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SABERES ELABORADOS PELOS ALUNOS DO 5º ANO QUE SE ENCONTRAM EM
PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO
MÁRCIA REGINA DE OLIVEIRA SAVIAN
Núcleo de Estudos e Pesquisas: Práticas Educativas e Processos de Interação - Mestranda
Orientadora:Prof(a) Dr(a). Claudia Beatriz de Castro Nascimento
Introdução
O estudo a seguir apresenta minhas inquietações de professora do Ensino Fundamental.
Preocupo-me com os processos de leitura e escrita que instauro em sala de aula nas relações
que estabeleço com meus alunos.
Como professora de quinto ano do ensino fundamental, em uma escola municipal de
Piracicaba, tenho percebido que nem sempre as crianças compreendem os usos e funções
sociais da escrita. Do lugar de professora inquieta-me a forma como significam as atividades de
leitura e escrita propostas em sala de aula.
Busquei a pesquisa na tentativa de compreender problemas de ordem teórica e
epistemológica que pudessem ancorar a práxis vivenciada, por entender que o professor deve
ser alguém que mantém um olhar curioso aos modos de significação daquilo que vive
compartilhadamente na sala de aula. Nesse contexto, entre dúvidas e possibilidades, diante
das inquietações vividas, enquanto professora pesquisadora, a centralidades deste trabalho
converte-se na seguinte questão de investigação: como as crianças que ainda não estão
alfabetizadas ou se encontram no processo de alfabetização, em um quinto ano do
ensino fundamental, interagem nas atividades específicas de leitura e escrita, com o
código escrito e com outros materiais como uma prática de letramento?
I – Ancoragem teórico-metodológica
Meu trabalho de pesquisa ancora-se nas proposições teóricas de Vygotsky (2008, 2007) –
perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento humano – e de Bakhtin (2006, 2010) –
perspectiva discursivo-enunciativa –, bem como em autores pautados nestas mesmas
perspectivas.
No que diz respeito aos princípios teóricos que ancoram a pesquisa, discorrerei sobre
alguns conceitos vygotskyanos por compreender que a perspectiva histórico-cultural do
desenvolvimento humano considera que os sujeitos vão se constituindo mediados pelos grupos
culturais nos quais estão inseridos e a escola é um destes grupos. O processo de individuação
é, portanto, intersubjetivo e é neste afetamento recíproco que os conhecimentos e
aprendizagens vão sendo elaborados.
Vygotsky (2007) elucida que as funções psicológicas superiores, são resultantes de ações
mediadas, ou seja, ações edificadas nas relações que os seres humanos desenvolvem entre si
e com a natureza. Diante disso, é compreensível que a aprendizagem se efetiva na medida em
que o sujeito que aprende estabelece uma interação com aquele que ensina. Contemplando
essa perspectiva é perceptível a importância que Vygotsky (2007) atribui à função que o outro
exerce sobre o desenvolvimento do sujeito.
Nesse contexto, a criança, mediada pelo outro e pela linguagem, se apropria das formas
culturais de apreender e entender a realidade na qual está inserida, bem como, perceber a si
mesma, elaborando e estruturando seu processo de inserção no mundo social e escolar. Por
isso, podemos dizer que o “aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e
um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas que as cercam”
(VYGOTSKY, 2007, p. 100).
Fontana e Cruz (1997, p.63), destacam que “tudo aquilo que a criança aprende com o
adulto ou com outra criança mais velha vai sendo elaborado por ela, vai sendo incorporado a
ela, transformando seus modos de agir e pensar”. Dessa ótica, o aprendizado é percebido
como um processo de internalização de modos culturais de agir e pensar.
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Assim sendo, o educador deve assumir o papel de mediador, possibilitando a circulação
dos sentidos em sala de aula. Tal postura seria de intervenção no processo de aprendizagem
ao propor situações que conduzam o sujeito a refletir e a buscar respostas em um processo
interativo e inter-subjetivo de elaboração do conhecimento.
Neste sentido, metodologicamente descreverei as particularidades e minúcias da sala de
aula, na busca da compreensão das significações produzidas pelos alunos que ainda se
encontram no processo de alfabetização, durante as atividades de leitura e produção de textos
de circulação social. Para a análise dos dados será fundamental o aprofundamentos teórico no
que diz respeito ao trabalho com a linguagem, o que envolve a compreensão acerca das
concepções de linguagem e dos conceitos de alfabetização e de letramento.
Colocar-me-ei como professora pesquisadora que busca respostas para suas indagações,
bem como para as possibilidades de realização de um trabalho de pesquisa que contribua para
o campo dos estudos sobre o trabalho com a leitura e com a escrita em sala de aula.
Dessa forma, a sala de aula pode nos apontar a complexidade e a singularidade que a
mesma possa conter, para Fontana (1996), a aula é um espaço complexo, contraditório,
cultural, histórico, múltiplo, apresentando encontros e embates entre sujeitos que se constituem
em determinadas condições históricas e políticas de saber e verdade.
II - Pensamento e linguagem: atividade simbólica constitutiva dos sujeitos
Tanto para a abordagem teórica de Vygotsky (2008) como para a de Bakhtin (2010) o
homem é considerado um sujeito social, constituído por e em um determinado período
histórico, nas relações sociais das quais participa, tendo a linguagem como fator relevante
nesta constituição que se dá sempre e necessariamente na interação social.
Para Vygotsky (2008) é essencial o conhecimento sobre as relações entre pensamento e
linguagem, no sentido de entendimento do processo de desenvolvimento intelectual. Se
partirmos do princípio que a linguagem não se traduz simplesmente em uma expressão do
conhecimento obtido pela criança, mas que há uma inter-relação entre pensamento e
linguagem, um oferecendo recursos ao outro, podemos entendê-la, não só como atividade
simbólica exclusivamente humana, mas como possibilidade de interação entre os sujeitos.
Compreender as concepções de linguagens que circulam no meio educacional nos
possibilitará o entendimento sobre a prática docente no trabalho com a alfabetização, a leitura
e a escrita em sala de aula. Geraldi (1997) elucida que ao evidenciarmos as questões: como
ensinar, quando, o quê, e para quê, precisamos aprofundar os estudos sobre as concepções
de linguagem. Segundo ele, três são as concepções de linguagem que circulam entre
professores.
Considerando a concepção de linguagem como lugar de interação entre sujeitos, que
compreende uma pluralidade de práticas sociais, podemos dizer que vivemos em um mundo
letrado. Kleiman apresenta a seguinte definição para o conceito de letramento: “Poderíamos
definir hoje o letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto
sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos. (KLEIMAN,1995, p. 19).
De acordo com Kleiman (2005), em meados dos anos 80, pesquisadores que
demandavam atenção às práticas de uso da língua escrita sentiram falta de um conceito que
contemplasse o processo histórico e social dos usos da escrita, conceitos que ultrapassassem
os já arraigados à palavra alfabetização.
Historicamente a alfabetização vem revestida de um conceito de mera repetição e
memorização do sistema do código da escrita, desta forma enfatizando a aprendizagem na
relação fonemas (som) e grafemas (letras), assim, o indivíduo ou grupo de indivíduos eram
considerados alfabetizados quando dominavam o código da escrita alfabética.
Segundo Soares (1998), alfabetização é a ação de alfabetizar, é tornar o individuo capaz
de ler e escrever, sendo o professor responsável pelo processo de alfabetização e de atenção
voltada para aspectos de língua enquanto código, que deverá ser apreendido pela criança de
forma sistemática. No entanto, a autora nos chama a atenção para o fato de que aprender a ler
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e escrever é adquirir uma tecnologia - codificação e decodificação - enquanto apropriar-se da
escrita é torná-la própria, assumi-la como "sua propriedade" (SOARES, 1998, p.39).
III – A pesquisa
O registro das interlocuções aconteceu durante o primeiro semestre de 2012 em uma sala
de aula com 33 alunos. Dois deles, ainda não alfabetizados, estão passando por um processo
de investigação diagnóstica, pois recebemos esses alunos como crianças com necessidades
especiais, porém, o diagnóstico ainda não foi concluído; seis não são alfabetizados, dentre
eles, três são alunos que foram reprovados e há 29 alunos alfabetizados. Voltarei meu olhar
para os quatro alunos não alfabetizados na busca de compreender seus modos de significação
acerca das atividades de leitura e de escrita de gêneros textuais de circulação social.
Nos limites deste texto apresento para a banca apenas um dos alunos e algumas de suas
produções ao longo deste primeiro semestre letivo com uma tentativa de análise desejando
ouvir suas contribuições.
Marcelo1 tem 11anos, cursa o quinto ano pela primeira vez. Filho de pais separados, a
mãe é analfabeta e tem grande dificuldade em administrar a família. A criança conta com a
ajuda de uma vizinha para a realização das tarefas. É alegre, mas fica irritado com facilidade
perante as dificuldades encontradas. Distrai-se facilmente com conversas paralelas. Trago aqui
uma de suas produções a fim de apresentá-la antes e depois das interlocuções realizadas.
IV – A atividade
Para iniciar o desenvolvimento de um projeto que culminasse no trabalho com textos de
circulação social, - a produção de uma carta e o trabalho com o gênero dicionário -, escolhi ler
para os alunos textos de literatura infantil para instaurar as atividades.
Realizei para eles a leitura de dois livros: "Marcelo, Marmelo, Martelo", de Ruth Rocha
(2011) e "A menina danadinha", de Pedro Bandeira (2007). Durante a leitura do texto de
Rocha, fui percebendo que ao contrário do que acontecia habitualmente, o aluno Marcelo
interessava-se pela minha leitura, chegando a pedir silêncio aos colegas. Sua postura corporal
- braços cruzados sobre a carteira, a cabeça apoiada nos braços, olhando atentamente para
mim - indiciava-me que ele se interessara pela história.
Apresento abaixo a primeira produção de Marcelo quando solicitei que os alunos
escrevessem uma carta para o personagem Marcelo ou para a personagem Ritinha - dos
textos lidos. A carta deveria conter comentários acerca dos modos de enunciação das
personagens.
Após a produção, recolhi os textos produzidos. Marcelo havia escrito uma carta para
Marcelo, personagem de Rocha (2011). Mediada por um princípio construtivista que circula na
escola, o de que o aluno precisa recuperar a leitura imediatamente após a produção, pois como
não sabe ler ainda poderá esquecer o que produziu, solicitei que realizasse a leitura de sua
carta para mim.
Apresentando muita dificuldade, mas interessado na proposta, passando os dedos por
sobre as letras, leu:
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O nome do aluno é fictício, respeitando o sigilo da pesquisa, exceto o nome da professora-pesquisadora.
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Olá Marcelo! É bom te ver.
E com você (engasgou, arrastou o dedo sobre algumas palavras) Marcelo no
livro Marcelo, Marmelo, Martelo (novamente arrastou o dedo sobre algumas
palavras sem pronunciá-las) e um e (o dedo corre sobre o papel, seus olhos voltamse para mim e eu o encorajo: vamos, isso mesmo, você escreveu mais algumas
coisas, veja as palavras...). Conte a sua história (olha para mim novamente e eu
aceno com a cabeça indicando o papel) e como foi seu livro.
Nos momentos da leitura fui percebendo que apesar de sua imensa dificuldade na
tentativa de estabelecer relações entre o que havia escrito e o que desejava que estivesse
escrito, Marcelo procurava meu apoio. Do lugar de professora, mediada pela pesquisadora que
vem se constituindo em mim, percebi que o aluno escolheu a personagem Marcelo pela
familiaridade sonora que encontrou com seu próprio nome. As letras iniciais lhe facilitavam a
produção. Indaguei-me também sobre como eu poderia mediar sua relação com a produção de
uma carta.
Na sequência de atividades levei para a sala o livro de Ana Maria Machado (2002), "De
carta em carta", li o texto e apresentei-lhes um modelo do gênero carta, aproveitando do
próprio contexto do texto, dando sequência às atividades. Com relação ao aluno Marcelo,
perguntei se gostaria que eu o ajudasse a escrever uma carta ao personagem Marcelo
enquanto as outras crianças revisavam seus textos.
Colocando-me como escriba, Marcelo ditou-me a carta. Segue sua produção.
Piracicaba, 4 de julho de 2012.
Olá Marcelo,
Estou escrevendo para contar que conheci o seu livro "Marcelo, Marmelo,
Martelo" na escola onde eu estudo.
A minha professora leu o seu livro e nós estamos fazendo um projeto com ele.
Ah, a minha professora conheceu outro livro que fala de uma menina igual a
você, que troca todas as palavras. Ela se chama Ritinha e o livro dela é "A menina
danadinha". Acho que você iria gostar de conhecer.
Bom, eu gostaria que você contasse como foi que você inventou essa história
de trocar os nomes das palavras e como foi ser o personagem principal do seu livro.
Aguardo sua resposta.
Um abraço, Marcelo.
Considerações preliminares, parciais e limitadas pelas normas de submissão deste
texto
Este trabalho foi apenas o início de um projeto mais amplo que se propôs a criar
condições para que os alunos produzissem cartas e na sequência, em uma próxima etapa,
trabalhassem com o dicionário.
Referência Bibliográfica
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006.
_________ M. Estética da Criação Verbal. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
FONTANA, R. A. C.; CRUZ, M. N. Psicologia e Trabalho Pedagógico. SP: Atual, 1997.
FONTANA, R. A. C. Mediação Pedagógica na sala de aula. Campinas, SP: Autores
Associados, 1996.
GERALDI, J. W. O texto em sala de aula – leitura e produção. 4ª ed. Cascável, PR:
Assoeste, 1997.
KLEIMAN, A. B. Preciso ensinar o letramento? Não basta ensinar a ler e escrever?
Brasília: MEC/Cefiel. 2005.
KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e Compreender os sentidos do texto. 3ª ed. SP: Contexto,
2010.
SOARES, Magda. A reinvenção da alfabetização. Presença Pedagógica, v. 9, n. 52, jul/ago
2003.
_____________ Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autentica, 1998.
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_____________ Alfabetização e Letramento, Caminhos e Descaminhos. Pátio, 29, 2004, p.
19-22.
VYGOTSKY. L. S. Pensamento e Linguagem. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 2ª ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2008.
_____________ A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. 7ª ed. São Paulo, Martins Fontes, 2007.
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