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Classificação do artigo 30 jan 2015 O Globo
CESAR BAIMA cesar. baima@ oglobo.com. br LAURO NETO lauro. neto@ oglobo.com. br Colaborou Flávia
Milhorance
Bom rendimento tem hora
Estudo atrela performance de atletas a ritmo interno individual; lógica valeria
para gente comum
“O horário do treino influencia. É fundamental que o corpo esteja regulado. O alto rendimento está atrelado aos
detalhes.” Rafael Silva
Judoca
Estudo atrela rendimento de atletas e de gente comum a “relógio” bem individual. Atletas e
treinadores sabem há tempos que o horário de uma competição influencia decisivamente o resultado
obtido, mas agora, pela primeira vez, um estudo demonstrou a quanto pode chegar a diferença no
desempenho dependendo do perfil do relógio biológico do competidor, isto é, se ele é um “madrugador”,
um “coruja” ou tem perfil de sono intermediário. De acordo com a pesquisa, todos têm diferentes
necessidades de horas despertas para alcançar a melhor performance, e as variações ao longo do dia
chegam a 26%, no caso dos “corujas”. Para especialistas, os resultados são aplicáveis a gente comum.
Em resumo, o desempenho — no trabalho, nos estudos — poderia ser melhor caso o relógio biológico
fosse respeitado.
IVO GONZALES/3­8­2012
Ação. O judoca Rafael Silva (de branco) nas Olimpíadas de Londres: treino logo cedo
— Se uma variação de 1% no desempenho do atleta pode fazer a diferença entre ficar em primeiro
lugar ou em quarto lugar numa corrida de 100 metros e ganhar o ouro nas Olimpíadas, imagine 26% —
destaca Roland Brandstaetter, professor da Universidade de Birmingham (Reino Unido) e coautor de artigo
sobre o estudo, publicado no periódico científico “Current Biology”. — Nossa pesquisa nos afasta da ideia
de que o que importa é a hora do dia em que acontece a corrida e nos direciona mais para o horário
biológico interno.
DEZENAS DE ESPORTISTAS AVALIADOS
Pesquisas anteriores identificaram que atletas costumam atingir seus melhores desempenhos no início
da noite, mas nenhum destes estudos levava em conta se eles eram “madrugadores” ou “corujas”,
característica conhecida como fenótipo circadiano. Assim, Brandstaetter e sua coautora, Elise Facer­Childs,
também da Universidade de Birmingham, primeiro recrutaram 121 atletas de ambos sexos em nível de
competição nacional e internacional do Reino Unido e aplicaram neles um novo teste capaz de identificar
esse perfil natural de seus relógios biológicos.
Destes, os pesquisadores selecionaram 20 jogadoras de hóquei sobre grama representativas dos três
fenótipos com idades e condicionamento físico semelhantes, que foram então submetidas a testes de
resistência em que tinham que correr séries de “piques” de 20 metros no menor tempo possível em seis
momentos diferentes do dia, após uma noite normal de sono. Os testes revelaram que tanto as
“madrugadoras” quanto as com perfil circadiano intermediário tinham curvas de desempenho
semelhantes ao longo do dia, atingindo a performance máxima entre 5,5 e 6 horas após o despertar, mas
as “corujas” demoravam cerca de 11 horas para alcançar sua melhor condição.
Quando calcularam as variações nos desempenhos ao longo do dia, os pesquisadores verificaram que,
entre as “madrugadoras”, elas ficavam na faixa dos 7,62%, contra 10,03% das intermediárias e
impressionantes 26,2% entre as “corujas”. Por isso, dizem os cientistas, a grande maioria dos atletas de
elite está nos dois primeiros grupos, e são raros os “corujas” entre eles.
Para o médico Claudio Gil Araújo, professor visitante do Instituto do Coração da UFRJ e especialista em
medicina esportiva, a variação de 26% no desempenho encontrada pelos cientistas britânicos parece
“exagerada”, mas, ainda assim, a pesquisa prova a forte relação entre o relógio biológico do atleta e seu
desempenho. Ele lembra que o estudo também vale para pessoas “comuns”, o que abre caminho para
buscar estratégias de aumentar a produtividade no trabalho de acordo com o perfil:
— O relógio biológico é moldável, e um atleta experiente está acostumado a se ajustar aos horários de
competição. O que a pesquisa mostra é que precisamos identificar qual o perfil em que está o atleta e
trabalhar em cima disso, tentando fazer com que acorde mais cedo ou mais tarde e tenha seu treino mais
forte no horário que vai competir. Assim, mesmo que ele prefira dormir em horas diferentes, pode ter um
desempenho equiparável ao seu melhor momento natural.
Medalha de bronze nas Olimpíadas de Londres­2012 e vice­campeão mundial em 2013, o judoca
Rafael Silva conta ter um relógio biológico “programado” para dormir nove horas. Atleta da categoria mais
de 100kg, ele se enquadra no grupo intermediário, pois dorme geralmente às 23h e acorda às 8h sem
despertador. Depois do café da manhã, vem a primeira parte do treino, quando rende melhor:
— Quando fujo a essa rotina, acabo sentindo. O horário do treino influencia. É fundamental que o
corpo esteja regulado. O rendimento está atrelado aos detalhes.
O carateca Douglas Grose, bicampeão mundial, se encaixa no mesmo grupo intermediário de Rafael.
Ele procura estar na cama entre as 22h e as 23h. Às 7h30m, seu relógio biológico “desperta
naturalmente”. Meia hora depois, já está treinando. A segunda parte vem no fim da tarde, com tempo
suficiente para o descanso, e melhor performance nesses horários:
— Depois que minha rotina de sono mudou, o meu rendimento ficou muito melhor, principalmente
quando se refere à recuperação. Trabalhamos muito com ansiedade, treinamentos com desgaste,
competições que não trazem o resultado esperado, e você leva isso para cama. Quando aprendi a
controlar isso, com trabalho psicológico, passei a treinar melhor. Ainda hoje, quando treino tarde, o nível
de adrenalina fica alto e demoro a dormir.
Já Elson Miranda, técnico e marido de Fabiana Murer, campeã mundial de salto com vara em 2011, diz
que ela mantém uma rotina de treinamento independente dos horários das provas que disputa:
— As competições todas são à noite, mas algumas provas eliminatórias são de manhã em grandes
torneios. Ela treina de manhã porque aproveita melhor por razões técnicas. O relógio biológico vai se
acostumar a partir do momento em que o atleta se adapta ao longo do ano.
‘EMPRESAS JÁ ENTENDERAM ISSO’
A ciência já mostrou que adaptações nos nossos horários do dia a dia poderiam melhorar o rendimento
em diversas áreas. O duro é fazer seu chefe entender isso. Segundo estudos, cerca de 80% da população
mundial preferem dormir por volta da meia­noite e acordar às 8h. São poucos os que acordam dispostos
às 6h, explica a otorrinolaringologista e especialista em sono Angela Beatriz Lana. E menos ainda, os que
não têm prejuízos ao inverter a noite pelo dia. Por isso, desde 2007, a OMS entende que o turno noturno
potencializa o risco de câncer devido à pertubação do ritmo circadiano, o relógio biológico.
Apesar dessas tendências, o ritmo interno de cada um é de fato único, e saber reconhecê­lo beneficia
até a economia.
— Empresas, especialmente em países nórdicos, já entendem isso, e os funcionários trabalham
segundo seu ritmo, aumentando o bem­estar e a produtividade — diz Angela. — Apesar de o corpo ser
muito adaptável, se respeitássemos nosso ritmo, reduziríamos o risco de doenças como câncer, depressão
e obesidade.
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