HISTÓRICO DE REFORMAS
A QUE SE REFERE A EXPRESSÃO
“REFORMA POLÍTICA” NAS DISCUSSÕES
EM CURSO NO CONGRESSO NACIONAL
MÁRCIO NUNO RABAT
Consultor Legislativo da Área XIX
Ciência Política, Sociologia Política,
História, Relações Internacionais
AGOSTO/2002
Márcio Nuno Rabat
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© 2002 Câmara dos Deputados.
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Câmara dos Deputados
Praça dos 3 Poderes
Consultoria Legislativa
Anexo III - Térreo
Brasília - DF
A que se refere a expressão “reforma política” nas discussões
Relatório Especial
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Márcio Nuno Rabat
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A
expressão “reforma política” tem estado
ligada a uma temática bem específica, a da
forma que devem ter os mecanismos
institucionais – em particular, os mecanismos eleitorais e
partidários – para a constituição de um regime político
representativo adequado às condições atuais do Brasil. É uma
temática que engloba questões que vêm sendo discutidas e
rediscutidas ao longo do tempo em nosso país (e não só aqui).
Um primeiro período de discussões desembocou na
Constituição de 1988, que criou o arcabouço geral das instituições
de representação política hoje vigente no Brasil. No entanto, as
discussões continuaram por vários motivos e caminhos. Primeiro,
porque o adiamento da decisão sobre o sistema de governo
(parlamentarista ou presidencialista) criou uma situação de
incerteza até o plebiscito de 1993, que decidiu pelo
presidencialismo. Segundo, porque a legislação eleitoral e
partidária infraconstitucional necessitava de adaptações para
ajustá-la à nova Constituição e à nova realidade do país. Terceiro,
porque as decisões dos constituintes foram postas em causa por
grupos relativamente grandes de estudiosos e políticos, em
especial a decisão de manter o sistema eleitoral proporcional.
Essa situação levou a que várias Comissões fossem
instaladas no Congresso Nacional – e, em particular, na Câmara
dos Deputados – para o estudo de matérias específicas vinculadas
à “reforma política” ou para o estudo global da temática nela
envolvida. Em todos os momentos, uma preocupação ocupou a
posição central nas discussões – a de criar condições para o
surgimento e consolidação de um sistema de partidos estável,
representativo das clivagens sociais mais importantes e eficaz na
formação de governos. Tal preocupação, naturalmente, relacionase com a percepção bastante difundida de que o sistema partidário
brasileiro não estaria funcionando a contento.
Neste momento (1999), as atenções estão voltadas
para o Relatório do Senador Sérgio Machado, no âmbito da
Comissão Temporária Interna, do Senado Federal, encarregada
de estudar a reforma político-partidária1 . No entanto, como o
Relatório trata de questões que se têm repetido ao longo do tempo,
faz-se indispensável um breve retrospecto histórico para melhor
entender o que está acontecendo – inclusive apontando o que já
se avançou nessa área.
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Para se ter uma idéia mais precisa do tipo de questões envolvidas na reforma política,
vale a pena recapitular os pareceres a ela ligados produzidos pela Relatoria da Revisão Constitucional
(de 1994)2 :
Parecer nº 3 – Voto facultativo;
Parecer nº 4 – Reeleição;
Parecer nº 5 – Desincompatibilização e inelegibilidade;
Parecer nº 6 – Elegibilidade de militar;
Parecer nº 7 – Lei complementar de inelegibilidades;
Parecer nº 8 – Ação de impugnação de mandato;
Parecer nº 12 – Imunidade parlamentar;
Parecer nº 13 – Perda de mandato;
Parecer nº 16 – Prazo do mandato (do Presidente da República), de 5 para 4 anos;
Parecer nº 17 – Supressão de Vices;
Parecer nº 18 – Infidelidade partidária;
Parecer nº 19 – Número de Vereadores;
Parecer nº 21 – Sistema eleitoral distrital misto;
Parecer nº 33 – Segundo turno de eleições;
Parecer nº 36 – Partidos políticos;
Parecer nº 37 – Data de eleição e posse;
Parecer nº 51 – Direitos políticos;
Alguns dos pareceres não propunham mudanças do texto constitucional, simplesmente
explicavam por que o Relator Nelson Jobim se opunha a propostas fornecidas pelos demais
congressistas. Dos pareceres que acatavam propostas de mudança do texto constitucional e
apresentavam substitutivos, foram aprovados, sem modificações, os de número 7 e 16, e, com
modificações, o de número 13 – que se transformaram nas Emendas Constitucionais de Revisão de
número 4, 5 e 6.
Histórico das mudanças legais já realizadas.
As Emendas Constitucionais de Revisão acima mencionadas ampliaram os fundamentos
pelos quais uma lei complementar pode estabelecer casos de inelegibilidade (art. 14, § 9º, da
Constituição Federal), reduziram a duração do mandato presidencial de 5 para 4 anos (art. 82) e
determinaram a suspensão dos efeitos da renúncia de parlamentar submetido a processo que possa
levar à perda do mandato (art. 55, § 4º).
Ademais, a Emenda Constitucional nº 2, de 1992, adiantou o plebiscito que decidiu pela
manutenção da forma e do sistema de governo (república presidencialista); a Emenda Constitucional
nº 4, de 1993, alterou a redação do art. 16, que impede a aplicação de “lei que alterar o processo
eleitoral” durante o ano posterior a sua publicação; e a Emenda Constitucional nº 16, de 1997,
tornou possível a reeleição de Presidente, Governadores e Prefeitos.
Mas os avanços legais mais importantes se deram em nível infraconstitucional, com a
adaptação de toda a legislação eleitoral e partidária à nova ordem constitucional. Foi promulgada,
por exemplo, a Lei Complementar nº 64, de 1990, que “estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º, da
Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências”.
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Importantíssima é a Lei nº 9.096, de 1995, que “dispõe sobre partidos políticos,
regulamenta os arts. 14 e 17, § 3º, inciso V, da Constituição Federal”. Com ela passamos a dispor de
uma ordenação bastante completa da atuação partidária no país. De um lado, a Lei nº 9.096, de 1995,
tratou de regulamentar os partidos de acordo com os princípios constitucionais de 1988, reconhecendolhes o caráter de pessoas jurídicas de direito privado e estabelecendo ampla autonomia para a criação
e para a organização do funcionamento interno das agremiações partidárias. Por outro lado, a Lei
favoreceu bastante os partidos políticos mais implantados eleitoralmente, criando uma espécie de
distinção, para vários efeitos, entre os partidos que obtiveram mais de 5% dos votos nas últimas
eleições para a Câmara dos Deputados e os demais. Os benefícios aos primeiros se dão tanto no que
diz respeito a facilidades para o funcionamento no interior das Casas Legislativas como no acesso a
rádio e televisão e, principalmente, aos recursos do Fundo Partidário (que, aliás, após a Lei nº 9.096,
de 1995, se tornou uma relevante fonte de recursos para os partidos).
Cabe destacar, por fim, que as várias leis especiais produzidas para regulamentar eleições
específicas ao longo dos últimos anos permitiram a ampla discussão dos temas nelas envolvidos e
trouxeram um certo consenso sobre as normas centrais do processo eleitoral. Com isso, se chegou à
Lei nº 9.504, de 1997, que “estabelece normas para as eleições”. A novidade é que esta já não é uma
lei especial, mas uma lei geral para todas as eleições que venham a ocorrer daqui para a frente. Ou
seja, o Congresso Nacional já não se vê pressionado a produzir uma lei eleitoral a cada dois anos,
para regulamentar a eleição que se aproxima.
As propostas da Comissão de reforma política instalada no Senado Federal.
a) Considerações iniciais.
Embora o Senador Sérgio Machado tenha delineado algumas proposições em seu Relatório,
prevalece a percepção de que os processos de alteração da legislação eleitoral e partidária dependerão
de circunstâncias imprevisíveis e trilharão os mais diversos caminhos. Por isso, a Comissão teve o
cuidado de indicar, para cada tema da reforma, as propostas já em tramitação no Congresso Nacional,
muitas vezes divergentes entre si. Assim, não se perdem as discussões já realizadas sobre cada questão
específica e podem ser aproveitados os processos mais avançados para dar celeridade à tramitação.
Um bom exemplo é a proposta de mudança dos dispositivos da Constituição Federal que
regulam a imunidade parlamentar. No período de elaboração do Relatorio da Comissão, a matéria foi
debatida e se chegou a um texto de proposta de emenda constitucional. No entanto, a comoção da
opinião pública com o caso Sérgio Naya levou à aceleração da tramitação da PEC nº 02, de 1995,
que já tratava da matéria. Após ser aprovada no Senado Federal, com a participação, inclusive, do
Senador Sérgio Machado, a proposta foi remetida para a Câmara dos Deputados, recebendo nova
numeração (PEC nº 610, de 1998).
Passo a outro exemplo de como os trabalhos da Comissão servem mais para dar uma
certa coerência às discussões que para determinar a forma de tramitação ou o texto das propostas.
Como se sabe, os partidos políticos podem coligar-se para apresentar listas de candidatos as eleições
proporcionais. Alguns analistas e políticos consideram que essa prática deturpa a representação popular,
pois os eleitores de um partido podem acabar por involuntariamente eleger candidatos de outra
agremiação. Além disso, as coligações permitiriam a eleição de deputados e vereadores por parte de
partidos que não têm, por si mesmos, dimensão eleitoral para tanto. Outros analistas e políticos
consideram, ao contrário, que faz parte da liberdade de atuação dos partidos o poderem coligar-se
para as eleições. E que, mesmo em coligação, só partidos que tenham representatividade conseguem
eleger candidatos.
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O relator Sérgio Machado optou por propor a proibição das coligações, incluindo tal
proibição na proposta de emenda constitucional, da Comissão Temporária do Senado, que visa
implantar o sistema eleitoral misto. No entanto, a proibição de coligações não depende de emenda
constitucional; pode ser feita por lei ordinária. E uma lei com esse escopo já foi aprovada pela
Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, estando agora sujeita à deliberação do Plenário
daquela Casa.
É importante acentuar que a proibição de coligações eleitorais para os pleitos
proporcionais é a mudança legal com mais chances de vir a ser promulgada antes de 31 de setembro,
data limite para que uma lei entre em vigor e tenha aplicação nas eleições municipais de outubro de
2000. Aliás, mesmo esse projeto de lei dificilmente virá a ser aprovado em tempo hábil para tal fim3 .
b) Mudança do sistema eleitoral: o caso mais relevante.
As possíveis mudanças legais na área designada pela espressão “reforma política” não
têm todas a mesma dimensão. Algumas teriam efeitos mais restritos e outras efeitos mais amplos
sobre a forma de organização da representação política no Brasil. Assim, a adoção do voto distrital
puro ou do voto distrital misto implicaria em alterações mais profundas do sistema político do país
que qualquer das outras modificações em discussão no âmbito analisado neste trabalho4 .
A Comissão do Senado apresentou a proposta de adoção do sistema eleitoral misto.
Nesse sistema, metade dos deputados seriam eleitos em distritos uninominais, enquanto os demais
viriam das listas partidárias de candidatos. O número de deputados eleitos em cada lista seria tal que
permitisse uma composição partidária da Câmara proporcional aos votos obtidos pelos partidos.
Trata-se de uma importação quase literal do sistema em vigor na Alemanha.
Diferente de outras propostas em discussão, a adoção de distritos uninominais nas eleições
das Casas Legislativas acarretaria grande mudança na forma de realização das eleições, exigindo dos
eleitores, dos candidatos e dos partidos um esforço considerável de adaptação à nova realidade, com
efeitos imprevisíveis. É certo que o distrito uninominal tem se mostrado, historicamente, um
mecanismo apto a diminuir o número de partidos relevantes nos países que o adota. No entanto, não
há como prever as consequências de curto e médio prazos de sua introdução no Brasil.
O mais preocupante é que uma alteração de tal magnitude pode colocar a perder todo o
avanço ocorrido na legislação eleitoral e na prática política dos últimos anos. É como se, após mais
de dez anos da Constituição de 1988, e quase vinte anos depois da primeira eleição pluripartidária,
fôssemos começar de novo o processo de articulação do sistema partidário5 .
Mesmo o “problema” do número excessivo de partidos tem sido resolvido pela prática
eleitoral e partidária. Essa é, aliás, a lição da história mundial: os sistemas eleitorais (todos) tendem
a diminuir o número de partidos relevantes em cada país. No Brasil, após anos de compressão do
sistema partidário nos limites de um bipartidarismo forçado, o número de partidos tendeu a crescer
das eleições de 1982 até 1990, com a fragmentação dos partidos antes existentes e a incorporação de
setores excluídos da participação política no período ditatorial. No entanto, a tendência se inverteu.
É corrente na ciência política a utilização de um índice que mostra o número de partidos
efetivos em cada Casa Legislativa6 . De acordo com tal índice, o número de partidos efetivos na
Câmara dos Deputados, após a eleição de 1990, seria de 8,69; de 8,16, em 1994; de 7,12, em 1998.
Embora esses índices devam ser usados com cuidado, não deixa de ser uma indicação razoável da
inversão de tendência que se está apontando.
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c) Outras propostas.
A Comissão temporária de reforma político-partidária, do Senado Federal, propos algumas
emendas à Constituição de menor magnitude que a anteriormente indicada. São elas:
i.
redução da duração dos mandatos de senador para seis anos;
ii.
alteração das datas de posse dos detentores de mandatos eletivos;
iii. fim do segundo turno nas eleições de governadores e prefeitos e diminuição das
exigências constitucionais para que o presidente da República seja eleito em primeiro turno;
iv.
implantação do voto facultativo (mas mantendo obrigatório o alistamento);
v.
permissão constitucional para que a lei limite o período de divulgação de pesquisas
eleitorais (a interpretação do Judiciário tem sido que a limitação ofenderia o princípio constitucional
da liberdade de informação);
vi. limitação do prazo em que o suplente pode exercer o cargo de Senador deixado
vago pelo titular (a limitação não se aplicaria quando o titular fosse investido nos cargos de ministro
ou de secretário de Estado, do Distrito Federal ou de prefeitura de capital ou de chefe de missão
diplomática temporária, nem quando estivesse em licença);
vii. número de vereadores proporcional ao eleitorado do município (atualmente é
proporcional à população);
viii. punição com a perda do mandato dos candidatos que se desfiliem dos partidos
pelos quais se elegeram e criação de mecanismos de controle so partido sobre o voto de seus filiados
nas casas legislativas (ligada à preocupação de impedir a troca excessiva entre partidos está a
apresentação de projeto de lei que aumenta para dois anos o prazo de filiação partidária exigido para
candidatura a cargo eletivo – excetuada a primeira filiação, em que o prazo exigido permanece de um
ano).
No âmbito da legislação infraconstitucional, a proposta mais importante da Comissão
refere-se à implantação do financiamento público das campanhas eleitorais e à exclusão do
financiamento privado. Conjuga-se com essa proposta a eliminação dos (poucos) direitos previstos,
na Lei dos Partidos Políticos, para os partidos que tenham obtido menos de 5% dos votos na última
eleição para a Câmara dos Deputados (seja no que toca à distribuição dos recursos do fundo partidário,
seja no que toca ao acesso gratuito a rádio e televisão).
Embora seja louvável a preocupação com os eventuais efeitos distorcivos do abuso do
poder econômico sobre os resultados eleitorais, as medidas propostas levantam cuidados. Primeiro,
porque reforça desmedidamente os partidos já implantados. Segundo, porque o financiamento público
coloca os partidos em uma situação de dependência em relação ao Estado, justamente quando a
Constituição procura caracterizá-los como entidades de direito privado, cuja força deve vir do apoio
social que consigam obter e não de benefícios corporativos.
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