Convenções Referências Burge, Tyler, “On knowledge and convention”, The Philosophical Review, 84 (2), 1975, pp 249-255. Chomsky, Noam, Rules and Representations, Oxford, Blackwell, 1980. Davidson, Donald, “Communication and convention”, in Inquiries into Truth and Interpretation, Oxford, Oxford University Press, 2001, pp 265-280. Grice, Paul, “Meaning revisited”, in Studies in the Way of Words, Cambridge (Mass.), Harvard University Press, 1989, pp 283-303. Laurence, Stephen, “A Chomskian alternative to convention-based Semantics, Mind, 105 (418), 1996, pp 269-301. Lewis, David, Convention, Oxford, Blackwell, 2002. Lewis, David, “Languages and Language”, in Martinich, A. P. (ed.), The Philosophy of Language, Oxford, Oxford University Press, 2001, pp 562-580. Schiffer, Stephen, Meaning, Oxford, Clarendon Press, 1972. Wilson, Deirdre, and Sperber, Dan, “Truthfulness and relevance”, Mind, 111 (443), 2002, pp 583-662. Convenções (segundo Lewis), são regularidades arbitrárias que se auto-perpetuam num determinado grupo, e resultam da solução de problemas de coordenação. Num “jogo de coordenação”, cada “jogador” tem de procurar reproduzir as razões que o(s) outro(s) têm para tomar uma decisão; esta reprodução forma parte das suas próprias razões para agir e pensar; e cada um pode reproduzir a reprodução (por outro) das suas razões, e incorporá-la nas suas próprias razões para agir. O resultado desejado é uma situação de “equilíbrio”. “Convenções são regularidades na acção, ou na acção e nas crenças, que são arbritrárias mas se perpetuam porque servem alguma espécie de interesse humano. A conformidade passada [às convenções] alimenta a conformidade futura porque dá razões a 1 cada um para continuar a conformar-se, mas há sempre alguma regularidade alternativa que teria servido em seu lugar, e ter-se-ia perpetuado da mesma maneira, bastando para isso que se tivesse iniciado” (Lewis, “Languages and language”) O que é uma convenção? (Lewis) Uma regularidade R na acção ou na acção e na crença é uma convenção numa população P se e somente se: (1) Todos conformam-se a R. (2) Todos acreditam que os outros conformam-se a R. (3) A crença de que os outros conformam-se a R dá, a cada um, uma razão boa e decisiva para conformar-se a R. (4) Há uma preferência geral pela conformidade geral a R do que pela conformidade “ligeiramente-menos-que-geral”. (5) R não é a única regularidade a obedecer às condições (3) e (4). Há pelo menos uma regularidade R’ que se poderia ter perpetuado em seu lugar (arbitrariedade das convenções). (6) As condições (1)-(5) são objecto de “conhecimento comum”: são conhecidas por todos, todos sabem que são conhecidas por todos, todos sabem que todos sabem que são conhecidas por todos, etc. 2 Lewis: linguagem (sistema formal) e linguagem (rede de práticas) Língua como sistema formal: Uma função que associa frases a significados. O significado de uma frase é, para Lewis, o conjunto dos mundos possíveis em que a frase é verdadeira. Língua como rede de práticas: Conjunto de regularidades (algumas delas convencionais) vigentes numa determinada população, e que consistem na actividade verbal racional, através da qual são comunicadas crenças e realizadas acções. Síntese: o uso de uma língua por uma população. “Uma língua £ é usada por uma população P se e somente se prevalece em P uma convenção de veracidade e confiança em £, mantida por um interesse na comunicação” (Lewis, Languages and language). Convenção de veracidade e verdade: veracidade da parte do falante e confiança, por parte do ouvinte, de que o falante está a ser veraz. 3 Como os papéis de falante e ouvinte se alternam, haverá assim razão para se manter a convenção de veracidade e verdade no interesse de todos. Schiffer (Meaning, 1972): conceito de “convenção” em Lewis proposto como solução para o projecto de Grice de explicar o “significado da frase” em termos do “significado do falante”. Basicamente, o “significado da frase”, que é independente do contexto, seria a resultante das regularidades com que os falantes usam determinadas expressões em várias ocasiões (“querer dizer”). Essas regularidades também orientariam as expectativas de falantes e ouvintes. A noção de “conhecimento mútuo” em Schiffer é uma adaptação da noção de “conhecimento comum” em Lewis. Mas é importante notar que Grice mostrou-se céptico relativamente a uma abordagem puramente “convencionalista” da significação. Para Grice, a convenção pode ser um dos modos de “fixar” o significado, mas não é o único. O essencial é que o “significado da frase” seja visto como o uso “óptimo” de uma frase para “querer dizer” algo. (“Meaning revisited”, 1982). 4 Objecções à abordagem de Lewis (1) As convenções podem não ser o resultado de regularidades de comportamento. Podem ser simplesmente estipuladas. Resposta de Lewis: a sua abordagem é indiferente em relação ao modo como se estabelecem as convenções. Uma convenção, para Lewis, é caracterizada pelo modo como persiste através do tempo, não pelo modo como é “criada”. Assim, há convenções que são estipuladas, enquanto há outras (como as da linguagem) que “emergem” a partir de regularidades. Note-se que a abordagem de Lewis foi proposta para evitar o paradoxo da “primeira” língua: se as convenções fossem definidas como estipulações, como é que os “criadores” da “primeira” língua poderiam deliberar para criá-la, se já não falassem uma outra língua? (esta é por exemplo a objecção clássica de Quine à ideia de que a linguagem é convencional). (2) Se o significado de uma frase corresponde às suas condições de verdade, não faz sentido falar em “convenções” de veracidade e confiança. Falar uma língua implicaria naturalmente expectativas de veracidade e confiança. Resposta de Lewis: Sem dúvida, não faz sentido falar de convenções de veracidade e confiança em geral. O conceito de “convenção” é sempre relativo a uma língua. Ou seja, as convenções são “convenções de veracidade e confiança em £”. Imagine-se que uma população seguisse a convenção de mentir 5 sistematicamente numa determinada língua. Na verdade, estar-seia a seguir a convenção de falar a verdade numa outra língua, em que as condições de verdade das frases seriam o inverso. As expectativas de veracidade e confiança seriam condições essenciais (e não convencionais) para o uso da linguagem em geral. Mas sempre usamos uma língua particular, e neste caso aplica-se, de acordo com Lewis, a abordagem em termos de convenções. (3) (Tyler Burge) As convenções não são fundamentadas exclusivamente por critérios de racionalidade, mas devem-se em muitos casos à pura inércia do hábito. Possível resposta de Lewis: Uma acção pode ser racional (explicada em termos das crenças e desejos do agente) mesmo quando ela é habitual e o agente não pensa nas crenças e desejos que a motivam. Mas se o hábito deixasse de satisfazer os desejos do agente com base nas suas crenças, ele deve ser capaz, ao menos em princípio, de corrigi-lo com base num raciocínio consciente. 6 Objecções mais sérias (e sem resposta) Chomsky: Sem dúvida há convenções no uso da linguagem, mas é no mínimo questionável que elas sejam sempre explicadas em termos das razões que as pessoas teriam para segui-las (semelhante à objecção de Burge). Mas mesmo se aceitarmos esta posição, a noção de “regularidades” aplica-se a um domínio muito restrito do uso efectivo de uma língua, dado que as probabilidades de enunciação de uma frase a qualquer momento são sempre muito reduzidas. Davidson: Há convenções no uso da linguagem, mas elas não são condições necessárias para a comunicação. A comunicação envolve a convergência entre as expectativas de falante e ouvinte, e isso pode dar-se mesmo nos casos em que falante e ouvinte não atribuem o mesmo significado à mesma palavra ou frase. Em suma, em princípio pode haver comunicação mesmo na ausência de convenções. A relação de significação é arbitrária, mas não convencional. Stephen Laurence: Imagine-se uma população isolada. Para esta população, a língua que fala nada tem de convencional. Não se aplicam as condições (5) e (6) da definição de “convenção” (ou seja, é do “conhecimento comum” que há pelo menos uma regularidade R’ alternativa). E a própria “convenção de veracidade e confiança” é questionável. 7 “Quando um falante [desta população isolada] produz uma elocução, os outros falantes simplesmente reconhecem que ela tem tais e tais propriedades linguísticas. Eles não têm de acreditar que o falante acredita no conteúdo daquilo que diz [convenção de veracidade e confiança]. Eles não têm de acreditar que o falante acredita que o ouvinte acredita que o falante acredita no conteúdo daquilo que diz [e assim sucessivamente]” (Laurence, “A Chomskian alternative to convention-based Semantics”). Wilson & Sperber: É simplesmente falso que os falantes e ouvintes estejam a obedecer a uma convenção de veracidade e confiança. A comunicação envolve essencialmente expectativas de relevância (e as expectativas de veracidade, quando se verificam, derivam das expectativas de relevância). Em muitos casos, se não a grande maioria, será mais apropriado dizer algo literalmente falso mas mais relevante (em termos de efeitos cognitivos e esforço de processamento) do que algo estritamente verdadeiro. Exemplos: “Que horas são, por favor?” “São seis e meia” (quando são 6h29min32seg; é falso, mas pode ser o mais apropriado em termos de comunicação) “Tenho de correr para o banco antes que feche” (Se não for a correr, a frase é falsa; mas em termos de comunicação é perfeitamente apropriada) “Preciso de um Kleenex” (Se aceitar qualquer lenço de papel que não seja um Kleenex, a frase é falsa; mas em termos de comunicação ela é apropriada) 8