PROBLEMAS DE RE DIME TO ESCOLAR O E SI O ELEME TAR E ATUAÇÃO
DOCE TE: DISCURSO OFICIAL PAULISTA A DÉCADA DE 19301.
Luciana Maria Viviani
Universidade de São Paulo
[email protected]
Palavras-chave: rendimento escolar; formação de professores; periódicos educacionais.
Este trabalho tem como objetivo a análise de discursos sobre problemas de rendimento
escolar, direcionados aos professores do ensino elementar, mediante orientações oficiais
presentes na Revista de Educação (também denominada Educação e Escola
ova), órgão da
Diretoria Geral da Instrução Pública de São Paulo. Busca-se verificar como a questão das
reprovações de estudantes da escola primária se apresenta como um problema da administração
escolar, que envolve também o conhecimento especializado, e quais as possíveis soluções
propostas para superar essa dificuldade, especialmente aquelas relacionadas a possíveis mudanças
do perfil profissional docente.
O texto enfoca a década de 1930, período em que essas discussões se tornam mais
frequentes, em movimento associado à atuação dos chamados renovadores de ensino. Os ideais
de inovação e eficiência educacional que circulavam no país nesse momento retomaram a questão
dos altos índices de reprovação e evasão escolar mediante a elaboração de dados diferenciados
sobre o cotidiano institucional, como registros e estatísticas escolares. Por meio desses
instrumentos uma caracterização considerada mais acurada e legítima do problema do rendimento
escolar foi construída por esses educadores. O processo de escolarização, que se ampliava desde
o início do século, deveria se pautar na ciência objetiva, para atender uma população de crianças
cada vez maior e mais heterogênea, por meio da criação de novos prédios escolares e de novas
formas de organização do tempo e do espaço escolar, configuradas no estabelecimento dos novos
grupos escolares.
Para Monarcha (2009), a nova educação escolar buscava se aproximar das regras do
método experimental e incorporava conhecimentos provenientes da psicologia para melhor
caracterizar a criança; pretendia renovar as técnicas de ensino mediante a identificação das
diferenças individuais e o mapeamento dos processos de desenvolvimento e maturação infantis;
objetivava ressaltar a influência da sociedade no desenvolvimento da personalidade humana
mediante a incorporação de conhecimentos sociológicos ao âmbito educativo.
Essas novas teorias, em discussão na Europa e nos Estados Unidos, se disseminaram
mundialmente e foram apropriadas pela intelectualidade brasileira, de várias formas e com vários
níveis de aproximação. Na década de 1930 os chamados renovadores do ensino obtiveram
vantagens em processos de disputa pelo controle do sistema escolar paulista, participando de
reformas educacionais em vários estados brasileiros e buscando implementar tais preceitos. Para
Marta de Carvalho (2000), seus opositores, ligados ao movimento católico e defensores do ensino
particular e diferenciado para os dois sexos, ficaram associados ao ensino tradicional e atrasado,
em discurso construído por defensores da escola nova. De qualquer forma, para os dois grupos, o
papel da elite seria formar a identidade nacional e direcionar a população brasileira para uma
situação de maior progresso.
Lourenço Filho, em publicação oficial de 1931, sobre estatística escolar, logo após o
início de seu trabalho como Diretor do Ensino paulista, fez um histórico do processo de
elaboração de estatísticas oficiais em que aponta um gradual progresso na apuração de dados,
tanto em termos de aumento de volume de informações como da qualidade e fidedignidade do
processo, em que sua própria iniciativa ocupa um lugar privilegiado. Aparecem números de
frequência e promoção, que nos estabelecimentos de ensino primário estaduais ou mantidos pelo
estado chegam a a uma média de 63,85%, sendo os melhores índices encontrados nos grupos
escolares (69,61%) e os piores nas escolas isoladas rurais (51,18%) (São Paulo, 1931, p. XXI).
Em relação ao trabalho alfabetizante, no primeiro ano, a situação era ainda pior, com as
porcentagens de 53,64, 62,44 e 42,88%, respectivamente (São Paulo, 1931, quadro XLII).
Esse problema de alta incidência de reprovações e também de evasão escolar, em que o
professor coloca-se como figura central e que se mostrava agravado nas escolas isoladas e rurais,
mobilizou a intelectualidade paulista e de todo o país, que se envolveu na formulação de
explicações e soluções para o baixo rendimento do ensino. Dentre as soluções apontadas para
tornar o processo de aprendizagem mais efetivo, o processo de alfabetização foi alvo de muitas
discussões e propostas, dada a chamada estagnação nos primeiros anos, taxas de reprovação bem
maiores, em comparação com o rendimento dos estudantes dos outros anos do ensino elementar.
Se o problema fundamental da educação elementar daquele momento era caracterizado
por Lourenço Filho como a falta de função socializadora da escola popular, que deveria orientar
as novas gerações para lidar com os problemas cotidianos e adaptá-las ao seu tempo e meio, o
aprendizado da leitura e da escrita seria o instrumento básico necessário à viabilização de um
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projeto cultural brasileiro. Para implementar esse processo, o educador criou os testes ABC, que
deveriam ser aplicados logo na chegada do aluno à escola primária para a identificação da
maturidade necessária para iniciar o processo de alfabetização e para a sua classificação em
grupos e/ou classes homogêneas. Após a aplicação de oito testes, em apenas oito minutos, em
média, os alunos seriam classificados e depois divididos em três grupos (ou classes), forte, médio
e fraco, todos com possibilidades de aprendizado da leitura e da escrita, mas com necessidades
diferentes de tempo e de trabalho didático por parte do professor (Lourenço Filho, 2008).
O problema do rendimento do ensino, atribuído quase que exclusivamente a questões
didáticas deveria, a seu ver, ser encarado de outra maneira, com o auxílio da ciência e da técnica.
O então Diretor de Ensino de São Paulo coloca a oportunidade de aplicar aos fenômenos sociais,
em especial à área da educação, a técnica e a ciência, e assim construir os princípios da pedagogia
científica com base em medidas, representadas pelos testes: “o progresso da technica da educação
resulta da applicação da medida. Medindo, podemos avaliar com segurança do material, do
processo e do effeito2” (1931, p. 254; ênfases do autor). Para o autor, desta forma, “conhecendo
melhor dos elementos humanos, podemos também adaptar os processos, com que queremos
modificar, as qualidades e defficiências encontradas” (1931, p. 254). Em várias de suas
publicações, Lourenço Filho ressalta as vantagens de utilizar testes para selecionar alunos e
classes, como o seu caráter objetivo, impessoal, inequívoco, além da rapidez no diagnóstico.
Ressaltava-se, ainda, a possibilidade de avaliar com maior justiça o trabalho do professor, e assim
otimizar a organização do processo de ensino e aprendizagem.
Na análise de Ana Laura Godinho Lima (2007), com base nas concepções de
governamentalidade e biopolítica, de Foucault, esses testes funcionaram como uma estratégia de
governo que pretendeu produzir conhecimento sobre os processos de ensino e aprendizagem dos
alunos e sobre os procedimentos dos professores, com vistas a trazer maior organização e
eficiência ao ensino, bem como minimizar os gastos do estado devidos a altas taxas de
reprovação escolar. Com base nesses conhecimentos, pôde-se estabelecer uma série de
associações com as condições de vida dos alunos, como seu estado de saúde, tipo de alimentação,
organização familiar e origem social, e depois adotar procedimentos para corrigir e retomar o
processo de estudos considerado ideal.
Os testes ABC foram aplicados em mais de 15 mil crianças em grupos escolares da capital
de São Paulo, em 1931, com seleção de classes, e em 1932 e 1934 foram testadas cerca de 2400
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alunos no Distrito Federal, gerando classes seletivas somente em duas escolas. Os testes ABC
foram ainda aplicados em outras duas unidades escolares, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte.
Os resultados, segundo o autor da proposta, foram expressivos, com aprovação de 81,97% nas
classes seletivas de primeiro ano, organizadas em 1931. Depois da saída de Lourenço Filho da
Diretoria de Ensino da São Paulo a testagem das crianças não se manteve, só voltando a ser
empregada para seleção de classes em 1936, em algumas escolas (Lourenço Filho, 2008). Apesar
disso, o discurso constante dessa proposta segue sendo abordado ao longo de toda a década, nos
periódicos oficiais do estado, como será analisado adiante.
O estudo da imprensa de educação, aqui elencado como procedimento de pesquisa, tem
sido considerado por muitos autores como uma vertente bastante profícua para a história da
educação. Segundo António Nóvoa (1997), tais investigações podem elucidar as multiplicidades
do processo educativo, tanto no que se refere a aspectos internos dos processos de ensino, como
programas e cursos, quanto à atuação das famílias e outros fatores de socialização de estudantes.
Por outro lado, os textos criados para a imprensa, por terem uma característica efêmera e
frequentemente reativa a ocorrências cotidianas, de teor normativo e político, revelam “reflexões
muito próximas do acontecimento, que permitem construir uma ligação entre as orientações
emanadas do Estado e as práticas efetivas na sala de aula” (Nóvoa, 1997, p. 13). Para o autor, a
produção de um periódico envolve sempre discussões e conflitos, mesmo quando é resultado de
uma iniciativa individual, sendo local de “uma permanente regulação coletiva” (p. 13) e ainda
pode revelar a expressão de sujeitos tais como mulheres, estudantes e professores primários,
seguidamente ausentes em outras produções, como o livro impresso.
Para Denice Catani e Cynthia Sousa (1999), pode-se estudar os periódicos educacionais
de duas formas: por meio do estudo do próprio impresso, seu ciclo de vida, temas abordados,
levantamento de editores, autores e leitores, o que pode instigar estudos de história da educação e
elucidar questões das práticas e disciplinas escolares, e mesmo processos de ensino; uma outra
vertente, que representa a opção ensejada nesta pesquisa, dá-se pelo estudo dos periódicos como
“núcleo informativo, enquanto suas características explicitam modos de construir e divulgar o
discurso legítimo sobre as questões de ensino e o conjunto de prescrições ou recomendações
sobre formas ideais de realizar o trabalho docente” (p. 11).
A opção pelo período e pelo periódico citados resultou de um levantamento inicial
abrangendo uma série de títulos publicados pelos órgãos oficiais de ensino do estado de São
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Paulo, como A Eschola Publica (1895-1897), a Revista de Ensino (1902-1918), Revista da
Sociedade de Educação (1923-1924) e Revista Escolar (1925-1927). Nessa primeira verificação
notou-se a baixa frequência de discussões a respeito de questões relativas à repetência escolar,
tema deste estudo, mesmo considerando outras possíveis denominações ou abordagens correlatas.
Na década de 1930 esse assunto se apresenta seguidamente nas discussões dos periódicos
oficiais, já a partir da revista Escola
ova, sob a responsabilidade de Lourenço Filho, com
destaque para o volume temático sobre testes. Desta forma, foram selecionados 38 artigos
publicados de 1931 a 1939, na Escola ova (7 artigos) e Revista de Educação (31 artigos)3 para
compor o conjunto de fontes deste estudo.
Os professores e a objetividade técnica dos testes
...todo instrumento efficaz para medir o grau de progresso feito por alumnos num
tempo determinado, também é indício da capacidade e dedicação do professor.
Leon Replogle, 1937
Assim como Replogle, Diretor de Educação das Escolas Adventistas do Sul do Brasil,
muitos outros autores que publicaram seus textos na Revista de Educação associaram o
rendimento escolar à eficiência dos professores e vislumbraram a possibilidade de avaliá-la.
Outras causas foram também levantadas para explicar as altas taxas de reprovação, ainda que
com menor frequência, como problemas administrativos, falta de e supervisão escolar adequada,
não observância de procedimentos de ensino considerados inovadores e eficientes, imperfeições
no sistema de classificação e avaliação dos alunos, problemas diversos nas unidades escolares,
matrículas tardias, ausência de estudantes e de professores em sala de aula, pouco apoio dos pais
para garantir a frequência dos alunos, desinteresse de proprietários rurais em oferecer condições
mínimas à escolarização básica, etc. Alguns temas específicos como a educação dos alunos
considerados anormais e o ensino na zona rural, em associação com o tema do rendimento
escolar, estão também presentes, mas não se encontram com muita frequência no conjunto de
artigos selecionados.
Para superar esses problemas de rendimento escolar, várias estratégias foram levantadas e
algumas delas encaminhadas pelas Diretorias de Ensino que se sucederam em São Paulo ao longo
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da década de 1930. Entre elas pode-se citar a reorganização e um maior controle do sistema
escolar e a complementação da formação inicial de professores, mediante a realização de leituras,
cursos e também por meio de uma orientação mais atenta por parte de diretores e supervisores de
ensino. Tais propostas colocavam-se no sentido de obter uma mudança no perfil de atuação
docente, que aumentaria a eficiência do sistema e elevaria os índices de rendimento escolar.
Neste texto a atenção recai sobre o discurso da eficiência do professor, especialmente quanto às
críticas à sua atuação, às orientações oficiais para seu cotidiano profissional e às expectativas de
procedimentos considerados ideais. Optou-se por desenvolver essa linha de análise em relação
aos textos referentes a aplicação de testes psicológicos e pedagógicos, e também quanto a seleção
de classes, temas bastante frequentes no conjunto de fontes selecionadas (mencionados em 22
artigos) e que ainda deve ser aprofundado posteriormente.
Uma questão que chama a atenção por sua regularidade nos artigos aqui considerados é a
grande subjetividade atribuída ao trabalho do professor primário, que teria uma interferência
negativa em todo o processo de ensino e aprendizagem, inclusive nas taxas de reprovação
escolar. Essa subjetividade estaria manifesta nas atividades de observação e de avaliação dos
estudantes, poderia e deveria ser superada por novos procedimentos técnicos constituintes da
pedagogia científica, fossem testes psicológicos, como os testes ABC, ou testes pedagógicos
(também chamados de testes de escolaridade ou provas objetivas), para medir o aprendizado dos
estudantes nas várias matérias.
Replogle (1937) defende, em seu artigo, a adoção de um novo tipo de exame, mediante
testes, já que as chamadas provas clássicas envolveriam muitas variáveis, como a relação pessoal
com o aluno e o estado de espírito do professor. Ele complementa:
Resolvi fazer uma experiência. Fiz copias mimeographadas desta prova, e mandei-a a 30
professores, pedindo-lhes que dessem a nota que achassem justa. As notas dadas variaram
desde 66 até 100. Cheguei à conclusão de que as provas clássicas são inadequadas para
medir o grau de progresso dos estudantes (p. 87).
Como encaminhamento para esse problema, ele registra em seu artigo um modelo de exame final
de anatomia e fisiologia, que o professor deveria aplicar sem quaisquer alterações.
As provas orais também foram criticadas por apresentarem questões muito variadas e
igualmente valorizadas, tanto as de maior quanto as de menor dificuldade, ocasionando
interferência na nota final do aluno. Eulália Siqueira, 2ª assistente do Laboratório de Psicologia
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do Instituto de Educação da USP relata o que poderia acontecer dada a subjetividade do
examinador:
(...) a prova oral, além desse grande disperdício de tempo, apresenta falhas graves. As
notas muito se ressentem da impressão momentânea do examinador, do seu estado
psíquico ou fisiológico (...) Certos professores, considerando as condições emotivas do
aluno num exame, tornam-se por demais benevolentes e, encaminhando o raciocínio,
avivando a memória do examinando, chegam a resolver as questões, ficando depois
bastante satisfeitos com o ‘sucesso’ do aluno.
Outros procuram embaraçar o examinando, julgando que este é o melhor meio de
verificar realmente seus conhecimentos. E o aluno, que muitas vezes conhece a matéria,
perturba-se e nada responde.
Outros ainda, dando ampla liberdade aos alunos, conservam-se impassíveis diante
do silêncio tímido do examinando ou das incoerências ditas pelas crianças (1938, p. 76).
Quanto aos testes psicológicos, Jacyr Maia, em artigo publicado originalmente na Revista
Brasileira de Pedagogia e republicada na Revista de Educação em 1937, na seção Através de
Revistas, relata um processo de avaliação realizado em 1936 nas escolas primárias da prefeitura
do Distrito Federal, em que foram comparadas as três formas mais comuns de medida do
rendimento escolar: uma nota dada pelo professor da classe, outra referente a uma prova
subjetiva, aplicada por um examinador externo, e um teste. Verificou-se que as notas atribuídas
pelos professores foram mais benevolentes, gerando melhores notas, e os resultados das provas
subjetivas foram piores. Após um tratamento estatístico dos resultados, com o cálculo de médias
e coeficientes de variação, chegou-se à conclusão de que os testes são os instrumentos mais
confiáveis, justos e que deveriam ser privilegiados no caso de ser necessária uma escolha entre
os três tipos de prova. Nota-se no artigo a preocupação em demonstrar a superioridade dos testes
de uma maneira objetiva, científica, também mediante uma testagem, com o uso de estatísticas,
que poderiam dar às conclusões uma maior legitimidade.
Outra publicação que se refere a essa questão é aquela de autoria de Brisolla (1936),
diretor do 1º Grupo Escolar de Baurú. Ele entende que a seleção que todo professor realiza no
início do primeiro ano é bastante imperfeita, com trocas de turmas, considerando a turma A como
B, a mais forte como a mais fraca, etc. Como o diretor não teria tempo de fiscalizar esse processo
a contento, seria necessário adotar os testes ABC.
Já Renato Penteado (1938), diretor do Grupo Escolar “Dr. Almeida Ferreiro”, de Espírito
Santo do Pinhal, criticou a seleção empírica que muitos professores realizavam no início do
primeiro ano. Eles separavam os repetentes em uma classe considerada forte e formavam, com os
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alunos novos, as classes médias e fracas, mediante a observação e informação dos professores. O
autor ponderou que nem sempre os repetentes poderiam ser considerados fortes e os alunos
novos, médios e fracos. Por outro lado, tal classificação seria realizada em relação a cada classe e
não em relação a todos os alunos da unidade escolar, como deveria ser feito. Por fim, critica a
seleção baseada em critérios subjetivos de cada professora, “e é sabido que esse critério varia, até
na mesma pessoa, conforme sua disposição de ânimo no momento, quanto mais de um para outro
examinador!” (p. 61).
Outra questão bastante frequente é a atribuição de funções para os professores no
âmbito da nova pedagogia científica, especialmente em relação à proposta de seleção de classes
por meio dos testes ABC, em que conhecimentos e habilidades mais complexas e técnicas eram
solicitadas. Nesse sentido, o primeiro material aqui considerado refere-se ao volume temático
acima citado de Escola
ova, publicado em 1931, em que vários artigos buscam certificar a
pertinência da aplicação dos testes A.B.C., formulados por Lourenço Filho. Na apresentação do
volume o autor confere aos professores primários unicamente a tarefa de aplicar os testes, o que
deveriam fazer sem receio da complexidade do tema e dos princípios que fundamentaram a
elaboração do instrumento, brevemente explicitados no artigo. O Serviço de Psicologia Aplicada,
recém criado pelo então Diretor de Ensino, seria responsável por experimentar e organizar
escalas de provas aferidas, escalas de velocidade de leitura e cálculo, testes psicológicos para a
indicação de níveis de inteligência e aptidões especiais e mesmo a adaptação de outros testes de
inteligência já conhecidos para aplicação nas escolas paulistas. Essa tarefa poderia receber o
auxílio de professores e assistentes de psicologia e pedagogia das Escolas Normais, que seriam
instruídos oportunamente. Aos professores primários, o que o autor recomenda, naquele
momento, “é leitura e meditação sobre o assumpto. A pequena bibliografia que este fascículo
publica poderá prestar-lhes, neste particular, algum auxílio.” (Lourenço Filho, 1931, p. 259).
Já em 1934, Benedicto de Assis (não há informações sobre o autor no artigo) considera
fundamental a retomada do processo de seleção de alunos e classes, nos moldes estabelecidos por
Lourenço Filho, e propõe a organização de um serviço técnico para a aplicação dos testes, com
um funcionário e um auxiliar em cada delegacia de ensino. Ele não descarta a possibilidade de o
próprio professor primário realizar o teste, mas considera que as medidas mentais só têm valor
quando seguem um rígido controle técnico. Esses funcionários poderiam ser os auxiliares do
Serviço de Psicologia Aplicada, diretores de grupos escolares e professores responsáveis pelas
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cadeiras de psicologia e pedagogia das Escolas Normais. A despesa gerada por essa iniciativa
seria amplamente compensada pela economia de recursos que a diminuição das reprovações
traria aos cofres públicos (Assis, 1934).
Cerca de três anos depois o assunto volta a ser discutido na Revista de Educação pelo
professor Guaraciaba Amorim, diretor do 1º Grupo Escolar de Avaré, em relação ao 1º tema
proposto pela Diretoria de Ensino para debate em reuniões com diretores, inspetores e auxiliares
de inspeção. O autor reconheceu que os testes, da maneira como vinham sendo aplicados,
apresentavam muitas falhas e que a seleção de classes não poderia ser o único encaminhamento
para resolver a questão do rendimento escolar. Citou outros problemas que os professores vinham
enfrentando, como as muitas doenças que acometiam as crianças, em porcentagem superior a
50%, causando incapacidade de atenção, preguiça, indolência e inquietação, um empecilho à
dedicação dos mestres. Quanto à aplicação dos testes, Guaraciaba atribui a não generalização da
aplicação dos testes ABC no estado à inexistência de técnicos devidamente preparados para esse
trabalho. Afirmou que qualquer professor poderia aplicar os testes, mas dentro de certas
condições: “um professor medianamente intelligente possue uma intelligencia normal e pode
tornar-se um technico eficiente, praticando esse trabalho sob rigorosa fiscalização” (Amorim,
1937, p. 110). Concluiu afirmando que as dificuldades do trabalho devem ser enfrentadas e
solicitou auxílio técnico do Serviço de Psicologia Aplicada para o enfrentamento de tarefa de
tanta responsabilidade. Outra orientação seria a organização de cursos de férias para os
professores se capacitarem como técnicos.
Considerações finais
Os textos da Revista de Educação/Escola ova aqui analisados construíram um discurso
segundo o qual a subjetividade do trabalho do professor se reveste de um caráter bastante
negativo e potencialmente prejudicial ao rendimento dos alunos. Tal subjetividade, segundo esse
discurso, constituia-se em algo plenamente evitável. Em relação aos testes ABC, os
procedimentos adotados para a testagem dos alunos, por parte do professor, ou outra pessoa que
viesse a aplicar os testes, eram apresentados como livres dessa subjetividade, contanto que o
examinador seguisse corretamente as orientações sobre as etapas do processo de aplicação dos
testes, elaboradas pelos criadores dos instrumentos. No caso dos testes pedagógicos, considerados
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por alguns autores como difíceis de elaborar, mas muito mais fáceis de aplicar e corrigir, dada a
sua eventual objetividade, não se discute como o professor deveria proceder para conseguir
preparar uma avaliação objetiva. Dizia-se apenas que os professores deveriam experimentar fazer
esse tipo de avaliação, com o auxílio de estudos autônomos e cursos suplementares ao de
formação inicial. No entanto, muitas vezes foram publicados testes modelo no periódico,
divulgados com a intenção de facilitar o trabalho do professor. Este deveria aplicá-los
mecanicamente e sem quaisquer alterações que, se realizadas, poderiam comprometer o sucesso
da iniciativa.
Em relação à atribuição de funções e procedimentos aos professores, nota-se o
delineamento de três níveis de atuação profissional no discurso oficial veiculado pelo periódico
em foco. Primeiramente, o papel restrito atribuído aos professores primários, pela falta de
condições técnicas para exercer as tarefas requeridas pela proposta de seleção de classes e alunos
mediante os testes ABC ou mesmo para a elaboração de provas teste, conforme já afirmado
anteriormente. Lourenço Filho, criador dos testes, indicou a sua aplicação por parte desses
professores, de forma bastante simples e mecânica, mas depois aparecem indicações na revista,
de outros autores, que põem em dúvida até mesmo essa possibilidade. A esses professores só
restava estudar mais. Outros professores, responsáveis por algumas cadeiras das Escolas
Normais, eram considerados mais bem preparados para desempenhar essas tarefas e foram
solicitados a ajudar, ainda que não haja informações sobre a sua efetiva participação nesse
processo. Por fim, os técnicos do Serviço de Psicologia Aplicada é que são apresentados como os
mais preparados para trabalhar com questões técnicas, não somente na aplicação dos testes ABC,
mas para confeccionar estatísticas com os dados coletados, adaptar testes já existentes e criar
instrumentos complementares para conhecer melhor as habilidades e aptidões dos alunos da
escola básica.
Verificou-se que a objetividade das medidas foi encarada como uma forma de
homogeneizar os procedimentos de ensino, um sinônimo de científicidade e, portanto, de
eficiência profissional em um momento em que se pretendia ampliar a escolarização básica e
formar indivíduos preparados para atuar na sociedade dentro de padrões culturais associados à
eficiência e ao progresso. A atividade profissional do professor paulista deveria se adequar a
esses parâmetros de eficiência e modernidade, por meio de uma mudança em seus procedimentos
de ensino que envolvessem uma maior objetividade e a ampliação de seus conhecimentos, com
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predominância dos saberes especializados referentes ao campo da psicologia, que se delineava
como importante fundamento da pedagogia científica na década de 1930. Além disso, essa ação
docente deveria sempre se colocar sob a orientação de profissionais técnicos mais capazes e sob a
supervisão e comando da adminstração escolar, representada pela direção da escola e pelos
supervisores de ensino.
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1
Este trabalho vincula-se ao projeto interinstitucional (UFRGS, UNICAMP, USP) “Repetência e evasão na escola
brasileira (1890-1930)”, financiado pelo CNPq (processo nº 472882/2011-2).
2
A grafia original foi mantida nas citções.
3
A revista Educação (1927-1930), órgão da Diretoria Geral da Instrução Pública de São Paulo e da Sociedade de
Educação de São Paulo circulou depois como Escola ova (1930 e 1931), com volumes temáticos, voltou para o
título inicial em 1931 e 1932, e a partir desse ano até 1943 circulou com o nome Revista de Educação. De 1944 a
1951 retoma o título Educação, voltando depois à denominação Revista de Educação até o término da publicação,
em 1961.
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PROBLEMAS DE RENDIMENTO ESCOLAR NO ENSINO