O que Fazem Afinal os Pesquisadores que Praticam Grounded Theory?
Autoria: Artur Eugênio Jacobus, Yeda Swirski de Souza, Cláudia Cristina Bitencourt
Resumo
A “grounded theory” (GT) é uma abordagem metodológica que se desenvolveu nos
últimos 45 anos nas ciências sociais, inclusive no campo da administração. Desde sua origem,
a GT tem sido objeto de debates acerca de suas proposições básicas e de suas prescrições. No
presente estudo, procedeu-se à análise de 45 artigos que utilizaram a GT e foram publicados
em periódicos internacionais da área da administração. O estudo revela que não há uma
“grounded theory” unívoca, mas um conceito prototípico que se realiza de formas
ligeiramente diferentes, ainda que mantenha uma essência que justifica o uso de uma mesma
denominação.
Introdução
Quem está habituado a ler artigos acadêmicos na área da administração provavelmente
já deve ter lido algum texto cujo autor afirma utilizar a abordagem metodológica denominada
“grounded theory”. Essa metodologia, que costuma ser referida pelos pesquisadores
brasileiros sem traduzi-la para o português, surgiu há mais de 40 anos na área da saúde e, aos
poucos, floresceu em muitos galhos da copada árvore das ciências sociais. Quando se observa
mais detalhadamente a área da administração, percebe-se que a “grounded theory” tem espaço
bastante limitado em alguns periódicos com alto índice de impacto, como o Strategic
Management Journal, que, após 2000, tem apenas um artigo cujo resumo faz referência a
essa abordagem metodológica. Não é de se estranhar essa quase ausência, considerando que
este é um exemplo de publicação que prioriza artigos que se valem de métodos quantitativos
de investigação. Por outro lado, uma pesquisa mais abrangente nas bases de dados
internacionais, como a EBSCO, revela uma plêiade de artigos na grande área da
administração que mencionam a utilização da “grounded theory”. Entre esses periódicos,
encontram-se alguns com alto índice de impacto, como Organization Science, MIS
Quarterly ou Academy of Management Journal. Portanto, a “grounded theory” apresentase como uma opção metodológica para quem deseja realizar investigações na área dos estudos
organizacionais e, ainda mais genericamente, no campo maior da administração.
Desde sua proposição inicial, em livro seminal de 1967 – The Discovery of
Grounded Theory: Strategies for Qualitative Research, de Barney Glaser e Anselm
Strauss –, a “grounded theory” foi aplicada num grande número de artigos e teses de
doutorado. Uma leitura dinâmica de artigos que se valem da “grounded theory” como
abordagem metodológica permite que se percebam diferenças bastante expressivas, abrigadas
sob uma denominação comum. Mas não foi apenas na aplicação que essa abordagem
metodológica movimentou-se ao longo dos últimos anos: como se verá mais adiante neste
artigo, a teorização que subjaz à metodologia continuou viva, dando lugar a divergências entre
Glaser e Strauss, bem como a contribuições de diversos outros autores, entre os quais se
destacam Charmaz (2006) e Corbin que, em edição mais recente (2008) do livro Basics of
Qualitative Research: Techniques and Procedures for Developing Grounded Theory,
escrito em parceria com Strauss e publicado pela primeira vez em 1990, manifesta um
afastamento em relação a alguns conceitos de seu coautor, falecido em 1996.
A semântica e a pragmática nos ensinam que as palavras podem carregar múltiplos
sentidos e significados, dependendo do momento, do lugar e de quem as pronuncia. Assim, os
breves indícios que se trouxe até aqui já são suficientes para colocar em questão a
uniformidade dos conceitos e das aplicações abrigados sob a denominação da “grounded
theory”: Substancialmente, quais são as diferenças entre as concepções de autores como
Glaser, Strauss, Corbin e Charmaz? Para além dessas diferenças, existe ainda um nível de
convergência que garante um mínimo grau de estabilidade ao conceito de “grounded theory”?
As aplicações da “grounded theory” nos estudos organizacionais e sobre administração
refletem as diferenças conceituais? Existe coerência entre as práticas metodológicas e os
preceitos vinculados à “grounded theory”? Além dessas, outras perguntas são pertinentes para
quem se interessa em saber como se dá a aplicação dessa metodologia: Para que tipos de
problemas a “grounded theory” está sendo empregada? Quais as justificativas dos autores
para sua utilização? Essas são algumas das legítimas perguntas que se pode fazer face a um
cenário que está longe de ser homogêneo.
Este artigo tem o propósito de buscar respostas para esse conjunto de
questionamentos. Primeiramente, será apresentado um sucinto histórico da origem e
desenvolvimento da “grounded theory”, comparando suas diferentes abordagens a fim de
identificar convergências e sistematizar suas divergências. Após a apresentação dos
2
procedimentos metodológicos, faz-se um mergulho na produção acadêmica contemporânea
para tentar alcançar uma compreensão mais abrangente de como a “grounded theory” tem
sido aplicada nos estudos abrigados na grande área da administração. Por fim, apresentam-se
as conclusões a que se chegou ao longo dessa jornada investigativa.
“Grounded Theory”: origem e desenvolvimento
Quando uma nova abordagem metodológica é proposta e ganha crescente número de
praticantes, é sinal de que ela consegue atender a um conjunto de necessidades, latentes ou
explícitas, de uma parte da comunidade científica. A “grounded theory” veio ao mundo em
1967, no livro The Discovery of Grounded Theory: Strategies for Qualitative Research,
de Barney Glaser e Anselm Strauss. Naquela época, a pesquisa qualitativa, de forma
acelerada, perdia terreno nos meios acadêmicos, mesmo nas ciências sociais (Charmaz, 2006;
Bryant e Charmaz, 2007). A prática de pesquisa qualitativa realizada nos estudos sociológicos
no âmbito da Escola de Chicago era considerada pouco sistemática, não resultando na
apresentação integrada de teorias. Como nos revelam os próprios Glaser e Strauss (1967), os
procedimentos metodológicos adotados na pesquisa qualitativa costumavam não atender aos
requisitos aplicados à pesquisa quantitativa, que, naquela época, havia se tornado o paradigma
metodológico das universidades e centros de pesquisa dos Estados Unidos. Conforme
Charmaz (2006, loc. 272), nos anos 60, os pesquisadores com orientação metodológica
quantitativa viam a pesquisa qualitativa como sendo “impressionista, anedótica, assistemática
e tendenciosa”. Faltavam-lhe propriedades consideradas importantes sob a perspectiva do
dominante paradigma positivista: observação rigorosa, reprodutibilidade dos experimentos,
dedução lógica de hipóteses, confirmação de evidências.
Glaser e Strauss foram educados, respectivamente, sob dois paradigmas contrários: o
mais interpretativista da Escola de Chicago e o claramente positivista da Columbia
University. Porém, os dois sociólogos norte-americanos estavam descontentes com as
alternativas metodológicas bipolares que se apresentavam naquela época, pois entendiam que
as duas tradições compartilhavam a mesma limitação: não integravam teoria e pesquisa
empírica. Para Glaser e Strauss (1967, p. vii), a tradição da pesquisa quantitativa tinha
alcançado êxito na resposta ao desafio de testar teorias, com gradual aperfeiçoamento da
metodologia de verificação, permanecendo, todavia, uma inércia quanto ao desenvolvimento
da capacidade de produzir teoria a partir das pesquisas. A superação dessa lacuna não poderia
vir, conforme os autores, com a fiel obediência a princípios vinculados a uma metodologia
cujo enfoque é a verificação – e não a criação – de teorias. Uma nova alternativa precisava ser
criada, e a “grounded theory” foi apresentada como um inovador conjunto de princípios,
capaz de guiar os pesquisadores, especialmente no vasto campo das ciências sociais, a
aproximarem teoria e pesquisa empírica e, ainda mais ousadamente, a gerarem novas teorias a
partir da pesquisa – teorias sustentadas e nutridas pelos dados das pesquisas empíricas.
A proposição da “grounded theory” não representava, para Glaser e Strauss (1967, p.
3), o rompimento com a tradição verificadora da pesquisa quantitativa, mas a apresentação de
uma nova metodologia, que poderia dialogar com as estratégias cujo enfoque era o teste de
teorias. Pode-se, portanto, afirmar que a “grounded theory”, por aqueles que a conceberam,
não vinha substituir um paradigma, mas preencher uma lacuna, dialogando com paradigmas já
existentes. Os autores são explícitos em sua proposta de diálogo entre o tradicional e o novo:
“A teoria deveria fornecer claras e suficientes categorias e hipóteses, de forma que
aquelas consideradas cruciais pudessem ser verificadas em pesquisas atuais e futuras;
elas devem ser claras de forma a serem facilmente operacionalizadas em estudos
quantitativos quando estes forem apropriados.” (Glaser e Strauss, idem, ibidem)
3
Uma atenta leitura do livro fundador da “grounded theory” também revela ser
improcedente a afirmação de que a metodologia proposta por Glaser e Strauss é de ordem
qualitativa, opondo-se às pesquisas quantitativas. Para os autores, tanto os métodos
quantitativos quanto os qualitativos podem ser úteis, seja para testar, seja produzir teoria. Há
ocasiões, inclusive, em que ambos os métodos devem ser empregados, um complementando o
outro (Glaser e Strauss, 1967, p. 18). Essa concepção é compartilhada, por exemplo, por Shah
e Corley (2006). Apesar de sua visão conciliadora entre as abordagens quantitativa e
qualitativa, Glaser e Strauss acabam dando mais atenção a esta última, entre outras razões,
porque os elementos cruciais das teorias sociológicas frequentemente são mais bem revelados
à luz de um método qualitativo que colha dados sobre “as condições estruturais,
consequências, desvios, normas, processos, padrões e sistemas” (Glaser e Strauss, idem,
ibidem).
A abordagem metodológica oferecida pela “grounded theory” também não foi vista
por seus fundadores como uma solução para todas as questões de pesquisa. Na verdade, como
acentuam Shah e Corley (2006, p. 1827), a “grounded theory” é mais indicada para a
construção teórica que responda a questões de pesquisa que “exploram novas áreas, buscam
revelar processos, entender fenômenos que são pouco compreendidos, tentar entender
variáveis não especificadas ou ligações mal estruturadas ou examinar variáveis que não
podem ser examinadas por meio da experimentação”.
Glaser e Strauss (1967) destacam algumas das propriedades que deveriam estar
presentes nas investigações que buscassem ser, no âmbito das ciências sociais, geradoras de
novas teorias. A primeira delas é o envolvimento simultâneo na coleta e análise de dados, que
rompe com a tradição da sequencialidade entre essas duas etapas. Outra característica é a
construção de códigos e categorias analíticos a partir dos dados e não de hipóteses deduzidas
logicamente de forma apriorística (conforme Charmaz, 2006, loc. 286). Glaser e Strauss
também propõem o emprego constante do método comparativo, em todas as etapas da análise.
Por sua vez, o desenvolvimento da teoria não acontece como uma culminância dos estágios
anteriores, devendo ser uma construção gradual, que ocorre durante cada etapa da coleta e
análise dos dados. Outro procedimento recomendado pelos autores é elaboração de notas
(“memos”) ao longo do processo de coleta e análise dos dados, nas quais o pesquisador
elabora categorias, especifica suas propriedades, define relações entre categorias e identifica
lacunas (Charmaz, idem, ibidem). A amostragem teórica é também uma propriedade
característica da “grounded theory”: os sujeitos da pesquisa, por exemplo, não são
selecionados com vistas à sua representatividade frente ao conjunto da população estudada,
mas em função de sua contribuição para o desenvolvimento da teoria. Dessa forma, a
definição da amostragem acaba não se restringindo a uma fase inicial da pesquisa, como
aconteceria numa “survey”, por exemplo, mas seria um processo sob contínua reavaliação, à
medida que novos dados são coletados e analisados, e a teoria vai ganhando forma. Vinculado
ao conceito de amostragem teórica está o de “saturação teórica”, que se verificaria quando o
pesquisador, na análise dos dados, não encontra novos elementos que lhe permitam
desenvolver as propriedades das categorias (Glaser e Strauss, 1967, p. 61). Por último, a mais
polêmica das propriedades da metodologia proposta por Glaser e Strauss é a posição da etapa
da revisão de literatura no conjunto de estágios que compõem a pesquisa: contrariando uma
longa tradição, os autores sugerem que ela somente se efetive depois que tiver sido
desenvolvida uma análise independente.
Esse conjunto de propriedades fez com que a “grounded theory”, apesar de sua
abertura para o diálogo com a tradição metodológica quantitativa e centrada na verificação de
teorias, representasse a quebra de vários paradigmas e servisse como uma forma de conferir
maior credibilidade às pesquisas qualitativas. Afinal, adotado o conjunto de procedimentos
propostos, a investigação qualitativa estaria em condições de ir além de meros estudos
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descritivos, ingressando no território dos frameworks teóricos explanatórios, capazes de
fornecer “entendimentos abstratos e conceituais dos fenômenos estudados” (Charmaz, 2006,
loc. 296).
Em grande parte, os princípios fundamentais da “grounded theory”, tal como
propostos no The Discovery of Grounded Theory, em 1967, foram aplicados e se
mantiveram estáveis ao longo dos mais de 40 anos desde sua fundação. Porém,
progressivamente, começaram a surgir questionamentos sobre alguns aspectos em particular e
mesmo algumas dissidências. A primeira polêmica que cabe destacar diz respeito ao caráter
eclético dos fundamentos da “grounded theory”, o que, por um lado, abriu espaço para
elementos interpretativistas, especialmente pela valorização do discurso e da compreensão dos
fatos sociais pelos sujeitos que os vivem, mas por outro, e paradoxalmente, aproximou essa
abordagem metodológica de alguns princípios positivistas, como a busca de maior
sistematização na coleta e análise dos dados. A esse respeito, Charmaz (2006, loc. 370) afirma
que, apesar de sua raiz interpretativista, a “grounded theory”, ironicamente, passou a ganhar,
nos anos 90, o respeito de pesquisadores com orientação positivista, parte dos quais,
inclusive, começaram a incorporar alguns de seus procedimentos em suas investigações.
Corbin (em Corbin e Strauss, 2008), por sua vez, reconhece que aconteceu uma natural
evolução do método, com diferentes tentativas de modernizá-lo, de aproximá-lo do
pensamento contemporâneo. Não se vai aqui fazer um relato histórico desses debates, mas
apresentar alguns dos principais pontos de discussão, surgidos com o desenvolvimento da
“grounded theory”.
Uma relevante divergência aparece na discussão entre Charmaz (2000) e Glaser
(2002). Charmaz procura adaptar a “grounded theory” a uma concepção construtivista, o que
implica considerar a percepção do próprio investigador como integrante daquilo que é
observado e coloca em questão o esforço de abstração que caracteriza os métodos analíticos
propostos por Glaser e Strauss (1967). Glaser (2002), porém, entende que as diferentes
perspectivas sobre os fatos sociais que cada pesquisador manifesta na sua atividade
investigativa devem ser abarcadas pelo esforço de abstração conceitual em busca da geração
de explicações teóricas que se originam dos dados, mas os transcendem. De qualquer maneira,
identifica-se aqui uma divergência de fundo, pois a perspectiva adotada por Charmaz conduz
a uma relativização do resultado do esforço analítico empreendido pelo pesquisador e
questiona a possibilidade de que a “grounded theory” possa produzir teorias testáveis por
formas objetivas de verificação.
Alguns autores identificam que os fundadores da “grounded theory” acabaram
seguindo caminhos distintos em relação à sua proposta original. Para Goulding (2001, p. 30),
Glaser passou a enfatizar o caráter emergente da teoria, ao passo que Strauss, junto com
Corbin, colocou em primeiro plano a força da teoria a ser gerada. Conforme essa análise, a
ênfase de Glaser teria se dirigido para o processo criativo e a necessidade de que o
pesquisador se aprofunde nos dados a fim de fazer com que a teoria deles “emerja”. Já Strauss
e Corbin teriam dado maior atenção ao desenvolvimento de um sistema altamente complexo
de codificação, delineado para conduzir o pesquisador ao longo das diversas fases da
pesquisa. Na análise de Goulding, ambas as perspectivas podem conduzir a problemas: ou do
excessivo risco que pode correr o pesquisador que mergulha nos dados e se entrega a um
processo criativo, ou do mecanicismo metodológico que justamente coloca em perigo a
criatividade.
Outro ponto de dissenso diz respeito ao papel e à posição da revisão da literatura ao
longo do processo de investigação. Na verdade, Glaser e Strauss (1967) são ambivalentes em
suas recomendações sobre a incorporação do conhecimento teórico prévio no esforço de
investigação. Em determinado momento, aconselham, como estratégia, ignorar a literatura
sobre o tema que está sendo pesquisado a fim de assegurar que a emergência de categorias
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não seja “contaminada” por conceitos que seriam mais adequados em outras áreas, deixando
que as similaridades e convergências com a literatura sejam estabelecidas “somente depois
que o núcleo analítico de categorias tenha emergido” (idem, p. 37). Porém, em outro
momento (idem, p. 253), os fundadores da “grounded theory” afirmam não existir uma
fórmula pronta em relação a essa questão, sugerindo que cada pesquisador experimente qual
estilo de trabalho funciona melhor para si, admitindo que é possível haver, desde o início do
processo investigativo, um diálogo entre literatura e dados. Apesar de não esconderem sua
preferência, Glaser e Strauss não são dogmáticos em relação ao papel da revisão de literatura.
Há, porém, autores que acentuam as vantagens, no processo de geração de teoria, da
suspensão do conhecimento teórico prévio antes do mergulho nos dados. Henwood e Pidgeon
(1992, p. 104), por exemplo, consideram que essa suspensão confere maior liberdade e
criatividade ao pesquisador, essenciais para o esforço de geração de nova teoria. Deixando de
lado qualquer lente teórica precisa, que auxiliaria a estruturar o caos dos dados, o pesquisador
começaria seu trabalho com lentes conceituais desfocadas, mas seu esforço de
aprofundamento analítico faria com que as lentes se tornassem cada vez mais focadas –
contudo, a perspectiva do olhar seria outra, nova, ainda que tivesse propriedades comuns com
as lentes conceituais preexistentes. Essa entrega quase absoluta aos dados, de forma
desapaixonada, é questionada por Fendt e Sachs (2008), para quem a motivação para a
pesquisa acerca de um determinado problema é normalmente desenvolvida a partir das
leituras e experiências prévias do pesquisador, normalmente plenas de entusiasmo e
curiosidade. Para Suddaby (2006, p. 634), não passa de um equívoco acreditar que seja
possível iniciar uma pesquisa com a mente em branco ou, mais modestamente, que se deixe
para fazer uma revisão de literatura apenas após ter analisado os dados empíricos.
Cabe destacar também o conflito básico entre flexibilidade e rigidez, que tem
caracterizado a discussão contemporânea acerca da “grounded theory”. Conforme Suddaby
(2006, p. 638), essa disputa entre puristas e pragmáticos estaria sendo travada entre aqueles
que escrevem sobre essa abordagem metodológica e aqueles que a empregam em suas
pesquisas. Fendt e Sachs (2008) estão entre aqueles que propõem a adoção de uma abordagem
mais pragmática da “grounded theory”. Além de questionarem o que eles classificam como
dogma irrealista da entrega desapaixonada aos dados, consideram igualmente equivocada a
prática da revisão da lógica e coerência da codificação dos dados por um acadêmico não
envolvido na pesquisa. A esse respeito, fazem a seguinte pergunta retórica: “Como pode
alguém que não estava lá quando as palavras foram pronunciadas fazer um juízo razoável
sobre se a linha da entrevista transcrita estava corretamente resumida num determinado
código?” (Fend e Sachs, 2008, p. 440). Os mesmos autores também lançam um olhar crítico
sobre as prescrições metodológicas acerca do processo de codificação, presentes
especialmente nas orientações de Corbin e Strauss (1990). Para Fend e Sachs (2008, p. 447),
as rígidas formas de codificação propostas não são capazes de produzir melhores resultados
do que fariam abstrações mais flexíveis. Argumentam que, ao contrário, o rigoroso exercício
de análise tende a “amortecer a agudeza da percepção” e suprimir o uso das capacidades
naturais dos pesquisadores na condução de seus estudos.
Essa rápida incursão na história da “grounded theory” e nas discussões
contemporâneas sobre essa abordagem metodológica revela, ao mesmo tempo, seu caráter
inovador e sua reafirmada relevância para a produção científica no âmbito das ciências
sociais, assim como exibe o natural movimento de cristalização de alguns conceitos e a
flexibilização de outros.
Procedimentos metodológicos
Para se alcançar uma compreensão mais abrangente de como a “grounded theory” está
sendo aplicada nos estudos na área da administração, constituiu-se um corpus com 45 artigos
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com relatos de pesquisas empíricas em que essa metodologia foi empregada. Esses artigos
foram selecionados a partir de uma consulta à base de dados Business Source Complete, que
integra a plataforma EBSCOhost. O critério para pesquisa na base de dados foi simples:
buscaram-se artigos que tivessem a “grounded theory” em seu “abstract”. Não se fez restrição
quanto ao índice de impacto das publicações, pois se desejava alcançar uma visão mais ampla
da produção científica que faz uso dessa metodologia, sem o filtro dos critérios editoriais dos
principais periódicos científicos, alguns dos quais simplesmente não abrem espaço para
estudos qualitativos. Foram descartados os artigos que não apresentavam relato de estudos
empíricos ou que não tratassem de tema abarcado na grande área da administração. Desse
levantamento, chegou-se ao saldo final de 45 artigos, publicados entre 1995 e 2011. Destes,
cinco foram publicados até 1999 e os demais 40 a partir de 2000, sendo 24 deles nos últimos
cinco anos. Há certo equilíbrio na distribuição dos artigos por periódico: quatro são do
Administrative Science Quarterly, três são da Organization Science, dois do Academy of
Management Journal, dois do British Journal of Management, dois do Journal of Management
Studies, dois do Management Decision, dois do Journal of Business Ethics e dois do Strategic
Management Journal. Os demais periódicos contribuíram com apenas um artigo. O espectro
editorial é bem amplo, indo desde periódicos de alto índice de impacto e abordagem
abrangente, como o Management Science, até revistas mais especializadas, como o
International Journal of Operations & Production Management ou The Leadership Quarterly.
A aplicação da “grounded theory”, nos 45 artigos estudados, abrange temas dos mais
diversos, entre os quais se destacam a inovação, liderança, comportamento organizacional,
tomada de decisão, marketing; ética nos negócios, identidade organizacional, mudança
organizacional e relações interorganizacionais. Como se pode observar no quadro 1, abaixo,
também há quem empregue a “grounded theory” para tratar de outros temas, como operações
offshoring (Levina e Vaast, 2008) ou empreendedorismo (Ahlstrom e Bruton, 2010).
Quadro 1 - Distribuições dos artigos por temática
Temática
Autores
aprendizagem organizacional
Zietsma et al (2002)
competências organizacionais
Cao e Dupuis (2009)
comportamento organizacional
Bacharach et al (2000), Collins (1995), Cooper e Kurland
(2002), Halme (2002), Henning (2008), Margolis e
Molinsky (2008), Michel (2007)
desenvolvimento de produto
empreendedorismo
ERP
ética nos negócios
gestão da informação
gestão de projetos
gestão do conhecimento
gestão estratégica
identidade organizacional
inovação
liderança
marketing
Burchill e Fine (1997)
Ahlstrom e Bruton (2010)
Dowlatshahi (2005)
Bhal e Leekha (2007), Garriga (2009)
Barker (1998)
Kendra e Taplin (2004)
Kangas (2009)
Kiridena et al (2009)
Clark et al (2010), Gioia et al (2010)
Andriopoulos e Lowe (2000), Campos et al (2009),
Carrero et al (2000), Dougherty (2004), Johnson (2007),
Wang et al (2011)
Graebner (2004), Jones e Kriflik (2006), Kan e Parry
(2004), Martin (2010)
Ashill et al (2003), Haslam (1997), Hofmann et al (2009)
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mudança estratégica
mudança organizacional
offshoring
relações interorganizacionais
tomada de decisão
Davies (2007)
Bamford (2008), Volkoff et al (2007)
Levina e Vaast (2008)
Autio et al (2004), Binder e Clegg (2007), Browning et al
(1995), Fuller e Lewis (2002), Shaffer e Hillman (2000)
Douglas (2006), Heugens et al (2004), Manuj e Sahin
(2011)
O diverso panorama temático sintetizado o quadro 1 confirma o que já diziam
Charmaz (2006), Shah e Corley (2006) e Suddaby (2006) a respeito do emprego disseminado
da “grounded theory” nos estudos organizacionais e de gestão.
“Grounded Theory” aplicada à área da administração: diversidade e
contradições
O exame de cada um desses artigos começou por um olhar mais minucioso sobre a
explicitação ou não dos motivos que levaram os autores a empregar a “grounded theory”. Na
maioria dos artigos, há uma justificativa explícita para o uso dessa abordagem metodológica.
Bamford (2008, p. 112), por exemplo, afirma ter buscado uma metodologia que não resultasse
em teorias triviais e que fosse estruturada para gerar e não para testar teorias, recaindo sua
opção sobre a “grounded theory”. Porém, diversos autores da amostra de artigos justificaram
sua escolha pelo fato de que a metodologia desenvolvida por Glaser e Strauss ser
particularmente adequada em áreas em que o desenvolvimento teórico ainda é muito limitado
ou inexistente e o fenômeno social a ser estudado tem maior complexidade (Shaffer e
Hillman, 2000; Johnson, 2007; Graebner, 2004; Garriga, 2009; Cao e Dupuis, 2009, entre
outros), o que vai ao encontro da proposta original de Glaser e Strauss (1967). Alguns
pesquisadores, como Manuj e Sahin (2011) e Kiridena et al (2009) destacam o rigor desse
método qualitativo quanto à coleta, análise dos dados e consequente geração de teoria. Outra
linha de argumentação presente em alguns artigos diz respeito à natureza do fenômeno a ser
estudado, altamente determinado pelo contexto organizacional em que ele está inserido, o que
exige uma abordagem metodológica sensível às percepções dos sujeitos que vivem esse
fenômeno (Kan e Parry, 2004; Jones e Kriflik, 2006; entre outros). A leitura desse conjunto de
artigos reforça a percepção de que autores que abrem mão de empregar métodos quantitativos
em suas investigações acabam preocupando-se, em geral, mais do que os outros com a
apresentação de justificativas para a utilização de metodologias qualitativas, o que não
surpreende considerando o fato de que esse caminho não é o mais comum em várias áreas dos
estudos organizacionais ou sobre gestão.
A preocupação com a confiabilidade das análises é explícita na maioria dos artigos
analisados. A fim de diminuir o risco de tendenciosidade das informações, em 29 dos 45
artigos, há referência direta ou indireta à triangulação de dados. O recurso mais usado é a
utilização de dois ou mais métodos de coleta de dados. Predominam as entrevistas
semiestruturadas, muitas vezes acompanhadas de observação participante ou de consulta a
dados de arquivos. Por exemplo, Bamford (2008, p. 115) entendeu que não era suficiente
apenas entrevistar os gestores a respeito do processo de mudança nas duas empresas
estudadas, procurando incluir pessoas em diferentes níveis hierárquicos das organizações,
bem como despender longos períodos de observação participante nos escritórios e no chão de
fábrica. Assim, entendia que conseguiria alcançar uma compreensão multidimensional dos
processos de gestão da mudança nas empresas pesquisadas. Já Clark et al (2010) procuraram
ir adiante: além de contar com três formas de coleta de dados – entrevistas semiestruturadas,
observação participante e dados de arquivo –, recorreram a codificadores externos para se
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assegurarem de que tinham feito uma adequada codificação dos dados. Procedimentos
similares foram adotados, entre outros, por Gioia et al (2010) e Martin (2010).
Se a preocupação com o rigor metodológico se manifesta pelo uso de múltiplas formas
de triangulação e pelo recurso à validação das codificações por terceiros, não se percebe, na
maioria dos artigos, igual empenho para detalhar o processo de codificação e análise dos
dados. Percepção similar já havia sido expressa por Suddaby (2006, p. 640), que, em seu
trabalho de editor de um periódico, deparou-se, inúmeras vezes, com manuscritos de autores
que afirmam seguir os princípios da “grounded theory”, fazem breves citações a Glaser e
Strauss, mas oferecem pouca ou nenhuma descrição de sua metodologia. De fato, inúmeros
artigos dedicam alguns poucos parágrafos para informar, genericamente, os procedimentos
utilizados, partindo logo em seguida para a apresentação de seus frameworks teóricos (entre
outros, Ahlstrom e Bruton, 2010; Andriopoulos e Lowe, 2000). A prática comum à maioria
dos autores é a de fazer referência a alguns procedimentos metodológicos característicos da
“grounded theory”, sem explicitar como eles de fato foram empregados na sua própria
pesquisa. Assim, é comum haver uma definição comentada dos três tipos de codificação
propostos por Corbin e Strauss (1990) – codificação aberta, axial e seletiva –, bem como
referência à técnica de redação de anotações (“memos”) ao longo do processo de coleta de
dados, ao processo de amostragem teórica e à aplicação do método de comparação constante.
Há, porém, algumas notáveis exceções. Por exemplo, Jones e Kriflik (2006, p. 161) relatam a
necessidade de complementar seu trabalho de coleta de dados depois que perceberam que o
primeiro trabalho de codificação mostrou resultados inconsistentes sobre a relação entre
subordinados e líderes. Burchill e Fine (1997), por sua vez, detalham as diferentes fases do
processo de codificação que seguiram em sua investigação. A regra geral, porém, é a de que
os artigos dediquem breve espaço para citar algumas técnicas empregadas, sem descrever,
com o esperado detalhamento, o processo específico adotado para conseguir partir da
codificação até chegar à produção de nova contribuição teórica. Em geral, paira um mistério
sobre como se deu efetivamente o trabalho indutivo de chegar dos dados à teoria.
Quanto à adoção da comparação constante, ela é citada em quase todos os artigos
analisados. Heugens et al (2004), por exemplo, estudando as ameaças à reputação
organizacional, afirmam que fizeram uso constante de comparações entre os insights
empíricos emergentes e sua teoria genérica da capacidade organizacional. A produção de um
framework inicial permitiu que os autores fizessem aos respondentes questões mais focadas
durante o período de coleta de dados, ao passo que os insights recebidos dos informantes lhes
permitiram que seu framework fosse aplicado em materiais empíricos que eles estavam
investigando. Esse círculo virtuoso de retroalimentação é característica comum aos artigos
analisados, confirmando a adoção de procedimento que é quase definidor da “grounded
theory”, mas que é estranho às metodologias que pressupõem uma relação linear e sequencial
entre coleta e análise dos dados.
Outro ponto que chama a atenção na análise dos 45 artigos diz respeito ao emprego de
dados quantitativos. Vários autores apresentam a “grounded theory” como sendo uma
abordagem metodológica qualitativa. Como se mostrou anteriormente, não é de se estranhar
essa vinculação entre “grounded theory” a procedimentos qualitativos já que estes são
apontados, por Glaser e Strauss (1967) e por Corbin e Strauss (1990), como sendo mais
adequados para obter dados capazes de gerar novas teorias. Apesar disso, os proponentes da
“grounded theory” até estimularam a integração de dados quantitativos e qualitativos,
proposta à qual se somam Shah e Corley (2006). Esse apelo foi ouvido em quatro das
pesquisas analisadas neste trabalho: Binder e Clegg (2007); Garriga (2009); Kan e Parry
(2004) e Kangas (2009). Um exemplo é a estratégia adotada por Garriga (2009), em cujo
estudo sobre a relação de empresas com redes de “stakeholders”, foram combinados dados
qualitativos com dados quantitativos obtidos em uma survey.
9
Essa postura heterodoxa em relação à “grounded theory” é ainda mais acentuada
quando se examina a relação entre revisão de literatura e as etapas de coleta e análise dos
dados. Ainda que muitas vezes tenham aconselhado seus discípulos a revisarem a literatura
apenas após terem realizado sua própria análise dos dados, os fundadores da “grounded
theory” jamais estabeleceram essa sugestão como um dogma. E, de fato, o que se observa, nos
artigos analisados, é a literatura existente funcionando como um ponto de partida para a
formulação do problema de pesquisa. A regra geral é que os pesquisadores não se veem como
Adão e Eva na história da ciência. Suas novas proposições dialogam com o que já foi
produzido. Não costumam ser absolutamente inovadoras, mas pretendem avançar as teorias
para novos campos, considerar novas perspectivas. Por essa razão, 44 dos 45 artigos
apresentam, como de praxe, a revisão de literatura antes de tratar da coleta e análise dos
dados. Percebe-se que, de alguma forma, concordam com Suddaby (2006, p. 635), quando
este afirma que não há pretexto para se ignorar o conhecimento prévio e sugere que os
praticantes da “grounded theory” busquem encontrar o ponto de equilíbrio entre uma visão
que tem a carga do conhecimento teórico já produzido e um empiricismo livre de amarras. A
única exceção no corpus é o artigo de Browning et al (1995), que, inclusive, chega a alertar
seus leitores de que não vão encontrar em seu texto a estrutura padrão dos relatos de pesquisa.
Ao contrário, apresenta primeiro os dados colhidos no campo e sua análise, para somente
depois cotejar suas contribuições com a literatura existente sobre o tema. Sua justificativa
para essa organização diferenciada é a reprodução, na estrutura de seu artigo, da sequência
por ele seguida em seu estudo indutivo qualitativo. Mas, mesmo esse procedimento
divergente em relação aos demais artigos de nosso corpus não pode ser vinculado a qualquer
dogmatismo. Pode ser mais bem interpretado como manifestação da heterogeneidade de
caminhos que uma concepção mais flexível da “grounded theory” permite percorrer.
Cabe, por fim, falar em teoria, tomando por base uma observação sobre os resultados
das pesquisas que foram objeto de análise neste trabalho. Glaser e Strauss (1967) não
denominaram à toa sua proposta metodológica de “grounded theory”. A teoria está no seu
nome. E a abordagem foi idealizada por esses autores não para testar teorias, mas para gerálas. Porém, uma análise de 45 artigos que dizem se valer da “grounded theory”, a partir de
uma concepção mais restrita do que seja teoria, como defendem Sutton e Staw (1995), gera
dúvidas sobre se o propósito original dessa abordagem metodológica está realmente sendo
considerado por aqueles que a empregam. Essa constatação não deve, porém, nos surpreender,
se considerarmos que Weick (1995) já dizia que, nos estudos organizacionais, raras são as
teorias plenas e, normalmente, o que se chama de teoria são apenas aproximações. Se adotada
a posição mais realista e menos exigente de Weick, será aceitável que as investigações
produzam aproximações teóricas, que podem se manifestar, por exemplo, na forma de dados,
listas de variáveis, diagramas e hipóteses. Sob essa perspectiva, pode-se conformar-se com o
fato de que a quase totalidade dos artigos analisados não produzem teoria plena, mas
aproximações teóricas. Essa aceitação, porém, ainda deixa margem a uma grande dúvida. A
maioria dos artigos termina convidando outros pesquisadores a testarem empiricamente as
propostas teóricas apresentadas. Se esse trabalho de verificação não tem sequência – se o
caminho percorrido pelas pesquisas termina com a contribuição de uma aproximação teórica
eternamente à espera de ser testada –, então pouca relevância o esforço investigativo
individual tem no coletivo trabalho de produção do conhecimento científico. Cabe investigar
se as trilhas iniciadas nas pesquisas que adotam a “grounded theory” estão se apagando
rapidamente no meio da floresta da ciência ou estão progressivamente transformando-se em
estradas percorridas por outros pesquisadores.
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Conclusões
Quando se deu início a esta jornada investigativa, não se tinha uma ideia muito segura
do destino a que ela conduziria. Afinal, não se estava testando uma teoria, mas explorando o
empírico campo da aplicação de uma abordagem metodológica que ainda parece nova, apesar
de já ter cerca de 45 anos. Leituras anteriores haviam indicado que a “grounded theory”
poderia ser um tema fascinante por se oferecer como alternativa mais sistemática de
investigação qualitativa e por se propor a ser um caminho inovador para a produção teórica,
especialmente no âmbito das ciências sociais. Ao mesmo tempo, sabia-se que a “grounded
theory” não estava cristalizada na sua proposta original, que ela continuou viva por aqueles
que a têm pensado e usado, dando origem a naturais divergências.
O estudo das origens e do desenvolvimento dessa abordagem metodológica, e
especialmente a verificação de sua utilização em artigos na área da administração, confirmou
algumas ideias preconcebidas, desmentiu outras e produziu novas percepções. Ratificou-se a
visão de que não há uma “grounded theory” objetivamente material e unívoca, mas um
conceito prototípico que se realiza de formas ligeiramente diferentes, ainda que mantenha
uma essência que justifica o uso de uma mesma denominação. Ainda assim, vale observar que
foram identificados, na realidade dos artigos analisados, menos divergências do que se
poderia esperar a partir das fortes discussões protagonizadas, por exemplo, por Charmaz e
Glaser (2002). A análise dos artigos demonstrou a forte convergência em torno de conceitos
como a amostragem e a saturação teóricas, bem como da comparação permanente. Não se
encontrou, ao contrário do que se poderia prever a partir dos comentários de Suddaby (2006),
um distanciamento em relação à literatura existente; ao contrário, faz-se presente um diálogo
que é muito mais ativo do que se poderia esperar a partir das recomendações de Glaser e
Strauss (1967). Perdura, porém, séria dúvida sobre a substancialidade da contribuição teórica
realizada por muitos dos pesquisadores que têm se valido da “grounded theory”, o que
demandaria novas investigações, que nos pudessem dizer se as sementes teóricas lançadas ao
solo pelos estudos que se valem dessa metodologia têm germinado ou fenecido entre as
pedras.
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