se possa com direito
ajudar: porque sem embargo, que seja em si contrario, pode-lo-á fazer, pois que
os Juizes são diversos, ainda que seja entre as mesmas pessoas: contanto que
alegue justa razão, per que se mova a revogar a dita confissão, assim como
alagando ignorância córada por causa de alguma justa razão, que houve, a não
saber que possuía a dita coisa ao tempo, que negou possuí-la.
TÍTULO XLIII. DO JURAMENTO DE CALUMNIA
Tanto que em qualquer feito a lide for contestada, logo o Juiz, de seu officio
sem outro requerimento das partes, dará juramento de calúnia, assim ao autor,
como ao réu, o qual juramento será universal para todo o feito. E o autor jurará,
que não move a demanda com tenção maliciosa, mas por entender que tem
justa razão para a mover e prosseguir até fim. E o réu jurará, que justamente
entende defender a demanda, e não alagará, nem provará em ela cousa alguma
per malicia, ou engano, mas que verdadeiramente se defenderá até fim do feito
segundo sua consciência. E se cada uma das partes sem justa razão recusar o
dito juramento, sendo autor, perderá toda ação, que tiver, e se for réu, será
havido por confessado o que lhe o autor demandar. E posto que conforme o
Direito hajam de haver a dita pena, queremos que seja assim julgado per
sentença.
Há aí outro juramento de calúnia, que se chama particular, e este se dá em toda
a parte do feito, assim antes da lide contestada, como depois em qualquer auto,
que alguma das partes queira fazer, ou razão que alegue, se pela outra parte o
Juiz for requerido para lhe dar o dito juramento. E essa parte a que se dá, jurará
que em razão, que alega, ou auto, que entende fazer, não usará de alguma
calúnia, arte, ou engano, mas que o fará bem e verdadeiramente, segundo sua
consciência. E se alguma das partes sendo requerida pelo Juiz, para fazer o dito
juramento, o recusar sem justa razão, haverá a pena acima dita.
E, posto que as partes principiais, quando são presentes, devem
necessariamente per si fazer os ditos juramentos universal e particular, se
todavia os Procuradores forem requeridos para os fazer em seu nome, fá-losão, jurando que eles trabalharão todo o que poderem, como as partes a que
ajudam, aleguem somente o que for justo e razoado, per que justamente possam
haver vencimento em seus feitos; e quanto em eles for, não deixarão por seu
7
saber e diligencia cousa alguma, por que o direito de suas partes possa perecer,
nem alegarão per si, nem lhes darão conselho, que aleguem, ou provem cousa,
ou razão, per que a demanda seja indevidamente prolongada, ou a parte
contraria danificada. E este juramento farão os Procuradores das partes em seu
nome, como Procuradores, além do juramento, que fazem as partes principiais.
E se as partes principiais não forem presentes, poderão os seus Procuradores
fazer os ditos juramentos em nome delas, referindo a elas as palavras do dito
juramento, como acima fica dito; e para isto se fazer, é necessário que tenham
especial mandado para jurar de calúnia. E se a parte quiser tirar Carta, para que
a sua parte contraria jure de calúnia onde quer que estiver, ser-lhe-á dada;
porém, em quanto ela não jurar ou recusar o dito juramento sem justa causa,
não deixarão de correr os termos, e o feito ir por diante, assim como se já
tivesse jurado.
E acontecendo, que a parte principal seja absente de tão longa distancia, que
não possa ser achado para dar a seu Procurador poder, per que possa fazer o
dito juramento, nem menos tirar Carta para onde a parte contraria estiver, será
dado juramento ao Procurador, ainda que para isso não tenha especial
mandado, e dar-se-á na forma acima declarada. Porém, o feito não se retardará
por causa do dito juramento.
E se o Tutor, ou Curador, legitimo, dativo ou testamenteiro, mover ou defender
alguma demanda em nome daquele, cuja Tutoria ou Curadoria administra, fará
ele os ditos juramentos, jurando em sua alma, e em seu próprio nome. E se
aquele cujo Tutor ou Curador é, for varão maior de quatorze anos, ou fêmea
maior de doze, e discreto e de bom juízo, não deixará de jurar por ser menor de
vinte e cinco anos, sendo para isso requerido. E esta forma de juramento se
guardará perante os Juízos ordinários, ou delegados.
E tanto que assim os ditos juramentos de calúnia forem dados, se assentará nos
feitos por termo, como as partes ou seus Procuradores os receberam. E
achando-se que fizeram nos feitos, ou alegaram alguma causa, que não deviam,
por malicia, serão acusados e punidos por perjuros.
Bem antiga é a preocupação com o abuso do direito de demanda e o abuso do direito
de defesa. Modernamente, no entanto, obscurecido pela hipertrofia das noções de Acesso à
Justiça e Direito de Defesa, não se tem praticamente reprimido o comportamento malicioso no
processo, senão nas situações de um tal flagrante inescapável.
O Código Civil ainda em vigor traz alguns dos institutos que vimos nas Ordenações.
Quando o Autor cobra antes de vencida a dívida, ou cobra dívida já paga, ou pede mais do
que lhe é devido, fica condenado a esperar o mesmo tempo que faltava, descontar juros
contratados e pagar em dobro pelas custas, no primeiro caso, e a pagar em dobro ao réu o
pedido indevido, no segundo caso, e o mesmo valor que foi indevidamente cobrado do réu, no
terceiro caso (arts. 1530-32). Ressalve-se que a lei romana é melhor, pois prevê uma regra de
equalização na sua aplicação, quando se trate de pessoa simples e sem malícia.
A lei brasileira, a despeito de tudo isso, já no CPC/39, e melhor ainda no CPC/73,
tratou do tema da veracidade das partes, do dever de probidade e lealdade processual. Muitos
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dos grandes processualistas abordaram o tema, ressaltando o elemento ético ligado ao
processo civil pelo dever de veracidade, probidade e lealdade processual.
Em homenagem ao 45o. aniversário de magistério de Enrico Túlio Liebman na
Universidade de Milão, Alcides de Mendonça Lima6 apresenta um excelente artigo sobre o
Princípio da Probidade no processo civil, em que faz um bom histórico para o direito
brasileiro:
“A exemplo da diretriz que predominava nos sistemas processuais mais
adiantados da época, o regime brasileiro - desde o Regulamento 737, de 1850
até os Códigos de Processo Civil e Comercial legislados pelos Estadosmembros (durante a vigência da Constituição Federal de 1891, a primeira da
República, que adotara a dualidade processual da União e dos Estados, como
nos EUA, Argentina, México e outras federações), escassamente continha
normas a respeito. Havia, apenas, o intuito de obstar os atos de má-fé em suas
linhas gerais, sem maiores especificações. Entretanto, os efeitos foram
minguados, como advertiu Oscar da Cunha: "Se, até certo ponto, em alguns
Códigos, introduzidos foram princípios sancionadores da protelação e infração
da verdade, na prática, ao que eu saiba, resultaram inúteis na sua aplicação".
“Sob a influência da doutrina privatística do processo, entendia-se que não era
possível traçar normas legais a respeito da atividade das partes, ou, então, que,
sem preceito expresso, não cabia qualquer sanção. Parece que prevalecia a
incidência da tradicional regra de Direito Penal: sem lei, não há pena. A
repressão exigia sem dúvida, uma pena, uma sanção, ao litigante ímprobo, por
faltar à verdade, servindo-se do embuste ou da mentira. Mas, como tudo tinha
de ser apreciado por um intenso critério subjetivo, na realidade a punição
deixava de funcionar, pela falta de certeza de que houvesse o ânimo de não ser
leal.
“O Código de Processo Civil de 1939, em vigor desde 1.3.1940 - e que se
manteve por 33 anos e 10 meses - deu um passo à frente, embora tenuemente.
Realmente, de modo expresso, somente se preocupava com o "dever de dizer a
verdade ou o dever da veracidade", que, como já afirmamos noutra
oportunidade, "é mais restrito do que o dever da lealdade ou probidade, que
abrange todas as violações de caráter ético ou moral". O seu art. 3o. tratava do
abuso do direito de demandar; e o art. 63 e §§ responsabilizavam, com sanções
financeiras, "a parte vencida que tiver alterado intencionalmente a verdade";
"quando, não obstante vencedora, a parte se tiver conduzido de modo temerário
no curso da lide em qualquer incidente ou ato do processo, ou "quando a parte,
vencedora ou vencida, tiver procedido com dolo, fraude, violência ou
simulação". A punição poderia recair no procurador, "se a temeridade ou
malícia for imputável" ao mesmo. De um modo geral, essas eram as
prescrições básicas do regime daquele ora revogado diploma.
“Entretanto, o Código de 1973, em vigor desde 1. 1. 1974, deu outra conotação
à matéria. Refere-se a vários casos de "improbidade", não só mantendo o
"dever da verdade” mas outros criando. Da mesma forma, estendeu, de modo
6
LIMA, Alcides Mendonça. O Princípio da Probidade no Código de Processo Civil Brasileiro. Revista de
Processo, n° 16, pp. 15-42.
9
mais concreto, o "princípio da probidade” a todos mais que intervêm no
processo: juiz; Ministério Público; auxiliares da justiça e testemunhas.
Alargou-se, portanto, a esfera de incidência daquele princípio, que não se
circunscreve mais exclusivamente às partes.
“Se, na verdade, como de longa data se sustenta, o comportamento que se exige
das partes em suas relações regidas pelo direito material deve ser o mesmo
dentro do processo, por ser esse instituto igual a qualquer outro da ordem
jurídica em geral, é evidente que o Código tinha de coibir, tanto quanto
possível, atitudes ímprobas de todos quanto atuem nos feitos de qualquer
natureza - de jurisdição contenciosa ou de jurisdição voluntária. (...)
(...) O mesmo ocorre com o “princípio da probidade" com a gama, hoje
extensa, de seu alcance: vale, ainda que não formulado no direito positivo.
Entretanto, quanto maior o número de normas, e desde que não sejam
consideradas como exaustivas, mas meramente elucidativas, melhor para o
exercício da função jurisdicional. - a principal, como contenciosa, ou a
secundária, como a voluntária. Esta foi a orientação básica do legislador do
Código de 1973, do Brasil: inserir várias normas de caráter repressivo e
sancionador, principalmente para as partes e interessados, mas abrangendo,
igualmente, todos quantos intervenham nos autos. Com isso, aperfeiçoou a
aplicabilidade daquele princípio, como imperativo de alto sentido social, pelo
que a vida forense representa como fonte do respeito, do prestígio, da
autoridade e da confiança que o Poder judiciário deve incutir no espírito da
coletividade”.
Genericamente visto que há um arsenal legal para coibir no direito processual civil
brasileiro a malícia processual, não sendo agora o momento de se fazer uma verificação do
direito positivo e da jurisprudência sobre o tema, já que o trabalho segue na linha de apontar
as grandes questões que envolvem a discussão da relação entre moral e direito, ficando para
um próximo e específico trabalho tal abordagem complementar, vamos prosseguir para ver
qual o tratamento que dá a doutrina processual quanto ao dever de veracidade, começando por
uma abordagem negativa, ou seja, começando por verificar o que venha a ser a mentira na
temática moral, para depois verificar o tema da verdade no processo.
1.1. A Mentira
A questão da mentira é tema central da filosofia moral. Schopenhauer7, na sua
contundente refutação a Kant, quanto a este não admitir a mentira em qualquer hipótese como
uma ação moral, defende que a mentira pode ser usada no limite da autoconservação, numa
verdadeira legítima defesa:
“A lei da motivação é tão rigorosa quanto a da causalidade física, trazendo
portanto consigo uma coerção igualmente irresistível. De acordo com isso, há
dois caminhos para o exercício da injustiça, o da força e o da astúcia. Como
posso, por meio da força, matar outrem ou assaltá-lo ou obrigá-lo a me
obedecer, também posso realizar tudo isto por meio da astúcia, pois apresento,
a seu intelecto motivos falsos, segundo os quais ele tem de fazer o que, sem
isso, não faria. Isto acontece mediante a mentira cuja ilegitimidade só nisto
7
SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre o Fundamento da Moral. 1ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995, pp. 14651.
10
repousa e, portanto, só se liga a ela, na medida em que ela é um instrumento da
astúcia, isto é, da coerção por meio da motivação. Via de regra, porém, é isto o
que ela é. Pois, primeiramente, a minha mentira não pode dar-se sem um
motivo. Mas este motivo será, com raras exceções, um motivo injusto, sendo
aliás a intenção de conduzir outros sobre os quais não tenho nenhuma força, de
acordo com a minha vontade de, isto é, de coagi-los mediante a motivação.
Esta intenção está até mesmo no fundo da mentira por mera bazófia, pois quem
faz uso dela procura colocar-se numa posição mais alta do que lhe convém. A
ligação entre a promessa e o contrato repousa no fato de que, quando não
cumpridos, eles são as mais solenes mentiras, cuja intenção de exercer coação
sobre outros é tão mais evidente, desde que o motivo da mentira, a realização
exigida da parte contrária, é expressamente declarada. O desprezível na
impostura vem do fato de ela desarmar o sujeito por meio da dissimulação,
antes de atacá-lo. A traição é o seu cume e é profundamente execrada, pois
pertence à categoria da injustiça dupla. Mas como posso, sem injustiça, com
direito portanto, repelir a força com a força, posso também, quando a força me
abandona ou quando me parece mais confortável, fazê-lo também com astúcia.
Assim nos casos em que tenho um direito à força, tinhosa também à mentira:
assim, por exemplo, contra assaltantes e violentos injustos de qualquer espécie
que eu atraia para uma armadilha. Por isso uma promessa obtida por violência
não obriga. Mas o direito à mentira vai ainda mais longe. Aparece por ocasião
de qualquer pergunta totalmente indevida que se refira à minha situação
pessoal ou à de meus negócios, que é indiscreta, e quando não apenas a sua
resposta, mas também a recusa dela através do "nada quero dizer" me levassem
ao perigo, ao levantar suspeita. Aqui a mentira é a própria defesa contra a
curiosidade indiscreta, cujos motivos, na sua maioria, não são benévolos. Pois
como então o direito de previamente contrapor, quando há perigo de dano, à
vontade malvada de outrem e, pois, à violência física presumida uma
resistência física e, portanto, de guarnecer o muro de meu jardim com pontas
aguçadas e de soltar cães bravos no meu quintal e, mesmo, sob certas
circunstâncias, de pôr armadilhas e armas que disparam sozinhas, cujas más
conseqüências o invasor tem de atribuir a si próprio, também tenho o direito de
manter de todo modo em segredo aquilo cujo conhecimento me poria a nu
diante da agressão, do outro e também tenho causa para isto, porque admito
aqui como facilmente possível a vontade má do outro e tenho de encontrar
antes as providências contrárias. (...)
“Posso, portanto, sem injustiça, contrapor à mera presunção de dano por meio
da astúcia, uma astúcia prévia e não preciso, por isso, dar satisfação a quem
espreita indiscretamente minhas relações privadas nem com a resposta quero
manter segredo disto, para indicar o lugar onde está um segredo perigoso para
mim e talvez vantajoso para ele, em todo o caso, que lhe outorga poder sobre
mim: (...) [Querem saber um segredo e por isso serem temidos. Juvenal,
Saturae 3, 113].
“Mas estou então autorizado a repeli-lo com uma mentira, a seu próprio risco,
caso ela o induza a um engano prejudicial. Pois, aqui, a mentira e o único meio
de precaver-se contra a curiosidade indiscreta e a suspeita. Fico pois na posição
de autodefesa. "Ask me no questions, and I tell you no lies" [não me faças
perguntas e não te direi mentiras] é aqui a máxima correta. Aliás, entre os
11
ingleses, para quem a acusação de mentira vale como a mais pesada afronta e
que por isso mentem menos do que as outras nações, todas as perguntas
indiscretas que se referem às relações dos outros são consideradas, de acordo
com isso, como má educação, que a expressão "to ask questions" indica.
Também toda pessoa sensata procede de acordo com o principio acima
estabelecido, mesmo se ela possuir a mais estrita integridade. Por exemplo, se
ela estiver voltando de um lugar distante, onde recebeu dinheiro, e um viajante
desconhecido que a acompanha perguntar, como de costume, primeiro de onde
vem e depois para onde vai e, aos poucos, também o que ela possa ter feito em
tal lugar - então a primeira responderá com uma mentira, para evitar o risco do
roubo. Quem for encontrado na casa de um homem cuja filha ele namora e for
perguntado sobre a causa de sua presença inesperada dará sem hesitação uma
resposta falsa, se for esperto. E assim apresentam-se muitos casos em que a
pessoa razoável mente, sem nenhum escrúpulo de consciência. É somente este
modo de ver que afasta a contradita o gritante entre a moral que é ensinada e a
que é exercida diariamente pelos mais íntegros e melhores. Todavia tem de ser
rigorosamente mantida a limitação proposta ao caso da autodefesa, pois, fora
disso, esta doutrina daria lugar a abusos abomináveis, porque, em si, a mentira
é um instrumento.
“Mas como, apesar da paz no país, a lei permite a todos levar armas e usá-las, a
saber, no caso da autodefesa, assim a moral consente, para o mesmo caso, e só
para este, o uso da mentira. Excetuado o caso da autodefesa contra a força ou a
astúcia, toda mentira é uma injustiça e por isso a justiça exige veracidade
diante de todos. Mas, contra a reprovação incondicional da mentira sem
exceções, que está na essência da própria coisa, fala o fato de que há casos em
que mentir é até mesmo um dever, sobretudo para os médicos. Do mesmo
modo, existem mentiras nobres, (...) em todos os casos em que alguém quer
chamar para si a culpa de um outro. Finalmente, o fato de que até Jesus Cristo
disse uma vez, intencionalmente, uma inverdade (João 7, 8). De acordo com
isso diz diretamente Campanella, nas suas Poesie Philosoficbe, Madrigale 9:
"Bello il mentir, se a fare gran ben'si trova" [belo é o mentir, se promove um
grande bem]. Do contrário, porém, a doutrina corrente da mentira necessária é
um lamentável remendo no vestido de uma moral mesquinha. A dedução que
Kant motivou e que aparece em vários compêndios, da ilegitimidade da
mentira, a partir da faculdade de falar, é tão chã, infantil e insossa que, só para
ironizá-la, se poderia tentar lançar-se nos braços do diabo e dizer com
Talleyrand: "L'homme a reçu la parole pour povoir cacher sa pensée" [O
homem recebeu a palavra para poder ocultar seu pensamento]. O horror
incondicional e ilimitado que Kant mostrava, em cada ocasião, pela mentira
baseava-se quer na afetação, quer no preconceito: no capitulo da sua Doutrina
da virtude que trata da mentira, ela a descreve com todos os predicados
desonrosos, mas não dá nenhum fundamento para sua condenação, o que seja
de maior efetividade. Declamar é mais fácil do que provar, e moralizar, mais
fácil do que ser verdadeiro. Kant teria feito melhor se tivesse desencadeado
aquele zelo contra a alegria maligna. É esta, e não a mentira, o vício
propriamente diabólico. Pois ela é o oposto exato da compaixão e não é senão a
crueldade impotente, grata ao acaso que fez por ela o sofrimento que ela, com
tanto gosto, observa e que foi incapaz de causar. Pois que, de acordo com o
princípio da honra cavalheiresca, a reprovação da mentira seja tomada como
12
tão grave e lavada com o sangue do culpado não reside no fato de que a
mentira seja injusta, pois então a culpabilidade de uma injustiça exercida com
violência teria de mortificar do mesmo modo, o que reconhecidamente não
acontece. Mas repousa no fato de que, de acordo com o princípio da moral
cavalheiresca, o direito funda-se na força. Ora, quem para cometer uma
injustiça lança mão da mentira prova que lhe falta a força ou a coragem para
aplicação desta. Toda mentira testemunha o medo: isto é o que o condena à
morte”.
O longo trecho de Schopenhauer foi necessário para mostrar por palavras suas mais
convincentes, uma abordagem bem realista da vida, nada formalista, que mostra a mentira, em
certas circunstâncias, como autodefesa ou para fazer o bem, como necessária e lícita enquanto
ação moral. Mas só neste campo limitado, pois fora dele, devemos tomar a mentira em má
conta, hipóteses em que veicula a astúcia, como uma força que reclama a reação do direito.
Este trecho sobre a mentira é sacado para evidenciar o absurdo a que chegou o
positivismo jurídico, ao permitir afirmações como a de um Couture8, grande expoente da
cultura jurídica latino-americana, que em 1939, no bom propósito de tratar sobre o tema,
deixa bem claro o pensamento dominante, de que a “regra moral do processo civil é
atualmente uma expressão um pouco artificial; (...) não podemos infelizmente fazer nossa a
expressão dos civilistas e dizer, com RIPERT, que o direito na sua parte mais técnica
permanece dominado pela regra moral. Apenas podemos afirmar, após alguns séculos de
evolução, que a legislação, a doutrina e a jurisprudência mais recentes já começaram a luta
contra a fraude, o dolo e a simulação no juízo”.
Neste mesmo texto, o jurista uruguaio cita as palavras de Carnelutti, a propósito,
também, de tratar do tema que envolve fraude processual, ao comentar um aresto da Corte de
Cassação de Roma proferido em 1925, nos termos de que é “evidente que o juízo é uma luta
e, como tal, rege-se pela astúcia e pela habilidade. É impossível impedir que nesse organismo
vivo existam alguns germens patógenos. Tudo consiste em que esses germens não cheguem a
corromper totalmente o organismo”.
Ainda em Moacir Amaral Santos9, para bem remarcar a mentalidade que impera na
seara processual nesse tema, se colhe o motivo pelo qual a maioria da doutrina entende que
não há dever de veracidade no processo, em termos de que:
"o dever da verdade está implícito, assim, numa das máximas do próprio
processo dispositivo: "Da mihi factum”, diz o juiz às partes, e lhe darei o
direito – “dabo tibi jus”.
“Dir-se-á que nisso não vai senão mero dever moral. Tratando-se do processo
do tipo dispositivo, em que é assegurada às partes a liberdade de deduzir os
fatos e dar-lhes a prova naquilo que se conforme com os seus interêsses, e em
que o juiz julgará segundo o alegado e provado ("secundum allegata et probata
judex judicare debet"), propõe-se o Estado a fazer justiça com base na verdade
formal, a que resulta do processo ("quod non est in actis non est in mundo"),
8
COUTURE, Eduardo Jose. Oralidade e regra moral no processo civil. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1939,
Vol. LXXVII, Fasc. 427, pp. 21-9.
9
SANTOS, Moacir Amaral. Limites às atividades das partes no processo civil. Rio de Janeiro: Revista Forense,
1958, Vol. 175, Fascs. 655 e 656, pp. 37-43.
13
nem sempre com a Verdade coincidente de modo absoluto. Houvesse de ser
buscada a verdade na sua pureza filosófica e na brutalidade dos fatos, sem
qualquer atenção aos interêsses das partes, as quais são livres, de ordinário, de
dispor do direito em disputa, outro seria o sistema processual adotado, ou,
melhor dizendo, ter-se-ia de estabelecer o processo civil inquisitório concedido
ao juiz o poder amplo de investigar livremente, por sua conta, a realidade,
valendo-se, até mesmo, dos seus conhecimentos privados. Concentrados nesses
argumentos, corrente enorme, talvez a dominante, entende escaparem as partes
do dever jurídico por se acharem prêsas tão-só ao dever moral de dizer a
verdade.
“Mas verdade formal não quer dizer verdade consentida, fruto de disposição
dos interessados, nem que da verdade tem apenas as vestes, a forma. Verdade
formal é a que se obtém através de um procedimento condicionado a formas,
que não podem ser relegadas; é a verdade que resulta necessàriamente dêsse
procedimento como pressuposto idôneo para obtê-la. Assim, a verdade que se
alcança por meio do processo é formal porque resultante dos meios e formas
autorizados pela disciplina jurídica e declarada no momento exato em que essa
mesma disciplina exige a sua declaração. Esgotados os atos processuais, na
ordem do procedimento predeterminado pela regulamentação jurídica, nada
mais há a fazer senão a proclamação da sentença, na qual se contém, explícita
ou implícita, a verdade formal, a verdade jurídica, contra a qual seriam inúteis
as investidas da verdade absoluta se com ela não coincidisse, porque findo o
procedimento destinado a reduzi-la à substância”.
Por estes pequenos trechos de três grandes processualistas bem se vê o quanto se
afastou a moral do direito, ao ponto de a maioria da doutrina pensar que não há dever de
veracidade das partes no processo, porque elas não se obrigam por regra meramente moral,
até porque o processo se contentaria com a verdade formal.
A influência perniciosa do pensamento positivista vai ao ponto de fazer um Couture
afirmar que no processo as coisas não podem se passar como no direito civil, seara em que já
então se provocavam discussões em torno da moralidade e a regra jurídica, como se processo
e direito material fossem planetas diversos. A que ponto chegou o formalismo jurídico,
embotando as melhores cabeças para uma realidade que sempre constou do direito, desde
Roma até o Direito Hispânico10, ao contrário do que afirmara então o genial uruguaio, de que
o estágio da ciência processual, em 1939, não permitia uma aproximação entre direito e
moral.
O outro lado da questão, como já pôde entrever pelo próprio texto acima citado, diz
respeito ao tema da verdade, cujo conceito de verdade formal foi construído exatamente como
um dos sustentáculos da teoria privatística do processo.
1.2. A Verdade
Falar em verdade processual é falar em graus possíveis de certeza quanto à verdade da
versão do fato afirmado no processo pelas partes. Necessariamente envolve a questão
10
SOBRINHO, Elicio de Cresci. Dever de Veracidade das Partes no Processo Civil. Lisboa: Edições Cosmos,
1992, passim.
14
processual relativa à cognição e, correlativamente, aos graus de cognição possíveis em
matéria de processo civil.
No campo da prova judicial civil, envolve o problema da convicção do juiz, de sua
postura ante a prova, dos meios de prova que podem ser utilizados pelas partes. A matéria não
poderia deixar de ser inicialmente abordada por outro aspecto que não fosse o semântico. Mas
o conceito só não basta. É preciso contextualizá-lo, de modo a se permitir utilidade prática ao
estudo do Direito, fugindo do diletantismo vaidoso, para buscar fórmulas justas de regulação
da convivência social pacífica.
Começando abordar o problema como um comum do povo, sem espírito crítico de
indagação filosófica, ao perguntar O que é verdade?, é bem possível que obtivesse as
respostas seguintes: Verdade é o que é certo, indiscutível; o que realmente aconteceu; o que
pode ser provado sem contestação; o que é evidente pela própria aparência; o que é justo; a
verdade é Deus; e mais outras tantas noções comuns, de pessoas comuns, que não cogitam
sobre a essência das coisas.
Fugindo da noção comum, busco auxílio em Nicola Abbagnano11, que dá a seguinte
noção "A validade ou a eficácia dos procedimentos cognitivos. Por V. entende-se, de fato, em
geral a qualidade pela qual um procedimento cognitivo qualquer torna-se eficaz ou consegue
êxito”. Informa que os conceitos de verdade na filosofia são cinco: 1) Verdade como
correspondência; 2) Verdade como relação; 3) Verdade como conformidade a uma regra; 4)
Verdade como coerência; 5) Verdade como utilidade.
O conceito de verdade como correspondência, nas palavras de Nicola Abbagnano, foi
pela primeira vez enunciado explicitamente por Platão: "Verdadeiro é o discurso que diz as
coisas como são; falso aquele que as diz como não são". Aristóteles dizia "Negar aquilo que é,
e afirmar aquilo que não é, é falso, enquanto afirmar o que é e negar o que não é, é a verdade"
São Tomás de Aquino repete conceito de lsaac Ben Salomon, de que a Verdade é a
adequação do intelecto e da coisa. Aristóteles afirma que a verdade está no intelecto e no
objeto a medida da verdade. Essa proposição permite uma noção que mais tarde viria
denominar-se de nominalista, em oposição à noção metafísica platônica. São Tomás inverte
essa afirmação aristotélica, afirmando a noção metafísica de verdade assim: "O intelecto
divino está apto a medir, não é medido; mas o nosso intelecto é medido, não apto a medir, em
relação às coisas naturais, e apto a medir só em relação às artificiais".
O conceito de verdade, prosseguindo com o filósofo italiano, perde o alcance
metafísico a partir do século XIV - segundo o qual a verdade está em Deus - pela
identificação entre verdade e proposição verdadeira, feita por Ockham, ganhando alcance
lógico. Hobbes afirma o ponto de vista nominalista da verdade como simples atributos das
proposições. Assim faz Locke. Leibniz recusa a noção metafísica de verdade como atributo do
ser e se limita ver na verdade a correspondência das proposições, que estão no espírito, com
as coisas das quais se trata. Wolff fez a afirmação nominal da verdade enquanto a
correspondência do nosso juízo com o objeto, isto é, com a coisa representada e a afirmação
lógica da verdade como determinabilidade do predicado por meio da noção do sujeito que ela
chamava definição real de verdade. Contemporaneamente Alfred Tarski retomou a definição
aristotélica, para dizer que um enunciado é verdadeiro se designa um estado de coisa existente
11
ABBAGNANO, ob. cit., (DF), v. Verdade, p. 957-61.
15
Michele Taruffo12 aborda o assunto da prova e da verdade no processo civil com a
indagação seguinte: os fatos afirmados pelas partes são passíveis de verificação? Se o são, a
prova é o meio suficiente para atingir esse fim? Mostra que o problema desborda aspecto
meramente jurídico e adentra no campo da psicologia, da lógica e da epistemologia. E propõe
responder pela investigação de dois aspectos: 1) o processo civil tem uma verdade que lhe é
específica, ou o conceito de que se serve o Direito coincide com aquele de que se servem os
demais campos do conhecimento?
Na resposta disso apresenta os conceitos de verdade formal (jurídica ou processual) e
verdade material (histórica, empírica, ou simplesmente verdade), para concluir que o processo
encerra uma certa peculiaridade, decorrente da especificidade do contexto jurídico, mas que
essa peculiaridade não é suficiente para que se funde um conceito próprio e autônomo de
verdade formal, pois é insustentável a idéia de que uma verdade jurídica completamente
diversa e autônoma pelo só fato de vir a ser acertada no processo e por meio da prova judicial.
A verdade do processo é a material e, nesse ponto, para descobrir que verdade é essa o
estudioso do Direito terá as mesmas dificuldades que as tem os que buscam o sentido desse
termo sob prismas diversos do conhecimento.
Daí surge o segundo aspecto a ser abordado pelo processualista italiano: 2) Qual o
enquadramento que a teoria processual dá à verdade do fato no processo?
Respondendo, mostra a contradição da teoria do processo e da prova, quando a
primeira afirma que o processo se destina a resolver conflito, e não atingir a verdade, e a
segunda afirma que a prova se destina a possibilitar a descoberta da verdade. Mas ressalta que
a contradição é da teoria e não de seu objeto.
Desenvolvendo a abordagem da teoria do processo e da prova, expõe a negação da
verdade no processo civil. A teoria do processo nega, por vários aspectos, seja possível o
atingimento da verdade do fato afirmado pelas partes. A verdade é negada por
impossibilidade teórica de seu atingimento, por impossibilidade ideológica e por
impossibilidade prática.
Michele Taruffo mostra, então, que um modo de sustentar a impossibilidade teórica de
se atingir a verdade do fato no processo é o ceticismo filosófico radical, que exclui a
cognoscibilidade da realidade. Em geral toda filosofia idealista e irracionalista se funda na
impossibilidade de se conhecer a realidade objetiva. A impossibilidade ideológica, por sua
vez, consiste na afirmação de que o processo se presta, apenas e tão-somente, à solução de
conflitos, não para conhecer a verdade. A impossibilidade prática de se conseguir a verdade
no processo civil tem natureza vária: a necessidade de que o processo termine, ao contrário de
uma investigação científica ou histórica, que não se limita no tempo, em face disso as regras
processuais relativas à prova (meio, ônus, momento); a possibilidade de as partes disporem de
direitos no processo; a necessidade da preclusão máxima em que consiste a coisa julgada. Há
ainda a posição, segundo Taruffo, que vê a irrelevância da verdade para o processo civil,
desenvolvida pela retórica, sem ter nada de relacionado com o atingimento da verdade. Quem
quer persuadir não importa com a verdade do fato sobre o qual quer convencer seu
interlocutor. Essa posição é criticável por vários aspectos, mas principalmente pela realidade
12
TARUFFO, Michele. La prova dei fatti giuridici. Milano: Giuffrè, 1992, passim. Este tópico será doravante
desenvolcvido com base nesta obra de Taruffo.
16
de que no processo não se discute apenas fato que, muitas vezes, pode até ser incontroverso,
sem pôr fim ao litígio.
Outro aspecto trazido a conhecimento por Michele Taruffo a respeito da irrelevância
da verdade para o processo se revela por aqueles que aplicam ao estudo do processo o método
da semiótica. Se o processo é visto com um desenrolar lingüístico, importam os signos e
significados. A realidade objetiva não pode ser comprovada empiricamente porque o
fenômeno se fecha no âmbito da linguagem, ou seja, das palavras e do sentido que elas têm,
sem que se busque a prova de serem ou não verdadeiras. Valem por si mesmas as palavras,
pelo que expressam, pelo seu significado semântico. Não se cogita, no campo da linguagem,
de se provar empiricamente a verdade do sentido semântico dos signos.
A essa posição Taruffo responde que o absolutismo e a unilateralidade de visão da
semiótica - no qual realmente não se pode falar em verdade dos fatos no processo - não faz
com que se deva excluir o problema da busca da verdade dos fatos no processo. Ou seja, o
método semiótico aplicado no processo não serve para resolver o problema da verdade do fato
e não implica em que ele não exista.
Após expor as dificuldades em torno do problema da verdade do fato no processo,
Michele Taruffo passa, ao inverso, enunciar o aspecto positivo, ou seja, a possibilidade
teórica, admitindo a concepção de verdade como correspondência e assumindo a teoria de
semântica de Tarski, que não reduz o problema da verdade à coerência interna do discurso ou
do sistema de conceito que esse se utiliza.
Defende a oportunidade ideológica de se querer um processo civil comprometido com
a busca da verdade material, argumentando que, a rigor, nem é necessária muita "filosofia"
para se afirmar isso, pois em muitos sistemas jurídicos assim se pensa, o que corresponde
dizer que é quase um senso comum, que o processo busque uma decisão fundada na verdade
dos fatos. Mas isso não implica negar que o processo seja, também, um meio de solução de
conflito e de apaziguação social. Cita uma teoria da aplicação da lei e da decisão que se
explica pelo argumento de que a norma, encerrando uma estrutura condicional do tipo "se F
(fato) então C (conseqüência)", só será realmente bem aplicada se o fato verdadeiramente
tiver ocorrido. Não se pode conceber a subsunção sem o acertamento real e verdadeiro do
fato.
Sustenta a possibilidade prática de se buscar a verdade material do fato, inicialmente, e
nega a opinião de que a especificidade e o contexto próprio do processo induz a uma cognição
autônoma, em nada relacionada com o processo cognitivo em senso lato, de modo a se pensar
numa verdade judicial totalmente dissociada da verdade de que se cuida fora do processo.
Nesse ponto, Michele Taruffo faz uma importante afirmação: as regras legais que
disciplinam a prova e o acertamento do fato no processo não são exaurientes na regulação do
objeto normatizado, mas são, ao contrário, sobretudo nos ordenamentos modernos, residuais,
porque se contrabalançam com o princípio da amplitude da prova e do convencimento do juiz.
Aceita que o processo se contente com a verdade relativa, mas relativa pela própria
impossibilidade prática de se chegar à verdade absoluta, seja pelo tempo, pois o processo deve
terminar, seja pela incapacidade humana de conhecer a verdade em alguns casos, seja pela
limitação da norma.
17
Lembra, no entanto, que esse é um modo óbvio de pensar. Não é só no processo que a
verdade é, nesse sentido, relativa, mas uma relatividade de grau, em função da possibilidade
cognitiva e não uma relatividade em função de diferença qualitativa da verdade real.
Aceita a verdade como correspondência da asserção com o fato empírico do mundo,
noção tirada de Tarski, para concluir que "a verdade legal, por assim dizer, é legal mas não é
verdade: não é verdade relativa e - tanto menos - absoluta, a sua eventual incontestabilidade é
justamente a razão jurídica inversa da epistemológica".
A conclusão é coerente com tudo o que disse anteriormente. A verdade legal não é
verdade, porque se afasta da noção metafísica da verdade. A única verdade é a verdade
metafísica que está em Deus, é a verdade que não se põe a prova. Não é relativa, porque deve
ser o mais próximo possível da verdade real, portanto não pode ser admitida como verdade
formal, senão como uma verdade relativa em função das impossibilidades práticas de se
atingir a verdade absoluta, mas não uma verdade relativa qualitativamente diferente da
absoluta. Não é verdade absoluta porque a verdade em seu sentido nominal jamais será
absoluta.
A sua eventual incontestabilidade em face da coisa julgada é a razão inversa da
epistemologia porque o processo não se destina a produzir uma verdade com base na análise
empírica da realidade, mas a fazer Justiça e resolver conflitos sociais. Está limitado no tempo
e por razões práticas que impendem chegue a um resultado.
Tudo converge, como se buscou demonstrar, para que temas como a prova judicial e a
verdade dos fatos afirmados pelas partes no processo, sejam pensados por uma concepção do
processo como meio de realização da Justiça, em primeiro plano, portanto, comprometido
com a verdade material, tanto quanto possível, em razão mesmo das limitações teóricas e
práticas já apontadas, e, em segundo plano, como meio de solucionar os conflitos levados ao
Judiciário, que não pode permitir a não solução da lide.
Essas idéias têm implicações muitas em matéria de prova, da garantia do contraditório,
do dever de veracidade que as partes têm no processo, e da atuação do juiz na atividade de
buscar a solução do conflito que lhe é submetido. Sendo assim, urge concluir que, em matéria
de prova, o processo deve se orientar para a realização de Justiça (felicidade, liberdade,
utilidade e paz, sob o signo da igualdade). A verdade real, tanto quanto possível, deve ser a
meta. Se impossível, depois de falha a tentativa de se chegar a ela, deve se contentar com a
verdade formal, porque o conflito tem que ser resolvido, no menor tempo possível.
Em matéria de garantia do contraditório e dever de veracidade das partes no processo
deve ficar assentado que nenhum direito é absoluto e o exercício regular do direito deve ser
respeitado, o abuso punido. A ninguém é dado prejudicar outrem pelo abuso de um direito. O
abuso do direito existe na lei, seja pela interpretação em senso contrário das expressões
exercício regular do direito do art. 160 do CC, ou da expressão estrito cumprimento do dever
legal como excludente de criminalidade no homicídio, isso para não falar da nova redação do
art. 273 do CPC, que expressamente contém a expressão abuso do direito de defesa.
O processo tem regras que devem ser respeitadas. É garantia mínima do contraditório
que as partes saibam qual o procedimento de antemão e que esse procedimento seja
respeitado. Mas essas regras não se prestam a ser referidas como regras do jogo, no sentido
18
pejorativo da palavra jogo. O processo não é um jogo, não é administração de interesses
privados, mas instituto de Direito Público que serve ao ideal de distribuir Justiça.
Um exemplo prático é bom para aclarar a idéia veiculada: A parte se defende, contesta
cinco dos seis fatos afirmados na inicial e pede a improcedência da ação, protestando pela
produção de provas. Aquele fato sobre o qual não se manifestou é incontroverso, não
suscetível de ser objeto de prova, pela letra expressa da lei processual.
Mas, numa circunstância como essa, ele deve ser objeto de prova. Primeiro porque o
réu se defendeu, não é lídimo dizer que tenha se quedado inerte se pediu a improcedência do
pedido. Pelo princípio da isonomia, se ao juiz compete instar ao autor para emendar a inicial,
pois não lhe é dado indeferi-la sem que dê a oportunidade de emenda, que pode se referir,
inclusive, à narrativa da inicial, portanto à própria colocação dos fatos e a sua concatenação
com o pedido que dele decorre em articulação com o direito, se assim é para o autor, o juiz
deve também instar o réu a manifestar-se expressamente de fato da inicial ao qual não se
referiu, porque a apresentação da defesa e o pedido de improcedência são incompatíveis com
a presunção de disposição do direito.
É injusto intuir a disponibilidade de direitos no processo, por mera omissão, quando
essa omissão é involuntária e não decorrência de protelação e mesmo de abuso do direito de
defesa. A disposição do direito deverá ser expressa, ou a perda do direito decretada por atitude
abusiva da parte. A omissão involuntária não pode ter o mesmo tratamento do que o abuso ou
ser tomada por disposição de direito, se o direito não foi disposto expressamente.
Assim também deve ser interpretada a revelia. Não é justo deferir ao autor algo que
lhe não pertence pela omissão involuntária, mormente em tempos como o que vivemos, em
que as partes têm prazo exíguos e o processo tão dilatada duração. As omissões involuntárias
das partes não podem servir de solução abreviada do conflito sem que o Judiciário se
manifeste expressamente, com cognição plena e exauriente, sobre as questões que lhe são
levadas.
As disposições do art. 334 são uma válvula de escape do sistema para a situação em
que não há como decidir. Não podem ser usadas como regra de solução simples e fácil do
conflito, sem a apreciação de veracidade do alegado pelas partes. Ao juiz compete buscar a
verdade, desde que não haja disposição expressa de direitos das partes e de que não haja
omissão abusiva, protelatória do réu.
Este é um limite apontado e que favorece o réu de boa-fé, que não pode ver seu
patrimônio sair das mãos por decisão judicial em virtude de mero acidente de percurso,
através de um presunção formalista e draconiana. O limite oposto está, justamente, na
sinceridade da defesa, pelos argumentos que são alinhavados, seja na questão de fato seja na
questão de direito, quanto à tese jurídica defendida.
As lides trabalhistas são exemplo de lide civil (não-penal) em que grassa solto o abuso
do direito de defesa, toda vez que na ação se verifica o não pagamento do direito trabalhista
reclamado. Nada explica a afirmação inicial de não dever, se da simples constatação dos fatos
se deduz o não pagamento, sem que haja qualquer controvérsia válida em torno dele, a
explicar a legitimidade em não pagar. É mais do que comum ações trabalhistas de horas extras
contra bancos, sempre provadas ao final em favor dos empregados, sem que essa
19
circunstância refletia em qualquer tipo de responsabilidade pela falta de verdade, pelo não
pagamento sem qualquer motivo justo.
Nestes casos é que a doutrina de Ripert13 cai como uma luva, pois, lembrando a
passagem de Schopenhauer, o não cumprimento do contrato faz da promessa de pagamento
uma mentira, a ser combatida pelo direito. O controle de moralidade pelo critério da mentira é
puro e eficaz. Não há ciência em se coibir a mentira, assim verificada toda vez que o
descumprimento da obrigação civil se der sem motivo plausível. É preciso dar sentido às
obrigações assumidas e esse sentido está na moralidade que as integra, pela sua própria
condição de obrigações jurídicas.
2. Advogado
As partes no processo civil falam através de seus procuradores, que têm a capacidade
postulatória para tanto. Capacidade postulatória é o pressuposto processual subjetivo
consistente na qualidade de poder falar em juízo por representação através de mandato
judicial.
Nos termos do art. 133 da CR/88 e do EOAB está adstrita ao profissional advogado
regularmente inscrito a exclusividade na titularidade da capacidade postulatória. Esta
representação pela qual a parte fala em juízo por seu advogado leva a que se entenda que a
responsabilidade por danos que a parte adversa venha a ter em virtude do processo seja
encargo da parte e não do advogado.
Os procuradores têm certas responsabilidades que decorrem de sua função e que, a
nosso ver, em certas circunstâncias fazem com que o dano processual provocado por mau
comportamento no processo possa ser imputado a ele.
O advogado responde pela veracidade dos fatos alegados pelo autor, naqueles casos
em que se puder razoavelmente a ele imputar negligência no dever de apurar as circunstâncias
em torno da causa antes de patrociná-la. Se o advogado ajuíza ação sem ao menos se dar ao
trabalho de verificar a veracidade da informação está em co-autoria com a parte no ilícito
moral perpetrado e deve responder no limite de sua responsabilidade.
O dever primeiro do advogado é demover o cliente das demandas insustentáveis.
Evidentemente que isto não significa exigir que sejam ajuizadas apenas demandas fadadas ao
sucesso, pois cada caso é um caso e muitas são as variáveis que podem incidir num e noutro
processo com o mesmo objeto, levando sua sorte para este ou aquele lado. O que se exige é
um grau de probabilidade de direito no pleito formulado, ainda que contra a lei, quanto na
causa de pedir estiver a contestação da sua validade, seja por critério técnico ou por critério de
justiça ou eqüidade, já que é papel natural do advogado fazer avançar a jurisprudência.
Não se admite é que o advogado sirva de meio para circunstâncias em que as partes se
servem do processo com abuso. Exige-se do advogado que seja o primeiro fiscal do processo,
sobretudo nas questões éticas. Esse trabalho começa na primeira entrevista, quando o
advogado deve exortar o consulente a cumprir seus deveres para com os outros e abster-se de
lesar direito alheio sem justo motivo.
13
RIPERT, Georges. A Regra Moral nas Obrigações Civis. São Paulo: Saraiva, 1937, passim.
20
No caso do advogado público o mesmo se dá. Deve agir de modo a orientar a
administração para que cumpra a lei em todos os seus atos, jamais perdendo de vista os fins
que a administração persegue. Não pode o advogado público ser o gestor das atitudes
administrativas imorais, devendo tomar as medidas administrativas cabíveis não só para
execução das suas tarefas ordinárias de defender o patrimônio público, mas, sobretudo,
entender a verdadeira dimensão desta defesa em função dos fins administrativos, abstendo-se
de litigar contra a ordem clara dos fatos.
Vêm das Ordenações do Reino14, no direito luso-brasileiro, as primeiras regras
referentes ao comportamento do advogado no processo. Seu cunho é de nítido caráter moral,
como se pode ver pela transcrição que se faz, dada a importância do texto para o trabalho:
ADVOGADO
§ 7.
(...)
Item: por quanto a experiência tem mostrado que as sobreditas interpretações
dos Advogados consiste ordinariamente em raciocínios frívolos, e ordenados
mais a implicar com sophismas as verdadeiras disposições das Leis, do que a
demonstrar por elas a justiça das partes: Mando que todos os Advogados que
commetterem os referidos attentados, e forem nelles convencidos do dôlo,
sejão nos autos a que se juntarem os Assentos, multados pela primeira vez em
50$000 réis para as despezas da Relação, e em seis mezes de suspensão; pela
segunda vez em privação dos grãos, que tiverem da Universidade; e pela
terceira em cinco anos de degredo para Angola, se fizerem assignar
clandestinamente as suas Allegações por differentes pessoas; incorrendo na
mesma pena os assignantes, que seus nomes emprestarem para a violação de
Minhas Leis, e perturbação do socego publico dos Meus Vassalos.
Commentario.
29. Este § augmentou as penas, que a Ord. liv. 1 tit. 48 § 7 impunha aos
Advogados que aconsselhassem contra as Ord. e Direito expresso. Para
intelligencia dele cumpre notar que os raciocínios podem ser frívolos, isto he,
vãos, e destituídos de fundamento:
1°. sendo feitos sobre juízos, que repousando sobre o testemunho da nossa
consciência , ou dos sentidos, não admittem outra alguma demonstração.
2°. sendo feitos sem princípios, que sejão claros, e certos que o juízo ou
conclusão, que tento demonstrar. Pois hum raciocínio he como hum processo,
que eu faça hum juízo qualquer, para demonstrar que he verdadeiro, falso,
provavel, duvidoso.
E este processo não se pode fazer, sem provas, bem como sem elas he baldado
o litigar.
Raciocinar sem principios he o mesmo que hum architecto querer fazer
palacios sem materiais; portanto se o Advogado se metter a interpretar as Leis,
sem applicação alguma das regras da interpretação: ou sendo elas tão claras,
14
APÊNDICE ÀS ORDENAÇÕES FILIPINAS. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, vol. II, p. 451-3.
21
que toda ia interpretação seja desnecessaria, podemos estar de serem frívolos
os seus raciocínios.
30. Se raciocínios taes se dirigem a fazer huma demonstração apparente, dá-selhes então o nome de paralogismos: e o de sophismas, se com a apparencia de
probabilidade intenta enganar.
31. Eis aqui os sophismas mais frequentes.
O 1° he o sophisma chamado ex accidenti, que he quando a huma cousa se
attribue como necessário alquilo que só per accidens lhe pode competir.
(...)
33. Seja a 2ª especie de Sophismas o que os Logicos chamão dicti non
simpliciter, que he quando de hum principio verdadeiro só em parte, se
argumenta, como se ele fosse verdadeiro em toda a sua extensão.
Este vicio he muito frequente, porque quasi nenhuma regra de Direito ha, que
não tenha suas excepções : a applicação que se fizer da regra geral aos casos
comprehendidos nas excepções, he sophisma. A cada passo se encontrarão
exemplos.
34. A 3ª especie he o sophisma denominado – non causae pro causa; que he
quando se toma por causa de huma cousa, o que realmente não he causa della.
(...)
35. A 4ª especie he o sophisma – consequentis, isto he, quando o argumento
prova huma cousa diversa da que se intenta provar. (...)
36. A 5ª especie he o sophisma – petere principium, isto he quando se
argumenta com alquilo mesmo, que se intenta provar; ou quando a conclusão
serve de prova aos principios d’onde ela he deduzida. Este, bem como os
outros sophismas fundados em ambiguidade dos vocabulos, são apenas capazes
de surpreender no calor da disputa vocal: por escrito, como costumão ser as
allegações juridicas, só enganarão meninos.
37. Huma só regra, diz o P. Feijó no seu Theatro Critico tom. 8 Disc. 2, he
bastante para a solução de todas as especies de sophismas. Vem a ser observar,
se entre as vozes, de que se usa no argumento, ha alguma, cuja significação
seja ambigua em ordem ao inteiro da disputa. Observada a ambiguidade da
palavra, deve obrigar-se o arguente a determina-lhe a significação; porque feito
isto a falacia fica patente. (...).
Dólo
38. Não basta que o Advogado peque fazendo um raciocinio frivolo, ou
sophisma sobre a interpretação da Lei , para poder ser condenmnado nas penas
deste §. Em descuidos taes cairão os mais abalisados Jurisconsultos: e nenhum
dos que agora vivem, devem confiar tanto do seu saber que se repute infallivel;
(...)
22
He preciso tambem que o Advogado seja convencido de dólo. Chama-se dólo
todo artificio revestido de intento de enganar.
E he bem dificil de conhecer este intento, quando não he acompanhado de
actos conhecidamente mãos. (...)
Para o Advogado desempenhar bem o seu dever, deve considerar-se no lugar
do seu Cliente, e possuir-se da mesma afflicção que o attribula, em modo que
pareça advogar a sua propria causa, e não a causa alheia; dizia Quintiliano liv.
3 cap. 3. Por tanto o Juiz prudente deve levar isto em desconto ao Advogado,
antes que lhe impute dólo: e deverá tambem lembrar-se do que advertio hum
Pensador sizudo, não me lembro quem: “O espirito nem sempre tem as luzes
sufficientes para discernir a verdade, e essas que tem, só servem algumas vezes
de o desviar della.
“A viveza da percepção póde arrebartar-nos para a sutileza; e a falta de
penetração cegar-nos com os primeiros raios da luz.
“Aquelles mesmos que tem igual talento, não vêem muitas vezes os objectos
pelo mesmo lado, de forma que ás vezes de motivos oppostos: hum move-se
com alquilo, que outro vê com indifferença; aquele occupa-se com o todo,
est’outro limita-se aos detalhes, aquell’outro cuida vêr relações novas, est
unusquisque in suo sensu abundat.
“A não haverem pois graves indicios do dólo, melhor será desattender, do que
condemnar o Advogado.
As delongas com que muito retardão a marcha da justiça, são
incomparavelmente mais prejudiciaes, e a meu ver mais dignas do castigo.
39. Finalmente exige a nossa Lei, que antes de ser condenado o Advogado, se
ajunte aos Autos o Assento tomado sobre a interpretação da Lei acerca da qual
ele forjou com dólo os raciocinios frivolos, ou sophismas.
He bem acertada esta providencia; porque antes de se tomar o Assento, sempre
se ficaria na incerteza, se a interpretação do Advogado teria ou não sido a
melhor.
A lei antiga está a mostrar a sua sabedoria sem fim. Uma lei que hoje não se vê, com
tal preocupação em catalogar – de forma inteligente – os comportamentos levianos mais
usuais na prática da advocacia. Pode se ver com clareza e sem medo que é possível
minimamente, por disposições abrangentes e em boa linguagem, ter uma certa previsão e
delimitação do ilícito no comportamento do procurador em juízo.
Para os dias de hoje, a lei filipina é até muito sofisticada, vazada em termos
aristotélicos como está. Mas há muito de aproveitável, faz parecer que a prática judiciária não
mudou tanto de lá para cá, permanecendo viva a necessidade de regulação.
Coibir os raciocínios frívolos, destituídos de fundamento é dever do juiz no controle
do dever de probidade e lealdade processual. A frivolidade se dá quando: o advogado lança
23
mão de argumento fundado em juízo contrário ao senso comum; argumenta sem princípios,
ou quando parte para interpretar a lei sem aplicar as regras de interpretação, ou o faz sendo a
lei clara o bastante para não precisar interpretação, ou quando alega sem ter como provar. A
lei faz o rol dos sofismas mais freqüentes: 1) o primeiro sofisma consistente em atribuir o
caráter de necessário àquilo que é acidental; 2) o segundo sofisma se dá quando de um
princípio verdadeiro só em parte, se argumenta como se ele fosse verdadeiro em toda a sua
extensão; 3) o terceiro sofisma existe quando se toma como causa de uma coisa aquilo que
realmente não é causa dela; 4) o quarto sofisma aparece quando o argumento prova uma coisa
diversa daquela que se pretende provar; 5) e o quinto sofisma se faz ao argumentar com
aquilo mesmo que se pretende provar ou quando a conclusão serve de prova ao princípio de
onde ela é deduzida.
Evidentemente que essas são meras indicações que podem servir de guia para o juiz na
sua vida diária, depois de absorver e entender bem o que significa cada sofisma e como
podem ser utilmente aplicados na prática, consideradas as circunstâncias culturais locais. Mas
serve ao intento de mostrar a possibilidade de se refrear melhor a má atuação do advogado no
processo, que no direito costumeiro germânico sempre constituiu uma tônica, ante a
desconfiança em relação aos advogados15, influência que teria contaminado D. Afonso IV, ao
proibir advogados na sua Corte.
Obviamente que não se está aqui a vilipendiar esta que é uma das funções básicas na
administração da Justiça, sem a qual nem mesmo se pode falar em Justiça, mas o exemplo
histórico serve para enfatizar o problema, mostrando a que ponto pode chegar a
incompreensão para com a advocacia, induzida, normalmente, pelos abusos de alguns, que
acabam refletindo na imagem de todos.
Já no caso do Direito Germânico, a desconfiança em relação à atuação dos advogados,
tidos como ardilosos e proteladores, tinha um nítido fundo moral, bem ao modo exato
prussiano de ser, consistente em que não poderia haver dois argumentos válidos perante a
verdade, que é única.
Note-se, por fim, que este pensamento, sabidamente exagerado, trás em si uma
preocupação que é a mesma que aqui se quer discutir, aquela relativa aos limites da atuação
lícita do advogado, que pode, facilmente, agir com fins escusos, que não a defesa da lei e da
justiça, mas por subterfúgios através dos quais procura vantagem indevida para seu cliente16.
Em relação à advocacia, o melhor que poderia acontecer é que todos fossem treinados
para evitar os conflitos e procurar solucioná-los sem ir ao Judiciário, através de uma maior e
preponderante atuação preventiva dos advogados nos negócios jurídicos privados que, uma
vez formulados com a assistência técnica eficiente, ganhariam em certeza, diminuindo a carga
de conflituosidade.
O que se prega, portanto, é apenas uma maior ênfase para o trabalho preventivo,
preparatório dos negócios jurídicos, para evitar negócios desequilibrados, em que
15
PINTO, Eduardo Vera-Cruz. As Origens do Direito Português. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade
de Direito de Lisboa, 1996, p. 326-8.
16
Aos melindrosos de plantão, desde já é bom que fique marcado, que este trabalho não é um libelo contra a
advocacia, nem muito menos contra o direito de defesa, ambos caros pilares da democracia, erigidos à custa de
muitas vidas ao longo da história. O esforço é para entenderem que é a sua tônica um enfoque crítico no aspecto
da moralidade no processo, pelo qual se busca realçar, exatamente, o lado feio da humanidade.
24
necessariamente a consulta ao Judiciário será buscada. Sai mais barato para o cliente uma
minuta de contrato, evitando ou diminuindo as chances de litígio, do que uma boa demanda,
depois que o prejuízo já se concretizou. E para o advogado o trabalho de assistir a um negócio
jurídico também pode ser mais vantajoso, pois não depende de terceiros ( a máquina
judiciária) para exercer sua função, obtendo resultado mais rápido e potencialmente um maior
número de clientes, na medida que a assessoria extrajudicial tende a ser bem mais barata do
que a assessoria judicial.
Com isso, evidentemente que não se estaria eliminando os conflitos, cuja propensão
faz parte da natureza humana, mas poderia haver uma boa diminuição, se os advogados
exortassem seus clientes firmemente a não demandarem sem razão, a cumprirem com suas
obrigações contraídas, não se prestando a aventuras e, sobretudo não se utilizando do processo
para dilatar o tempo e assim pressionar o adversário para um negócio. Mas se uma tendência
assim de se universalizar a advocacia para um atendimento extrajudicial mais eficaz, evitando
maus negócios o quanto possível, fosse levada a efeito, certamente os escritórios teriam mais
clientes e esses teriam um serviço preventivo, que é mais barato e dá mais segurança.
3. Conclusão
Pretendemos que tenhamos conseguido mostrar a necessária ligação que há entre
moral e direito, e que isso não constitui uma idéia ultrapassada ou sem base teórica
sustentável, assim como que o positivismo jurídico não consegue afastar a metafísica do
direito, pelo seu fundamento eminentemente moral.
Esperamos ter conseguido mostrar que aproximar a moral do direito serve a uma maior
racionalização da conduta das partes no processo, contribuindo para a diminuição da
litigiosidade e para que se instaure um ambiente de maior segurança e certeza jurídica, através
do exemplo, pelo qual se dá a conscientização de todos quanto aos seus próprios deveres
éticos para com os demais. Nesse sentido, é na previsibilidade do comportamento das partes
envolvidas no processo e na constante fiscalização desse comportamento e punição das
transgressões que estará a certeza e segurança jurídica, mais até do que na própria letra da lei,
que pode ser burlada, exatamente no momento de sua discussão em juízo, por meio do
processo.
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Verdade e mentira no processo civil Juarez Rogério Felix