Acórdãos STA Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Processo: 0778/08 Data do Acordão: 29-10-2009 Tribunal: 1 SUBSECÇÃO DO CA Relator: PAIS BORGES Descritores: NOTIFICAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO ELEMENTOS ESSENCIAIS Sumário: I - A jurisprudência do STA, à luz do disposto no art. 268º, nº 3 da CRP, tem decidido reiteradamente que constituem elementos essenciais da notificação do acto administrativo a indicação do autor do acto e do sentido e data da decisão (al. b) do nº 1 do art. 68º do CPA), e que só a falta destes elementos torna a notificação inoponível ao seu destinatário e irrelevante para efeitos do início do prazo de interposição do recurso contencioso. II - O texto integral do acto não tem sido considerado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal como elemento essencial da notificação, admitindo-se como suficiente à consecução do escopo legal a indicação do sentido da decisão. III - Os elementos essenciais da notificação devem constar do texto dessa mesma notificação. Mas não podemos olvidar que o instituto cumpre uma função instrumental de garantia dos administrados, qual seja a de ser dada ao interessado toda a informação relativa ao acto administrativo em causa, a fim de que ele disponha dos elementos essenciais conformadores da decisão administrativa, necessários a um adequado exercício do direito de impugnação. Nº Convencional: Nº do Documento: Recorrente: Recorrido 1: Votação: JSTA000P11044 SA1200910290778 A... GESTÃO DE OBRAS PÚBLICAS DA CM DO PORTO, EM UNANIMIDADE Aditamento: Texto Integral Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: ( Relatório ) I. “A…”, com sede na Rua de …, nº …, …, em Lisboa, interpôs recurso de revista excepcional para o STA, ao abrigo do art. 150º, nº 1 do CPTA, do acórdão do TCA Norte, de 17.04.2008 (fls. 433 e segs.), que, negando provimento ao recurso jurisdicional por si interposto, confirmou a sentença do TAF do Porto pela qual foi julgada procedente a excepção peremptória da caducidade do direito de acção, na acção administrativa comum por si intentada contra “GESTÃO DE OBRAS PÚBLICAS DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO, E.M.”, em que pedia a declaração de invalidade de duas deliberações que, no âmbito de contrato de empreitada de obras públicas, lhe aplicaram multas contratuais. Na sua alegação formula as seguintes conclusões: I. A fundamentação de direito do Douto Acórdão recorrido é totalmente errada, porquanto; II. As deliberações da Recorrida impugnadas nesta Acção são as proferidas em 20.06.2003 e em 17.07.2003, as quais não constam das comunicações de 23.06.2003 e 17.07.2003; III. E, que só foram comunicadas/conhecidas da Recorrente através das notificações efectuadas em 25.11.2003 no âmbito das Respostas aos Recursos Contenciosos de Anulação atrás identificados. IV. Tudo isso porque na comunicação da Recorrida, datada de 23.06.2003, não consta o texto integral da deliberação do seu Conselho de Administração de 20.06.2006, que decidiu aplicar as multas aqui em causa; V. Naquela comunicação também não consta qualquer referência à aludida deliberação, nem a indicação do seu autor e nem a sua data. VI. Dessa comunicação/notificação (23.06.2003) consta que a deliberação que a determina é a DLB de 17.10.2002, do Conselho de Administração, que é, sem margem para dúvidas, a de intenção de aplicação das referidas multas, sendo certo que esta não produz efeitos jurídicos externos por não ser definitiva e executória. VII. Deste modo, por manifesto erro da Recorrida, aquela comunicação não cumpre nenhum dos requisitos estabelecidos no artigo 68º do CPA, razão pela qual não foi notificado à ora Recorrente o acto de aplicação de multas, que produzisse os efeitos externos que atingissem a sua esfera jurídica, e, assim, implicasse o início da contagem do prazo estabelecido no artigo 255º do RJEOP, para o exercício do direito de interposição da presente Acção. VIII. Por outro lado, a comunicação da Recorrida, datada de 17.07.2003, relativa à segunda multa ou acréscimo de multa, também não contém o texto do seu Conselho de Administração de 17.07.2003, e IX. Para além do que, como agora se constata (Doc. n° 24 da P.I.), aquela deliberação não decidiu a aplicação da referida multa contratual, tendo-se limitado a aprovar a minuta de resposta à defesa da ora Recorrente, desconhecendo-se se é a mesma que lhe foi comunicada. X. Deste modo, nenhuma das referidas comunicações cumpre os requisitos do citado artigo 68º do CPA, pelo que as mesmas não desencadearam o início da contagem do prazo estabelecido no artigo 255º do RJEOP. XI. Porque o referido prazo não teve início aquando do seu recebimento, não estão cumpridos os requisitos da excepção peremptória da caducidade do direito de acção que obstem ao conhecimento do pedido. XII. A ora Recorrente só tomou conhecimento das deliberações de aplicação das multas em 25 de Novembro de 2003, na Resposta com documentos notificada ao seu Mandatário no âmbito dos Recursos Contenciosos de Anulação supra identificados, pelo que o prazo estabelecido no artigo 255º do RJEOP só terminou em 28 de Maio de 2004. XIII. Como a ora Recorrente requereu a Tentativa de Conciliação prevista no artigo 260º do RJEOP em 29/04/04, não se verifica a excepção peremptória da caducidade do direito de interposição da acção e, por isso, não existia nenhuma circunstância - excepção de caducidade - que impossibilitasse o Tribunal "a quo" de tomar conhecimento do pedido formulado nesta Acção. XIV. Porque o Meritíssimo Julgador do Tribunal "a quo" assim não entendeu e Doutamente decidiu confirmar a Douta Sentença em crise, violou o disposto nos artigos 66° e 68°, nº 1, alíneas a) e b) e artigo 123°, n° 1, al. g), todos do CPA, no artigo 268°, n° 3, da CRP e no artigo 255° do RJEOP, sendo, por isso, totalmente inválido o Douto Acórdão recorrido, devendo, em consequência, ser revogado com as legais consequências. II. A recorrida apresentou a sua contra-alegação, concluindo nos seguintes termos: 1. A RECORRENTE FOI NOTIFICADA DAS DELIBERAÇÕES DA RECORRIDA QUE LHE APLICAVAM AS MULTAS CONTRATUAIS, 2. DEPOIS DE PREVIAMENTE TER SIDO OUVIDA E TER DEDUZIDO AS SUAS DEFESAS; 3. ATRAVÉS DE TAIS NOTIFICAÇÕES A RECORRENTE TOMOU CONHECIMENTO CABAL E COMPLETO DO CONTEÚDO E SENTIDO DE CADA UMA DAQUELAS DECISÕES; 4. DE TAL FORMA, ALIÁS, QUE DELAS RECORREU CONTENCIOSAMENTE, AÍ IDENTIFICANDO PERFEITAMENTE AS DECISÕES, O SEU AUTOR E O SEU SENTIDO, AFIRMANDO MAIS QUE SE TRATAVA DE ACTOS FINAIS, DEFINITIVOS E COM EFICÁCIA EXTERNA; 5. POR ISSO QUE NÃO FAÇA SENTIDO INVOCAR AGORA QUE SÓ PASSOU A CONHECER OS ACTOS IMPUGNADOS DEPOIS DE RECEBER AS RESPOSTAS AOS RECURSOS DE ANULAÇÃO QUE INTERPÔS DESSES ACTOS! 6. IMPROCEDEM, PORTANTO, AS CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES DA RECORRENTE, SENDO CERTO QUE O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO ESTÁ CORRECTA E SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO E NÃO VIOLOU QUALQUER DOS NORMATIVOS INDICADOS PELA RECORRENTE, ANTES APLICOU CORRECTAMENTE O DIREITO E FEZ JUSTIÇA. III. Por acórdão de fls. 493 e segs., proferido pela formação prevista no nº 4 do art. 150º do CPTA, foi admitido o presente recurso de revista excepcional. IV. O Exmo magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal emitiu nos autos o seguinte parecer: “I. Vem o presente recurso de revista interposto do douto acórdão do TCANorte que negou provimento ao recurso interposto da douta sentença do TAFPorto, a qual, por procedência da excepção peremptória da caducidade do direito de acção, absolveu a Ré, ora recorrida, do pedido de declaração de invalidade das deliberações "DLB 4.134/2003, de 20 de Junho de 2003 e DLB 4.5-39/2003, de 17 de Julho de 2003", que aplicaram à A, ora recorrente, multas contratuais, no âmbito do contrato de empreitada de obras públicas celebrado com a Ré. A recorrente imputa ao acórdão recorrido erro de julgamento, com violação dos artºs 66º, 68º, nº 1, a) e b) e 123º, nº 1, g), todos do CPA; artº 268º, nº 3 da CRP e artº 255º do RJEOP, uma vez que tais deliberações só foram comunicadas/conhecidas da recorrente através das notificações efectuadas em 25/11/2003, no decurso dos recursos contenciosos identificados na matéria de facto assente sob a alínea P) - conclusões II, III e XIV. II. Relativamente à primeira deliberação, a recorrente sustenta, em síntese, que a respectiva comunicação, datada de 23/06/2003, é omissa quanto ao seu texto integral e não contém qualquer referência à aludida deliberação nem a indicação do seu autor e da sua data, pelo que é uma notificação inoperante para efeito da contagem do prazo estabelecido no artº 255º do RJEOP conclusões IV a VII. Constitui firme jurisprudência deste STA que são elementos essenciais da notificação do acto administrativo a indicação do autor do acto bem como o sentido e a data da decisão, pelo que só a falta de qualquer destes elementos toma a notificação inoponível ao seu destinatário e irrelevante para efeitos contenciosos - Cfr, entre outros, os acórdãos do Pleno, de 26/11/97, rec. 36927; de 19/3/99, rec. 42491 e de 23/1/03, rec. 48168, e da Secção, de 15/2/07, rec. 1096/06; de 11/11/04, rec. 504/04 e de 10/7/02, rec. 274/02, designadamente. Do teor da notificação desta deliberação constata-se que embora não acompanhada do respectivo texto integral, o qual, todavia, não constitui elemento essencial da notificação - à recorrente foi transmitido o sentido da decisão tomada e devidamente identificado o autor da mesma deliberação, por ser inequívoca a referência ao Conselho de Administração da GOP, E.M., enquanto órgão que, "suportado em parecer técnico e da Fiscalização da obra, ponderados os argumentos aduzidos pelo empreiteiro, refuta os mesmos nos termos" nela enunciados articuladamente e com esse fundamentos e na sequência da deliberação de 17/10/2002, delibera aplicar à recorrente as multas contratuais em causa, no montante de € 114.334,80, resultantes da violação do prazo contratual da empreitada - cfr matéria de facto assente sob a alínea J). A menção do autor do acto e do sentido da deliberação resulta assim inequívoca dos termos constantes da comunicação de 23/6/2003, ao invés do que pretende a recorrente. Porém, a razão parece estar do seu lado quando invoca a inoponibilidade dessa comunicação para efeito da notificação da mesma deliberação e da sua consequente relevância para início do prazo de caducidade estabelecido no artº 255º do RJEOP, já que dela não consta qualquer indicação da data da mesma deliberação, mostrando-se a respectiva notificação omissa quanto a um dos seus elementos essenciais. Impõe-se pois concluir pela procedência do recurso nesta parte e pelo alegado erro de julgamento, por indevida interpretação e aplicação de lei, com ofensa do disposto no artº 68º, nº 1, b) do CPA, do artº 268º, nº 3 da CRP e do artº 255º do RJEOP. III. No que concerne à segunda comunicação, datada de 17/7/2003, a recorrente funda a inoponibilidade, para efeitos contenciosos, da notificação da deliberação, da mesma data, na omissão do respectivo texto e na alegada inexistência nessa deliberação de qualquer decisão de aplicação de multa contratual - cfr conclusões VIII e IX. Porém, está apenas em apreciação no presente recurso a verificação dos requisitos da excepção peremptória da caducidade do direito de acção de declaração de invalidade de tal deliberação, por referência ao aludido prazo e à data da respectiva notificação como seu termo inicial. Nesta perspectiva, o recurso terá aqui necessariamente de improceder, por não obstar à devida notificação do acto a omissão do texto integral da deliberação, como já acima se referiu, e ser indiscutível que a comunicação se destinou a notificar aquela deliberação de aplicação das multas contratuais no montante de € 56.953,29 - cfr matéria de facto assente sob a alínea N). IV. Em face do exposto, emitimos parecer no sentido de ser concedido parcial provimento ao recurso, revogando-se a decisão de procedência da excepção peremptória da caducidade do direito de acção quanto à peticionada declaração de invalidade da deliberação de 20/6/2003.” (Fundamentação) OS FACTOS O acórdão recorrido considerou assentes, com interesse para a decisão, os seguintes factos: A) Por aviso publicado no DR, II Série, de 07/07/01, foi aberto concurso público para a adjudicação da empreitada denominada "Conjunto Habitacional da ... – Conclusão". B) A Autora apresentou proposta no âmbito do concurso aludido no ponto que antecede. C) Em 26/10/01 a Ré notificou a Autora de que a empreitada referida no ponto A) lhe fora adjudicada. D) Em 07.11.01 entre a Autora e a Ré foi celebrado o acordo escrito de fls. 39 a 51 dos autos, denominado «Conjunto Habitacional da ... - Contrato de Empreitada». E) A consignação dos trabalhos ocorreu no dia 08/11/2001 (cfr. doc. de fls. 52 dos autos). F) O prazo global da empreitada terminava no dia 08/03/2002. G) Por ofício de 18/10/2002 a Ré notificou a Autora da intenção de aplicação de multa contratual no valor de € 114.334,80 (cfr. doc. de fls. 86 a 89 dos autos). H) A Autora apresentou a sua defesa nos termos que constam do documento de fls. 90 a 94. I) Em reunião realizada em 20/06/2003 a Ré deliberou o seguinte (cfr. doc. de fls. 102 dos autos): "4.1. – Conjunto Habitacional da ... – ponto de situação de multas: Na sequência de várias reuniões efectuadas com o adjudicatário da empreitada mencionada em epígrafe, no sentido de se chegar a um acordo relativamente ao ponto de situação de multas, por violação dos prazos contratuais, o mesmo não foi possível. Assim, o Conselho de Administração, com base em parecer técnico (doc. 4.134/2003), deliberou o seguinte: a) Manter a decisão de aplicação da multa no montante de € 114.334,80, bem como aprovar a minuta de resposta às alegações de defesa do empreiteiro, relativas à mesma; b) Aprovar e comunicar ao empreiteiro a aplicação do diferencial das multas calculadas (€ 171.288,09 - € 114.334,80) no montante de € 56.953,29. (DLB 4.134/2003)" J) Na sequência da deliberação a que se alude no ponto que antecede, a Autora foi notificada, por ofício de 23/06/2003, que recebeu, da resposta da Ré à defesa referida em H), da qual consta, designadamente que (cfr. doc. de fls. 95 a 101 dos autos): "Considerando, assim, o supra exposto e com aqueles fundamentos, serve a presente para, no seguimento da deliberação do Conselho de Administração da GOP, EM DLB de 17-10-2002, comunicar a aplicação das multas contratuais seguintes, resultantes da violação do prazo contratual de conclusão da empreitada fixado em 12 de Maio de 2002, no seguimento das prorrogações legais conferidas ao abrigo dos artigos 151° e 194º do Decreto-Lei n° 59/99, de 2 de Março, que se liquida no montante de €114.334,80..." K) Por ofício de 23/06/2003 a Ré notificou a Autora da intenção de aplicação de multa contratual no valor de € 56.953,29 (cfr. doc. de fls. 105 a 110 dos autos). L) A Autora apresentou a sua defesa, nos termos que constam do documento de fls. 111 a 117 dos autos. M) Em reunião realizada em 17/07/2003 a entidade requerida deliberou o seguinte (cfr. doc. de fls. 126 dos autos): "4.4. – Conjunto Habitacional da ... (conclusão) – pedido de aprovação de resposta às alegações da 2ª multa: O Conselho de Administração, suportado em parecer técnico (doc. 4.4-38/2003) aprovou a minuta de resposta a enviar ao adjudicatário da empreitada identificada em epígrafe, A..., atinente às alegações de defesa por este apresentadas, no que concerne à aplicação de multas por violação dos prazos contratuais (DLB 4.4-39/2003" N) Na sequência do referido no ponto que antecede a Autora foi notificada, por ofício de 17/07/2003, que recebeu, da resposta da Ré, da qual consta, designadamente que (cfr. doc. de fls. 118 a 129 dos autos): "Considerando, assim, o supra exposto e com aqueles fundamentos, serve a presente para, no seguimento da deliberação do Conselho de Administração da GOP, EM DLB de 17-07-2003, comunicar a aplicação das multas contratuais seguintes, resultantes da violação do prazo contratual de conclusão da empreitada fixado em 12 de Maio de 2002, no seguimento das prorrogações legais conferidas ao abrigo dos artigos 151º e 194º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, que se liquida no montante de € 56.953,29" O) A Autora requereu junto do Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes, contra a entidade requerida, a realização de tentativa de conciliação, nos termos dos artigos 260º e ss. do Decreto-Lei n° 59/99, em 29/04/2004 (cfr. doc. de fls. 129 dos autos). P) Correram termos no TAC do Porto os recursos contenciosos nºs 891/03 e 910/03, através dos quais a Autora peticionou a anulação das decisões da Ré de 17/10/2002 e de 17/07/2003, que lhe aplicaram as multas contratuais nos montantes de, respectivamente, € 114.334,80 e € 56.953,29 (cfr. doc. de fls... insertos na P. Cautelar). O DIREITO O presente recurso de revista, intentado por “A…” ao abrigo do disposto no art. 150º, nº 1 do CPTA, tem por objecto o acórdão do TCA Norte, de fls. 433 e segs., que, negando provimento ao recurso jurisdicional por si interposto, confirmou a sentença do TAF do Porto pela qual foi julgada procedente a excepção peremptória da caducidade do direito de acção, na acção administrativa comum por si intentada contra “GESTÃO DE OBRAS PÚBLICAS DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO, E.M.”, em que pedia a declaração de invalidade de duas deliberações que, no âmbito de contrato de empreitada de obras públicas, lhe aplicaram multas contratuais. O acórdão de fls. 493 e segs. admitiu o presente recurso de revista com os seguintes fundamentos: «A recorrente pretende ver reapreciada por este STA a decisão das instâncias que consideraram caduco o direito de instaurar a acção administrativa comum por ela intentada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por não ter sido requerida a tentativa de conciliação junto do Conselho Superior de Obras Públicas (a qual tem obrigatoriamente de preceder a propositura da acção), no prazo legalmente previsto. Fundamental para a decisão das instâncias sobre a verificação da caducidade foi o juízo sobre a suficiência das notificações dos actos administrativos (deliberações camarárias) que aplicaram à Autora as multas contratuais que pretendeu atacar na acção, juízo de que a mesma discorda. A resposta à/s questão/ões suscitada/s – concernente, no essencial, à validade, para efeitos processuais das notificações efectuadas, e se, designadamente, é ou não essencial, em qualquer caso, o envio do texto integral da acta da reunião onde a deliberação administrativa foi tomada – reveste melindre e complexidade bastantes para justificar a admissão do recurso de revista, atenta, nomeadamente, a necessidade de uma interpretação harmónica dos textos legais respeitantes a esta matéria. Por outro lado, trata-se de uma questão processual susceptível de se colocar com muita frequência e, com repercussões de considerável grandeza, uma vez que se relaciona com o próprio direito à tutela judicial. A decisão do presente recurso poderá, assim, contribuir para uma maior clarificação na aplicação do direito.» A apreciação do presente recurso de revista, naturalmente balizada pelo acervo conclusivo da alegação do recorrente (art. 690º, nº 1 do CPCivil), reconduz-se, assim, à questão sinalizada no acórdão de admissão, cuja apreciação por este Supremo Tribunal foi considerada como podendo contribuir “para uma melhor aplicação do direito”, face à “necessidade de uma interpretação harmónica dos textos legais respeitantes a esta matéria”, e de outras que com ela directamente se conexionem. E essa dita questão é, como ficou assinalado, a da suficiência das notificações de dois actos administrativos (deliberações de uma empresa municipal de Gestão de Obras Públicas) que aplicaram à Autora multas contratuais, para efeito de determinação do início do prazo de propositura de acção previsto no art. 255º do RJEOP (DL nº 59/99, de 2 de Março) e consequente decisão da suscitada caducidade do direito de acção para impugnação dessas mesmas deliberações. Por outras palavras, a questão que importa apreciar é a de saber se as duas notificações em causa, efectuadas, respectivamente, em 23.06.2003 e 17.07.2003, contêm ou não os elementos essenciais da notificação do acto administrativo, previstos no art. 68º, nº 1 do CPA, e se, desse modo, são oponíveis à A., para efeito de contagem do prazo de propositura da acção. A recorrente alega que o acórdão sob revista, ao confirmar a decisão de procedência da excepção de caducidade do direito de acção, incorreu em erro de julgamento, com violação dos arts. 68º, nº 1 e 123º, nº 1 do CPA, 268º, nº 3 da CRP e 255º do RJEOP, uma vez que: (i) das notificações que lhe foram feitas a 23.06.2003 e 17.07.2003 não consta o texto integral da respectiva deliberação, nem a indicação do seu autor e da respectiva data, pelo que nenhuma delas cumpre os requisitos do art. 68º, nº 1 do CPA, não podendo, assim, as mesmas desencadear o início da contagem do prazo estabelecido no art. 255º do RJEOP; (ii) a recorrente só teve conhecimento do teor das referidas deliberações a 25.11.2003, através das notificações (das respostas) que lhe foram feitas no âmbito dos recursos contenciosos que delas interpôs, referidos na al. P) da matéria de facto, as quais eram acompanhadas de cópia das actas do C.A. da recorrida GEOP, EM. Vejamos. O acórdão sob revista considera que as notificações feitas à recorrente contêm os elementos essenciais da notificação, previstos no citado art. 68º, nº 1 do CPA, afirmando expressamente: “Ora, no caso dos autos, o teor das notificações que aplicaram à recorrente as multas contratuais serviram perfeitamente para que a mesma tivesse de imediato optado por impugnar os respectivos actos administrativos assim comunicados, o que significa que, na altura, se considerou "bem notificada", designadamente, quanto aos elementos essenciais à cognoscibilidade do sentido das decisões impugnadas e respectivos fundamentos, autoria e datas em que foram proferidas, que lhe permitiram deles discordar, de tal forma que até exerceu o direito de audiência prévia. (...) Assim, considerando oponíveis as notificações efectuadas em 23-06-2003 e 17-07-2003, o prazo para a instauração da presente acção terminou em 05-01-2004 e 26-01-2004, respectivamente. Tendo em conta que a realização de tentativa de conciliação extrajudicial, a qual tem obrigatoriamente de preceder a propositura da acção, ocorreu em 29/04/04, nesta data já estava caducado o direito da recorrente de propor a presente acção, pelo que aquela não operou qualquer interrupção da caducidade." A jurisprudência deste STA, à luz do disposto no art. 268º, nº 3 da CRP, tem decidido reiteradamente que constituem elementos essenciais da notificação do acto administrativo a indicação do autor do acto e do sentido e data da decisão (al. b) do nº 1 do art. 68º do CPA), e que só a falta destes elementos torna a notificação inoponível ao seu destinatário e irrelevante para efeitos do início do prazo de interposição do recurso contencioso (cfr. os Acs. de 15.02.2007 – Rec. 1.096/06, de 11.11.2004 – Rec. 504/04, de 23.012.2003 – Rec. 48.168-A (Pleno), de 30.04.03 – Rec. 46.556 (Pleno), e de 10.07.2002 – Rec. 274/02). São elementos não meramente informativos ou adjuvantes (como é o caso da indicação aludida na al. c) do preceito, cuja omissão não contende com a aptidão do acto notificador para atingir o «notus facere» (Cfr. Ac. de 23.03.2006 – Rec. 37/06), mas antes elementos essenciais da notificação, cuja ausência a torna substancialmente imprestável para os fins a que a mesma se projecta. A esta luz, importa então apreciar a situação sub judice. 1. Relativamente à primeira deliberação (de 20.06.2003, notificada à A., ora recorrente, por ofício de 23.06.2003, junto a fls. 95), é manifesto que a recorrente não tem razão no que concerne à alegada omissão do texto integral do acto, bem como da identificação do respectivo autor. O texto integral do acto não tem, como atrás se disse, sido considerado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal como elemento essencial da notificação, admitindo-se como suficiente à consecução do escopo legal a indicação do sentido da decisão. Ora, do teor da notificação constante do ofício de 23.06.2003 (fls. 95), maxime do seu excerto final (transcrito na al. J da matéria de facto), constata-se que à recorrente foi transmitido, com identificação clara do procedimento administrativo, o sentido da decisão tomada e a identificação do autor dessa mesma decisão, por ser inequívoca a referência ali contida ao Conselho de Administração da GOP, E.M., enquanto órgão decisor "suportado em parecer técnico e da Fiscalização da obra”, ao deliberar “aplicar à recorrente as multas contratuais em causa, no montante de € 114.334,80, resultantes da violação do prazo contratual da empreitada”. Da notificação constam, pois, sem sombra de dúvida, a identificação do acto administrativo e do seu autor, bem como o sentido da decisão. E cremos que igualmente carece de razão quando alega que a notificação em causa não contém a data da deliberação notificada, omitindo assim um elemento essencial da notificação, previsto no art. 68º, nº 1 do CPA. Na verdade, o texto da notificação (ofício de fls. 95 a 100) começa por referir que “A A…, empreiteiro adjudicatário da empreitada identificada em epígrafe, notificada pela GOP, EM do auto de aplicação de multas contratuais lavrado pela Fiscalização da obra, deduziu tempestivamente a sua defesa, nos termos do disposto no nº 5 do artigo 201.º do Decreto-lei n.º 59/99, de 2 de Março...”, acrescentando de seguida que “O Conselho de Administração da GOP, EM, suportado em parecer técnico e da Fiscalização da obra, ponderados os argumentos aduzidos pelo empreiteiro, refuta os mesmos nos termos seguintes:...”. E, após detalhada exposição das razões porque desatende a defesa do empreiteiro, conclui o referido ofício/notificação: “Considerando, assim, o supra exposto e com aqueles fundamentos, serve a presente para, no seguimento da deliberação do Conselho de Administração da GOP, EM DLB de 17-10-2002, comunicar a aplicação das multas contratuais seguintes, resultantes da violação do prazo contratual de conclusão da empreitada fixado em 12 de Maio de 2002, no seguimento das prorrogações legais conferidas ao abrigo dos artigos 151°e 194º do Decreto-Lei n° 59/99, de 2 de Março, que se liquida no montante de €114.334,80...”. (sublinhados nossos) É evidente que o texto transcrito dá à interessada perfeita conta de que, na sequência da deliberação do C.A. da GOP, EM de 17.10.2002, que lhe comunicou a intenção de aplicação da citada multa contratual de 114.334,80 €, e da sequente defesa por ele apresentada, lhe estava, por ofício de 23 de Junho de 2003, a ser comunicada a rejeição da sua defesa e a consequente decisão definitiva de aplicação da referida multa contratual. Contrariamente ao alegado pela recorrida, este ofício não identifica, como objecto da notificação, a deliberação de 17.10.2002, apenas referindo que a decisão ora notificada (decisão definitiva de aplicação da referida multa contratual) estava no seguimento dessa deliberação anterior em que se comunicava a intenção de aplicar aquela multa contratual. Este ofício/notificação não contém realmente a data da deliberação que aplica definitivamente a multa contratual (20.06.2003). Mas o ofício, cujo teor atrás se deixou referido, tem a data de 23 de Junho de 2003, data que a interessada sempre teria em conta como referência de prazo de impugnação, nos termos do art. 255º do RJEOP, onde se dispõe que as acções deverão ser propostas “no prazo de 132 dias contados desde a data da notificação ao empreiteiro” da decisão que lhe denega algum direito ou pretensão. Dúvidas não há, pois, de que a interessada ficou ciente de que a decisão de que estava a ser notificada era a decisão definitiva sobre a aplicação da multa, após rejeição da defesa por si apresentada, sendo certo que o ofício/notificação, devidamente datado, lhe transmitiu detalhadamente o texto da deliberação e respectivos fundamentos legais. Os elementos essenciais da notificação devem constar do texto dessa mesma notificação. Mas não podemos olvidar que o instituto cumpre uma função instrumental de garantia dos administrados, qual seja a de ser dada ao interessado toda a informação relativa ao acto administrativo em causa, a fim de que ele disponha dos elementos essenciais conformadores da decisão administrativa, necessários a um adequado exercício do direito de impugnação. Ora, a circunstância de o ofício de notificação, que lhe transmitia detalhadamente o sentido da decisão notificada com plena identificação do processo administrativo, conter ele próprio a respectiva data, conferia à interessada toda a garantia de que a mesma carecia para exercer adequadamente o direito de impugnação, nos termos do art. 255º do RJEOP, não podendo afirmar-se que ela tivesse ficado limitada ou desprovida de qualquer elemento necessário a tal actuação processual. Tanto assim é – como se pondera no acórdão sob revista –, que a recorrente demonstrou cabalmente, em juízo, a suficiência da notificação que lhe foi feita, tendo em conta que intentou no TAC do Porto, na sequência dessas mesmas notificações, e, obviamente, dentro do respectivo prazo legal, dois recursos contenciosos para anulação das deliberações em causa (RC nº 891/03 e RC nº 910/03 – cfr. al. P) da matéria de facto), neles evidenciando o conhecimento das decisões impugnadas, cuja anulação peticionou (cfr. al. P) da matéria de facto). 2. Quanto à segunda deliberação (de 17.07.2003, notificada à A., ora recorrente, por ofício da mesma data, junto a fls. 118), é manifesto que a recorrente carece inteiramente de razão, ao fundar a inoponibilidade da respectiva notificação, para efeitos contenciosos, na omissão do texto integral da deliberação e na pretensa inexistência, nessa deliberação, de qualquer decisão de aplicação de multa contratual. No que à exigência do texto integral da decisão diz respeito, dá-se por reproduzido o que atrás se deixou dito, no sentido de que tal elemento não tem sido considerado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal como elemento essencial da notificação, admitindo-se como suficiente à consecução do escopo legal a indicação do sentido da decisão. Quanto à alegada inexistência de decisão de condenação, cremos tratar-se de evidente distracção da alegante, bastando atentar no texto da dita deliberação, transcrita na al. N) da matéria de facto: “Considerando, assim, o supra exposto e com aqueles fundamentos, serve a presente para, no seguimento da deliberação do Conselho de Administração da GOP, EM DLB de 17-07-2003, comunicar a aplicação das multas contratuais seguintes, resultantes da violação do prazo contratual de conclusão da empreitada fixado em 12 de Maio de 2002, no seguimento das prorrogações legais conferidas ao abrigo dos artigos 151º e 194º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, que se liquida no montante de € 56.953,29”. (sublinhado nosso) Nesta conformidade, e como bem decidiu o Tribunal a quo, sendo oponíveis, para efeitos de impugnação contenciosa, as notificações efectuadas em 23.06.2003 e 17.07.2003, o prazo previsto no art. 255º do RJEOP para a instauração da acção administrativa comum a que os autos se reportam estava já ultrapassado à data em que a recorrente requereu a tentativa de conciliação extrajudicial prevista no art. 260º do RJEOP, e que deve, nos termos desta disposição legal, preceder a propositura daquela acção. Não merece pois qualquer censura a decisão recorrida que confirmou a procedência da excepção de caducidade do direito de acção, não tendo a mesma violado qualquer das disposições invocadas pela recorrente, pelo que improcedem na íntegra as respectivas alegações. ( Decisão ) Com os fundamentos expostos, acordam em negar a revista. Custas pela recorrente. Lisboa, 29 de Outubro de 2009. – Luís Pais Borges (relator) – Rui Manuel Pires Ferreira Botelho – José Manuel da Silva Santos Botelho.