ID: 59890859
26-06-2015
Tiragem: 33425
Pág: 6
País: Portugal
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Period.: Diária
Área: 25,70 x 30,68 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 3
Médicos que fazem IVG “já perguntam
às mulheres se querem ver o ecrã”
Proposta de lei apresentada por movimento de cidadãos, que vai ser debatida na próxima semana no
Parlamento, defende que a grávida que quer abortar terá de ver o exame ecográfico e assiná-lo
Aborto
Catarina Gomes
“Sempre que fazemos uma ecografia obstétrica a uma mulher [que vai
fazer Interrupção Voluntária da Gravidez], perguntamos sempre se quer
ver o ecrã. A utente tem o direito e a
opção de ter o resultado do exame
que está a realizar. A maior parte
não quer ver”, diz a presidente da
Sociedade Portuguesa de Medicina
da Contracepção, Teresa Bombas,
comentando a proposta de lei do movimento de cidadãos Direito a Nascer,
que vai a Parlamento dia 3 de Julho,
de tornar obrigatória a assinatura da
grávida no exame ecográfico impresso. O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, considera
que, cerca de sete anos depois da lei,
esta é uma boa altura para “avaliar o
resultado da sua aplicação”.
A obrigatoriedade de mostrar à
grávida que vai abortar uma ecografia que terá de assinar, o fim da
isenção das taxas moderadoras para as mulheres que fazem Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) e o
não afastamento dos médicos e enfermeiros objectores de consciência
do processo de realização do aborto
são as três principais propostas de
alteração à lei do aborto que vão ser
debatidas no Parlamento, como resultado de uma iniciativa legislativa
de cidadãos que conseguiu reunir
cerca de 50 mil assinaturas.
Em 2007, foi, por referendo, despenalizado o aborto feito até às dez
semanas a pedido da grávida, em estabelecimento de saúde autorizado.
De acordo com este movimento de
cidadãos, “tal despenalização levou à
liberalização e promoção do aborto”.
A Comissão de Subscritores da Iniciativa Legislativa de Cidadãos Pelo
Direito a Nascer disse ontem que o
agendamento por parte da Assembleia da República da discussão em
plenário e votação na generalidade
do projecto-lei “é uma vitória para as
mulheres e famílias portuguesas, que
têm assim uma oportunidade de ver
as suas reivindicações respeitadas
pelo Parlamento.”
O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, considera
que, cerca de sete anos depois da lei,
esta é uma boa altura para “avaliar o
resultado da sua aplicação e o Parlamento é o sítio para o fazer” e, nesse
sentido, “esta petição faz sentido”.
O bastonário considera que “infelizmente parece que algumas mulheres entendem a IVG como método
contraceptivo. E não é esse o espírito
nem a letra da lei”.
Na sua opinião, “não há razão para
equiparar a IVG a uma doença ou à
maternidade”, isentando estas mulheres do pagamento de taxas moderadoras e dando-lhes direitos “iguais
a a mulheres que tiveram uma gravidez de termo”. O bastonário concorda que “o objector de consciência
não deve ser afastado do acompanhamento e aconselhamento da mulher”. A Ordem dos Médicos abriu há
alguns anos um registo voluntário de
médicos objectores de consciência
à IVG, que em 2011 eram cerca de
1300, mas esse número nunca mais
foi actualizado, informa.
“Quem apresenta estas propostas
está longe de saber como é o funcionamento real das consultas de
Interrupção Voluntária da Gravidez
(IVG)”, refere Teresa Bombas, que
faz acompanhamento médico nesta
área na Maternidade Daniel de Matos, em Coimbra.
O movimento entende que a grávida só pode assinar, em consciência, o
consentimento informado da IVG se
lhe for mostrada a ecografia, sendo
depois obrigada a assiná-la.
Teresa Bombas diz que “é prática
comum nas consultas de IVG perguntar à mulher se quer ver o ecrã. Não
está na lei, mas é o procedimento
médico mais adequado e é feito em
todos os serviços que fazem IVG. A
utente tem direito a ter o resultado
do exame que está a realizar.” A médica diz que “a resposta das senhoras é variável, a maior parte prefere
não ver, mas para alguma delas é importante, do ponto de vista psicológico, ver o ecrã”. Mas, diz a médica,
“a utente tem o direito a isso, é uma
opção, devemos questionar se quer
ver ou não, não obrigar”. “As mulheres que tomam a decisão não têm de
ser confrontadas com isso”.
Vitor Neto, obstetra objector de
consciência que trabalhou até há três
anos no Hospital São Francisco de
Xavier, em Lisboa, diz que “uma mulher para tomar uma decisão destas
tem de estar informada”, mostrar-lhe
obrigatoriamente a ecografia “não é
uma tentativa de dissuasão, mas de
lhe dar a informação total, completa e absoluta. Não se pode não dar
NELSON GARRIDO
“Algumas mulheres entendem a IVG como método contraceptivo”
Aborto a descer
E
m 2014 foram feitas menos
1692 interrupções de
gravidez do que em 2013.
No ano passado, realizaramse 16.589 abortos por todos
os motivos, 97% dos quais
por opção da mulher. Este é o
número mais baixo de que há
registo desde que o aborto,
por opção da mulher nas dez
primeiras semanas de gestação,
foi despenalizado em Portugal,
em 2007.
O perfil das mulheres que
decidem interromper a gravidez
é heterogéneo, mas não se tem
alterado de forma significativa
em cada ano que passa. Em
2014, por idades, mais uma
vez foram as mulheres entre
os 20 e os 24 anos as que mais
abortos fizeram, seguidas das
mulheres entre os 25 e os 29
anos e entre os 30 e os 34 anos,
enquanto se continua a verificar
uma tendência decrescente
nas jovens (com menos de 20
anos). Tendo em conta o grau
de instrução, mais de um terço
tinha o ensino secundário,
enquanto cerca de um quinto
possuía cursos superiores. Mais
de metade tinham um a dois
filhos e 41,1% não tinham filhos.
todas as informações à mulher que
queira tomar uma decisão destas”.
Quanto às taxas moderadoras, Vitor Neto diz que se “estas mulheres
não querem estar grávidas, então
devem ser tratadas de forma igual
às pessoas que não estão grávidas.
É uma injustiça [a isenção é dada às
grávidas]”.
Na proposta de lei que a Plataforma pelo Direito a Nascer gostava de
ver aprovada propõe-se o fim da
“equiparar o aborto à maternidade”,
que dizem decorrer do facto de estas
mulheres terem direito à isenção de
taxas moderadoras, tal como acontece às grávidas, pondo assim fim “ao
aborto universalmente gratuito, financiado e subsidiado pelo Estado”.
Teresa Bombas diz que essa “é
uma questão política”, mas, “sendo
a medicação que usa nas IVG muito
barata”, teme que, com a introdução
de taxas moderadoras, “possa haver
o risco de voltar a haver abortos não
seguros realizados fora do SNS”.
Por fim, a proposta de lei defende
“a dignificação do objector de consciência”. “Não é concebível que um
profissional de saúde (médico /enfermeiro) que faz a opção pela objecção
de consciência à IVG, perante casos
concretos de pacientes que sempre
acompanhou e que agora estão em
risco de aborto, acabe imperativamente afastado daquelas. A classe
médica e de enfermagem merecem
mais respeito. O médico sabe até onde vai a sua consciência e a liberdade
da paciente que está à sua frente”.
Teresa Bombas refere que “a nãoparticipação dos médicos objectores
de consciência no processo das IVG é
voluntária. Estes médicos estão afastados por opção deles. São os colegas
que pedem para estar afastados e os
serviços respeitam esta vontade.”
O presidente do colégio de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos, Silva Carvalho, prefere não se
pronunciar sobre esta questão, por
representar “médicos com as mais
variadas sensibilidades”. Não havendo números concretos, considera
que dos cerca de 1600 ginecologistas que exercem em Portugal mais de
80% são objectores de consciência.
Na consulta prévia à IVG, o movimento quer também que a grávida
seja informada sobre “as condições
de apoio que o Estado e as IPSS podem dar à prossecução da gravidez
e à maternidade.”
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“[Fazer assinar
uma ecografia] é
no mínimo uma
pena acessória”
Teresa Leal Coelho
Vice-presidente do PSD
Maioria impõe taxas moderadoras para aborto voluntário
Margarida Gomes
PSD e CDS defendem
equiparação da
interrupção da gravidez a
qualquer acto médico
A coligação PSD/CDS-PP quer acabar
com a isenção de taxas moderadoras
em caso de Interrupção Voluntária
da Gravidez (IVG) e ontem anunciou
que vai apresentar um projecto de lei
nesse sentido a discutir a 3 de Julho,
juntamente com a iniciativa legislativa de cidadãos Pelo Direito a Nascer, que defende que o aborto deve
deixar de ser equiparado à maternidade. Os deputados Miguel Santos
(PSD) e Teresa Caeiro (CDS) defenderam a equiparação da IVG a qualquer acto médico, ficando sujeita às
regras gerais das taxas moderadoras
(o Expresso avançou ontem um valor
máximo de 63 euros). “Esta iniciativa
autónoma prende-se só com a questão do pagamento das taxas moderadoras para efeitos de IVG por opção
da mulher”, precisou Teresa Caeiro.
Deixa assim subentendido que não
serão acolhidas as outras questões da
iniciativa Pelo Direito a Nascer.
Ao PÚBLICO, a presidente da Federação Portuguesa pela Vida, Isilda
Pegado, considera que o “projecto
da maioria é uma consequência da
iniciativa legislativa de cidadãos que
apresenta um conjunto de iniciativas
de apoio à paternidade e à maternidade”. A também presidente da comissão executiva da iniciativa legislativa de cidadãos critica a “maioria
por estar apenas concentrada nas
taxas moderadoras, esquecendo-se
do subsídio do aborto que é pago a
100%”, cujo fim propõe.
O agendamento da iniciativa legislativa de cidadãos — que propõe
outras medidas, como mostrar à mulher e fazê-la assinar uma ecografia
antes da IVG e o fim da “equiparação entre maternidade e IVG” para
efeitos de prestações sociais e taxas
moderadoras — foi imposto pela presidente da Assembleia da República
(AR). Assunção Esteves não gostou
que, na semana passada, na sua ausência, a conferência de líderes tenha
decidido, por unanimidade, adiar
para depois das eleições a iniciativa
legislativa de cidadãos.
Quando regressou da Guiné-Bissau, falou com o vice-presidente da
AR pelo PSD, Guilherme Silva, que a
tinha substituído na conferência de
líderes, e forçou a inclusão da proposta no calendário de trabalhos
parlamentares já fechado, alegando que tinha um compromisso com
os promotores da iniciativa popular
de que seria discutida e votada nesta
legislatura. Ouvido pelo PÚBLICO,
Guilherme Silva disse concordar com
alterações à regulamentação da lei,
mas insistiu na questão que o levou a
propor o adiamento: “O problema é
saber se a vontade dos grupos parlamentares é concluir integralmente o
processo até à votação final global”.
Por seu lado, Teresa Leal Coelho
(PSD) “discorda absolutamente” da
proposta da iniciativa legislativa de
cidadãos de obrigar à assinatura pela
mulher de uma ecografia antes da
IVG, afirmando que “é no mínimo
uma pena acessória”. Mas concorda,
segundo a Lusa, com o fim da isenção de taxas moderadoras.
A oposição é que não concorda,
nem com o anunciado projecto da
maioria, nem com a iniciativa legislativa de cidadãos. O PS, pela voz de
Sónia Fertuzinhos, afirmou-se “frontalmente contra” a iniciativa legislativa de cidadãos, considerando que,
se for aprovada, “apenas vão criar
uma injusta situação de desigualda-
de no acesso à saúde e no plano dos
direitos laborais”. “Entendemos esta
proposta e as propostas que estão
contidas nesta iniciativa legislativa
de cidadãos como um profundo retrocesso naqueles que são os direitos
sexuais e reprodutivos das mulheres
que foram consagrados em lei em resultado da luta de milhares e milhares de mulheres”, afirmou, por seu
lado, a deputada comunista Paula
Santos, citada pela Lusa.
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Maioria impõe taxas
moderadoras para
aborto voluntário
PSD e CDS vão propor uma
taxa até aos 63 euros para
as mulheres que queiram
interromper a gravidez nos
hospitais públicos. Até agora
estavam isentas. Oposição
vota contra p6/7
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