APRESENTAÇÃO DE CARTA DENÚNCIA CONSTITUÍDA DE ASSINATURAS QUE FORAM REUNIDAS NO INTERIOR DAS ALDEIAS INDÍGENAS DO POVO FULNI-Ô ENCAMINHADA AO: SECRETARIO DE DIREITOS HUMANOS, À FUNAI BRASÍLIA, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, PROCURADORIA GERAL DO ESTADO, OAB-PERNAMBUCO, UNIVERSIDADES, ÓRGÃOS DE IMPRENSA. Relato Denúncia, Por meio do presente documento, homens, mulheres, jovens e anciãos, membros representantes do povo Fulni-ô de Águas Belas – Estado de Pernambuco, manifestam aqui o sentimento de repúdio e indignação à entrada não autorizada de policiais militares alocados no 4º C.O.M. de Águas Belas e o 9º B.P.M. de Garanhuns-PE, na área do aldeamento indígena da aldeia Fulni-ô. Denunciamos junto às competências legais reconhecidas pelo estado democrático de direito as reincidentes ameaças que diversos cidadãos indígenas vêm sofrendo nos últimos meses. Antes de tudo, infelizmente, reconhecemos que indivíduos indígenas presentes na comunidade são acusados de responderem por atos criminosos: tais como; furtos, uso de drogas, incitação ao crime, porte ilegal de armas etc. Entretanto, compreendemos que ainda que esses crimes fossem sentenciados em instancia transitado e julgado, por si mesmo, não justificaria as frequentes investidas que a polícia militar vem fazendo nos espaços doméstico e comunitário das aldeias Fulni-ô. Repudiamos a violência desmesurada, materializada na arbitrariedade da operação militar, a qual atingiu a ordem do inaceitável na manha dessa última sexta feira 31/01/2014. Por volta das 10h30min da manha três viaturas da polícia militar de Águas Belas invadiram o espaço territorial que divide a fronteira entre a cidade e a aldeia. Após chegarem à aldeia se deslocaram até a rua general Dantas Barreto que fica a 200 metros do posto administrativo da FUNAI- FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO e invadiram uma casa que divide o muro com a escola estadual Marechal Rondon. Por se tratar do horário de recreio havia muitas crianças brincando na rua. Nada disso foi suficiente para conter os ânimos dos policiais que sacaram armas apontando para quem estava no local. Diante de tal situação, vários dos indígenas presentes reclamaram da forma como foi feita a abordagem policial, com socos e pontapés, além disso, a todo tempo ameaçavam de dispararem em quem 1 esboçasse alguma reação. Nessa intervenção equivocada que foi realizada pela PM, vários indígenas sofreram agressão física e psicológica. Uma senhora de idade afirmava que “no passado até um cacique já foi assassinado”referencia ao cacique Procópio Sarapó que morreu nos anos 60 vitima de um disparo de arma de fogo feito por um soldado – “nunca havia visto os policiais se comportarem daquela maneira tão agressiva”, constatando-se nessas palavras toda truculência da invasão policial. As crianças corriam assustadas, pais e mães de família saíam indignados de suas casas, o que em poucos minutos formou um conglomerado de pessoas na rua como se pode ver nas fotos abaixo. Após não encontrarem absolutamente nada na casa invadida, os policiais tentaram justificar o operativo que reuniu mais de 10 soldados, em razão de uma suposta denúncia anônima que informava haver drogas e pessoas portando armas de fogo. Não temos conhecimento algum sobre a natureza desta suposta denúncia. Pelo contrário, sabemos que há três semanas dois policiais foram impedidos de fazerem uma revista, o famoso baculejo, a dois cidadãos indígenas que naquela ocasião iam comprar mantimentos no mercado público de Águas Belas que fica muito próximo da aldeia. Exigiam que apresentassem documentos com foto e ameaçavam apreender uma motocicleta, foi quando vários indígenas presentes interviram à ação dos policiais, informando que os acusados eram pessoas de boa índole, além de estarem no seu próprio território e por isso não havia obrigatoriedade de estarem munidos dos documentos exigidos. A contestação ao fato teve como desfecho a ameaça de um dos policiais que bradou em alto som, dizendo que 2 ainda assassinaria pelo menos dois indígenas. A mencionada invasão comunitária que ocorreu na aldeia no último dia 31 de janeiro pode ter sido uma forma de represália aos vários indígenas que se manifestaram contra aquela ação dos policiais militares. Informamos então, pois, que a casa que veio a ser invadida na aldeia serve, na verdade, para reunir jogadores de baralho, pôquer e dominó. Jogos de pequenas apostas, hábitos frequentes em vários lugares da aldeia. Depois das refeições, muitas pessoas habitualmente se reúnem nas calçadas para jogar baralho e fumar suas Xanducas, cachimbos feitos de madeira de angico que servem para uso do tabaco. Seria essa uma das razões para esse tipo de ação policial? Se a resposta tende ser afirmativa, o abuso de autoridade presente na operação foi motivado pelo preconceito, sentimento racista e xenofóbico que atinge muitos brasileiros e suas instituições. Foto: Depois que os ânimos se amenizaram o indígena explica que não porta arma de fogo. Sabemos que em qualquer comunidade, seja ela rural, urbana, quilombola ou indígena, existem pessoas que cometem atos criminosos. No entanto, recomendamos junto às instituições que representam o Estado, inclusive a polícia, não cometerem o equívoco da generalidade, atribuindo adjetivos que desqualificam nossa comunidade. Apesar de zelamos pela boa convivência com os não-indígenas, recordamos que o município de Águas Belas está encravado irregularmente dentro do território Fulni-ô. Em razão disso, exigimos 3 respeito para que nossa aldeia não seja tratada como mero bairro periférico desta cidade. Compreendemos também que a polícia não pode se posicionar como instituição inimiga da comunidade, devendo haver um esforço recíproco para o cumprimento da lei e da justiça. Apesar disso, reconhecemos que existe uma minoria de pessoas agindo de má-fé em nosso meio e estamos abertos para contribuir com o poder público, a fim de que sejam tomadas as medidas legais cabíveis perante a legislação brasileira, considerando claro o fortalecimento dos mecanismos de justiça comunitária. Desse modo, não aceitamos em nosso território o abuso de autoridade, constatado no uso desproporcional da força, contra pessoas de bem, jovens, estudantes, pais e mães de família. Portanto, reivindicamos dos órgãos competentes o cumprimento da imediata proibição à entrada não autorizada de PMs nas aldeias Fulni-ô. Por último, cobramos uma investigação detalhada que resulte no esclarecimento dos fatos e em conformidade com a lei, punição aos envolvidos. Aldeia Fulni-ô, 03 de Fevereiro de 2014. 4