MEMÓRIAS LITERÁRIAS COMO UM GÊNERO TEXTUAL NO ENSINO DA ESCRITA Vanilda Salton Köche (Mestre, Universidade de Caxias do Sul, [email protected]) Odete Maria Benetti Boff (Mestre, Universidade de Caxias do Sul, [email protected]) Resumo: Este artigo expõe alguns conceitos relativos às teorias sobre gênero textuais, caracteriza o gênero memórias literárias, suas partes constitutivas para fins didáticos e sua aplicabilidade no ensino de leitura e escrita. O trabalho está inserido nas pesquisas sobre gêneros textuais desenvolvidas na Universidade de Caxias do Sul, Campus Universitário da Região dos Vinhedos. Palavras-chave: gêneros textuais; memórias literárias; ensino. ABSTRACT: This paper exhibits some concepts related to text genres, and characterizes the literary memory genre, its constituent parts for educational purpose and its applicability for teaching literature and writing. This work is part of the research on text genre developed at Univesidade de Caxias do Sul, Campus Universitário da Região dos Vinhedos. KEYWORDS: text genre; literary memories; teaching. Introdução Com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1999), surgiu no Brasil um novo olhar sobre as metodologias aplicadas à leitura e produção de textos. Até então, o ensino tradicional, da escrita enfocava apenas as tipologias textuais, especialmente a narração, a descrição e a dissertação, desconsiderando-se a função dos gêneros textuais como um meio de interação entre os indivíduos. Com certeza, não se pode descartar a importância das tipologias textuais, mas elas necessitam ser vistas apenas como um dos alicerces na produção de gêneros variados. Assim, os PCN imprimem um avanço no ensino, uma vez que a partir da exploração dos gêneros o aluno dispõe de meios para desenvolver competências e habilidades no uso da língua nas diferentes situações do convívio social em que está inserido. ESTE ARTIGO TEM COMO OBJETIVO DISCUTIR O GÊNERO TEXTUAL MEMÓRIAS LITERÁRIAS NO ENSINO DA LEITURA E PRODUÇÃO TEXTUAL E APRESENTAR SUGESTÕES DE ATIVIDADES QUE FAVOREÇAM A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE LÍNGUA. GÊNERO, UMA VEZ QUE OS PCN (1999) É IMPORTANTE ABORDAR ESSE RECOMENDAM QUE SE TRABALHE COM A DIVERSIDADE DE GÊNEROS LITERÁRIOS E NÃO LITERÁRIOS, PARA QUE O ALUNO PASSE A TER UM DESEMPENHO SATISFATÓRIO NAS DIFERENTES AS SITUAÇÕES DE INTERLOCUÇÃO E DOMINE A ESPECIFICIDADE DE CADA GÊNERO. FUNDAMENTAM ESTE TRABALHO OS E OS AUTORES PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (1999) MARCUSCHI (2002), BAKHTIN (1992), MOTTA-ROTH (2005), CLARA E ALTENFELDER (2008) E MACIEL ET AL (2004, 2005, 2007). 1 Gêneros textuais Os gêneros textuais são fundamentais no ensino da leitura e produção textual na medida em que promovem a interação social. Segundo Marcuschi, o trabalho com gêneros textuais é uma grande oportunidade de se lidar com a língua em seus mais diversos usos do cotidiano (2002, p. 35). A interação verbal se concretiza através dos gêneros. A escolha do gênero depende da intenção comunicativa do autor: o leitor que pretende atingir, os objetivos que tem em vista, entre outros fatores. Para Bakhtin, qualquer estrutura da língua está em função da interlocução entre dois ou mais indivíduos. O autor define os gêneros como tipos relativamente estáveis de enunciados produzidos pelas mais diversas esferas da atividade humana (1992, p. 127). Isso significa que podem sofrer algumas modificações, dependendo da situação enunciativa em que são empregados. Conforme Motta-Roth, a maleabilidade dos gêneros ocorre pelo fato de serem constituídos por uma combinação de elementos linguísticos de diversas naturezas, fonológicos, morfológicos, lexicais, semânticos, sintáticos, oracionais, textuais, pragmáticos, discursivos e, talvez, ideológicos, que se articulam na linguagem utilizada em contextos originários da experiência humana (2005, p. 181). Entende-se, então, que cada situação é específica, e o gênero sofre diversas adequações para garantir a interlocução. Em geral, o gênero é tipologicamente heterogêneo, pois pode constituir-se de diferentes sequências tipológicas. Por exemplo, num determinado texto poderá haver sequências narrativas, descritivas, dissertativas, injuntivas, dialogais, entre outras. Para Marcuschi, “os gêneros textuais apoiam-se em critérios externos (sócio-comunicativos e discursivos) e os tipos textuais em critérios internos (linguísticos e formais)” (2002, p. 34). Os gêneros, portanto, objetivam a comunicação, com ênfase na linguagem vista como uma faculdade humana, enquanto os tipos enfocam os aspectos formais (a gramática, o léxico, os tempos verbais e as relações lógicas). 2 Memórias literárias Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1999) especificam o texto literário como um modo peculiar de representação e estilo, no qual predomina a força criativa da imaginação e a intenção estética. O texto literário se constitui como uma forma de mediação entre o sujeito e o mundo, entre a imagem e o objeto, permitindo a reinterpretação do mundo atual e dos mundos possíveis. Nessa perspectiva, as Memórias literáriasse constituem num gênero textual que mostra uma época com base em lembranças pessoais. No texto, há liberdade para recriar as situações ou os fatos narrados. A realidade apenas serve de base, pois o autor não retrata exatamente o que aconteceu. As memórias são construídas a partir de fatos que, em algum momento, foram esquecidos. Podem ser escritas a partir de uma vivência pessoal ou com base no depoimento de alguém. Neste caso, geralmente, o autor transforma o relato num texto em primeira pessoa, como se os fatos tivessem acontecido com ele. MACIEL et al. (2007) destacam que as memórias fazem parte da literatura autobiográfica, e afirmam que “as inexatidões da memória, capacidade humana de armazenar dados, transformam os fatos em recordações por meio da linguagem”. Os autores salientam que as memórias buscam as recordações do narrador com o objetivo de evocar pessoas e acontecimentos representativos num momento posterior, ou seja, registra-se uma realidade que poderá ser retomada. A importância do gênero recai, portanto, no caráter histórico que possui, pois, mesmo que não se pretenda contar os fatos de modo objetivo, calca-se a narrativa em algo que já passou. Também ressaltam que o texto remete à volta do eu passado para construir o presente. A partir da análise do passado, pode-se compreender e atribuir novos significados ao presente. Segundo Clara e Altenfelder, o gênero emprega uma linguagem literária, pois ele tenta despertar as emoções do leitor por meio da beleza e da profundidade (2008, p. 9). Assim, no texto, não são narrados os fatos observando apenas a sua veracidade, mas busca-se recriá-los de modo que deixem o leitor comovido em relação ao que leu. O gênero memórias literáriaspossui uma estrutura relativamente livre, mas, para fins didáticos, podem constar: a apresentação, o corpoe o fechamento. : a) a apresentação: mostra a pprincipal e outras personagens envolvidas, o tempo e o espaço; b) o corpo: narra os fatos, mesclando descrições do cenário em que ocorreram. As descrições são fundamentais para que o leitor possa visualizar o ambiente e as personagens descritas. Para Clara e Altenfelder, na descrição, é importante reparar no objeto descrito como se o olhássemos pela primeira vez, e trazer à lembrança sensações, impressões e informações captadas pelos sentidos: cheiros, sabores, formas, texturas, sons. Para as autoras, a descrição é um recurso que envolve o leitor e o aproxima ainda mais das experiências retratadas no texto (2008, p. 27). c) avaliação: apresenta o desfecho dos acontecimentos, e faz uma avaliação das experiências relatadas. Nas memórias, utilizam-se verbos, advérbios e locuções adverbiais que remetem ao passado (lembro-me, recordo-me, naquele tempo...) e substantivos cujo uso era comum na época em que ocorreram os fatos (vitrola, flertar, galochas, estrada de ferro, telegrama). Emprega-se, na maioria das vezes, a primeira pessoa (eu me lembro, recordo-me, vivi...), mas o gênero pode também ser escrito na terceira pessoa discursiva (a família se mudou, os imigrantes chegaram...). É comum as comparações entre o passado e o presente, ressaltando as mudanças ocorridas. A tipologia de base desse gênero é a narração, mas pode mesclar outras tipologias textuais, principalmente a descrição, a fim de detalhar personagens, locais e época. 3 Análise do gênero HISTÓRIAS DA VELHA ARIGÓ 1 O causo que eu vou contar agora mudou a minha vida para sempre. E da minha família também. Até aquela época, com apenas oito anos de idade, eu vivia uma vida calma numa pequena cidade de serra de nome Baturité, no meu Ceará. Eu era uma meninota cheia de saúde, alegre e festejada por todos pela cara de anjo que Deus me deu com olhos azuis e um cabelo louro cacheado. Mas meu pai, um agricultor da região, caiu em desgraça. De repente, perdeu toda a safra com a seca que, de tempos em tempos, expulsava gente para a Capital ou outras regiões do País. Naquele ano, nos idos de 1910, depois de mais um prejuízo, ele resolveu que chegara a nossa vez de ir embora. O destino escolhido era o distante Acre, na fronteira do Brasil com outros dois países, a Bolívia e o Peru. Igual ao de milhares de outros nordestinos na mesma situação, dispostos a arriscar tudo ou nada no Norte do País, nas imensidões e perigos da floresta Amazônica. De tão pequena, muita coisa perdeu-se na minha memória. Mas alguns episódios nunca mais vão se apagar. O dia da partida, por exemplo. No antigo porto de Fortaleza, no bairro por nome Iracema, a gente tinha a imensa visão do mar e, lá longe, da grande embarcação que nos levaria para longe. Mas do alto da ponte de ferro onde esperávamos o embarque, era difícil imaginar de que forma chegaríamos até o navio, cujo apito alto mandava o aviso nervoso de que já era tempo de partir. Mas logo, logo saberíamos a resposta. Com o apito, o negócio era apressar a partida. Os adultos desciam por conta própria até o bote que nos levaria ao navio. Mas, na nossa vez, o tratamento era o mesmo dado às cargas. Para não perder tempo, cada um de nós, pequeninos, era jogado da ponte metálica para o bote onde os pais e familiares tratavam de segurar o voo ainda no ar. Mas, antes da minha vez, o arremesso de uma criança não deu certo. No bote, o homem não conseguiu alcançá-lo a tempo e o menino acabou batendo a cabeça e caindo no mar. Morreu na hora. Diante de nós, em meio ao terror daquela cena, as ondas gigantes mostravam que o risco da morte estava apenas começando. Nos interiores da Amazônia, meu pai foi trabalhar como seringueiro, entrando pelo território da Bolívia, tirando o sustento da extração do leite branco das seringueiras, as enormes árvores de onde se tirava o látex para fazer a borracha. Nossa família foi morar nas margens de um igarapé. No meio das árvores, da vida na selva, a gente sabia que havia perigos por todos os lados. Um deles eram as patrulhas de bolivianos que andavam na área expulsando os brasileiros. Uma noite, nós estávamos todos dormindo, um desses grupos chegou. No comando dessa patrulha, uma mulher boliviana. A notícia era que onde eles passavam era morte certa. Mas, se isso era mesmo verdade, naquela noite fomos salvos por uma espécie de milagre. Armas nas mãos, a patrulha prendeu toda a minha família, mas a chefe me viu e se encantou comigo, com meu cabelo loiro, com meus olhos azuis, algo nunca visto por aquelas bandas, naqueles tempos. Ela perguntou o meu nome, passou a mão sobre minha cabeça e disse ao meu pai que me levasse dali para o mais longe possível. Depois, foi embora sem nos fazer mal algum. Lembro que foi exatamente isso que meu pai fez. No dia seguinte, cedo da manhã, a família fez a mudança. Fomos morar numa área habitada por muitos outros brasileiros, já dentro do território do Brasil, onde estaríamos em segurança. Muitos anos mais tarde, quando meu pai morreu, eu, já adulta, voltei para minha terra de nascença. Mas nunca poderia esquecer estas coisas que eu conto agora para os meus netos. Uma história cheia de riscos e de aventuras. A história da minha vida. Da minha família. Também dos primeiros trabalhadores que povoaram a Amazônia brasileira no começo do século XX. Texto de Ariadne Araújo, jornalista cearense, escrito com base no depoimento de Edilberto Cavalcanti Reis, neto de Alice Augusta Peixoto Cavalcante, narradora-personagem dessa história. (ARAÚJO, Ariadne. Histórias da velha Arigó. In: CLARA, Regina Andrade e ALTENFELDER, Anna Helena. Se bem me lembro... São Paulo: Cenpec: Fundação Itaú Social; Brasília, DF: MEC, 2008. p. 72-73) O texto Histórias da velha Arigópertence ao gênero memórias literárias, uma vez que narra fatos a partir das lembranças do neto da narradora-personagem que, provavelmente, ouvia a história contada pela avó, recontado-a à autora das memórias. Com isso, mostra ao leitor determinada época (início do século XX, no Brasil), e podemos conhecer as dificuldades enfrentadas pelos cearenses que partiam para a Amazônia em busca de melhores condições de vida. O texto possui a seguinte estrutura: a apresentação, o corpoe o fechamento. No parágrafo 1, ocorre a apresentação. A narradora-personagem situa o leitor no local e na época em que ocorreram os fatos. Ela descreve seu aspecto físico e emocional (Eu era uma meninota cheia de saúde, alegre e festejada por todos pela cara de anjo que Deus me deu com olhos azuis e um cabelo louro cacheado). Nos parágrafos 2 a 8, está o corpo do texto, em que são narrados os fatos. No segundo parágrafo, a narradora apresenta o local para onde a família iria (o destino escolhido era o distante Acre). Fala também dos riscos da nova terra e da determinação dos emigrantes. No parágrafo 3, inicia o relato dos acontecimentos que se referem ao dia da partida pra o Acre, dizendo que, mesmo sendo pequena na época em que tudo ocorreu, há fatos que nunca esquecerá. Nesse parágrafo, também descreve o porto de onde a protagonista e sua família embarcam para a Amazônia. No quarto parágrafo, ocorre a descrição da forma de embarque dos adultos, crianças e cargas: para não perder tempo, cada um de nós, pequeninos, era jogado da ponte metálica para o bote onde os pais e familiares tratavam de segurar o voo ainda no ar. Esses detalhes são muito importantes para que se possa imaginar com clareza o acontecimento narrado nos parágrafos seguintes. Nos parágrafos 5 e 6, a autora-personagem conta a morte de um menino, ao ser arremessado para o navio, destacando que, desde o início, percebeu o quanto a viagem seria perigosa. No sétimo e oitavo parágrafos, narra como viviam na nova terra, ressaltando seus perigos, e de onde provinha o sustento da família (meu pai foi trabalhar como seringueiro, entrando pelo território da Bolívia, tirando o sustento da extração do leite branco das seringueiras). No parágrafo 8, expõe uma situação muito temida por todos no local, a chegada de uma patrulha boliviana, e como saíram ilesos da abordagem, devido à aparência da protagonista, com a qual a comandante encantara-se (Armas nas mãos, a patrulha prendeu toda a minha família, mas a chefe me viu e se encantou comigo, com meu cabelo loiro, com meus olhos azuis, algo nunca visto por aquelas bandas, naqueles tempos). O fechamento ocorre no último parágrafo. A narradora-personagem apresenta o desfecho da situação em que a família se encontrava: eles se mudam novamente, agora para o território brasileiro. Há também, nesse parágrafo, uma avaliação dos fatos pela protagonista: afirma que eles nunca serão esquecidos devido à sua importância, não apenas para ela e sua família, mas para todos os que se aventuraram pela Amazônia naquela época (Mas nunca poderia esquecer estas coisas que eu conto agora para os meus netos. Uma história cheia de riscos e de aventuras. A história da minha vida. Da minha família. Também dos primeiros trabalhadores que povoaram a Amazônia brasileira no começo do século XX). Constata-se, nesse texto, o emprego de verbos, locuções adverbiais e outras construções que que remetem ao passado (lembro, nunca poderia esquecer,nunca mais vão se apagar, até aquela época, naquele ano). A autora emprega a primeira pessoa, ainda que não tenha participado dos fatos (Eu era uma meninota cheia de saúde). Além da narradora, há a presença de outros personagens importantes para a construção do enredo, como o pai e a boliviana. A tipologia de base desse texto é a narrativa, uma vez que há a apresentação de uma sequência de fatos (No bote, o homem não conseguiu alcançá-lo a tempo e o menino acabou batendo a cabeça e caindo no mar). Vale-se também da descrição, a fim de mostrar os diversos cenários (Diante de nós, em meio ao terror daquela cena, as ondas gigantes mostravam que o risco da morte estava apenas começando). Atividades I. eia o texto que segue e responda as questões: PARECIDA MAS DIFERENTE Zélia Gattai O pai de Zélia Gattai costumava contar a história de como sua família havia vindo da Itália para o Brasil. Uma vez, quando ele narrava a viagem dos Gattai – que era o nome da família de seu pai -, Zélia, então menina, observou que Eugênio, seu avô materno, escutava atentamente. Então, pediu a ele que também contasse a história da família da mãe, os Da Col. 1 Vovô veio da Itália com toda a família, contratado como colono para colher café numa fazenda em Cândido Mota, em São Paulo. Nona Pina passou a viagem toda rezando, pedindo a Deus que permitisse chegarem com vida em terra. Tinha verdadeiro pavor de que um dos seus pudesse morrer em alto-mar e fosse atirado aos peixes. Carolina ressentiu-se muito da viagem, estranhou a alimentação pesada do navio, adoeceu, mas desembarcaram todos vivos no porto de Santos. A família fora contratada por intermédio de compatriotas do Cadore, chegados antes ao Brasil. Diziam viver satisfeitos aqui e entusiasmavam os de lá através de cartas tentadoras: “Venham! O Brasil é a terra do futuro, a terra da ‘cucagna’... pagam bom dinheiro aos colonos, facilitam a viagem...” Com os Da Col, no mesmo navio, viajaram outras famílias da região, todos na mesma esperança de vida melhor nesse país promissor. Viajaram já contratados, a subsistência garantida. Em Santos, eram aguardados por gente da fazenda, para a qual foram transportados, comprimidos como gado num vagão de carga. Ao chegar à fazenda, Eugênio Da Col deu-se conta, em seguida, de que não existia ali aquela ‘cucagna’, aquela fortuna tão propalada. Tudo que ele idealizara não passava de fantasia; as informações recebidas não correspondiam à realidade: o que havia, isto sim, era trabalho árduo e estafante, começando antes do nascer do sol; homens e crianças cumpriam o mesmo horário de serviço. Colhiam café debaixo de sol ardente, os três filhos mais velhos os acompanhando, sob a vigilância de um capataz odioso. Vivendo em condições precárias, ganhavam o suficiente para não morrer de fome. A escravidão já fora abolida no Brasil, havia tempos, mas nas fazendas de café seu ranço perdurava. Notificados, certa vez, de que deviam reunir-se, à hora do almoço, para não perder tempo de trabalho, junto a uma frondosa árvore, ao chegar no local marcado para o encontro, os colonos se depararam com um quadro deprimente: um trabalhador negro amarrado à árvore. A princípio, Eugênio Da Col não entendeu nada do que estava acontecendo, nem do que ia acontecer, até divisar o capataz que vinha se chegando, chicote na mão. Seria possível, uma coisa daquelas? Tinham sido convocados, então, para assistir ao espancamento do homem? Não houve explicações. Para quê? Estava claro: os novatos deviam aprender como se comportar; quem não andasse na linha, não obedecesse cegamente ao capataz, receberia a mesma recompensa que o negro ia receber. Um exemplo para não ser esquecido. O negro amarrado, suando, esperava a punição que não devia tardar; todos o fitavam, calados. De repente, o capataz levantou o braço, a larga tira de couro no ar, pronta para o castigo. Então era aquilo mesmo? Revoltado, cego de indignação, o jovem colono Eugênio Da Col não resistiu: não seria ele quem presenciaria impassível ato tão covarde e selvagem. Impossível conter-se! Com um rápido salto, atirou-se sobre o carrasco, arrebatando-lhe o látego das mãos. Apanhado de surpresa, diante da ousadia do italiano, perplexo, o capataz acovardou-se. O chicote, sua arma, sua defesa a garantir-lhe a valentia, estava em poder do ‘carcamano’; valeria a pena reagir? Revoltado, fora de si, esbravejando contra o capataz em seu dialeto dos Montes Dolomitas, o rebelde pedia aos companheiros que se unissem para defender o negro. Todos o miravam calados. Será que não compreendiam suas palavras, seus gestos? Certamente sim, mas ninguém se atrevia a tomar uma atitude frontal de revolta. Católico convicto, ele fazia o que lhe ditava o coração, o que lhe aconselhavam os princípios cristãos... De repente, como um passe de mágica, o negro viu-se livre das cordas que o prendiam à árvore. O capataz apavorou-se. Quem teria desatado os nós? Quem teria? O topetudo não fora, estava ali em sua frente, gesticulando, gritando frases incompreensíveis, ameaçador, de chicote em punho... O melhor era desaparecer o quanto antes, rapidamente: “esses brutos poderiam reagir contra ele. A prudência mandava não facilitar”. Nessa mesma tarde, a família Da Col foi posta na estrada, porteira trancada para “esses rebeldes imundos”. Estavam despedidos. Nem pagaram o que lhes deviam. “Precisavam ressarcir-se do custo do transporte de Santos até a fazenda...” E fim. Pela estrada deserta e infinita, seguiu a família, levando as trouxas de roupas e alguns pertences que puderam carregar, além da honradez, da coragem e da fé em Deus (GATTAI, Zélia. Anarquistas graças a Deus. 11. ed. Rio de Janeiro, Record, 1986, p. 160-162). 1) Considerando o sentido dos vocábulos no texto, relacione a segunda coluna de acordo com a primeira. a) ressentiu-se (parágrafo 1) b) compatriotas (parágrafo 2) c) promissor (parágrafo 3) d) propalada (parágrafo 5) e) frondosa (parágrafo 7) f) topetudo (parágrafo 15) g) prudência (parágrafo 15) h) ressarcir-se (parágrafo 16) ( ( ( ( ( ( ( ( ( ) divulgada ) atrevido ) magoou-se ) pessoa que tem a mesma pátria ) perplexo ) compensar-se ) esperançoso ) moderação ) abundante 2) Qual é o fato principal narrado no texto Parecida mas diferente? 3) O gênero memórias literáriastem como principal característica mostrar uma época com base em lembranças pessoais. Qual é a época retratada no texto? 4) O texto em estudo foi escrito a partir de uma vivência da narradora ou com base no depoimento de alguém? Justifique. 5) Que tipo de imagem do país é passada aos italianos por seus compatriotas que já viviam aqui? Qual foi o meio de comunicação utilizado? 6)Em que momento Eugênio Da Col percebe que as informações sobre o trabalho nas fazendas não correspondiam à realidade? Que tipo de situação de trabalho havia? 7) Em que pessoa discursiva é narrado o texto? Cite fragmentos textuais que comprovem sua resposta. 8) Qual é a tipologia textual de base do texto Parecida mas diferente? Justifique sua resposta. 9) Além da narração, as memórias literáriasempregam frequentemente a tipologia textual descritiva. Apresente um fragmento do texto em que essa tipologia tenha sido utilizada. 10) O texto estrutura-se em apresentação, corpoe fechamento. Situe essas partes no texto, indicando o parágrafo, e justifique sua resposta. 11) Sublinhe no texto um fragmento que mostre a religiosidade de Eugênio Da Col. Considerações finais O trabalho com gêneros textuais requer do professor uma pesquisa constante na busca de metodologias de ensino consistentes e adequadas, capazes de desenvolver no aluno habilidades e competências de leitura e produção textual. Como professoras, podemos afirmar que esse é um desafio con stante, que requer muita pesquisa, persistência e criatividade. O gênero textual memórias literárias ao estudante o resgate das histórias de vida de seus antepassados, das pessoas que lhe são próximas ou de sua comunidade, permitindo-lhes descobrir e registrar passagens marcantes de personalidades anônimas ou importantes. O texto da aluna Franciane Sassi (Anexo II) ilustra os resultados dessa prática. A sala de aula necessita ser um espaço que propicie a interação entre os indivíduos. Assim, esperamos ter contribuído para a prática pedagógica dos professores de língua portuguesa preocupados com a inserção social de seus alunos. Referências bibliográficas BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. CLARA, Regina Andrade e ALTENFELDER, Anna Helena. Se bem me lembro... São Paulo: Cenpec: Fundação Itaú Social; Brasília, DF: MEC, 2008. MACIEL, S. D. A literatura e os gêneros confessionais. In: Antonio Rodrigues Belon; Sheila Dias Maciel. (Org.). Em Diálogo - Estudos Literários e Linguísticos. 2004 , p. 75-91. MACIEL, Sheila Dias et al. A literatura e os gêneros confessionais. Guavira Letras, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, n. 01, ano 1, 01 ago. 2005. Disponível em: <http://www.cptl.ufms.br/guavira/downloads/revguavira001.pdf>. Acesso em: 08 ago. 2008. MACIEL, Sheila Dias. A literatura e os gêneros confessionais. Disponível em: <http: www. eptl.ufms.br/pgletras/docentes/sheila/literatura.> Acesso em: 18 dez. 2007. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: BEZERRA, Maria Auxiliadora; DIONISIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Rachel. Gêneros textuais & ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002, p. 19-36. MOTTA-ROTH, Desirée. Questões de metodologia em análise de gêneros. In: KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. (Orgs.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. Palmas; União da Vitória, PR: Kaygangue, 2005. p. 179-202. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999. ANEXO I Respostas: 1) d; f; a; b; - ; h; c; g; e. 2) O fato principal narrado no texto é a revolta do imigrante italiano devido ao iminente espancamento do trabalhador negro. 3) O texto mostra a época da chegada dos colonos italianos ao Brasil (Estado de São Paulo, neste caso). 4) Para a produção do texto, a autora baseou-se no que contou seu avô materno, Eugênio Da Col, uma vez que ele ainda era jovem quando ocorreram os fatos, ou seja, a autora ainda não era nascida. Além disso, antes do texto, indica-se ao leitor o fato de Zélia Gattai ter pedido que seu avô lhe contasse a história da família Da Col. 5) Os imigrantes italianos que já moravam no Brasil transmitiam uma ideia positiva do país, afirmando aos seus compatriotas que pagavam bem aos colonos e facilitavam a viagem. Essa comunicação se dava através de cartas. 6) O italiano percebe, logo que chega à fazenda, que a realidade não correspondia ao que lhe haviam dito. O trabalho era árduo e estafante; homens e crianças cumpriam o mesmo horário de trabalho; colhiam café debaixo do sol ardente. 7) O texto está narrado na terceira pessoa (Vovô veio da Itália com toda a família; a família fora contratada; viajaram já contratados). 8) A tipologia de base do texto é a narrativa, pois há uma sequência de acontecimentos, ocorridos num tempo e espaço definidos e com personagem específicos (a migração de uma família para uma fazenda de café, no Estado de São Paulo). Há a presença da anterioridade e posterioridade, uma vez que é narrada a chegada da família Da Col ao Brasil, a forma como vivam e, por último, a saída da fazenda, depois do caso do trabalhador negro. 9) Tal tipologia textual é empregada no parágrafo 8: O negro amarrado, suando, esperava a punição que não devia tardar. 10) Apresentação: parágrafo 1. Apresenta a personagem principal e sua esposa (nona Pina), e situa o leitor em relação ao espaço (veio da Itália para trabalhar numa fazenda de Café em Cândido Mota – SP). Corpo: parágrafos 2 a 15. Narra os fatos, desde a contratação da família, por intermédio dos compatriotas que já viviam aqui, até o caso do trabalhador negro. Fechamento: parágrafos 16 e 17. Narra o desfecho do caso em que Eugênio envolvera-se – a família é despedida. No último parágrafo, descreve poeticamente a forma como a família seguiu pela estrada, carregando o que lhe pertencia, além da honradez, da coragem e da fé em Deus. 11) Parágrafo 13: Católico convicto, ele fazia o que lhe ditava o coração, o que lhe aconselhavam os princípios cristãos... ANEXO II LEMBRANÇAS... Franciane Sassi Contar a minha história de vida é como abrir um baú de memórias e retirar dele momentos e coisas que trazem muitas saudades. Recordações de um tempo que não retorna. Ainda lembro da época em que eu era um ‘toseto’ de uns 12 anos, miudinho, e morava com minha família em Lombardia, pequena e bela cidade da querida Itália. Tempos bons, mas difíceis, e que ficaram ainda mais complicados quando meu pai perdeu o emprego. Ele tinha que sustentar a mim, meus quatro irmãos e minha mãe que, com muito zelo, cuidava do nosso humilde lar. Infelizmente, a situação nos obrigou a escolher: ou passávamos fome e necessidades, ou nos mudávamos para a “Terra da Cucagna”, como diziam os italianos mais sonhadores. Meu pai escolheu a segunda opção. A ideia de ir para uma terra distante e desconhecida, de início, me atraiu. Afinal, eu era apenas uma criança, e nem poderia imaginar o tamanho daquilo que me esperava, já que estava tão acostumado a viver naquele pequeno lugar, ajudando nas tarefas de casa e brincando nos tempos livres. A minha primeira preocupação, ao saber da viagem, era que não poderia partir sem levar comigo meu fiel companheiro. O meu cão branquinho, de orelhas e patas pretas, não ficaria a “Deus dará”, sozinho. Porém, nos navios não era permitido carregar animais, e, quando fiquei sabendo disso, começou meu sofrimento. No dia da partida, no Porto de Vêneto, minha família e eu esperávamos ansiosos pelo embarque, na companhia do ‘poreto’ cão que, ao insistir em ficar por perto, parecia adivinhar seu triste destino. Os olhos tristonhos e abatidos do animalzinho mexeram tanto comigo que acabei agarrando-o entre meus braços e, com ele no colo, corri em direção ao local onde os navios ficavam atracados, na intenção de embarcar. Naquele momento de aflição, nem pensei no castigo que meu pai me daria por ter sido tão desobediente; tudo o que eu queria era levar meu cãozinho comigo e nada mais importava. Meu companheiro de aventuras e brincadeiras tinha que embarcar, e eu não mediria esforços para isso. Minha ‘mama’, ao ver aquilo, saiu correndo atrás de mim e, segurando-me pela orelha, arrastou-me de volta para perto do Rosário, navio no qual viajaríamos. Apesar de estar com a orelha quente e vermelha, por causa dos puxões, não soltei o pobre bichinho. Até então, eu nem sabia que aquele barco tão grande, que meus olhos não enxergavam por completo, me reservaria vinte e nove dias de sufoco e apertos. Como meu pai estava certo de que eu não desistiria do meu amigo, resolveu dar um jeito na situação. Escondeu-me, junto com o cachorro, dentro de um barril vazio, que usava para fazer vinho e que estava levando, caso viesse a precisar dele no novo país. Acabou precisando mais do cão, que levara contra vontade, do que do próprio barril. O fiscal de bordo do navio, na hora que embarcamos, fez a revista e conferiu os nomes, um a um, na listagem de passageiros. Quando chegou a vez do meu nome, meu pai começou a chorar, e inventou para aquele homem feio e carrancudo - que eu via só através das frestas do barril - que eu tinha morrido dias antes da viagem, de febre amarela, epidemia que matou muita gente naquele tempo. A minha mãe e os meus irmãos ficaram sem entender, mas não se intrometeram na conversa, porque, antigamente, o homem era o chefe da casa e tomava as decisões, diferente de agora. Eu era meninoto, mas lembro que, ao me colocar no barril, meu pai prometeu acertar as contas comigo quando chegássemos ao nosso destino. Ele não poderia me dar uma surra enquanto estivéssemos no navio, porque eu, a partir daquele instante, era um passageiro clandestino e, se fosse descoberto, seria mandado de volta para a Itália quando chegássemos à nova terra. Muitas coisas do que vivi acabaram se perdendo da minha memória, porque foi há muitos anos, e eu era pequeno, mas o porão daquele gigantesco barco, que soltava fumaça feito algodão, é algo que não se esquece fácil. Um lugar quase sem luz, úmido e muito gelado; solitário e com um cheiro ruim, que balançava muito por causa da água. Apesar disso, me sentia feliz por estar com meu grande amigo. Uma das diversas coisas que eu tentava entender, enquanto estava naquele lugar, sem ter o que fazer, era o porquê do nome ‘Rosário’ dado ao navio, já que ele não era nada cor de rosa, mas preto, tão escuro quanto aquele porão durante a noite. Isso até hoje não descobri; nunca me contaram, acho até que nem sabiam. Foi difícil aguentar tamanho aperto. O barril era um pouco pequeno para nós, que ficávamos encolhidinhos; só saíamos para esticar o corpo quando não ouvíamos nenhum barulho suspeito. Comíamos quando meu pai, escondido, nos levava alimentos. Numa dessas vezes, quase fomos pegos pelo fiscal, mas tivemos a sorte de sermos mais rápidos e conseguimos nos esconder atrás de umas pencas de banana, que ficavam penduradas. Muitas vezes, quando meu pai não conseguia nos levar comida, essas bananas serviram para matar a nossa fome. Ao saber do fato, minha mãe passou a rezar todos os dias, mais vezes do que de costume, pedindo a Nossa Senhora de Caravággio que nada de mal nos acontecesse. Era só o que a ela podia fazer para ajudar, já que tinha que tomar conta dos meus irmãos mais novos. A viagem parecia não ter mais fim, assim como o imenso mar que eu avistava pelas minúsculas janelas quando saía do meu lugarzinho. Já estava me sentindo uma verdadeira uva entrando em fermentação para virar vinho; dentro do barril eu já estava, e o clima do porão, então, era ideal! Finalmente, vinte e nove dias depois da partida, chegamos à região Sul do novo país. O Rosário atracou num porto enorme, que os fiscais de bordo chamavam, em alto e bom tom de voz, de Porto de Rio Grande. Ao desembarcarmos do navio, meu pai me puxou para fora do barril. O Marttello saiu de intruso, abanando o rabinho todo contente. Pude ver, então, que não estávamos sozinhos naquele lugar. Assim como nós, milhares de italianos estavam à espera de uma vida melhor. Notei também, no olhar de meus pais e de muitos que ali estavam, a incerteza sobre o futuro, mas, acima de tudo, havia um fio de esperança. E isso, ‘gracie a Dio’, fez meu pai esquecer da surra que havia me prometido. Infelizmente, a preocupação de apanhar do meu pai era minúscula diante do que me esperava, já que a nossa saga na nova terra estava apenas começando. Até chegarmos à Colônia Dona Isabel, agora Bento Gonçalves, onde ficava o lote que ganhamos, o sofrimento e o esforço foram imensos. Ainda consigo sentir o chacoalhar da velha carroça puxada por um boi magro de aparência cansada, que, a meu ver, não aguentaria por quatro dias a estrada esburacada e mal traçada. Até que o ‘poreto’ se saiu bem, pois, apesar de magro, resistiu os muitos quilômetros que fizemos até à Colônia. Lembro que esse período foi muito difícil. Eu e meus irmãos, apesar de pequenos, tínhamos que ajudar a abrir o mato fechado, que tomava conta do lote de terras que recebemos do governo. O Marttello, fiel companheiro, sempre nos ajudava. Ele, com seu faro apurado, detectava de longe os perigos e também a caça, que nos servia de alimento. Aos poucos, nossa família foi se ajeitando, construímos nossa própria casa com as madeiras brutas das árvores, e plantávamos para sobreviver. Fizemos até uma casinha para o Marttello, e a colocamos em frente à nossa porta para que ele nos protegesse. Além de muito zeloso, ele estava sempre alegre e sua alegria amenizava um pouco o nosso sofrimento e a tristeza que sentíamos ao lembrarmos da Itália. Passamos muitas dificuldades e, por inúmeras vezes, ficávamos nos perguntando que ‘cucagna’ era essa que tanto falavam os italianos sonhadores. A resposta me veio muito tempo depois, quando vi que tudo o que passei contribuiu para a pessoa que sou hoje. A persistência e a coragem são marcas do meu caráter, assim como a honestidade e a vontade de vencer. É certo que a vida, ao longo dos anos, me ensinou inúmeras coisas que garantiram minha sobrevivência, porém, as maiores lições, que carrego comigo até hoje, com muito orgulho, devo ao meu grande amigo Marttello. Com ele, aprendi a ser feliz apesar das dificuldades, a encarar a vida de frente e a buscar soluções sem desanimar. Morreu bem ‘vecheto’ o ‘poreto’, mas a lembrança dele ainda vive dentro de mim. Não foi só a minha família que passou por tantas dificuldades, mas todas as famílias dos imigrantes italianos desbravadores dessa ‘nova terra’. Famílias que marcaram a história desse país, que fizeram do Brasil um lugar de buscas e de conquistas. Acredito que – assim como eu – muitos, ao contar sua história de vida, abrem o seu baú de memórias e sentem saudades de um tempo que não volta mais. Texto de Franciane Sassi, aluna da disciplina de Leitura e Produção Textual III do Curso de Letras da UCS/CARVI, escrito com base no depoimento de Gemma Consoli, filha de João Consoli, narradorpersonagem dessa história.