Excelentíssimo Senhor Doutor Promotor da Procuradoria De Justiça De Interesses Difusos e Coletivos - Ministério Público Estadual de São Paulo DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE – PSOL – SÃO PAULO, inscrito no CNPJ sob o n. 10.157.983/0001-28, com sede na R. Dr. José de Queiroz Aranha, n. 342, Vila Mariana, São Paulo-SP, CEP 04106-061, neste ato representado por seu presidente municipal Maurício Costa de Carvalho, brasileiro, casado, professor, portador do RG n. 45933205-3, inscrito no CPF sob o n. 281909058-30, residente e domiciliado na Rua Dona Inácia Uchôa, 483, CEP 04110-021, São Paulo-SP, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, apresentar a presente DENÚNCIA Voltada a atos praticados pelo MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, pessoa jurídico de direito público, inscrita no CNPJ sob o nº 46.395.000/0001-39, com sede no Palácio do Anhangabaú, sito no Viaduto do Chá nº 15, Centro, São Paulo – SP, CEP 01002-020, e na pessoa de seu prefeito, FERNANDO HADDAD, inscrito no CPF sob o n. , com endereço profissional no Palácio do Anhangabaú, sito no Viaduto do Chá nº 15, Centro, São Paulo – SP, CEP 01002-020, pelos fatos e motivos de direito a seguir elencados. I – SÍNTESE DOS FATOS É de conhecimento público e notório que, desde o início do ano de 2013 – após o início da gestão capitaneada pelo Partido dos Trabalhadores e pelo Ilmo. Prefeito Prof. Fernando Haddad –, eram anunciados vindouros reajustes nas tarifas para uso do transporte coletivo público urbano, em especial das linhas de ônibus. Os pronunciamentos dados pelo Ilmo. Sr. Prefeito de São Paulo, inclusive, foram amplamente divulgados na mídia1. A consumação de tal prenúncio vem, porém, com o Decreto n. 53.935, de 24 de maio de 2013 (DOC de 25.05.2013) que estabelece: “Art. 1º. Fica estabelecida a tarifa de R$ 3,20 (três reais e vinte centavos) para os veículos que operam no Sistema de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros na Cidade de São Paulo, válida por 3 (três) horas para o Bilhete Comum e por 2 (duas) horas para os demais bilhetes. Art. 2º O bilhete escolar, para utilização nos serviços a que se refere o artigo 1º deste decreto, fica fixado em R$ 1,60 (um real e sessenta centavos), representando redução de 50% (cinquenta por cento) no valor da tarifa estabelecida, para utilização restrita aos períodos letivos, podendo ser adquirido de acordo com a quota mensal de passes concedida a cada estudante. Art. 3º Para as viagens integradas entre o Sistema de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros na Cidade de São Paulo e o Sistema Estadual de Transporte Metropolitano sobre Trilhos, fica definido o valor de R$ 5,00 (cinco reais) para a tarifa das viagens com até 3 (três) integrações, limitado a apenas um desses registros no último sistema (Companhia do Metropolitano de São Paulo – METRÔ ou Companhia Paulista de Trens Metropolitanos – CPTM). Art. 4º As tarifas fixadas por este decreto entrarão em vigor a partir de 00h00 (zero hora) do dia 2 de junho de 2013, cumprindo aos operadores, desde logo, a adoção das medidas que se fizerem 1 É o que se nota, por exemplo, do referido depoimento colhido no portal G1 [http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2013/01/sp-tera-aumento-de-tarifa-de-onibus-ate-o-mes-de-j unho-diz-haddad.html, acessado em 27.05.2013] necessárias. Art. 5º Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, mantidas as disposições do Decreto nº 49.426, de 22 de abril de 2008, bem como as demais condições de utilização dos bilhetes previstas nos Decretos nº 46.893, de 6 de janeiro de 2006, e nº 49.822, de 25 de julho de 2008.” A atual gestão da prefeitura do Município de São Paulo, em intento nítido de favorecimento privado – isso em detrimento ao interesse público e popular, e na esteira de outras tantas medidas direcionadas em proveito da lógica do lucro, como é o caso da privatização dos terminais rodoviários2 –, busca não só majorar a tarifa pública, bem como aumentar o subsídio a ser pago às concessionárias de transporte público automotor, o que deve ser de todo coibido. É bem sabido, ademais, que a cidade de São Paulo já possui uma das maiores tarifas públicas do país – até a presente data, alcançando o importe de R$ 3,00, a ser majorada em 6,66% no dia 2 de junho de 2013 –, em que pese encontre-se em situação precária, com veículos sucateados, superlotados e insuficientes para a demanda do município, isso para que não entremos no problema da constante precarização dos vínculos de trabalho dos obreiros contratados pelas concessionárias. Nesse contexto, os usuários do transporte públicos são triplamente vitimados: pelos custos exorbitantes do serviço, pela condição precária da prestação e pelo descaso do Poder Público para com os gastos direcionados à remuneração das concessionárias. Um debate amplo e popular se faz necessário frente a tal problemática, em especial por se tratar a questão do transporte público intimamente ligada ao acesso ao trabalho, lazer, cultura, saúde e educação, na busca de efetivação do Direito à Cidade, a todos e todas, de forma universal. Ocorre que o conjunto de providências norteadas pela 2 Nesse sentido, a seguinte notícia: [http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2013/01/26/empresas-poderao-administ rar-terminal-de-onibus-em-sp.htm, acessada em 28.05.2013] Prefeitura do Município, para além de impopulares na sua essência, são eivadas por uma série de ilegalidades e inconstitucionalidades, que não podem passar incólumes pelo rigoroso crivo do Ministério Público Estadual. É o que se demonstrará a seguir, de forma articulada. II – MOTIVOS DE DIREITO São diversas as irregularidades constantes na gestão do transporte público coletivo no Município de São Paulo. Talvez a de maior gravidade seja o contínuo e reiterado descumprimento por parte da denunciada quanto à não constituição de um Plano de Mobilidade Urbana, na esteira do quanto prevê a Lei n. 12.587/2012. O referido plano – instituído com intento de dar eficácia aos arts. 21, XX, e 182 da Constituição –, de necessária aplicação no município desde sua entrada em vigor, deve ser necessariamente traçado a partir de/visando um amplo e democrático debate com a população, em associação ao Plano Diretor Estratégico do município. Seus fins mostram-se claros no texto do art. 2º da referida Lei: Art. 2o A Política Nacional de Mobilidade Urbana tem por objetivo contribuir para o acesso universal à cidade, o fomento e a concretização das condições que contribuam para a efetivação dos princípios, objetivos e diretrizes da política de desenvolvimento urbano, por meio do planejamento e da gestão democrática do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana. Deve ser promovido, aliás, no intento de fomentar uma maior capilaridade popular no debate acerca do transporte público urbano, o que não foi e não é respeitado pela denunciada. Vale frisar que os patamares de aplicação fixados na referida lei visam a acessibilidade universal do serviço de transporte coletivo público, o desenvolvimento sustentável da cidade – economica e ambientalmente –, a equidade no acesso, a eficiência, eficácia e efetividade na prestação do serviço e da circulação urbana e, sobretudo, a gestão democrática dos préstimos , tudo seguindo a tônica da distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços entre todos os participantes de tal relação (art. 5º, da supracitada Lei). Porém, ao sonegar a efetiva participação popular neste debate e nesse processo decisório, fere de morte a pedra basilar que sustenta todo o sistema instituído com o Plano. Questão central neste debate decorre da gestão das políticas tarifárias, que deve vir a efetivar todos os princípios norteadores do Plano. A inobservância desses princípio, todavia, é a tônica das políticas do Município de São Paulo. Em que pese a legislação fale na necessidade de remunerar o prestador de serviço, é certo tal remuneração deve ser fixada em patamares condignos e razoáveis aos préstimos, bem como, visando atenção ao interesse público primário, em importes diminutos, haja vista a natureza pública do serviço. Se “compete ao poder público delegante a fixação dos níveis tarifários” (art. 9º, parágrafo oitavo, da Lei n. 12.587/2012), deve-se ao menos atentar-se às premissas da democratização e participação popular para fixação de tais critérios, bem como todos os demais ditames previstos no art. 9º, parágrafos nono, décimo da Lei 12.587/2012. Isso, claro, no curso e após regular processo licitatório, em que a concessionária deverá arcar por sua própria conta e risco o preço de sua remuneração (art. 9º, da Lei 8987/1995 e art. 17, parágrafo segundo, do Decreto Municipal n. 42.736, de 19 de dezembro de 2002), o que jamais poderia ser repassado aos usuários do serviço ou à população em geral, destinatária do orçamento público. Não pode, assim, à revelia da vontade e participação públicas, majorar a tarifa pública e os subsídios direcionados às concessionárias. A denunciada nem ao menos se digna a “divulgar, de forma sistemática e periódica, os impactos dos benefícios tarifários concedidos no valor das tarifas dos serviços de transporte público coletivo”, como lhe é obrigado, na forma do art. 8º, parágrafo segundo, da referida Lei, bem como no art. 23, XXIV, da Lei n. 8.987/1995. A transparência do préstimo público é completamente deixada de lado, não podendo a população – e os usuários do serviço,em especial – avaliar se a política tarifária vem sendo adotada na forma do art. 27 e seguintes da Lei Municipal 13.241/2001, sem excessos ou direcionamentos em prejuízo ao erário público de verbas que deveriam ser destinadas ao bem estar popular, e não ao empresariado. A situação se mostra ainda mais grave quando não se sabe quais são os critérios fixados para os reajustes do preço das tarifas e remuneração da concessionária que futuramente contratará com o Poder Público por longo período, haja vista prever o art. 21, I, da Lei n. 13.241/2001, que os contratos de concessão têm duração de 15 anos, sendo certo que o regulamento da referida lei – o Decreto Municipal 42.736/2001 –, pontua em seu art. 8º a possibilidade de concessão por até 25 anos! É nesse contexto que os aventados reajustes automáticos, à revelia do crivo público, não podem ocorrer. Ainda mais em um ambiente em que nem ao menos o serviço adequado – esperado em toda concessão pública, na esteira do art. 6º da Lei 8.987/1995 – é efetivamente prestado. Como pensar em “reduzir as desigualdades e promover a inclusão social” (art. 7º, I, da Lei 12.587/2012) por meio da universalização do transporte coletivo público em um quadro como o que ora se afigura? Como “consolidar a gestão democrática como instrumento e garantia da construção contínua do aprimoramento da mobilidade urbana” (art. 7º, V, da Lei 12.587/2012) quando sabemos que tais políticas são verticalmente impostas, sem qualquer debate com a população? É direito do usuário “participar do planejamento, da fiscalização e da avaliação da política local de mobilidade urbana” (art.14, II, da Lei 12.587/2012), isso por meio dos mecanismos constantes no art. 15, da Lei n. 12.587/2012, que devem ser aplicadas de imediato. Mas não é só. Engana-se aquele que acha ser apenas a recente Lei n. 12.587/2012 desrespeitada pela denunciada. É certo a universalidade no acesso ao serviço – já consagrada no art. 3º, II, da Lei Municipal 13.241/2001 e no art. 3º, XX, do Decreto Municipal 42.736/2001 – não pode ser alcançada quando promovidas políticas de majoração da tarifa para uso do serviço público, ainda mais quando consideramos o elevado contingente de usuários do serviço com A participação popular, aliás, já era prevista no art. 3º, VIII, da Lei Municipal 13.241/2001, bem como, em sua raiz, na fiscalização dos préstimos, na forma do art. 30, parágrafo único, da Lei Federal n. 8987/1995. Assim, a fim de que não se configurem patentes irregularidades e ilegalidades no processo de concessão pública para o serviço de transporte coletivo público, deve ser a presente denúncia acolhida, tomando-se as providências a seguir elencadas. III - REQUERIMENTOS Frente a todo o exposto, o denunciante requer digne-se este Ilustríssimo Parquet acolha a presente denúncia, a fim de: i) tomar todas as medidas jurídicas necessárias para impedir a consumação dos atos praticados pela denunciada no intento de majoração da tarifa pública e do subsídio público dado às concessionárias de transporte coletivo; ii) buscar anular eventual ato praticado ou por praticar da denunciada – em especial o Decreto Municipal n. 53.935/2013 –, buscando, em apreço ao Plano de Mobilidade Urbana e à Lei 12.587/2012, a efetivação de todos os primados de democratização e participação popular na gestão do transporte coletivo público; iii) direcionar medida para que as eventuais concessões para o transporte coletivo público tenham critérios de reajuste, na forma do art. 23, IV, da Lei 8987/1995, referendados por órgãos de participação e gestão popular; iv) sejam tomadas todas as providências necessárias para eventual averiguação complementar que se faça necessária acerca dos fatos ora elencados. São Paulo, 29 de maio de 2013. Maurício Costa de Carvalho