I I IIIII MPPE N° DOCUMENTO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Procuradoria Geral de Justiça 6a Procuradoria de Justiça Cível s 39 N° Auto: 3.35'-G/20'çg CURSO NECESSÁRIO CÍVEL N° 003135 8 CORRENTE. 0 JUIZO DA COMARCA DE MACA RAN ITA E: COMPANHIA PERNAMBUCANA-EAMENCOMPESA ORRIDAS: COMPESA E A _JUSTIÇA PÚBLICA kAT 12-:- JOSÉ ANTONIO MAGEDOIWALTA PARECE Recorre de oficio, por força do duplo grau de jurisdição, o Juízo da Comarca de Macaparana da decisão de fls. 115/129, por ele proferida nos autos da Ação Civil Pública n° 5127/95, movida pelo Ministério - Público de Pernambuco, através do representante legal com exercício em Macaparana, contra a Companhia Pernambucana de Saneamento - COMPESA, pela qual julgou procedente a ação, para "CONDENAR A COMPANHÍA PERNAMBUCANA DE SANEAMENTO - COMPESA na obrigação de fazer, consistente em adequar o fornecimento d'água às determinações no relatório da FUSAM-DEVISA fornecendo à população de Macaparana - PE., um líquido límpido, potável e sem bactérias sob pena de multa diária que estabeleço no valor de 5000 UFEP'S a ser recolhida ao Fundo de gue trata o art. 13 c/c o art. 12 § 2°, da Lei n° 7.347/85, assim como, a INTERDIÇÃO DO ABASTECIMENTO, EM CASO DE DESCUMPRIMENTO, MANTENDO, "in totum", o inteiro conteúdo da liminar anteriormente concedida, tornando-a definitiva". Inconformada, recorreu voluntariamente a COMPESA (v. fls. 138/14, alegando, resumidamente, não ser lícito ao Magistrado conhecer diretamente do pedido, quando foi requerida produção de prova em audiência, violando os princípios do contraditório e da ampla defesa. 1 R. do Sol 143 - 6° - Edf. IPSEP - Sto. Antonio - Recife - Fones: 2242627/2242527/2242525 T+ 4' 4 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Procuradoria Geral de Justiça 6a Procuradoria de Justiça Cível Embora preclusa a matéria, determinou o Magistrado, após a sentença, audiência de conciliação (v. fls. 151), com o que concordou o Ministério Público, requerendo realização de perícia para comprovação do cumprimento da sentença (v. fls. 152/152v.). Realizada a audiência (v. fls. 159/159v.), foi determinada a realização da perícia, no prazo de 45 dias. Em 18.03.96, o escrivão certificou que decorreu o prazo, sem cumprimento das determinações legais (v. fls. 160). A perícia foi anexada em 27 de março de 1996 (v. fls. 161/170). Às fls. 173/173 v , manifesta-se o Ministério Público, no sentido de que o laudo pericial materializa o total descumprimento por parte da COMPESA, da ordem judicial proferida liminarmente e assegurada definitivamente na sentença, em que foi exigido à ré o tratamento da água do Município e até o presente não efetuado. Informa que o laudo pericial se aniquila pelo laudo apresentado pela Secretaria de Saúde do Estado. Em resposta à manifestação do `parquet', a COMPESA, às fls. 177/179, diz ter realizado a perícia, com coletas em sete lugares diferentes, sendo que apenas duas informaram não atender a água as especificações estabelecidas nas legislação vigente. E que as providências para regularização desses dois pontos já estão em andamento, requerendo a improcedência da ação, em face dos resultados apresentados. 9. O recurso é tempestivo, conforme constatou o próprio Magistrado, que o recebeu nos efeitos legais, sendo suspensivo tão somente na parte da decisão que determinou a interdição de todo o abastecimento d'água de Macaparana (v. fls. 192/193), por entender que, após a sentença, cumpriu e acabou o seu oficio jurisdicional e tudo o que fez foi por excesso de zelo. 2 R. do Sol 143 - 6° - Edf. IPSEP - Sto. Antonio - Recife - Fones: 2242627/2242527/2242525 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Procuradoria Geral de Justiça 6a Procuradoria de Justiça Cível Às fls. 194/194 v., o Ministério Público requereu a execução provisória e às fls. 196/201, contra-arrazoou o recurso de apelação, demonstrando que a ação civil pública foi ajuizada com base em provas contundentes e que, convencido o Magistrado, poderia, corno o fez, antecipar o julgamento da lide. Demonstrou também que a Secretaria de Saúde do Estado confirmou a má qualidade da água e a relação do fato com o aumento de diarréias infecciosas no Município, sendo obrigação do prestador de serviço público, fazê-lo de forma eficiente, adequada e ininterrupta, pugnando pela manutenção da sentença. Atendido o pedido do `parquet' de execução provisória (v. fls. 203). 12. O preparo foi efetuado a tempo. Há, contudo, irregularidades a serem arguidas. Como bem disse o próprio Magistrado (v. fls. 192), estabelece o art. 463, inciso I, do CPC que, ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o oficio jurisdicional, só podendo alterá-la para lhe corrigir, de oficio ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou para lhe retificar erros de cálculo. Ora, no caso sob reexame necessário, não ocorreram inexatidões materiais nem existem erros de cálculo a serem retificados, portanto, não poderia jamais o Magistrado ter determinado, como o fez, audiência de conciliação, após a sentença publicada. E o que é mais grave, determinar em audiência fosse realizada perícia, conforme solicitada pela ora apelante. Todos os atos posteriores à sentença, portanto, são nulos e devem ser tidos como inexistentes. Registre-se o que dizem a respeito, os mestres e juristas Nelson e Rosa Nery: "Atividade do juiz depois da sentença. Cabe ao juiz, após a prolação da sentença, apenas verificar os pressupostos de admissibilidade do eventual recurso contra a mesma interposto, deixando ao tribunal ad quem a matéria restante, inclusive quanto a documentos juntados pela parte (RJTJSP 3 R. do Sol 143 - 6° - Edf. IPSEP - Sto. Antonio - Recife - Fones: 2242627/2242527/2242525 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Procuradoria Geral de Justiça 6a Procuradoria de Justiça Cível 122/328, rel. Des. Ney Almada), a respeito dos quais é impossível juízo de oportunidade, sem que se cumpra o concomitante exame, já agora inacessível ao Mga dor de primeiro grau, do próprio mérito do recurso" (1° TACivSP, MS 522151, rel.Santini Teodoro, j. 15.12.1992) (Código de Processo Civil Comentado, 2' ed. RT, 1996, pág. 833) (grifou-se) O art. 125, inciso IV, por outro lado, invocado pelo ilustre Magistrado, para legitimar a sua decisão de determinar audiência e perícia, após a sentença já publicada, apenas lhe dá competência para tentar a qualquer tempo, conciliar as partes. Só que aqui, não houve conciliação, tampouco transação, mas produção de provas, após a publicação da sentença, matéria preclusa e inadmissível nesta fase do processo. Aliás, não é outra a interpretação dos mestres e juristas Nelson e Rosa Nery, quando lecionam que a tentativa de conciliação pelo juiz é obrigatória, podendo e devendo ocorrer a qualquer tempo durante o curso do processo, podendo ser exercida pelo juiz mais de uma vez, quantas forem necessárias. E concluem, dizendo: "Não há termo final para a tentativa de conciliação pelo juiz, pois mesmo depois de proferida a sentença, sendo vedado ao magistrado alterá-la (CPC 463), as partes podem chegar à composição amigável de natureza até diversa da que fora estabelecida na sentença. O término da demanda judicial é sempre interessante e deve ser buscado sempre que possível" (obra cit., pág. 549). Logo, todos os atos posteriores à sentença devem ser tidos como inexistentes, não podendo ser conhecidos por esse Egrégio Tribunal de Justiça. Contudo, não é motivo para anulação da sentença, porque posteriores a ela e atos sem qualquer valor para o processo, portanto, em nada alteram o teor da sentença prolatada, só que apenas ela, exclusivamente ela, deve ser objeto de reexame. Acrescente-se, aliás, que o próprio Magistrado reconhece o seu erro, ter acabado a sua jurisdição, com a sentença e penitenciando-se, rejeita os pedidos posteriores das, 4 R. do Sol 143 - 6° - Edf. IPSEP - Sto. Antonio - Recife - Fones: 2242627/2242527/2242525 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Procuradoria Geral de Justiça 6a Procuradoria de Justiça Cível partes. Logo, ele próprio voltou atrás, desconsiderando os atos posteriores à sentença (v. fls. 193). Quanto à alegada impossibilidade de o Magistrado decidir diretamente a questão, sem produção da prova requerida, não tem qualquer fundamento a arguição, sendo claro o dispositivo legal do CPC (art. 330, inciso I), quando afirma que sendo a questão de mérito de direito e de fato, o juiz poderá conhecer diretamente do pedido, proferindo sentença, se não houver necessidade de produzir prova em audiência. Só não seria lícito ao Magistrado conhecer diretamente do pedido, se a presunção em favor do autor fosse relativa. Mas não foi o caso. Ao contrário: a ação civil pública baseou-se em farta e contundente produção de provas, trazida aos autos com inquérito civil e laudo incontestável da Secretaria de Saúde do Estado, afirmando que a água do Município estava imprópria ao consumo, por conter coliformes fecais. Além do mais, trata-se de direito indisponível e de fato incontroverso, não se justificando audiência, se os fatos estavam provados em documentos, como já decidiu o STJ, 3 a Turma, Resp 1.344RJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 4.12.89, tendo, portanto, amparo legal, não se configurando afronta aos arts. 425 e 331, conforme decisão do STJ, AG 45539, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, j. 14.12.1993, DJU 8.2.1994, p. 1303. No mérito, não merece qualquer reparo a decisão ora sob reexame necessário, por seus judiciosos fundamentos. De fato, a perícia realizada pela Secretaria de Saúde do Estado, através do Laboratório Central - Departamento de Bromatologia e Química (v. fls. 26/37) é conclusiva de que a água está contaminada, em desacordo com as especificações legais, com a sugestão de aumento do número de diarréias infecciosas no Município. Em sua contestação, a ora apelante limitou-se a contestar o laudo pericial, mas em momento algum, demonstrou ser inveridico ou estar fazendo alguma coisa para modificar a situação. E mesmo em sua apelação, a preocupação é de ordem financeira e não com a saúde e segurança da população de Macaparana. Em momento algum, sente-se a preocupação da apelante em solucionar a questão da saúde pública, provocada pela contaminação da água, mas tão somente contesta 5 R. do Sol 143 - 6° - Edf. IPSEP - Sto. Antonio - Recife - Fones: 2242627/2242527/2242525 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Procuradoria Geral de Justiça 6a Procuradoria de Justiça Cível e revolta-se com a penalização. De outra parte, mesmo sabendo-se que a nova perícia realizada pela Secretaria da Saúde, por perito designado na audiência de conciliação, após a sentença (v. fls. 162/170) não pode ser sequer apreciada, por inexistente, se por absurdo fosse considerada, ela própria detectou problemas com a água com as coletas 371 e 373, explicando inclusive as razões por que estão ocorrendo e afirmando em sua conclusão da absoluta necessidade de providências por parte da COMPESA, inclusive de monitoramento permanente, confirmando a perícia que deu ensejo à ação civil pública. Além do mais, a perícia trazida à colação pela apelante, também processualmente inexistente, não podendo ser apreciada por esse Egrégio Tribunal de Justiça, e aqui apenas referida pelo prazer da argumentação, foi realizada pelo Laboratório Regional de Carpina e embora informe pela potabilidade da água, observa-se que em todos os locais onde foram realizadas as coletas, existem coliformes fecais, que, ao juízo daquele laboratório estão dentro dos padrões bacteriológicos. O que se registra, portanto, e como da maior gravidade, é que, em momento algum, ficou demonstrado que a apelante procurou cumprir o que lhe foi determinado pela Secretaria da Saúde e pela Justiça. o Absurdo o descaso da COMPESA com a saúde pública e com a Justiça! O que se percebe todo o tempo é a total ausência de preocupação da apelante em cumprir as ordens legais e judiciais, procurando se eximir de responsabilidade, sem qualquer empenho real em solucionar a questão, até porque só quem tem condições de avaliar se a água de fato foi tratada e está em condições de uso é a Secretaria da Sáude do Estado, que foi quem realizou o exame inicial e exigiu as providências. Não fosse tudo isto suficiente, não se pode esquecer que em matéria de Direito do Consumidor, a responsabilidade é objetiva, portanto, enquanto não demonstrado de forma cabal e incontestável a solução dos problemas encontrados com a água, a responsabilidade do infrator subsiste. Como dito acima, a responsabilidade é objetiva, pela legislação consumerista, Lei 8078/90, excetuando-se tão somente a 6 R. do Sol 143 - 6° - Edf. IPSEP - Sto. Antonio - Recife - Fones: 2242627/2242527/2242525 o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Procuradoria Geral de Justiça 6a Procuradoria de Justiça Cível responsabilidade dos profissionais liberais, não cabendo aqui qualquer discussão em torno da culpa ou não do réu, exigindo tão somente a prova da autoria, da materialidade do fato e a respectiva relação de causalidade, como visto, todos devidamente comprovados. Além do mais, claro o dispositivo legal: "Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código". (grifouse) Significa dizer que qualquer serviço público deve ser prestado de forma adequada, eficiente e segura, isto é, não podem portar vícios de qualidade (insegurança ou inadequação) ou de quantidade. E quanto aos serviços essenciais, devem ainda ser prestados com continuidade. Não cumprindo as obrigações legais básicas, enumeradas no `caput' do art. 22, o consumidor é legitimado para, em juízo, exigir que sejam "as pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos compelidas a cumpri-las". Assim, leciona o jurista Rodolfo de Camargo Mancuso: "A responsabilidade do Estado, nas relações de consumo, exsurge especialmente na prestação dos serviços à população: transportes; atendimento médico-hospitalar; fornecimento de água, gás, telefone e energia elétrica; segurança pública; correios etc. É para casos que tais que se endereça o art. 22 do CDC: "Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a 7 R. do Sol 143 - 6° - Edf. IPSEP - Sto. Antonio - Recife - Fones: 2242627/2242527/2242525 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Procuradoria Geral de Justiça 6a Procuradoria de Justiça Cível fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código". Quer dizer: se por falha imputável à má conservação de equipamentos uma usina nuclear deixa "vazar" elemento radioativo e com isso interrompe o fornecimento de energia por ela gerado, haverá, a um tempo, dano ecológico e dano ao consumidor, ambos imputáveis ao Estado; o mesmo ocorrerá se, por omissão ou retardamento das providências a seu cargo, o Estado enseja que uma paralisação dos transportes se alastre e perdure por tempo indeterminado, impedindo a locomoção dos cidadãos e, por consequência, inviabilizando a economia: também aí responderá o Estado por seus atos ou omissões. Como se vê, o CDC adotou, na responsabilidade civil do Estado, a teoria do risco administrativo, assim explicitada por José de Aguiar Dias: "Portanto, dado que um indivíduo seja lesado nos seus direitos, como condição ou necessidade do bem comum, segue-se que os efeitos da lesão, ou os encargos de sua reparação, devem ser igualmente repartidos por toda a coletividade, isto é, satisfeitos pelo Estado a fim de que, por este modo, se restabeleça o equilíbrio da justiça comutativa: `quod omnes tangit, ab omnibus debet supportari'. Ou, como diz Antonio Herman de V. e Benjamin, o CDC estabelece "uma obrigação especial de adequação, eficiência e segurança para os serviços públicos independentemente da sua forma de prestação ou do sujeito que os forneça"; e, corretamente, aduz, "cria-se para o consumidor um direito à continuidade do serviço" (Manual do Consumidor em Juízo, ed. Saraiva, 1994, págs. 61/62) (grifos do autor e nosso) Da mesma forma o caso presente: se a impotabilidade da água 8 R. do Sol 143 - 6° - Edf. IPSEP - Sto. Antonio - Recife - Fones: 2242627/2242527/2242525 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Procuradoria Geral de Justiça 6a Procuradoria de Justiça Cível é decorrente da má conservação ou da falta de fiscalização por parte da COMPESA, temos a um só tempo, dano ecológico e dano ao consumidor, devendo o Estado, através da sua prestadora de serviço público à população, responder pelos prejuízos daí decorrentes, tratando a água, para se tornar adequada, eficiente e segura, evitando a interrupção do fornecimento, que por ser serviço essencial, tem que ser contínuo e informando à população de todos os riscos pelo consumo da água imprópria, em função das bactérias nela encontradas. Isto que não fez a apelante. Não consta nos autos nenhuma comprovação do tratamento da água, tão pouco informou à população dos riscos de consumo, como lhe determinou a liminar E o Código do Consumidor estabelece a responsabilidade objetiva, independentemente de culpa, na reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. O § 6° do art. 37 da Constituição Federal, de outra parte, estabeleceu esta mesma responsabilidade objetiva às pessoas jurídicas de direito público, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. a. "Uma inovação trazida pela atual Constituição - diz MÁRIO AGUIAR MOURA - é a extensão do mesmo critério às concessionárias ou permissionárias do serviço público. Assim, no caso dos serviços concedidos de transporte, fornecimento de água, eletricidade etc. as empresas respondem perante terceiro segundo os critérios da responsabilidade sem culpa nas mesmas condições do que ocorre com a pessoa jurídica pública" (grifou-se) Portanto, alegar como fez a apelante que é impossível um fornecimento de água totalmente pura à população que se utiliza desse tipo de fornecimento, é um assinte à coletividade e um descaso com a saúde pública. E ainda que houvesse elementos estranhos influindo para a impureza da água, ainda assim, a responsabilidade subsistiria. Isto porque a única exceção prevista no Código de Defesa do Consumidor para a responsabilidade objetiva, está prevista no art. 14, § 4°, que estabelece que 9 R. do Sol 143 - 6° - Edf. IPSEP - Sto. Antonio - Recife - Fones: 2242627/2242527/2242525 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Procuradoria Geral de Justiça 6a Procuradoria de Justiça Cível a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. Em todos os demais casos, a responsabilidade é objetiva, ou seja, independentemente da existência de culpa. 17. Com a entrada em vigor do Código do Consumidor, aos fornecedores públicos ou privados, bem como a seus empregados ou prepostos em relação aos produtos ou serviços, compete, entre outros direitos básicos, a proteção da vida, saúde e segurança dos consumidores, em função dos produtos colocados no mercado de consumo ou dos serviços prestados, através da orientação do Estado e dos próprios fornecedores às pessoas, em relação ao consumo, e de informações claras, precisas, completas sobre os produtos ou serviços. É direito básico do consumidor ainda, a qualidade nos serviços públicos prestados e o direito à indenização pelos danos sofridos. Assim, nas palavras do advogado e professor de Campinas, São Paulo, José Antonio Zanon: ...a convivência em uma sociedade civil cada vez mais esclarecida, que busca mecanismos capazes de assegurar o ressarcimento do dano, o pressuposto da culpa provada tornou-se inviável, unia vez que não interessa saber se o empregador ou o empregado agiram culposarnente, mas somente se deram causa à produção ou à colocação do produto no mercado de consumo" (Direitos do Consumidor e a Responsabilidade dos Fornecedores, Copola Ed., 1996, pág. 32) Ora, de outra parte, a saúde e a segurança da pessoa são duas preocupações do Código de Defesa do Consumidor que podem ser traduzidas pelo disposto no art. 8° do CDC, na frase: os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não devem acarretar riscos à saúde ou à segurança dos consumidores. E, em qualquer hipótese, devem os fornecedores dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito, inclusive, sobre os riscos que apresentem (art. 6°, inciso 10 R. do Sol 143 - 6° - Edf. IPSEP - Sto. Antonio - Recife - Fones: 2242627/2242527/2242525 Oç MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Procuradoria Geral de Justiça 6' Procuradoria de Justiça Cível III do CDC). Portanto, corretíssima a decisão: provado de forma inconteste a existência de coliformes fecais na água de Macaparana, a sanção não poderia ser outra, além do tratamento adequado da água, a não ser a divulgação imediata do fato, objetivando a proteção da saúde dos consumidores daquela água. Não apenas a COMPESA não cumpriu a determinação legal, como o Magistrado tão somente determinou o cumprimento do disposto no § 1° do art. 10 do CDC, que impõe como dever do fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente, à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários. A questão é que a apelante estava todo o tempo preocupada tão somente com a sua imagem pública e com os prejuízos financeiros decorrentes do fato e não com o interesse público relevante, a saúde e segurança da população do Município de Macaparana. 18. Ainda sobre a responsabilidade objetiva, não é demais acrescentar algumas palavras de doutrinadores que se preocuparam mais com a questão ambiental, até porque se aplica indubitavelmente à defesa dos consumidores e porque água poluída é também questão ambiental, em seu sentido mais amplo, exigindo-se, apenas, para a comprovação da responsabilidade objetiva, a prova da autoria, da materialidade do fato e a respectiva relação de causalidade, temos, como visto, todos devidamente comprovados. Sobre a responsabilidade objetiva, discorreu o jurista Édis Milaré, em trabalho intitulado 'A Ação Civil Pública em Defesa do Ambiente': "Nos casos de dano ao meio ambiente, diversamente, a regra é a responsabilidade objetiva, - ou, nas palavras do próprio legislador, "independentemente de existência de culpa", - sob a modalidade do risco integral, q não admite quaisquer excludentes de responsabilidade. 11 R. do Sol 143 - 6° - Edf. IPSEP - Sto. Antonio - Recife - Fones: 2242627/2242527/2242525 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Procuradoria Geral de Justiça 6' Procuradoria de Justiça Cível Com a Constituição de 1988, a responsabilidade civil objetiva do poluidor foi constitucionalizada. Segundo esse sistema, não se aprecia subjetivamente a conduta do poluidor, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e seu ambiente. Nesse caso, para que se possa pleitear a reparação do dano basta que o autor demonstre o nexo causal entre a conduta do réu e a lesão ao meio ambiente a ser protegido. Três, portanto, os pressupostos para que a responsabilidade emerja: gl ação ou omissão do réu- bi evento danoso; 1 relação de causalidade. A responsabilidade civil objetiva funda-se num princípio de equidade, existente desde o Direito romano: aquele que lucra com uma atividade deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes. Assume o agente, destarte, todos os riscos de sua atividade, pondo-se fim, em tese, à prática inadmissível da socialização do prejuízo e privatização do lucro. Não mais inibe o dever de reparar eventuais danos causados a ausência de culpa ou a licitude da atividade" (Ação Civil Pública, coordenado por Édis Milaré, ed. RT, 1995, págs. 209/211) (grifou-se) mais adiante, ao falar sobre a irrelevância da licitude da atividade, acrescenta: "Além da prescindibilidade da culpa, uma segunda consequência da adoção da responsabilidade objetiva soba a modalidade do risco integral consiste na irrelevância da licitude da atividade. Ou seja, no Direito brasileiro, ao contrário do que sucede em outros sistemas (o italiano, p.ex.), a responsabilidade civil pelo dano ambiental não é típica, independe de ofensa a standard legal ou regulamentar específico, já que não tem o Poder Público, em nosso caso, "o direito de consentir na agressão à saúde da população através do controle exercido pelos seus órgãos". 12 R. do Sol 143 - 6° - Edf. IPSEP - Sto. Antonio - Recife - Fones: 2242627/2242527/2242525 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Procuradoria Geral de Justiça 6a Procuradoria de Justiça Cível Na ação civil pública ambiental não se discute, necessariamente, a legalidade do ato. É a potencialidade de dano que o ato possa trazer aos bens ambientais que servirá de fundamento da sentença. As normas administrativas existentes nada mais significam que um teto, "uma fronteira, além da qual não é lícito passar. Mas não se exonera o produtor de verificar por si mesmo se sua atividade é ou não prejudicial" (obra cit., págs. 211/212) (grifou-se) Tendo em vista que a apelante tenta responsabilizar ações da natureza, mesmo não sendo o caso e provado nos autos a inteira e exclusiva responsabilidade dela, apelante, vale a pena esclarecer que a responsabilidade objetiva adotada pelo Direito brasileiro em defesa do Direito do Consumidor, torna irrelevante também o caso fortuito, a força maior e o fato de terceiro. É o mesmo jurista Édis Milaré quem discorre: "Ora, verificado o acidente ecológico, seja por falha humana ou técnica, seja por obra do acaso ou por força da natureza, deve o empreendedor responder pelos danos causados, podendo, quando possível, voltar-se contra o verdadeiro causador, pelo direito de regresso, quando se tratar de fato de terceiro. É essa a interpretação que deve ser dada à Lei 6.938/81, que delimita a Política Nacional do Meio Ambiente, onde o legislador, claramente, disse menos do que queria dizer, ao estabelecer a responsabilidade objetiva. (.) Se é certo que a poluição jamais chegará a nível zero, também é certo que os custos sociais dela decorrentes devem ser suportados por aquele que, diretamente, lucra com a atividade e que está melhor posicionado para controlá-la: o próprio poluidor. Em outras palavras, com a teoria do risco integral ambiental o poluidor, na perspectiva de uma sociedade solidarista, contribui - nem sempre de maneira voluntária - com a 13 R. do Sol 143 - 6° - Edf. IPSEP - Sto. Antonio - Recife - Fones: 2242627/2242527/2242525 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Procuradoria Geral de Justiça 6' Procuradoria de Justiça Cível reparação do dano ambiental, mesmo quando presente o caso fortuito, a força maior ou o fato de terceiro. É o poluidor assumindo todo o risco que sua atividade acarreta: o simples fato de existir a atividade somado à existência do nexo causal entre essa atividade e o dano produz o dever de reparar" (grifou-se) É essa também, a interpretação que deve ser dada à Lei n° 8.078/90. 19. A responsabilidade por danos ao meio ambiente e ao consumidor, de outra parte, além de objetiva, é solidária. E nas palavras do jurista Édis Milaré, nos termos da lei brasileira, responsável principal é o "poluidor". Poluidor é a "pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental". São suas as lições que seguem: "Embora quem quer que contribua para a degradação do meio ambiente é civilmente responsável pelos danos daí decorrentes, não há dúvida que a responsabilidade primeira - mas não exclusiva - reside com o empreendedor. É ele o titular do dever principal de zelar pelo meio ambiente e é a ele que aproveita, direta e indiretamente, a atividade lesiva. Havendo mais de um empreendedor, pode a reparação ser exigida de todos e de qualquer um dos responsáveis, segundo as regras da solidariedade. É que, como sustenta Jorge Alex Nunes Athias, "uma das maiores dificuldades que se pode ter em ações relativas ao meio ambiente é exatamente determinar de quem partiu efetivamente a emissão que provocou o dano ambiental, máxime quando isso ocorre em grandes complexos industriais onde o número de empresas em atividade é elevado. Não seria razoável que, por não se poder estabelecer com precisão a 14 R. do Sol 143 - 6° - Edf. IPSEP - Sto. Antonio - Recife - Fones: 2242627/2242527/2242525 a MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Procuradoria Geral de Justiça 6a Procuradoria de Justiça Cível qual deles cabe a responsabilização isolada, se permitisse que o meio ambiente restasse indene". Ao que pagar pela integralidade do dano caberá ação de regresso contra os outros co-responsáveis, pela via da responsabilização subjetiva, e onde se poderá discutir a parcela de responsabilidade de cada um" (obra cit. págs. 213/214) (grifou-se) Não se pode esquecer que a preservação do meio ambiente e da saúde da população é interesse público relevante, estabelecendo o art. 225, caput, da Constituição Federal, que "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações", estabelecendo no § 3° que "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas fisicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados". O mesmo ocorrendo com a agressão à saúde do consumidor, preocupação constitucional, ao estabelecer no art. 196 que "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, explicitando no art. 197 que cabe ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado". Pela gravidade da questão, e por tudo que foi exposto acima, torna-se necessário conscientizar não apenas os profissionais do Direito, mas sobretudo as pessoas em geral, no sentido de serem empreendidos todos os esforços e meios disponíveis na defesa da saúde da população. Ao dano ocorrido e ao risco que representa a água poluída deve corresponder uma reação efetiva, como no caso, mas não apenas do Ministério Público e de algumas pessoas mais conscientes, mas 15 R. do Sol 143 - 6° - Edf. IPSEP - Sto. Antonio - Recife - Fones: 2242627/2242527/2242525 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO Procuradoria Geral de Justiça 6a Procuradoria de Justiça Cível principalmente dos órgãos públicos encarregados de proteger e defender a coletividade. Como bem disse o mestre dos mestres da Ação Civil Pública, Hugo Nigro Mazzilli, "É preciso, pois, conscientizar as pessoas, o Ministério Público e o próprio Poder Judiciário de que existe uni dever consistente na prática de ato positivo, seja para impedir o dano ambiental, seja para reparar o dano ocorrido, seja enfim para concorrer ativamente para a recomposição do meio ambiente lesado. Não basta apenas omitir-se e deixar que a natureza faça tudo: o homem leva alguns segundos para atear o fogo que destrói uma floresta, mas a natureza levará séculos para recompô-la... e assim mesmo só o faz quando o homem o permite... Já vimos sustentando que a luta contra a poluição e contra todas as formas de agressão à natureza surge como um dos grandes desafios da civilização. Daí o esforço generalizado de inserir nas Constituições de todos os países o direito fundamental do homem a uma condição satisfatória de vida, em ambiente cuja qualidade lhe permita viver com dignidade e bem-estar" (obra cit., págs. 104/105) (grifou-se) 20. Isto posto, e por tudo o mais que consta dos autos, inclusive as contra-razões do Ministério Público de 1 a Instância, o parecer desta Procuradoria de Justiça é pelo improvimento do recurso de oficio, prejudicado o voluntário, mantida, em consequência, a decisão ora sob reexame necessário, em todos os seus termos e por todos os seus judiciosos fundamentos de fato e de direito. 04 d- maio de 1997 Rosana Grink rg 6a Procuradora de Justiça 16 R. do Sol 143 - 6° - Edf. IPSEP - Sto. Antonio - Recife - Fones: 2242627/2242527/2242525