O dia em que a democracia radical venceu a democracia
(burguesa)
DIÁRIO DA MANHÃ
LUÍS AUGUSTO VIEIRA
Nos noticiários dos últimos dias os debates mais acalorados certamente estão
voltados às ações de protestos contra as condições do transporte público brasileiro,
sobretudo na modalidade do transporte público coletivo de passageiros. Somado ao
descontentamento dos usuários pelos fartos motivos que todos conhecem (ônibus em
números insuficientes, superlotados, atrasados, desconfortáveis, caros, dentre outros),
as ações reivincatórias mobilizadas por jovens espalhados e organizados em diferentes
cidades do Brasil, pautaram tal questão e arrancaram, com as manifestações de rua,
desde a redução das tarifas até a remodelação (ou ao menos o que foi possível) do seu
sistema, onde Goiânia é o exemplo. Mas, para além disso, tal movimento, que vem se
organizando desde a primeira metade dos anos 2000, pautou o cenário das lutas
nacionais, não somente pela bandeira do transporte publico coletivo, mas, sobretudo
pela ousadia e insistência de suas ações para atingir seus fins. Flash no rádio e TV,
dos grupos organizados volta e meia chamaram a atenção pelo fato de aglutinar
diferentes setores da juventude (secundaristas, universitários, militantes partidários,
anarquistas e uma gama de outros), mas, marcadamente pelas históricas ações de
protestos próprias da juventude, prenhes de criatividade, coragem e resistência (para a
grande mídia, tachados de atos de vandalismo).
Como já arrolado, algo que aos olhos de alguns aparece como novo, na verdade já
vem se acumulando ao longo de anos, seja pela sua forma organizativa e de ação, seja
pelas suas diversas conquistas (redução dos preços de passagens, passe livre, meia
passagem para estudantes e trabalhadores desempregados, entre outros já são
colocados no “hall” das conquistas históricas do movimento e isso em importantes
cidades e capitais do Brasil). E mesmo havendo similitudes há que se analisar com
mais cuidado a forma como as lutas foram engendradas, pois, embora guardando
nuances como, a juventude na rua e ações radicalizadas nem sempre esse foi o tom
das manifestações.
Por esses dias certamente o caso mais emblemático ocorreu (e tem ocorrido) na
capital do estado de Goiás, Goiânia. No momento do anúncio do aumento das tarifas
de ônibus, a juventude e outros setores, se organizaram, marcaram o dia, o local e a
hora dos protestos, fizeram o chamamento (destaque ao papel das redes sociais), e
foram às ruas. Até aí quase nada de novo, o “elemento inovador” da organização de tal
massa e sua prática comprova-se por sua disponibilidade em operar nos moldes dos
carbonários dos séculos passados. Logo nas primeiras manifestações: chamas
crepitando, jovens saltando ao seu redor com punhos serrados para o alto, palavras de
ordem, a cabeça e o rosto quase sempre cobertos, as mochilas (os cocktails molotovs),
paus, pedras e a clareza da rudeza quando o confronto é de
classes – e que venha a cavalaria. Essa era a disposição daqueles que lá estavam, se
não de todos, mas foram eles que deram o tom, ousado e original das manifestações.
E foi exatamente essa disposição para a luta e o enfrentamento que fez o velho se
tornar novo mais uma vez, recuperando uma forma de tática e ação, que há muito vem
sendo negligenciada e abandonada pelas esquerdas, seja por se acomodarem na
busca de um consenso mistificado em nome da democracia burguesa, por
desacreditarem dessa forma de ação, por estarem calejados e cansados dos
desdobramentos que esse tipo de ação pode acarretar em suas vidas pessoais, por se
verem em uma situação em que a ideologia dominante (leia-se a burguesa) avançou
tanto que só o fato de tomar as ruas por esses dias já se coloca como “revolucionário”,
ou por tantos outros motivos, mas o fato é que as ações radicalizadas em Goiânia
mostraram que sempre é tempo de ousar e que ainda há espaço para novas e velhas
formas de ação.
O resultado não poderia ser mais animador: pautaram a questão do transporte nos
principais veículos de comunicação e, por conseguinte na sociedade, denunciaram a
violência do Estado quando as manifestações são de interesses outros e não os da
elite dominante arrancaram a redução da tarifa de transporte e a reorganização,
possível, do transporte público de Goiânia (é só observar a propaganda do governo
municipal goiano falando do “Ganha Tempo”, espécie de Bilhete Único paulistano).
E se isso não bastasse, a chama se espalhou por outras cidades do Brasil, e como
há muito não se via ações carbonárias organizadas nacionalmente se fizeram
presentes em várias cidades e capitais. Na capital paulista foram para as ruas mais de
10 mil manifestantes em seguidas ocasiões, no Rio de Janeiro e demais localidades,
idem, mas para além do número de manifestantes que tomaram as ruas e redes
sociais, o que se assistiu foi a chama da indignação tomar conta de tais manifestações
e o quanto aqueles que estavam presentes em tais atos estavam dispostos a isso,
fazendo mesmo crer, que uma nova geração de revolucionários está presente, que as
grandes mobilizações juvenis podem ter um caráter maior que levantar os braços e
cantar junto com o cantor da moda, que a violência decorrida das periferias e favelas e
das constantes brigas e ações de violência entre os jovens, pode ser canalizada para
algo que valha a pena de fato, nesse momento a redução da passagem, ou o passe
livre como apregoa seu principal movimento, mas num futuro porque não a
transformação radical da sociedade.
E assim tem sido, a chama revolucionária se reascendeu nos dias em que a
Democracia Radical venceu a Democracia (burguesa), evidenciando que a luta de
classes é mais atual e necessária do que nunca.
(Luís Augusto Vieira, mestre em Serviço Social pela PUC-SP e professor assistente
do Curso de Serviço Social da UFG - E-mail: [email protected])
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