TRABALHO E FORMAÇÃO DOCENTE: PERFIL DOS(AS) EDUCADORES(AS) NO
CENÁRIO PÓS-LDB (1996 – 2008)
Luciane Sgarbi S. Grazziotin i
Moisés Waimann ii
Natália Pietra Méndez iii
RESUMO:
O artigo busca apresentar dados preliminares de uma pesquisa voltada para a formação e a
qualificação dos docentes da rede pública municipal do município de Caxias do Sul (Rio
Grande do Sul/Brasil) no período posterior à Lei de Diretrizes e Bases (1996). Toma como
ponto de partida o ano de aprovação da referida lei até o ano de 2008. O objetivo é verificar
os possíveis impactos dessa lei na formação dos profissionais da educação. Igualmente, ver se
esses impactos ocorreram de forma diferenciada considerando categorias de análise como
sexo, faixa etária, grau de escolarização e renda dos professores. A pesquisa, ainda em
andamento, utiliza método quantitativo – da base de dados da RAIS/CAGED - e qualitativo,
através de entrevistas com professores. O artigo é parte das pesquisas desenvolvidas pelo
Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul.
RESUMEN:
La ponencia presenta datos preliminares de una investigación centrada en la formación y la
cualificación de los docentes de la red pública muncipal de la ciudad de Caxias do Sul (Rio
Grande do Sul – Brazil) posteriormente a la Lei de Diretrizes y Bases (1996). Toma como
punto de partida el año de aprobación de la referida lei hasta el año 2008. El objetivo es
examinar los posibles impactos de esa lei en la formación de los profesionales de la
educación. Igualmente, ver si esos impactos ocurrieron de forma distinta al analizar categorias
como sexo, edad, escolaridad y ingresos de los profesores. El texto es parte de las
investigaciones desarrolladas por el Observatório do Trabalho de la Universidade de Caxias
do Sul.
1
1- Introdução
O presente artigo apresenta as primeiras problematizações de uma pesquisa cujo o
principal interesse é analisar diferentes aspectos referentes à formação e ao trabalho dos
professores da rede pública municipal de Caxias do Sul. Tem como foco entender alguns
aspectos referentes às alterações pelas quais passou a educação brasileira a partir da
implementação da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 até o ano de 2008.
A partir da LDB 9394/96 a educação nacional passa por uma série de transformações
com relação ao exercício do trabalho dos professores, trazendo consigo determinadas
exigências referentes, entre outros aspectos, a formação dos profissionais da educação. No
entanto, essas exigências dão margem, nos diferentes artigos e incisos da referida lei, a
interpretações divergentes.
O art. 62 da LDB é um dos que tem gerado polêmica, pois explicita que “[...] para o
exercício do magistério na educação infantil e nas quatro séries do ensino fundamental exigese a formação mínima [...] oferecida em nível médio da modalidade Normal” (BRANDÃO,
2003, P. 136), no entanto, segundo o mesmo autor, o § 4º, do artigo 87 da mesma lei, que fala
das Disposições Transitórias, indica que “Até o final da Década da Educação somente serão
admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em
serviço”, o autor afirma que essa possível dubiedade é questionável na medida em que no
texto geral da Lei não é encontrada essa exigência. (BRANDÃO, 2003, P. 137). Segundo ele,
É sempre lícito e louvável defender uma melhoria na qualidade e no
nível de formação profissional dos docentes de todas as escolas brasileiras. O
que não se pode fazer é, na falta de melhores argumentos, inclusive
pedagógicos, creditar à LDB disposições que ela não expressa.” (2003, p. 137)
Independente das possíveis polêmicas suscitadas no texto da lei, em seus artigos 62 e
87 §4, nas suas Disposições Transitórias, as exigências na formação dos profissionais na área
da educação estão se constituindo, ao longo das últimas duas décadas desde a homologação
da LDB, em uma demanda da sociedade de modo geral.
Na discussão entre as demandas ou não da lei e as exigências sociais, na formação
cada vez mais aprimorada dos docentes e com o objetivo de atingir um número cada vez
maior de profissionais, a formação de professores tem estado sob a lente de diferentes
instituição públicas e privadas e em inúmeras formas de conceber essa formação.
2
Outro importante fato a ser analisado, dos dispositivos da lei com relação a formação
de professores, diz respeito ao art. 67 em cujo texto se lê,
Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da
educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos
de carreira do magistério público:
I – ingresso exclusivamente por concurso público de prova de títulos;
II – aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com
licenciamento periódico remunerado para esse fim;
III – piso salarial profissional;
IV – progressão funcional baseada na titulação ou habilitação e na
avaliação de desempenho;
V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na
carga oraria de trabalho;
VI – condições adequadas de trabalho. (BRANDÃO, 2003, p. 140).
Em uma análise geral dos seis incisos que compõe o artigo 67, observa-se a ideia de
valorização dos profissionais do ensino uma vez que amparam legalmente a formação dos
professores conferindo aos sistemas de educação a obrigação de promover e facilitar o
aprimoramento docente.
Nesse processo, os diferentes níveis de gestão da educação se deparam com uma série
de demandas para cumprir e pouco tempo para realizá-las. A adaptação a essas novas
exigências foram feitas, de maneira geral, de forma improvisada, em alguns casos por falta de
dados e pesquisas concretas para a verificação das necessidades e problemas pertinentes a
essa “nova” forma de gestão da educação e consequentemente da melhor maneira de
contorná-los.
O movimento legal e social, privado ou público que impulsiona os professores à
capacitação, onde os diferentes setores da educação procuram se valer de profissionais
qualificados - independente do cumprimento dos incisos II e III do art.67 da lei - na área da
educação, parece uma realidade possível de constatar nos últimos dez anos. O que, ao longo
desses anos, tem gerado inúmeras interrogações são, basicamente, dois aspectos que levam
aos seguintes questionamentos. O primeiro é no sentido de entender: de que forma ocorre a
qualificação docente? Ou seja, os professores que possuíam somente a habilitação magistério
em nível secundário ou as chamadas Licenciaturas Curtas até a homologação da LDB
9394/96, procuraram graduar-se em nível superior em função das demandas decorrentes da
Lei? Como ocorre essa graduação, presencial ou a distancia? Existem cursos de formação
continuada na sua rede de trabalho? Os profissionais do ensino costumam freqüentá-los? Por
3
quem são oferecidos esses cursos? Como ocorre o processo de inserção dos professores nos
cursos de formação? Os professores que buscaram um aumento de sua qualificação
profissional pertencem, em sua maioria, ao sexo feminino ou masculino? As relações de
gênero influenciam o processo de formação? A graduação implica em melhoria da renda do
profissional do ensino ou serve apenas para a manutenção do seu trabalho?
Esses questionamentos são fundamentais para o entendimento do contexto legal
referente ao aprimoramento ou não dos professores que trabalham na rede pública municipal
de Caxias do Sul, configurando-se assim um mote inicial para o traçado de um perfil de
trabalho e de gênero dos professores dessa rede de ensino.
O segundo foco da pesquisa parte da seguinte questão: é possível estabelecer uma
relação entre incremento no nível de qualificação dos professores e melhoria nos índices de
escolarização do município?
Para dar conta do primeiro bloco de problematizações a pesquisa utilizar-se-á, entre
outros, dos dados disponíveis no Programa de Disseminação das Estatísticas do Trabalho
(PDET) do Ministério do Trabalho e Emprego, que tem por objetivo divulgar informações
oriundas de dois Registros Administrativos, RAIS - Relação Anual de Informações Sociais - e
CAGED - Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, à sociedade civil. Estes dados
abrem a possibilidades de investigação na perspectiva da educação e trabalho. Serão também
utilizados os dados disponíveis no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), vinculado ao Ministério da Educação (MEC), bem como os dados
disponíveis na Secretaria Municipal de Educação de Caxias do Sul. Além da utilização do
banco de dados mencionado, se valerá de documentos fornecidos pelas escolas. Documentos
esses que dizem respeito ao aluno, implicando em informações como: índice de aprovação,
evasão entre outros, bem como entrevistas realizadas diretamente com os professores
referente as condições de trabalho no ambiente escolar.
A pesquisa tem cunho quantitativo, uma vez que utiliza dados estatísticos e cunho
qualitativo, na medida em que interpreta esses dados analisando-os de forma a encontrar
informações que possibilitem entender os processos de aprimoramento de professores, seus
pontos suscetíveis, demandas, necessidades no ambiente de trabalho e da própria formação
como objeto de discussão, no sentido de ir ou não ao encontro das demandas da lei e da
sociedade.
4
Nesse sentido a investigação tem como objetivo realizar um levantamento, através da
base de dados do Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério da Educação, Secretaria
Municipal de Educação de Caxias do Sul, bem documentos das escolas, no sentido de
identificar o perfil dos professores do município de Caxias do Sul a partir do ano de 1996, ano
em que entra em vigor a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 até o ano de
2008, no que diz respeito aos aspectos relacionados às variáveis sexo, idade, escolaridade e
renda dos docentes que atuam do Ensino Fundamental.
Assim, a investigação centra-se na possibilidade de elaborar um perfil dos professores,
no que se refere a qualificação profissional dessa categoria de trabalhadores, com vistas a
dimensionar as implicações das demandas da referida lei relativas ao incremento ou não na
formação desses profissionais, segundo as exigências da lei, partindo das quatro categorias
acima citadas.
E, por fim, possibilitar, com base nas informações obtidas pela pesquisa subsídios ao
gestor municipal para a elaboração e implementação de políticas públicas de educação no que
diz respeito a qualificação do trabalho docente e consequente repercussão na melhoria ou não
da educação, referente taxa de aprovação, evasão escolar e índices de analfabetismo, no
município de Caxias do Sul.
2- Caminhos da pesquisa
A crise na educação é fator de preocupação constante nos discursos dos agentes
governamentais tanto no que diz respeito à formação dos profissionais da educação, como nas
implicações que essa formação tem na melhoria ou não dos índices de repetência, evasão,
alfabetização e demais marcadores sociais que denunciam as fragilidades do sistema
educacional brasileiro.
A pesquisa tem como ponto de partida um exame dos dados quantitativos das
categorias sexo, idade, escolaridade e renda dos docentes que atuam do Ensino Fundamental
da Rede Pública Municipal da cidade de Caxias do Sul, num processo de análise conferida
pelas bases de dados já mencionadas.
Para o entendimento desse contexto além de se valer dos dados e informações
quantitativas e dos referencias teóricos sobre o tema, a pesquisa, trabalhará com entrevistas
aos docentes 1 , no sentido de mapear as condições de trabalho dos professores.
1
A pesquisa optará pela modalidade de entrevistas semi-estruturadas aplicada a uma população amostra,
contendo uma série de questões previamente estabelecidas, que serão as mesmas para toda a amostra de
5
Os processos de rastrear e mapear dados para análise em uma pesquisa traz, via de
regra, inúmeras implicações. Segundo Gil “O ser humano [...] ao longo dos séculos vem
desenvolvendo sistemas mais ou menos elaborados que lhe permitem conhecer a natureza das
coisas e o comportamento das pessoas” (2008, p.1). Em uma pesquisa que trabalha com o
contexto da educação envolvendo portanto políticas públicas e, cuja fonte de informações são,
além dos dados numéricos, os próprios protagonistas da educação representada pela categoria
dos professores, é fundamental que os sistemas elaborados pelos pesquisadores para conhecer,
problematizar e discutir esse contexto esteja focado em práticas metodológicas adequadas.
As categorias de análise foram escolhidas considerando alguns dos cruzamentos
oferecidos pelo banco de dados do Ministério do Trabalho e Emprego. Dessas, optamos pela
variável sexo (e não gênero) por compreender que os dados quantitativos apenas apontam se
os indivíduos pesquisados pertencem ao sexo biológico masculino ou feminino. A partir daí à
pesquisa se incumbirá de estabelecer problematizações que tomem a categoria gênero como
uma possibilidade de análise das relações de trabalho na carreira docente e a vinculação dessa
com a formação profissional. O aspecto geracional também será um foco importante da
pesquisa. Há um senso comum de pensar que professores mais jovens investem mais em
programas de qualificação. Caberá a pesquisa verificar tais afirmativas.
A opção por aliar dados quantitativos a uma pesquisa qualitativa baseada em
entrevistas toma como ponto de partida a contribuição que essas duas metodologias podem
prestar para a análise da formação dos profissionais que atuam na educação pública no
município de Caxias do Sul. Essa escolha vem sendo referenciada cada vez mais por diversas
áreas de conhecimento que buscam romper com uma dicotomia rigorosa entre o quantitativo e
o qualitativo, buscando construir uma metodologia que responda às reais necessidades do
problema de pesquisa que foi formulado. Assim, CORTES (1998) argumenta que:
Embora alguns trabalhos utilizem métodos que recorrem quase que
exclusivamente ou a técnicas quantitativas ou a técnicas qualitativas de análise
de dados, na maior parte dos casos, os problemas de pesquisa, serão mais
proficuamente respondidos através do uso de ambas. Desse modo, o
pesquisador poderá extrair o máximo de informações sobre a realidade e chegar
a conclusões mais firmemente fundamentadas (p.36).
professores entrevistados, porém, cada entrevistado poderá discorrer livremente sobre as perguntas formuladas.
Posteriormente, será feita a análise do conteúdo das respostas.
6
Assim, com o intuito de conseguir uma maior abrangência na investigação é que os
dados sobre o assunto foram analisados qualitativa e quantitativamente.
3 - Políticas públicas, trabalho docente e formação de professores
No sentido de fazer uma análise do perfil dos professores de uma rede pública
específica, tendo como foco a discussão sobre formação desse profissional relacionada às
políticas publicas, sobretudo aquela implementada pela LDB 9394/96, cabe uma breve
retomada de algumas especificidades da educação brasileira a partir da década de 1930
períodos de transição da sociedade oligáquico-tradicional para a urbano-industrial, época em
que, segundo ROMANELI (2004), ocorre a redefinição das estruturas de poder, assim com o
objetivo de suavizar os efeitos da descentralização do poder político, acentuada com o
federalismo, cria-se o sistema nacional de educação até então praticamente inexistentes.
Assim, as mudanças sociais em curso nos anos 20 culminariam na chamada Revolução
de 1930. Esta foi o resultado da desarticulação das elites oligárquicas do país, do processo de
urbanização crescente que resultou no fortalecimento das camadas médias urbanas e da
pressão exercida por novos agentes sociais. 2 Ao mesmo tempo, a crise internacional que
atingiu o Brasil com a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, acelerou o processo de
ruptura do pacto oligárquico. 3
Ao longo dos anos de 1930, o país atravessava transformações importantes no campo
educacional. Com a chegada de Getúlio Vargas ao poder foi criado o Ministério da Educação.
A partir da constituição de 1934, houve uma valorização do ensino público que passou pela
primeira vez na história da república a ser objeto de uma política centralizada do governo
brasileiro.
Romanelli associou as mudanças no aspecto educacional ao processo de
industrialização do país. Para a autora, a partir de 1930 intensificou-se o desenvolvimento do
capitalismo industrial, fato que resultaria em novas exigências educacionais decorrentes do
quadro das aspirações sociais:
A Revolução de 1930, resultado de uma crise que vinha de longe
destruindo o monopólio do poder pelas velhas oligarquias, favorecendo a
2
Apenas para citar alguns: Tenentismo, Modernismo, Movimento Feminista, Movimento Operário.
Sobre este tema, ver o artigo introdutório do livro História da Vida Privada no Brasil, 3 v., escrito por
Nicolau Sevcenko. O autor faz um apanhado completo do contexto histórico do final dos anos 20 e o início da
década de 1930, apontando as causas que contribuíram para o golpe civil-militar ocorrido em 11 de novembro
daquele ano.
3
7
criação de algumas condições básicas para a implantação definitiva do
capitalismo industrial no Brasil, acabou, portanto, criando também
condições para que se modificassem o horizonte cultural e o nível de
aspirações de parte da população brasileira, sobretudo nas áreas atingidas
pela industrialização. É então que a demanda social de educação cresce e se
consubstancia numa pressão cada vez mais forte pela expansão do ensino.
(2006, p.8)
No entanto, os crescentes investimentos educacionais não eram suficientes para
atender a demanda crescente da população. A partir do início do século XX, com o
incremento do processo de urbanização, a escolarização passa a ser mais valorizada,
consequentemente, ocorre o aumento da procura pela escola Se nas capitais já havia
dificuldades para o estudo, estes problemas multiplicavam-se nas cidades do interior.
De acordo com Moacir Gadotti, estudos dos anos de 1950, demonstravam um grande
processo de exclusão e afunilamento na formação escolar:
O educador Anísio Teixeira, na década de 50, elaborou a conhecida
pirâmide para mostrar que a educação no Brasil, era privilégio de poucos,
comparando-a com a dos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, 33% dos
que iniciavam a escola elementar, ingressavam na universidade. No Brasil,
apenas 2,3%. O afunilamento da educação no Brasil dava-se, sobretudo, a
partir do ensino chamado, na época, de ginasial (hoje, da 5ª a 8ª séries do
ensino fundamental), no qual ingressavam apenas 18,1% dos que iniciavam
a formação básica. (2000, p.31)
Paradoxalmente, desde o final do século XIX verifica-se um apelo progressivo para
que houvesse mais instrução feminina em diversos níveis. Um dos melhores exemplos que
ilustra esta situação pode ser encontrado no incentivo à carreira do magistério. De acordo com
Maria Lúcia Aranha, houve no início do período republicano, um crescente interesse dos
governos pela formação de professores, o que incentivou os estados à criação das Escolas
Normais:
Devido à descentralização do ensino fundamental, a criação das
escolas normais dependia da iniciativa pioneira de alguns estados, como o de
São Paulo – a escola Normal foi criada por Caetano de Campos em 1890.
Aliás, devido à participação de paulistas no governo federal, essa escola – e
também a do Rio de Janeiro, então Distrito Federal – serviu de modelo para a
instalação dos cursos nos demais estados. (2006, p.298).
8
Não há como desassociar as mudanças gerais de crescimento econômico, industrial,
urbano e educacional das transformações que abrangeram a população feminina do país.
Conforme Carmem Barroso e Guiomar Mello (1975), no final dos anos 50 as brasileiras
somavam cerca de 26% das estudantes universitárias. Este contingente subiu para 40% no
princípio da década de 1960 (BARROSO, 1975). Em uma década o número de mulheres
universitárias praticamente dobrou.
Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, do início do século à
década de 1960, a porcentagem de população localizada em áreas urbanas subiu de 10% para
46%. O número de analfabetos diminui de 65,3%, em 1900, para 39,5% em 1960. No mesmo
período, a renda per capita, calculada em dólares, passou de 55% para 236%.
Estes números podem dar uma noção das mobilidades sociais em curso na primeira
metade do século XX. A concentração populacional nas cidades mostra a aceleração do
crescimento populacional que praticamente quadruplicou no período em questão e, ao mesmo
tempo, um movimento de êxodo rural em curso, diversificação das atividades econômicas
com o aumento do setor industrial e de serviços. Neste contexto, o interesse dos setores da
elite por oferecer instrução básica torna-se evidente diante de uma demanda por qualificação
de mão-de-obra. Ao mesmo tempo, os segmentos da população almejavam o acesso a novas
oportunidades, ofertado nos grandes centros urbanos.
A partir dos anos de 1960, outra mudança educacional seria bastante significativa para
a população feminina. A Lei de Diretrizes e Bases 4024/61 permitiu a equiparação de todos os
níveis de formação secundária. Desta maneira, as mulheres, que geralmente cursavam o
magistério, passaram a ter acesso ao exame vestibular na mesma condição dos demais
candidatos, sem necessidade de outras etapas anteriores em sua educação secundária.
Essa lei, não obstante a alguns avanços, já se encontrava ultrapassada, pois, devido aos
seus 13 anos de tramitação, ao ser promulgada encontra um país com exigências diferentes
decorrentes do processo de industrialização, gerando descompassos entre a estrutura
educacional e o sistema econômico (ARANHA, 2006).
Apesar do desalento dos intelectuais com relação às propostas de lei, esses lutaram por
uma LDB mais democrática, surgindo na década de 1960 o Movimento da Educação Popular,
o Golpe militar de 1964 desativou esse movimento.
Embora não desativasse essa lei, o período da ditadura militar implantou profundas
modificações a legislação da educação.
9
A partir de 1966 desenvolveu-se na educação “[...] uma reforma autoritária, vertical,
domesticadora que visava atrelar o sistema educacional ao modelo econômico dependente
imposto pela política norte-americana para a América latina” (ARANHA, 2006, p. 316). A
LDB 5692/71 decorrente da ideologia da ditadura assumiu um viés tecnocrático que se
sobrepôs ao pedagógico, tendo como objetivo proporcionar ao educando o “[...]
desenvolvimento das condições necessárias ao desenvolvimento de suas potencialidades
como elemento de autorrealização, qualificação para o trabalho e preparo para o
desenvolvimento
consciente da cidadania” ( ARNHA, 2006, p. 318). Frente as novas
propostas com relação a profissionalização no ensino de 2º grau o problema centrou-se na
falta de professores com formação necessária para cumprir as demandas da lei.
A modernização conservadora dos anos 1990 provocou uma profunda reestruturação
industrial no Brasil, beneficiando os consumidores com maior disponibilidade de bens e
serviços, melhores preços e tecnologia, com impacto negativo sobre o nível de emprego.
Em 1994, começou uma nova política industrial, Lacerda (2000) lembra que o centro
da questão era a competitividade, em contraponto às políticas adotadas anteriormente, que
objetivavam a expansão da capacidade produtiva mediante o incentivo à substituição das
importações. Seguindo essa direção o governo federal foi responsável pelo alinhamento das
políticas públicas de modo geral incluindo ás que se referem à educação, com o protocolo
neoliberal. Na educação, portanto, tem-se a lei de Diretrizes e Base da Educação de 1996 com
uma lógica inspiradas nas orientações dos organismos internacionais, dentre eles o Banco
Mundial.
Segundo Silva, “[...] a base de sustentação teórica estava posta, de um lado, na teoria
do capital humano em que a educação escolar é igual à maior produção e maiores
investimentos e, de outro, na teoria da modernização tecnológica, predizendo a função
econômica do conhecimento” (2002, p.61).
Nesse sentido Peroni complementa que “O objetivo é desenvolver as habilidades
básicas de aprendizagem, para que os trabalhadores possam satisfazer as necessidades da
acumulação flexível” (2003, p.101), “[...]a educação básica exigida pelo mercado ganha
novos contornos: passa de no mínimo cinco para doze anos de escola, exigindo um perfil que
prioriza o conhecimento geral, a iniciativa e a capacidade de raciocínio lógico, visando à
resolução de situações-problemas” (BRITO, 2002, (p.88)
1
Essa breve retomada histórica permite perceber que as leis brasileiras referentes à
educação e suas consequentes exigências estiveram, de modo geral, relacionadas a interesses
externos, foram implantadas, via de regra, com defasagem temporal e de forma arbitrária,
levando em consideração não as demandas sociais e sim as ideologias políticas e econômicas
do momento. Essa breve retrospectiva é fundamental para a compreensão de alguns aspectos
que nortearam a LDB 9394/96 em diferentes aspectos, no entanto, no que concerne a essa
pesquisa, o foco central está posto no que diz respeito à carreira do magistério.
No sentido de analisar os reflexos da LDB 9394/96 com relação ás suas exigências no
que diz respeito à formação docente é que tomamos alguns dados preliminares extraídos do
banco de dados do INEP, que possibilita um breve panorama do contexto, geral do magistério
brasileiro, gaúcho e especifico na município de Caxias do Sul, tomando como referência o
ano da aprovação da lei, 1996, um ano intermediário, 2002 e 2007 o último ano cujos dados
tem-se acesso.
Os dados disponíveis no INEP, sobre o Brasil e o Rio Grande do Sul, com relação ao
nível de escolaridade dos professores do Ensino Fundamental, podem dar pistas da realidade á
ser encontrada no município de Caxias do Sul.
Na tabela 01 são mostrados dados do total de docentes do Ensino Fundamental e
docentes do Ensino Fundamental com escolaridade superior, no Brasil e no Rio Grande do
Sul, nos anos de 1996, 2002 e 2007.
Tabela 01 – Total de docentes do Ensino Fundamental e docentes do Ensino Fundamental com
escolaridade superior, no Brasil e no Rio Grande do Sul, nos anos de 1996, 2002 e 2007.
Anos
1996
2002
2007
BR 1
Total de Docentes no Brasil
BR 2
Docentes com Nível Superior de escolarização no
Brasil
608.601
846.522
998.690
RS 1
Total de Docentes no Rio Grande do Sul
107.918
105.949
91.503
64.423
68.724
69.951
Docentes com Nível Superior de escolarização no Rio
Grande do Sul
Fonte: INEP
RS 2
1.388.247 1.609.878 1.421.527
Pode-se observar que no Brasil o ano de 2002 apresenta um acréscimo no número total
de docentes que trabalham no Ensino Fundamental e uma queda no ano de 2007, quase
chegando aos patamares de 1996.
1
No que se refere à escolaridade dos docentes que atuam no Ensino Fundamental, podese observar o impacto da LDB/1996, uma vez que se observa um aumento de professores com
Nível Superior de escolarização, em todo o período analisado após a implementação da Lei.
Em relação aos docentes no estado do Rio Grande do Sul, verifica-se uma queda
progressiva no período de abrangência da pesquisa. Contudo, como já foi observado, entre
2002 e 2007 também houve uma diminuição no número geral de professores que atuavam no
Ensino Fundamental em termos de Brasil.
No que se refere aos docentes do Ensino Fundamental que possuem Nível Superior de
escolarização observa-se um crescimento nos dados sobre o Rio Grande do Sul.
O gráfico 01 permite uma melhor visualização da situação explicitada na tabela 2,
visto que toma como base fixa o ano de 1996 compara-o aos anos de 2002 e 2007.
Gráfico 01 – Variação no total de docentes do Ensino Fundamental e docentes do Ensino
Fundamental com Nível Superior de escolarização no Brasil e no Rio Grande do Sul, nos anos
de 1996, 2002 e 2007. (ano 1996 = Base 100).
170
164
150
139
130
116
110
107 109
102
98
85
90
2002
2007
1996
70
50
30
10
-10
BR 1
BR 2
RS 1
RS 2
Fonte: INEP - Tabela 01.
Observa-se que, tanto no Brasil como no Rio Grande do Sul, ocorre um decréscimo da
taxa de crescimento dos professores que trabalham no Ensino Fundamental, porém no Rio
Grande do Sul, este fenômeno é mais acentuado, pois há redução na quantidade de
professores.
O quadro que segue mostra a proporção de docentes do Ensino Fundamental com
Nível Superior de escolarização no total de docentes do Ensino Fundamental, no Brasil e no
1
Rio Grande do Sul, nos anos de 1996, 2002 e 2007, auxiliando no entendimento desse
fenômeno.
Tabela 2 - Proporção de docentes do Ensino Fundamental com Nível Superior de escolarização,
no total de docentes do Ensino Fundamental no Brasil e no Rio Grande do Sul, nos anos de 1996,
2002 e 2007.
Anos
1996 2002 2007
Docentes com Nível Superior de escolarização no Brasil / Total de
docentes no Brasil
44%
53%
70%
Docentes com Nível Superior de escolarização Rio Grande do Sul /
Total de docentes no Rio Grande do Sul
60%
65%
76%
Observa-se na tabela que, o Rio Grande do Sul em todo período estudado tem uma
proporção maior de professores do Ensino Fundamental com Nível Superior de escolarização.
A que podemos atribuir esse fato? Maior acessibilidade às universidades? Tradição
republicana-positivista de investimentos em educação e na formação de professores? Essas
são algumas especulações que surgem ao se perceber esse panorama.
Quando voltamos o olhar para o município de Caxias do Sul, os dados apresentados na
tabela 03, docentes do Ensino Fundamental com Nível Superior de escolarização, total de
docentes e proporção de docentes do ensino fundamental com escolaridade superior no total
de docentes do ensino fundamental no município de Caxias do Sul, nos anos de 1999 á 2006,
mostram uma realidade diferenciada.
Tabela 03 – Docentes do Ensino Fundamental com Nível Superior de escolarização, total de
docentes e proporção de docentes do Ensino Fundamental com Nível Superior de escolarização
no total de docentes do Ensino Fundamental no município de Caxias do Sul, nos anos de 1999 á
2006.
Docentes com
escolaridade
superior
Total de Docentes
Proporção de docentes com
escolaridade superior/ total de
docentes
(a)
(b)
(a/b)
1999
1.046
1.535
68%
2000
1.220
1.526
80%
2001
1.328
1.624
82%
Ano
1
Ano
Docentes com
escolaridade
superior
Total de Docentes
Proporção de docentes com
escolaridade superior/ total de
docentes
2002
1.419
1.814
78%
2003
1.524
1.908
80%
2004
1.552
1.860
83%
2005
1.552
1.700
91%
1.535
1.715
90%
2006
Fonte INEP
A quantidade total de docentes do ensino fundamental, cresce em todos os anos
observados, porém a partir do ano de 2004, há uma queda na taxa deste crescimento. O
mesmo não ocorre com os docentes que possuem escolaridade superior, que apresenta um
crescimento continuado, com uma leve tendência de queda na taxa no último ano. Quando se
observa a proporção de docentes com escolaridade superior sobre total de docentes verificase nos oitos anos estudados a proporção passa de 68% para 90% .
4- Considerações finais
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira foi aprovada em 1996 em um
cenário contraditório. Ao mesmo tempo em que todos os discursos convergiam para a
importância vital da educação como uma espécie de “salvação” da sociedade brasileira, havia
grandes divergências sobre os caminhos da educação no Brasil. O governo federal patrocinava
um projeto de reestruturação do estado brasileiro que buscava racionalizar a máquina pública,
diminuído seus gastos e investindo em gestão. Essas opções políticas tiveram como
desdobramento uma concepção gerencial e mercadológica dos problemas relacionados à
educação pública.
Nessa operação, os problemas sociais – e educacionais – não são
tratados como questões políticas, como resultado – e objeto – de lutas em
torno da distribuição desigual de recursos materiais e simbólicos e de poder,
mas como questões técnicas, de eficácia/ineficácia na gerência e
administração de recursos humanos e materiais. Assim, a situação
desesperadora enfrentada cotidianamente em nossas escolas por professoras/es
e estudantes é vista como resultado de uma má gestão e desperdício de
recursos por parte dos poderes públicos, como falta de produtividade e esforço
por parte de professores/as e administradores/as educacionais, como
consequência de métodos “atrasados” e ineficientes de ensino e de currículos
inadequados e anacrônicos. (...) Tudo se traduz, nessa solução, a uma questão
de melhor gestão e administração e de reforma de métodos de ensino e
conteúdos curriculares inadequados. (SILVA, 1999, p. 18-19)
1
Considerando esse cenário, a nova Lei de Diretrizes e Bases acabou, por vezes,
fomentando divergências sobre sua aplicação em diversos aspectos, mas especialmente no que
se refere ao item de aperfeiçoamento profissional. A quem caberia viabilizar esse
aperfeiçoamento? Em que parâmetros ele seria aplicado? Em mais de uma década de
aprovação, a Lei de Diretrizes e Bases ainda sugere divergências entre municípios, estados e
União. Igualmente, discute-se o tipo de formação e qualificação docente adequada às
necessidades dos professores e das escolas.
Referências
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Intervenção e Consentimento: a politica educacional do Banco Mundial; Campinas, SP,
Autores Associados: São Paulo: Fapesp, 2002.
1
SILVA, Tomaz Tadeu da. A “nova” direita e as transformações na política da pedagogia. In:
GENTILI, Pablo A. A. & SILVA, Tomaz Tadeu da. Neoliberalismo, qualidade total e
educação. Petrópolis: Vozes, 1999. 7ª ed.)
i
Doutora em educação pela PUCRS, professora do Centro de Filosofia e Educação e do programa de pósgraduação – Mestrado em Educação e pesquisadora do Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do
Sul – UCS.
ii
Doutorando em educação pela UNISINOS, professor do Centro de Ciências Econômicas, Contábeis e de
Comércio Exterior e pesquisador do Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul – UCS.
iii
Doutora em História pela UFRGS, professora do Centro de Ciências Humanas e pesquisadora do Observatório
do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul – UCS.
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