PROBLEMAS DE RE DIME TO ESCOLAR O E SI O ELEME TAR E ATUAÇÃO DOCE TE: DISCURSO OFICIAL PAULISTA A DÉCADA DE 19301. Luciana Maria Viviani Universidade de São Paulo [email protected] Palavras-chave: rendimento escolar; formação de professores; periódicos educacionais. Este trabalho tem como objetivo a análise de discursos sobre problemas de rendimento escolar, direcionados aos professores do ensino elementar, mediante orientações oficiais presentes na Revista de Educação (também denominada Educação e Escola ova), órgão da Diretoria Geral da Instrução Pública de São Paulo. Busca-se verificar como a questão das reprovações de estudantes da escola primária se apresenta como um problema da administração escolar, que envolve também o conhecimento especializado, e quais as possíveis soluções propostas para superar essa dificuldade, especialmente aquelas relacionadas a possíveis mudanças do perfil profissional docente. O texto enfoca a década de 1930, período em que essas discussões se tornam mais frequentes, em movimento associado à atuação dos chamados renovadores de ensino. Os ideais de inovação e eficiência educacional que circulavam no país nesse momento retomaram a questão dos altos índices de reprovação e evasão escolar mediante a elaboração de dados diferenciados sobre o cotidiano institucional, como registros e estatísticas escolares. Por meio desses instrumentos uma caracterização considerada mais acurada e legítima do problema do rendimento escolar foi construída por esses educadores. O processo de escolarização, que se ampliava desde o início do século, deveria se pautar na ciência objetiva, para atender uma população de crianças cada vez maior e mais heterogênea, por meio da criação de novos prédios escolares e de novas formas de organização do tempo e do espaço escolar, configuradas no estabelecimento dos novos grupos escolares. Para Monarcha (2009), a nova educação escolar buscava se aproximar das regras do método experimental e incorporava conhecimentos provenientes da psicologia para melhor caracterizar a criança; pretendia renovar as técnicas de ensino mediante a identificação das diferenças individuais e o mapeamento dos processos de desenvolvimento e maturação infantis; objetivava ressaltar a influência da sociedade no desenvolvimento da personalidade humana mediante a incorporação de conhecimentos sociológicos ao âmbito educativo. Essas novas teorias, em discussão na Europa e nos Estados Unidos, se disseminaram mundialmente e foram apropriadas pela intelectualidade brasileira, de várias formas e com vários níveis de aproximação. Na década de 1930 os chamados renovadores do ensino obtiveram vantagens em processos de disputa pelo controle do sistema escolar paulista, participando de reformas educacionais em vários estados brasileiros e buscando implementar tais preceitos. Para Marta de Carvalho (2000), seus opositores, ligados ao movimento católico e defensores do ensino particular e diferenciado para os dois sexos, ficaram associados ao ensino tradicional e atrasado, em discurso construído por defensores da escola nova. De qualquer forma, para os dois grupos, o papel da elite seria formar a identidade nacional e direcionar a população brasileira para uma situação de maior progresso. Lourenço Filho, em publicação oficial de 1931, sobre estatística escolar, logo após o início de seu trabalho como Diretor do Ensino paulista, fez um histórico do processo de elaboração de estatísticas oficiais em que aponta um gradual progresso na apuração de dados, tanto em termos de aumento de volume de informações como da qualidade e fidedignidade do processo, em que sua própria iniciativa ocupa um lugar privilegiado. Aparecem números de frequência e promoção, que nos estabelecimentos de ensino primário estaduais ou mantidos pelo estado chegam a a uma média de 63,85%, sendo os melhores índices encontrados nos grupos escolares (69,61%) e os piores nas escolas isoladas rurais (51,18%) (São Paulo, 1931, p. XXI). Em relação ao trabalho alfabetizante, no primeiro ano, a situação era ainda pior, com as porcentagens de 53,64, 62,44 e 42,88%, respectivamente (São Paulo, 1931, quadro XLII). Esse problema de alta incidência de reprovações e também de evasão escolar, em que o professor coloca-se como figura central e que se mostrava agravado nas escolas isoladas e rurais, mobilizou a intelectualidade paulista e de todo o país, que se envolveu na formulação de explicações e soluções para o baixo rendimento do ensino. Dentre as soluções apontadas para tornar o processo de aprendizagem mais efetivo, o processo de alfabetização foi alvo de muitas discussões e propostas, dada a chamada estagnação nos primeiros anos, taxas de reprovação bem maiores, em comparação com o rendimento dos estudantes dos outros anos do ensino elementar. Se o problema fundamental da educação elementar daquele momento era caracterizado por Lourenço Filho como a falta de função socializadora da escola popular, que deveria orientar as novas gerações para lidar com os problemas cotidianos e adaptá-las ao seu tempo e meio, o aprendizado da leitura e da escrita seria o instrumento básico necessário à viabilização de um 2 projeto cultural brasileiro. Para implementar esse processo, o educador criou os testes ABC, que deveriam ser aplicados logo na chegada do aluno à escola primária para a identificação da maturidade necessária para iniciar o processo de alfabetização e para a sua classificação em grupos e/ou classes homogêneas. Após a aplicação de oito testes, em apenas oito minutos, em média, os alunos seriam classificados e depois divididos em três grupos (ou classes), forte, médio e fraco, todos com possibilidades de aprendizado da leitura e da escrita, mas com necessidades diferentes de tempo e de trabalho didático por parte do professor (Lourenço Filho, 2008). O problema do rendimento do ensino, atribuído quase que exclusivamente a questões didáticas deveria, a seu ver, ser encarado de outra maneira, com o auxílio da ciência e da técnica. O então Diretor de Ensino de São Paulo coloca a oportunidade de aplicar aos fenômenos sociais, em especial à área da educação, a técnica e a ciência, e assim construir os princípios da pedagogia científica com base em medidas, representadas pelos testes: “o progresso da technica da educação resulta da applicação da medida. Medindo, podemos avaliar com segurança do material, do processo e do effeito2” (1931, p. 254; ênfases do autor). Para o autor, desta forma, “conhecendo melhor dos elementos humanos, podemos também adaptar os processos, com que queremos modificar, as qualidades e defficiências encontradas” (1931, p. 254). Em várias de suas publicações, Lourenço Filho ressalta as vantagens de utilizar testes para selecionar alunos e classes, como o seu caráter objetivo, impessoal, inequívoco, além da rapidez no diagnóstico. Ressaltava-se, ainda, a possibilidade de avaliar com maior justiça o trabalho do professor, e assim otimizar a organização do processo de ensino e aprendizagem. Na análise de Ana Laura Godinho Lima (2007), com base nas concepções de governamentalidade e biopolítica, de Foucault, esses testes funcionaram como uma estratégia de governo que pretendeu produzir conhecimento sobre os processos de ensino e aprendizagem dos alunos e sobre os procedimentos dos professores, com vistas a trazer maior organização e eficiência ao ensino, bem como minimizar os gastos do estado devidos a altas taxas de reprovação escolar. Com base nesses conhecimentos, pôde-se estabelecer uma série de associações com as condições de vida dos alunos, como seu estado de saúde, tipo de alimentação, organização familiar e origem social, e depois adotar procedimentos para corrigir e retomar o processo de estudos considerado ideal. Os testes ABC foram aplicados em mais de 15 mil crianças em grupos escolares da capital de São Paulo, em 1931, com seleção de classes, e em 1932 e 1934 foram testadas cerca de 2400 3 alunos no Distrito Federal, gerando classes seletivas somente em duas escolas. Os testes ABC foram ainda aplicados em outras duas unidades escolares, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Os resultados, segundo o autor da proposta, foram expressivos, com aprovação de 81,97% nas classes seletivas de primeiro ano, organizadas em 1931. Depois da saída de Lourenço Filho da Diretoria de Ensino da São Paulo a testagem das crianças não se manteve, só voltando a ser empregada para seleção de classes em 1936, em algumas escolas (Lourenço Filho, 2008). Apesar disso, o discurso constante dessa proposta segue sendo abordado ao longo de toda a década, nos periódicos oficiais do estado, como será analisado adiante. O estudo da imprensa de educação, aqui elencado como procedimento de pesquisa, tem sido considerado por muitos autores como uma vertente bastante profícua para a história da educação. Segundo António Nóvoa (1997), tais investigações podem elucidar as multiplicidades do processo educativo, tanto no que se refere a aspectos internos dos processos de ensino, como programas e cursos, quanto à atuação das famílias e outros fatores de socialização de estudantes. Por outro lado, os textos criados para a imprensa, por terem uma característica efêmera e frequentemente reativa a ocorrências cotidianas, de teor normativo e político, revelam “reflexões muito próximas do acontecimento, que permitem construir uma ligação entre as orientações emanadas do Estado e as práticas efetivas na sala de aula” (Nóvoa, 1997, p. 13). Para o autor, a produção de um periódico envolve sempre discussões e conflitos, mesmo quando é resultado de uma iniciativa individual, sendo local de “uma permanente regulação coletiva” (p. 13) e ainda pode revelar a expressão de sujeitos tais como mulheres, estudantes e professores primários, seguidamente ausentes em outras produções, como o livro impresso. Para Denice Catani e Cynthia Sousa (1999), pode-se estudar os periódicos educacionais de duas formas: por meio do estudo do próprio impresso, seu ciclo de vida, temas abordados, levantamento de editores, autores e leitores, o que pode instigar estudos de história da educação e elucidar questões das práticas e disciplinas escolares, e mesmo processos de ensino; uma outra vertente, que representa a opção ensejada nesta pesquisa, dá-se pelo estudo dos periódicos como “núcleo informativo, enquanto suas características explicitam modos de construir e divulgar o discurso legítimo sobre as questões de ensino e o conjunto de prescrições ou recomendações sobre formas ideais de realizar o trabalho docente” (p. 11). A opção pelo período e pelo periódico citados resultou de um levantamento inicial abrangendo uma série de títulos publicados pelos órgãos oficiais de ensino do estado de São 4 Paulo, como A Eschola Publica (1895-1897), a Revista de Ensino (1902-1918), Revista da Sociedade de Educação (1923-1924) e Revista Escolar (1925-1927). Nessa primeira verificação notou-se a baixa frequência de discussões a respeito de questões relativas à repetência escolar, tema deste estudo, mesmo considerando outras possíveis denominações ou abordagens correlatas. Na década de 1930 esse assunto se apresenta seguidamente nas discussões dos periódicos oficiais, já a partir da revista Escola ova, sob a responsabilidade de Lourenço Filho, com destaque para o volume temático sobre testes. Desta forma, foram selecionados 38 artigos publicados de 1931 a 1939, na Escola ova (7 artigos) e Revista de Educação (31 artigos)3 para compor o conjunto de fontes deste estudo. Os professores e a objetividade técnica dos testes ...todo instrumento efficaz para medir o grau de progresso feito por alumnos num tempo determinado, também é indício da capacidade e dedicação do professor. Leon Replogle, 1937 Assim como Replogle, Diretor de Educação das Escolas Adventistas do Sul do Brasil, muitos outros autores que publicaram seus textos na Revista de Educação associaram o rendimento escolar à eficiência dos professores e vislumbraram a possibilidade de avaliá-la. Outras causas foram também levantadas para explicar as altas taxas de reprovação, ainda que com menor frequência, como problemas administrativos, falta de e supervisão escolar adequada, não observância de procedimentos de ensino considerados inovadores e eficientes, imperfeições no sistema de classificação e avaliação dos alunos, problemas diversos nas unidades escolares, matrículas tardias, ausência de estudantes e de professores em sala de aula, pouco apoio dos pais para garantir a frequência dos alunos, desinteresse de proprietários rurais em oferecer condições mínimas à escolarização básica, etc. Alguns temas específicos como a educação dos alunos considerados anormais e o ensino na zona rural, em associação com o tema do rendimento escolar, estão também presentes, mas não se encontram com muita frequência no conjunto de artigos selecionados. Para superar esses problemas de rendimento escolar, várias estratégias foram levantadas e algumas delas encaminhadas pelas Diretorias de Ensino que se sucederam em São Paulo ao longo 5 da década de 1930. Entre elas pode-se citar a reorganização e um maior controle do sistema escolar e a complementação da formação inicial de professores, mediante a realização de leituras, cursos e também por meio de uma orientação mais atenta por parte de diretores e supervisores de ensino. Tais propostas colocavam-se no sentido de obter uma mudança no perfil de atuação docente, que aumentaria a eficiência do sistema e elevaria os índices de rendimento escolar. Neste texto a atenção recai sobre o discurso da eficiência do professor, especialmente quanto às críticas à sua atuação, às orientações oficiais para seu cotidiano profissional e às expectativas de procedimentos considerados ideais. Optou-se por desenvolver essa linha de análise em relação aos textos referentes a aplicação de testes psicológicos e pedagógicos, e também quanto a seleção de classes, temas bastante frequentes no conjunto de fontes selecionadas (mencionados em 22 artigos) e que ainda deve ser aprofundado posteriormente. Uma questão que chama a atenção por sua regularidade nos artigos aqui considerados é a grande subjetividade atribuída ao trabalho do professor primário, que teria uma interferência negativa em todo o processo de ensino e aprendizagem, inclusive nas taxas de reprovação escolar. Essa subjetividade estaria manifesta nas atividades de observação e de avaliação dos estudantes, poderia e deveria ser superada por novos procedimentos técnicos constituintes da pedagogia científica, fossem testes psicológicos, como os testes ABC, ou testes pedagógicos (também chamados de testes de escolaridade ou provas objetivas), para medir o aprendizado dos estudantes nas várias matérias. Replogle (1937) defende, em seu artigo, a adoção de um novo tipo de exame, mediante testes, já que as chamadas provas clássicas envolveriam muitas variáveis, como a relação pessoal com o aluno e o estado de espírito do professor. Ele complementa: Resolvi fazer uma experiência. Fiz copias mimeographadas desta prova, e mandei-a a 30 professores, pedindo-lhes que dessem a nota que achassem justa. As notas dadas variaram desde 66 até 100. Cheguei à conclusão de que as provas clássicas são inadequadas para medir o grau de progresso dos estudantes (p. 87). Como encaminhamento para esse problema, ele registra em seu artigo um modelo de exame final de anatomia e fisiologia, que o professor deveria aplicar sem quaisquer alterações. As provas orais também foram criticadas por apresentarem questões muito variadas e igualmente valorizadas, tanto as de maior quanto as de menor dificuldade, ocasionando interferência na nota final do aluno. Eulália Siqueira, 2ª assistente do Laboratório de Psicologia 6 do Instituto de Educação da USP relata o que poderia acontecer dada a subjetividade do examinador: (...) a prova oral, além desse grande disperdício de tempo, apresenta falhas graves. As notas muito se ressentem da impressão momentânea do examinador, do seu estado psíquico ou fisiológico (...) Certos professores, considerando as condições emotivas do aluno num exame, tornam-se por demais benevolentes e, encaminhando o raciocínio, avivando a memória do examinando, chegam a resolver as questões, ficando depois bastante satisfeitos com o ‘sucesso’ do aluno. Outros procuram embaraçar o examinando, julgando que este é o melhor meio de verificar realmente seus conhecimentos. E o aluno, que muitas vezes conhece a matéria, perturba-se e nada responde. Outros ainda, dando ampla liberdade aos alunos, conservam-se impassíveis diante do silêncio tímido do examinando ou das incoerências ditas pelas crianças (1938, p. 76). Quanto aos testes psicológicos, Jacyr Maia, em artigo publicado originalmente na Revista Brasileira de Pedagogia e republicada na Revista de Educação em 1937, na seção Através de Revistas, relata um processo de avaliação realizado em 1936 nas escolas primárias da prefeitura do Distrito Federal, em que foram comparadas as três formas mais comuns de medida do rendimento escolar: uma nota dada pelo professor da classe, outra referente a uma prova subjetiva, aplicada por um examinador externo, e um teste. Verificou-se que as notas atribuídas pelos professores foram mais benevolentes, gerando melhores notas, e os resultados das provas subjetivas foram piores. Após um tratamento estatístico dos resultados, com o cálculo de médias e coeficientes de variação, chegou-se à conclusão de que os testes são os instrumentos mais confiáveis, justos e que deveriam ser privilegiados no caso de ser necessária uma escolha entre os três tipos de prova. Nota-se no artigo a preocupação em demonstrar a superioridade dos testes de uma maneira objetiva, científica, também mediante uma testagem, com o uso de estatísticas, que poderiam dar às conclusões uma maior legitimidade. Outra publicação que se refere a essa questão é aquela de autoria de Brisolla (1936), diretor do 1º Grupo Escolar de Baurú. Ele entende que a seleção que todo professor realiza no início do primeiro ano é bastante imperfeita, com trocas de turmas, considerando a turma A como B, a mais forte como a mais fraca, etc. Como o diretor não teria tempo de fiscalizar esse processo a contento, seria necessário adotar os testes ABC. Já Renato Penteado (1938), diretor do Grupo Escolar “Dr. Almeida Ferreiro”, de Espírito Santo do Pinhal, criticou a seleção empírica que muitos professores realizavam no início do primeiro ano. Eles separavam os repetentes em uma classe considerada forte e formavam, com os 7 alunos novos, as classes médias e fracas, mediante a observação e informação dos professores. O autor ponderou que nem sempre os repetentes poderiam ser considerados fortes e os alunos novos, médios e fracos. Por outro lado, tal classificação seria realizada em relação a cada classe e não em relação a todos os alunos da unidade escolar, como deveria ser feito. Por fim, critica a seleção baseada em critérios subjetivos de cada professora, “e é sabido que esse critério varia, até na mesma pessoa, conforme sua disposição de ânimo no momento, quanto mais de um para outro examinador!” (p. 61). Outra questão bastante frequente é a atribuição de funções para os professores no âmbito da nova pedagogia científica, especialmente em relação à proposta de seleção de classes por meio dos testes ABC, em que conhecimentos e habilidades mais complexas e técnicas eram solicitadas. Nesse sentido, o primeiro material aqui considerado refere-se ao volume temático acima citado de Escola ova, publicado em 1931, em que vários artigos buscam certificar a pertinência da aplicação dos testes A.B.C., formulados por Lourenço Filho. Na apresentação do volume o autor confere aos professores primários unicamente a tarefa de aplicar os testes, o que deveriam fazer sem receio da complexidade do tema e dos princípios que fundamentaram a elaboração do instrumento, brevemente explicitados no artigo. O Serviço de Psicologia Aplicada, recém criado pelo então Diretor de Ensino, seria responsável por experimentar e organizar escalas de provas aferidas, escalas de velocidade de leitura e cálculo, testes psicológicos para a indicação de níveis de inteligência e aptidões especiais e mesmo a adaptação de outros testes de inteligência já conhecidos para aplicação nas escolas paulistas. Essa tarefa poderia receber o auxílio de professores e assistentes de psicologia e pedagogia das Escolas Normais, que seriam instruídos oportunamente. Aos professores primários, o que o autor recomenda, naquele momento, “é leitura e meditação sobre o assumpto. A pequena bibliografia que este fascículo publica poderá prestar-lhes, neste particular, algum auxílio.” (Lourenço Filho, 1931, p. 259). Já em 1934, Benedicto de Assis (não há informações sobre o autor no artigo) considera fundamental a retomada do processo de seleção de alunos e classes, nos moldes estabelecidos por Lourenço Filho, e propõe a organização de um serviço técnico para a aplicação dos testes, com um funcionário e um auxiliar em cada delegacia de ensino. Ele não descarta a possibilidade de o próprio professor primário realizar o teste, mas considera que as medidas mentais só têm valor quando seguem um rígido controle técnico. Esses funcionários poderiam ser os auxiliares do Serviço de Psicologia Aplicada, diretores de grupos escolares e professores responsáveis pelas 8 cadeiras de psicologia e pedagogia das Escolas Normais. A despesa gerada por essa iniciativa seria amplamente compensada pela economia de recursos que a diminuição das reprovações traria aos cofres públicos (Assis, 1934). Cerca de três anos depois o assunto volta a ser discutido na Revista de Educação pelo professor Guaraciaba Amorim, diretor do 1º Grupo Escolar de Avaré, em relação ao 1º tema proposto pela Diretoria de Ensino para debate em reuniões com diretores, inspetores e auxiliares de inspeção. O autor reconheceu que os testes, da maneira como vinham sendo aplicados, apresentavam muitas falhas e que a seleção de classes não poderia ser o único encaminhamento para resolver a questão do rendimento escolar. Citou outros problemas que os professores vinham enfrentando, como as muitas doenças que acometiam as crianças, em porcentagem superior a 50%, causando incapacidade de atenção, preguiça, indolência e inquietação, um empecilho à dedicação dos mestres. Quanto à aplicação dos testes, Guaraciaba atribui a não generalização da aplicação dos testes ABC no estado à inexistência de técnicos devidamente preparados para esse trabalho. Afirmou que qualquer professor poderia aplicar os testes, mas dentro de certas condições: “um professor medianamente intelligente possue uma intelligencia normal e pode tornar-se um technico eficiente, praticando esse trabalho sob rigorosa fiscalização” (Amorim, 1937, p. 110). Concluiu afirmando que as dificuldades do trabalho devem ser enfrentadas e solicitou auxílio técnico do Serviço de Psicologia Aplicada para o enfrentamento de tarefa de tanta responsabilidade. Outra orientação seria a organização de cursos de férias para os professores se capacitarem como técnicos. Considerações finais Os textos da Revista de Educação/Escola ova aqui analisados construíram um discurso segundo o qual a subjetividade do trabalho do professor se reveste de um caráter bastante negativo e potencialmente prejudicial ao rendimento dos alunos. Tal subjetividade, segundo esse discurso, constituia-se em algo plenamente evitável. Em relação aos testes ABC, os procedimentos adotados para a testagem dos alunos, por parte do professor, ou outra pessoa que viesse a aplicar os testes, eram apresentados como livres dessa subjetividade, contanto que o examinador seguisse corretamente as orientações sobre as etapas do processo de aplicação dos testes, elaboradas pelos criadores dos instrumentos. No caso dos testes pedagógicos, considerados 9 por alguns autores como difíceis de elaborar, mas muito mais fáceis de aplicar e corrigir, dada a sua eventual objetividade, não se discute como o professor deveria proceder para conseguir preparar uma avaliação objetiva. Dizia-se apenas que os professores deveriam experimentar fazer esse tipo de avaliação, com o auxílio de estudos autônomos e cursos suplementares ao de formação inicial. No entanto, muitas vezes foram publicados testes modelo no periódico, divulgados com a intenção de facilitar o trabalho do professor. Este deveria aplicá-los mecanicamente e sem quaisquer alterações que, se realizadas, poderiam comprometer o sucesso da iniciativa. Em relação à atribuição de funções e procedimentos aos professores, nota-se o delineamento de três níveis de atuação profissional no discurso oficial veiculado pelo periódico em foco. Primeiramente, o papel restrito atribuído aos professores primários, pela falta de condições técnicas para exercer as tarefas requeridas pela proposta de seleção de classes e alunos mediante os testes ABC ou mesmo para a elaboração de provas teste, conforme já afirmado anteriormente. Lourenço Filho, criador dos testes, indicou a sua aplicação por parte desses professores, de forma bastante simples e mecânica, mas depois aparecem indicações na revista, de outros autores, que põem em dúvida até mesmo essa possibilidade. A esses professores só restava estudar mais. Outros professores, responsáveis por algumas cadeiras das Escolas Normais, eram considerados mais bem preparados para desempenhar essas tarefas e foram solicitados a ajudar, ainda que não haja informações sobre a sua efetiva participação nesse processo. Por fim, os técnicos do Serviço de Psicologia Aplicada é que são apresentados como os mais preparados para trabalhar com questões técnicas, não somente na aplicação dos testes ABC, mas para confeccionar estatísticas com os dados coletados, adaptar testes já existentes e criar instrumentos complementares para conhecer melhor as habilidades e aptidões dos alunos da escola básica. Verificou-se que a objetividade das medidas foi encarada como uma forma de homogeneizar os procedimentos de ensino, um sinônimo de científicidade e, portanto, de eficiência profissional em um momento em que se pretendia ampliar a escolarização básica e formar indivíduos preparados para atuar na sociedade dentro de padrões culturais associados à eficiência e ao progresso. A atividade profissional do professor paulista deveria se adequar a esses parâmetros de eficiência e modernidade, por meio de uma mudança em seus procedimentos de ensino que envolvessem uma maior objetividade e a ampliação de seus conhecimentos, com 10 predominância dos saberes especializados referentes ao campo da psicologia, que se delineava como importante fundamento da pedagogia científica na década de 1930. Além disso, essa ação docente deveria sempre se colocar sob a orientação de profissionais técnicos mais capazes e sob a supervisão e comando da adminstração escolar, representada pela direção da escola e pelos supervisores de ensino. Referências bibliográficas AMORIM, G. Classes selecionadas. Revista de Educação. São Paulo, v. 19-20, p. 108-112, set./dez. 1937. ASSIS, B. A homogeneização das classes como um dos fatores da racionalização do ensino primário. Revista de Educação. São Paulo, v. 8, n. 8, p. 71-77, dez. 1934. BRISOLLA, F. A. Reprovações: sua origem e causas. 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