O Ativista
Distribuição Livre
Mai/Jun 2004
Numa
conversa
amistosa,
fomos recebidos num local de São Bernardo do Campo
para entrevistar J e F, um homem e uma mulher,
militantes do MTST. Estávamos curiosos para saber o
que houve desde a ocupação e resistência no terreno da
Volkswagen, noticiado de forma bastante dúbia pela
imprensa, que vem fingindo que o MTST não existe.
Adaptamos a entrevista ao texto corrido, misturando
nossas palavras às deles, que podem ser lidas a seguir.
Um dos projetos atuais do MTST é a horta
comunitária no bairro do Montanhão. Dada a
precariedade das condições de vida que a população da
periferia enfrenta, fizeram um projeto junto com o MST,
que lhes cedeu sementes. Para produzir o adubo, vão
atrás de materiais orgânicos, como restos de alimentos.
De volta aos famosos vinte dias na Volkswagen, sua
história é vista como uma vitória. Acharam que iam
conseguir ficar lá por bem menos tempo do que ficaram.
Conseguiram visibilidade, as pessoas de fora do
movimento puderam ver sua realidade, foram muitas
conquistas.
Um dos argumentos usados contra eles foi a presença
de pessoas que estavam na ocupação sem fazer parte do
movimento. O oportunismo sempre existe, de fato
pessoas de fora do movimento aparecem, mas eles
sempre tentam fazer uma triagem. E este oportunismo
de alguns foi usado para desmobilizar a ocupação. Com
as promessas do CDHU, boa parte dos oportunistas saiu
de lá, ficou menos gente.
Então o MTST decidiu coletivamente deixar o
terreno. Como tinham diversas crianças, quiseram evitar
um massacre, evitar um novo Eldorado dos Carajás.
Mas ainda houve repressão: julgam a polícia alienada
pelo sistema, pois ela não quer saber, faz uso da força
mesmo sem razão. Dizem que ela parou seus ônibus no
quilômetro 18 e até criança apanhou. Isto a mídia não
falou. (Disseram pra gente escrever, porque
aconteceu...)
Seu projeto de ocupação, quando bem sucedido, não
é coletivizar, mas dividir em lotes iguais para cada
família. Ainda assim haveria uma forma de organização
coletiva, um tipo de conselho. A idéia, inclusive neste
terreno da Volkswagen, era criar vilas alternativas,
acabar com o latifúndio urbano improdutivo, produzir
alimentos no meio urbano.
Como balanço desta ocupação, acham que foi um
erro deixar São Bernardo. Antes da ocupação acharam
Por onde anda o MTST?
Ano Um
#1
que teriam um apoio maior da sociedade e dos poderes
públicos, mas até a Igreja fechou–lhes as portas.
Esperavam mais da prefeitura, que ao invés de os receber
dizia que não haviam sem-tetos no município de São
Bernardo.
Depois foi o MST que os acolheu, no Centro de
Formação, mas por pressão da mídia sobre o MST,
tiveram de ir para Franco da Rocha, perto do
acampamento Tomaz Balduíno. Depois para um
acampamento do MTST em Osasco, também desalojado.
Os dois entrevistados acompanharam tudo. Lá, a polícia
chegou jogando bombas, estavam nos prédios do Sérgio
Naia, no Acampamento Carlos Lamarca. Dali foram para
uma Igreja em Novo Osasco, depois para um sindicato, e
acabaram numa creche desativada. Em todas essas
andanças, foram hospedados até pela torcida corinthiana
Gaviões da Fiel.
Agora pretendem voltar para São Bernardo. Na época
que estavam no Brás já tentaram voltar, mas a repressão
estava toda armada... Eles nem sabiam o horário, nada,
mas a prefeitura já sabia de tudo, estava preparada.
Eles mantém contato com famílias no Montanhão, lá
tem muita gente numa situação de miséria. Mas as pessoas
do MTST nunca dizem: "Você vai ganhar uma moradia".
O que fazem é explicar: "Olha, o que a gente pode fazer é
te ajudar a lutar".
Para selecionar o terreno fazem um balanço, procuram
terrenos que não estão pagando imposto nem cumprindo
com sua função social, ou nos quais há conflito de posse.
VW pediu reintegração de posse daquele terreno, mas até
hoje não provou que o terreno é dela!
Falou–se do oportunismo de alguns que se aproximam
do movimento para fins pessoais. Mas muitos políticos de
partidos também se aproximam. Contudo, o movimento
tenta ser apartidário, talvez como uma ONG. Mantém um
diálogo com os partidos de esquerda, mas neste diálogo o
MTST deixa bem claro que é apartidário.
O MTST tinha uma esperança muito grande neste
governo, mas viu que a esquerda quando eleita, com o
poder na mão e com o respaldo do capitalismo, acaba
virando direita. Os sem–teto acreditam na mudança, mas
crêem que ela só pode vir do povo organizado.
Em termos geográficos, estão se expandindo bastante,
mas desde que o movimento nasceu, na marcha para
Brasília, é mais forte em São Paulo, o centro do
capitalismo no Brasil. Também têm assentamentos no Rio
de Janeiro.
Para finalizar, nos deixaram essas últimas palavras:
Terra, justiça e liberdade!#
PC e Parrudo
PRESERVAR A NATUREZA OU GANHAR A ELEIÇÃO?
Durante a minha infância, a represa
Billings, era um dos lugares onde freqüentava com
minha família, ali pescávamos e fazíamos caminhadas
pela mata. Na imaginação de uma criança tal lugar era
fantástico, criava
aventuras com elefantes e
rinocerontes imaginários, sentia estar em uma floresta
intocada pelo homem ao lado de seu grande lago. Não
tinha noção de espaço definida, para mim a represa
ficava no ‘interior’, pois, não havia casas nos seus
arredores e as ruas eram de terra, a diferença entre
cidade e campo era-me quase imperceptível, o interior
era a liberdade proporcionada pela natureza, já a
cidade era o local onde se trabalhava. Além de meu
quintal, foi nas margens da represa que formei minha
primeira concepção de natureza. À medida que
crescia fui perdendo o contato com as águas da
Billings e por um longo período não retornei mais
aquele lugar tão querido da minha infância.
Mais ou menos vinte anos depois voltei a
passear pelas margens da represa, pois comecei a
praticar ciclismo. O choque sentido foi uma mistura
de angustia e impotência. Sempre soube que as áreas
de
mananciais
estavam
sendo
ocupadas
desordenadamente, mas o impacto da notícia não é o
mesmo de ver com seus próprios olhos o tamanho da
devastação ocorrida. Junto com o meio ambiente senti
ser destruída parte da minha própria história, e não
tinha me dado conta do quanto havia perdido. Ver
esgotos correndo a céu aberto para as águas do
“grande lago” silenciou-me.
Voltando para casa, contemplando a cidade
na velocidade de pedaladas, mais rápido que andar a
pé e muito mais devagar que um automóvel, comecei
a refletir sobre o meu passado, de uma criança
nascida numa grande cidade, mas que ainda tinha um
quintal com árvores para brincar, e aos finais de
semana tinha a possibilidade de entrar em contato
com a natureza num local bem próximo de sua casa
sem precisar pagar por isso. Assim, a natureza não me
pareceu algo distante. E hoje? Qual é a alternativa
para toda a garotada que já perdeu os quintais devido
ao adensamento urbano provocado pela modernidade
caótica do lucro imediato sem pensar nas suas
conseqüências?
Da forma como escrevo pareço ser uma
pessoa idosa falando de um ABC antes da
industrialização,porém, o que descrevo ocorreu
no
início dos anos oitenta, quando a região já não atraía
mais as grandes indústrias. O que justifica uma
ocupação desordenada como a ocorrida nas margens da
represa Billings? Não ignoro a pobreza, os baixos
salários, o aumento do aluguel no custo de vida
provocado pela especulação imobiliária. Porém, quero
levantar uma questão pouco discutida e responsável
pela legalização das ocupações em áreas de mananciais.
É a prática comum de candidatos a vereadores
incentivarem as ocupações em troca de votos para uma
futura legalização da área ocupada. São acordos feitos
por poucos (líderes comunitários oportunistas, donos do
lotes que não podiam ser vendidos e candidatos
demagogos) que usam como moeda de troca à boa fé
do povo que por sua vez é usado como massa de
manobra. Todo o futuro de uma região torna-se
condenado, pois nenhum lugar sobrevive sem água e
água de qualidade.
Estamos em um ano eleitoral e mais uma vez
fazem da Billings e dos rios da Grande São Paulo
propaganda para ganhar votos. Uma disputa egoísta
entre dois grandes partidos paralisa o processo de
recuperação das águas da Billings. De um lado está o
PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira)
propondo a limpeza do rio Pinheiros com um processo
chamado flotação, onde uma substância aglutinadora de
partículas é depositada nas águas do rio e depois é
retirada, juntamente com a introdução de oxigênio.
Feito isto, as águas do rio Pinheiros seriam desviadas
para a represa Billings, onde seriam utilizadas na Usina
Henry Borden (responsável para gerar energia para as
industrias de Cubatão e também para fins industriais).
Do outro lado temos o PT (Partido dos Trabalhadores)
que se coloca como opositor da idéia de flotação,
argumentando que provocaria apenas um efeito visual
nas águas do rio Pinheiros ao torna-la clara, não
resolvendo o problema da poluição em si.
Não quero discutir as qualidades técnicas da
flotação, se é a mais barata, ou se é mais racional, ou se
é a mais adequada. Mas sabemos que a aparência visual
dá votos. Também sabemos que a cidade de São Paulo
tornou-se uma vitrine do PT, onde ele não admite a
intervenção de outro partido na realização de obras
urbanísticas que tirariam seus votos. Gostaria de
terminar este texto com uma pergunta: O meio
ambiente foi jogado para segundo plano ou apenas
tornou-se um meio propagandístico de se vencer
eleições?#
P. Ninja
Ativismo conquista um espaço no ABC
Talvez alguns tenham dado falta de nossos
protestos criativos nestes últimos meses. Na
verdade continuamos participando de ações com
outros grupos, mas doamos muito de nosso tempo
para um objetivo: criar um espaço no ABC para
reunir todos aqueles que, insatisfeitos com as
inúmeras limitações e desvios da vida partidária,
resolveram mostrar que outras formas de ação
política e social são possíveis.
Enfim, o Ativismo ABC tem para onde
apontar. Depois de muita correria, eventos e
colaborações de diversos ativistas independentes
e também de outros coletivos autônomos,
conseguimos conquistar um espaço para nos
reunirmos e agirmos. Aos que nos ajudaram, nós
agradecemos: COBAIN, Espaço Socialista,
Instituto Henfil, Projeto Meninos e Meninas de
Rua de SBC, Sueli, Integrante do MTST (que nos
cedeu um debate sobre a ocupação em SBC) e
bandas que tocaram com a gente: Noise In Blood,
Tercera Classe, Bancarròtta, Vapaus, Pestilência,
Os Baboom, Deserdados, Skulk, Grinders, Arma
Natura, Drei Flaschen, Protesto Suburbano,
Oponente, Auto Gestão, Point of No Return, Ato
Público, Psycho 11, Homesick, Hormonal Flux,
Enclave, Flicts, Livre Escolha e as que ainda irão
tocar conosco para a continuidade do nosso
projeto. À todos, muito obrigado.
Agora, dispomos deste espaço, onde
pretendemos realizar projetos que ponham em
prática nossos consensos: a ecologia, o
apartidarismo, o anticapitalismo e o antifascismo.
Projetos que fortaleçam as relações de
vizinhança, como a proposta da horta e do pomar
comunitários, provando que é possível produzir
alimentos de forma orgânica e cooperativa.
Projetos que divulguem novas formas de
comunicação, como o de acesso comunitário à
internet e ao software livre, combatendo a
exclusão digital e divulgando sistemas operacionais
criados através da cooperação. Também
pretendemos manter o espaço aberto à oficinas
livres que interessem aos ativistas e à população no
geral.
Consideramos que o Ativismo ABC está
entrando numa nova fase. Tarefas inesperadas
surgem desta situação, afinal, estamos envolvidos
na reforma deste espaço. Terminada a reforma,
resta a tarefa de manter este espaço vivo. Nada
disto é tão simples quanto parece, mas na própria
reforma estamos transmitindo conhecimentos entre
os envolvidos e criando formas de organização,
para que ninguém carregue sozinho atividades que
não possa cumprir. Com certeza, estas formas de
organização, testadas pela vivência do dia-a-dia,
facilitarão muito nossas atividades futuras.
Para nos mantermos, passamos o segundo
semestre de 2003 realizando eventos, fundindo
música, poesia e debates. Sem dúvida, a
participação das bandas, dos amigos de diversos
movimentos sociais e do público alternativo foi
fundamental para que estes eventos tivessem
sucesso. Mas temos consciência de que apenas eles
não bastam. Além da doação voluntária dos
participantes do Ativismo ABC e da verba
arrecadada em tais eventos, é fundamental o apoio
de todos aqueles que se identificam com nossa
proposta. Estamos abertos à sua colaboração.
Conheça nosso espaço, na Rua Alcides de Queiroz,
número 161, no bairro Casa Branca e doe o que
você puder para manter este espaço, pode ser
livros, computador, móveis, calhas e até mesmo sua
força braçal. As doações podem ser feitas no
próprio espaço, ou caso seja em “espécie” poderá
ser feita através da conta 1008762-7, agência
0112-0, Bradesco.
Casa de Cultura Lagartixa Preta “Malageña Saleroza”
Espaço de cultura: FILMES
LIMITE
"O homem pode tão pouco, é tão
limitado, e o Universo é tão poderoso,
livre, completo".
Quando assisti Limite pela primeira
vez, tudo ficou muito abstrato. O que
houve foi uma mistura de sensações:
tristeza, angústia, solidão. As imagens
me pareceram desconexas. Recorri
então ao livro de crítica sobre o filme.
Só então vi que as sensações sentidas
por mim faziam parte daquele
universo. Sim, mas a descrição do
cenário "iluminou" meus pensamentos
e compreendi a grandeza do filme.
Ainda assim, confesso que não é um
filme de fácil compreensão, e nem é
filme para ser assistido uma única vez.
Limite é um grito do homem diante de
sua impotência, suas limitações, diante
da sua sede de grandeza, diante do
universo.
"A fuga é o principal subtema de
Limite. Decorre do desespero, da
angústia que a limitação da natureza
humana acarreta e é resultado da
insatisfação humana em sua sede de
infinito".
As ações das pessoas pra escapar ao
limite são inúteis. Tudo leva à
simbologia de morte e mau agouro.
Urubus, tempestades, cercas (muitas
cercas), o número 13, a doença e o
mar. A única forma de superar as
angústias, a sede, o desejo de infinito, é
a morte.
O Ativismo ABC é um coletivo apartidário e
libertário, orientado pela ação direta, liberdade,
solidariedade, valorização das diferenças e ecologia.
Inauguramos uma casa onde haverá biblioteca, horta
comunitária, reciclagem, oficinas,
palestras, cursos livres e gratuitos.
Esperamos com isso ajudar a fortalecer a autogestão e
a solidariedade na região, na cidade e no bairro.
Venha nos conhecer, dar sugestões e participar!
Rua Alcides de Queirós, 161, Santo André.
Vale a pena ver este filme tão pouco
divulgado, que mesmo assim ganhou
diversos prêmios de melhor filme
brasileiro. Sem falar da música, de Edu
Satie, que desperta muitas sensações
no ouvinte. E a junção dessa música
com o vídeo foi muito bem feita.
Dica: o que não ocorre no barco são as
histórias pessoais que os náufragos
contam uns aos outros - a mulher da
proa foi a que fugiu da prisão, a outra
mulher fugiu de uma casamento infeliz
e o hoje foge ao saber que a amante é
"morphetica" (leprosa).
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Aperiódico (2004) – O Ativista #01