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GRINGOS DE PILCHA: O QUE ELES APRENDEM NA TEVÊ ?
Veneza Mayora Ronsini
Professora na UFSM/RS e doutorando em Sociologia da Cultura na USP
Resumo: O texto é o resultado da análise parcial dos dados empíricos com
uma família de migrantes e descendentes de italianos com o objetivo de entender
a relação entre identidade cultural e televisão. Para tal, são estudados os vínculos
de pais e filhos com a cultura italiana e com a cultura gaúcha, observando-se que
a adesão à cultura regional deve-se a uma inserção cultural não realizada das
famílias.
Estudar a identidade cultural é mergulhar em uma rede de relações sociais
intrincadas onde não sabemos muito bem quais são os fios mais importantes da
trama. Na medida em que ela se define sempre em termos relacionais, é prenhe de
contradições porque é utilizada em conformidade com as situações de modo a se
obter lucros simbólicos frente à exclusão econômica e social.
Os dois modelos existentes dentro dos estudos culturais que disputam a
melhor explicação sobre modo de produção das identidades, ao invés de
excludentes, são vistos aqui
como duas formas possíveis de entendê-las. O
primeiro assume que existe um conteúdo intrínseco e essencial por qualquer
identidade que se define por uma origem comum, uma experiência comum ou
ambas, ou seja, essa busca é uma tentativa de oferecer uma identidade completa
e separada de outras existentes; o segundo enfatiza a impossibilidade de uma
constituição identitária completa, distinta e separada. As identidades são sempre
incompletas e relacionais e por isso elas necessitam diferenciar-se através da
negação( GROSSBERG, 1996: 89). O primeiro modelo nos ajuda a entender a
ideologia da identidade que a essencializa de forma a poder abarcar toda a gama
de heterogeneidades possíveis em uma representação fictícia que serve de modelo
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a grupos distintos; o segundo, a real constituição da identidade cultural, isto é, o
modo como os sujeitos sociais as produzem na vida mundana.
Quando se trata de investigar a cultura gaúcha, vemos que o gauchismo
propagado pelo estado, meios de comunicação de massa e escola produziu uma
imagem de gaúcho -com base em um modo de vida rural que têm suas raízes no
século XVIII - que serve de referência para todas as classes sociais, apaziguando
os reais desníveis.
sócio-econômicos do nono estado brasileiro com maior número de miseráveis. É
um discurso ideológico porque, entre outros motivos, sabemos que ele serve de
legitimação para uma oligarquia rural mesmo que nos tempo atuais ela tenha
deixado de ser economicamente hegemônica.
Se analisarmos a circulação social do gauchismo aí então percebemos
que ele não se atualiza por sua origem mas pelo modo como se relaciona com
experiências concretas muito distantes do gaúcho das estâncias. E na sua
produção nada se assemelha a um produto completo, mas a um permanente vir a
ser que se constitui relacionalmente com as distinções de classe, do rural e do
urbano.
Neste ensaio tentaremos evidenciar o papel da identidade cultural na
manutenção e transformação dos valores de uma família cujos pais migraram
para a cidade há 16 anos atrás.
1.O cotidiano na cidade
Classe social, para nós, é uma categoria-chave de análise para se entender
a inserção dos sujeitos no mundo social, mesmo que certas tendências na tradição
interdisciplinar dos Cultural Studies tendam a enfatizar a importância do gênero e
da etnia. Grupos masculinos ou femininos, brancos, negros, indígenas serão
diferenciados, em primeira instância, por fatores sócio-econômicos e pelo acesso
à distribuição e uso do poder. A classe social é o modelo de identificação do qual
dependem todas as outras formas de construção de identidades. Como evidencia
Miliband (1990: 440-441), a classe é um componente intrínseco e decisivo do ser
social e está por trás de todo conflito que na aparência é interpretado como
exclusivamente étnico ou religioso. Assim, por exemplo, os descendentes de
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italianos são leais à classe popular, independente dessa classe ter qualquer
semelhança étnica com os "de origem".
"Os que aparecem na tevê não são como na minha geração, porque tem
uns italiano que são cheio do mango. Aparece aqueles que nasceram num nível
mais elevado". (Pozzobon/filho)
"São de outra raça, mas tavam trabalhando junto com a gente".
(Pozzobon/mãe)
O bairro é sede de toda a vida da família Pozzobon: a escola, o trabalho,
os vizinhos, o Centro Comunitário, a Igreja e o CTG se concentram nele.
A maior parte do dia a dia é gasto no trabalho e ele é a maior
preocupação da família. O pai, 50 anos, trabalha como pedreiro autônomo, a
esposa, 51 anos, é dona-de-casa e tem um importante papel na economia
doméstica por suas habilidades culinárias e na costura. A filha, 20 anos, trabalha
como atendente em uma papelaria. O filho, 18 anos, parou de tabalhar como
servente de pedreiro para fazer o curso preparatório para sargento.
A cultura, por sua vez, está colada a materialidade da vida social.
Observou-se que quando a classe social determina a exclusão do grupo familiar de
qualquer forma institucional de lazer, ele compensa o fato utilizando-se de
mecanismos de valorização simbólica. Por exemplo, quando as demandas
econômicas do CTG para o uso de trajes típicos os impedem de frequentar os
bailes, a cultura gaúcha é desprestigiada como menor em relação à italiana ao
dizer que "o gaúcho só passou adiante o chimarrão e o churrasco".
A questão é como combinar esses elementos na ánalise do funcionamento
da cultura gaúcha. Especificamente, a questão a ser respondida é se a cultura
gaúcha propagada pela televisão possui alguma importância na definição das
identidades culturais de gringos e gaúchos. Na produção televisiva existem dois
eixos culturais: um é o modo de vida da classe média e alta do Rio e São Paulo,
vinculada ao consumo dos shopping centers e do turismo internacional e a
tendência dos telejornais em enfatizar os escândalos econômicos ou sociais na
vida brasileira e as catástrofes naturais ou políticas que caracteriza a edição dos
temas internacionais; outro, é o apelo regional da RBS. Aquilo que se sobressai é
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esse contraste entre o mundo urbano ficcional e o tênue gauchismo da RBS. Os
veículos de divulgação da cultura regional, tais como família, escola, meios de
comunicação (especialmente o rádio) e CTG têm um peso relativo diferente para
cada membro do familiar.
Institucionalmente, a escola parece contribuir com a menor parte: os
entrevistados não lembram quase nada dos ensinamentos sobre a Revolução
Farroupilha e outros fatos históricos aprendidos e raras foram as festas cívicas
citadas por eles. Limitam-se a relatar que no dia do gaúcho os professores pedem
prá colocar a pilcha. É quando a escola organiza um grupo de danças gauchescas
que chama a atenção com mais eficácia para a cultura gaúcha. O CTG também
têm pouca influência para aqueles que o freqüentam como um clube- lugar no
qual podem usufruir do escasso lazer oferecido no bairro- e uma influência crucial
para aqueles que participam como membros da patronagem(diretoria) e representa
um meio de obter status junto à comunidade do bairro e, até mesmo, para se
tornar mais próximo do círculo de autoridades governamentais que
são
convidadas a participar dos eventos mais significativos promovidos pelo MTG.
Os jovens, nos primeiros anos de escola, carregam sua marca distintiva,
por terem nascido no campo(timidez, simplicidade) e serem descendentes de
italianos(sotaque diferente). Foram discriminados pelos "filhinhos de papai" ao
serem taxados de "colonos" pelos colegas. Os pais sofrem com o sotaque "de
gringo", resquício dos "nonos e nonas" que só falavam o italiano em casa. O caso
mais sério na família Pozzobon é o da mãe que desistiu de ter vida social porque
sente vergonha dos comentários de outras pessoas.
Na esfera da família é que os valores do tradicionalismo são legitimados
como aceitáveis ou inaceitáveis. Para os italianos, a opção por participarem das
atividades do CTG- rodeios campeiros e artísticos, jantares-fandango, bailes da
Semana Farroupilha - decorre do "ambiente familiar" das entidades, onde há um
controle das bebidas alcoólicas vendidas e do comportamento dos associados que
fucnionam como uma garantias frente à permissividade dos clubes onde segundo
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eles "corre droga" e outras coisas (sexo). Em segundo lugar, porque é um local de
lazer relativamente barato.
Uma forma de identificação com o tradicionalismo é, aliás, a adoção pelo
movimento dos elementos culturais dos segmentos
sociais despossuídos do
campo (linguagem e música) : todos eles afirmam que um dos traços
característicos do gaúcho é falar "grosso".
Quanto aos meios de comunicação de massa, eles tornam visíveis a
distinção eixo Rio-São Paulo e nós, os gaúchos. Aqui tanto pode-se se reforçar o
conservadorismo moral dos gaúchos, como o orgulho do ser gaúcho e ainda
nossas diferenças econômicas e simbólicas. O que está em jogo é o nacional e o
local, os ricos e os pobres. Assim como no CTG, que é um lugar para o conflito
de classes e de categorias distintas de gaúchos ditadas pela "raça".
2.Vinculação dos italianos com a cultura gaúcha
Além da família investigada, alguns parentes próximos como primos e
tios freqüentam também o CTG, sendo que uma das primas é a primeira prenda
juvenil. A forma de
vinculação da família com as entidades tradicionalistas
evidenciam a preponderância da classe social para a identificação cultural. No
CTG Sentinela da Querência predominam os gringos, mas isso não foi suficiente
para que a família permanecesse na entidade, deslocando-se para outra entidade, o
CTG Sepé Tiaraju, no qual "os de origem" são minoria.
O pai, desde 1990 têm contato com o tradicionalismo gaúcho, participando
da fundação do CTG Sepé Tiaraju, assim como do Sentinela da Querência, do
qual se desligou. Em novembro de 1994 foi eleito patrão do Sepé Tiaraju. Depois,
foi diretor do Departamento de Bocha( apartir de janeiro de 1997) da 13a Região
Tradicionalista, permanecendo no cargo até 1999 . Além da participação em
excursões organizadas pela entidade a fim de assistirem rodeios em cidades
gaúchas, está intimamente ligado ao tradicionalismo, usando a linguagem
gauchesca rural frequentemente: fui apealado, era como cavalo chucro e frisa
como diz o gaúcho. Conhece a história do Rio Grande do Sul e sabe de cor o
estatuto do MTG. Esta intimidade com a cultura gaúcha já começou na época em
que vivia no campo, pois lá haviam corridas de cancha reta, na qual Ter um
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cavalo para correr era uma oportunidade de afirmar a masculinidade e o poder
econômico, já que por um lado se podia demonstrar as habilidades com o animal
e, por outro, a posse de um cavalo bem cuidado e jovem era um luxo que poucos
podiam ter.
Pai e filha aprenderam no CTG a culinária gaúcha: arroz de carreteiro,
arroz com linguiça, sopa de mocotó e de mondongo, feijão da campanha ( feito
com alguns pedaços do porco).
A mãe frequentou CTG somente para acompanhar a família e é a única
que não assimilou nada do tradicionalismo porque seu envolvimento com esse
movimento foi superficial. Sua quase inexistente interação com o mundo social é
todo o tempo reafirmada ao evitar falar com seu sotaque peculiar. Seu extremo
constrangimento no mundo social se resume ao fato de que "eles dão risada da
gente, dos italiano simples como nós, enton eu fico no meu cantinho". Mesmo a
culinária gaúcha que é de conhecimento comum a todo estado ela só reconhece
como prato típico o churrasco. Esta desvinculação como gauchismo já é mais
antiga, pois em sua família ninguém tomava o chimarrão.
Em relação à música nativista, o pai e o filho são os que escutam a rádio
Nativa FM. O contato do filho com o CTG aconteceu desde os 10 anos de idade,
pelo jogo de bocha e essa participação na entidade é fundamental para o conceito
de gaúcho, que na sua opinião é aquele que defende o movimento tradicionalista e
sabe fazer o trabalho rural. Estes são os verdadeiros gaúchos.
Para a filha o conceito de gaúcho - aquele que defende a tradição -também
é resultado da vinculação com o CTG. Portanto, para a família Pozzobon existem
dois modos de ser gaúcho: o do gaúcho rural é saber fazer o trabalho campeiro; o
do gaúcho urbano é saber dançar e outras habilidades artísticas do gaúcho urbano.
Todos eles estão agora mais afastados do CTG, resumindo-se a participar
de 2 bailes tradicionalistas anuais com exceção do pai cuja participação se dá
através do jogo de bocha e do encontros com os amigos no CTG para conversar.
Quem melhor expressa o desencanto com o tradicionalismo são as mulheres que
se deve ao fato dos frequentadores dos CTGs estarem deturpando os bailes
tradicionalistas com exigências a respeito do traje:
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"É caro e ninguém trata as pessoa com igualdade, como era antes. Eu não
tenho condições de todo mês fazê um vestido de prenda. Eu ia com o mesmo
vestido durante um ano e ficava todo mundo olhando. E outra: prá mim, o
tradicionalismo não é luxo. Hoje, quando eu posso eu vou num baile
tradicionalista".(filha)
"Em cada festa é um vestido. Se tu não trocava, eles comentavam".(mãe)
3. Vinculação dos italianos com a cultura italiana
Os traços mais importantes da cultura italiana presentes no cotidiano são a
família como fonte de afetividade, suporte material e moral, a religiosidade, o
sotaque, a culinária, o valor do trabalho e da economia. É motivo de muito
orgulho para a família ter antepassados italianos e tanto os pais quanto os filhos
sabem exatamente o lugar de onde eles veiram paternos vieram da Itália e os
eventos marcantes da viagem deles para o Brasil.
Pessoalmente a família Pozzobon identifica-se com suas origens italianas:
o pai é o único que se considera um ítalo-gaúcho, pois se sente à vontade com eles
pelas brincadeiras que eles costumam fazer, mas também se considera um
legítimo gaúcho, pelas habilidades que aprendeu no meio rural. A ligação da mãe
com a cultura italiana por ser vivida sem nenhuma tensão, não têm a consciência
das distinções e o vigor que ela significa para os demais. É justamente pelo
confronto que eles enfrentam na vida diária que esse vínculo se fortalece o que
confirma a tese da força do híbrido.
A filha se considera italiana porque seus bisavós nasceram na Itália,
conserva os costumes dos antepassados e usa expressões que aprendeu com os
avós. O filho se sente mais italiano pelo que lhe falta para ser gaúcho: a s
habilidades necessárias à vida rural. As práticas religiosas que caracterizam a
cultura italiana são preservadas através dos hábitos de participar da missa (1 vez
por mês), das festas religiosas no bairro (2 vezes por anos), na cidade (Romaria da
Medianeira)ou no meio rural (2 vezes por ano) e ainda da devoção de santos. A
freqüência dos filhos à missa, comparados aos pais é três vezes menor. Incluem-se
aí também o hábito de recorrer ao padre da paróquia local como recurso para a
solução de problemas comunitários.
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Também faz parte dos ensinamentos religiosos a regra sagrada da
indissolubilidade do casamento, obrigatoriedade dos encontros familiares para
batizados, casamentos e aniversários
4. A televisão
Os aspectos situacionais da relação do receptor com a televisão ou a forma
com que as pessoas assistem televisão parecem explicar muito pouco da
apropriação das mensagens televisivas, pois o momento de estar frente ao vídeo é
apenas uma etapa do processo de ver tevê, que em certo sentido pode anteceder e
e se suceder a transmissão. Também é difícil afirmar que a assistência coletiva é
mais negociada no meio familiar porque como se constatou nesta pesquisa, a
regra n0 1 adotada pelas famílias é ver em silêncio de forma a não prejudicar o
entendimento. Também ficou evidente que as críticas a nudez, ao sexo ou à
violência pode não acompanhar uma restrição dos pais aos programas com essa
tendência vistos por toda a família, como seria o esperado.
A "leitura" dos textos audiovisuais da tevê se complementa com a
audiência de outros veículos de comunicação: os mais velhos buscam
especialmente a informação radiofônica; os mais jovens, a extensão do lazer
televisivo através da música.
Outro aspecto importante do tipo do modo de leitura dos meios de
comunicação de massa é que se trata de uma leitura horizontal (do gênero em si) e
vertical( dos gêneros entre si). Além de informar e distrair ( "esquecer os
problemas")a TV tem função de servir de modelos de atitudes no mundo urbano,
função que é realizada pela identificação com atores e atrizes ou mesmo com
idéias veiculadas nos telejornais..
A identificação com os heróis que buscam a justiça é um forte apelo para
quem também se sente injustiçado socialmente. Assim Van Damme representa
aquele que luta pela verdade. A memória de situações marcantes na tevê está
associada também a injustiças, como o caso da morte do líder dos Sem Terra na
novela Rei do Gado (Pozzobon/filha) ou do plano arquitetado contra Nando que o
levou à prisão por porte de drogas na novela Por Amor (Pozzobon/ filho).
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Embora não haja nenhum programa com o qual eles possam se reconhecer
como classe - porque a telenovela, segundo eles, frequentemente
enfatiza
situações sociais favoráveis onde o desemprego, a violência, a carência
econômica são ocasionais, os entrevistados se identificam com a estrutura de
sentimento da ficção televisiva: a relação homem-mulher,
pais e filhos e a
amizade. Fato já investigado por Ien Ang no seu estudo de recepção da soap opera
Dallas. A telenovela é encarada como uma vida social tranqüila, se comparada a
vida social na cidade, onde é preciso estar "sempre batalhando"para se conseguir
o que quer.
O aspecto principal do sucesso da ficção televisiva em geral, para os
jovens, e a telenovela, para os mais velhos, é que ela serve de modelo de atitudes
em todos os planos da vida social urbana (relacionamento homem/mulher,
comunidade) e de linguagem ("falam certinho"). Ela facilita, para os jovens, um
relaxamento nos padrões morais em relação ao namoro pois a novela é mais o que
contraria a educação familiar do que o modo que deve ser seguido. Portanto, todo
o modo de vida urbano representado pela televisão é negociado no espaço do lar,
conforme pode se percebido nestes depoimentos:
"Na novela aparece uma situação que já pode ter acontecido na família e
isso ajuda a gente a debater". (Pozzobon/filho)
"A tevê informa sobre sexo, na escola também e os pais também dão uma
opinião para os filhos. Eu acho que eu aprendi muito mais com o pai e a mãe o
que eu devia fazê ou o que eu não devia". (Pozzobon/ filho)
" Eu acho que ajuda, ela mostra muitas coisas que a gente deve de ser,
deve se comportar na cidade. Até assalto. Logo que eu vim morar aqui eu não me
preocupava e a TV fala sobre isso". (Pozzobon/filha)
Isto é, o comportamento do receptor continua sendo ditado pela família
enquanto a TV fornece um mapa para mudança de atitudes frente a certos desafios
na vida, quanto aos cuidados que se deve ter na cidade, as decisões no namoro e
mesmo para aceitar as diferenças geracionais:
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"A menina de fora é bem diferente da menina da cidade. Ela ajuda como
se relacioná. Os da cidade são mais avançadinho e a gente fica
conhecendo".(Pozzobon/filha)
"Foi na novela das duas, no Vale a pena ver de novo, que ela pensou se
contava ou não sobre os sentimentos dela. E contou. E eu pensei: eu também vou
contar".(Pozzobon/filha)
"No meu tempo o namoro era na base da conversa; hoje se abraçam e se
beijam na frente de todo mundo. O beijo é normal na tevê." (Pozzobon/ mãe)
Acreditam que certas mudanças na família rural como o declínio da
autoridade dos mais velhos e/ou dos pais foram conseqüência da introdução das
telenovelas porque através delas as crianças têm uma orientação sobre amor e
sexo, tarefa do qual a família ficou em segundo plano. A televisão é responsável
ainda pela homogeneização dos costumes entre campo e cidade.
Desde o meio rural, o papel da TV foi importante para o processo
migratório, no sentido de que socializou antecipadamente as famílias: ensinoulhes como agir em público, isto é como falar e como tratar as pessoas, além de
oferecer-lhes um sentido de orientação no meio urbano ao descrever a cidade e
suas instituições :
"(...) a gente tem uma grande escola na tevê.Ele sabe discuti. Isso se
aprende nas notícias e em muitas outras coisas". (Pozzobon, pai)
"(...) se eu não assistisse fazendo tricô, a tevê me daria muita orientação
sobre como são as coisas agora". (Pozzobon, mãe)
" Prá gente que vem de fora, ajuda a ter um comportamento mais aberto.
Antes, na escola, eu ficava isolada, murchinha no meu canto. Agora se tem
alguém que eu não conheço na sala de aula eu converso, falo até sobre novela. Ela
ajuda a gente a se expressar mais". (Pozzobon, filha)
" Pode ajudá na conversa, no jeito de se dar bem com ou outro(...) Pode
ajudá olhando o jeito que eles tratam as pessoas".(Pozzobon, filho)
A televisão possuiu um papel importante para a sobrevivência do migrante
na cidade no sentido de ensiná-los a reivindicar seus direitos. A principal área de
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reivindicação foi a de lazer: através da associação comunitária os moradores do
bairro conseguiram construir o Centro Comunitário e os CTGs.
"A televisão mostra que tem que fazê parte disso, de uma associação
comunitária, ajudá uma instituição: se eu tô lá dentro no Centro Comunitário é
uma pessoa a mais na comunidade e ela tem mais força prá reinvidicar
as
prioridade prá ela. A TV mostrô prá mim as outra comunidade como fizeram.
Todos os morador se uniram. Por exemplo tem domingo de manhã o RBS
Comunidade".
4.1 A identidade rural-urbana e televisão
Sendo a identidade construída através de práticas e formações discursivas
através das quais os sujeitos usam para ocuparem suas posições na estrutura
social, veremos que representações eles produzem e como se posicionam em
relação a elas. Chamamos de identidade rural-urbana o reconhecimento das
pessoas com o meio rural e o meio urbano e ela se baseia na experiência vivida no
campo direta(caso dos pais) e indiretamente(caso dos filhos, que têm um contato
intenso com os parentes que moram no campo e que recebem a herança
transmitida pelos pais)-, bem como nas representações de campo e cidade
construídas no cotidiano urbano.
Quando os entrevistados falam das diferenças existentes entre rural/
urbano, eles sabem que elas se devem as injustiças sociais que colocam os
habitantes do campo numa posição desprivilegiada. Observa-se, por outro lado,
que as representações são bastante influenciadas pela tevê.
Para a família Pozzobon, a imagem das qualidades positivas do campo se
baseia na honestidade (é dificil ver um jovem do campo roubá, assaltá/Opessoal
do campo é mais simples, mais honesto), liberdade, segurança, aspectos negativos
tais como pobreza e trabalho árduo. A imagem positiva da cidade refere-se às
oportunidades de trabalho e de comunicação(sair do isolamento que se vive no
campo); a imagem das desvantagens que a cidade oferece deve-se à violência e a
necessidade de manter-se dentro de um certo padrão de vestuário para ser
socialmente aceito.
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Com respeito a moral urbana real, ela se distingue da moral rural, sendo
que a primeira se aproxima da moral urbana representada pela tevê:
"Eu acho que na cidade acontece mais a traição(adultério) como
aconteceu em Rei do Gado e Por Amor. Isso é que eu não acho certo. Aqui na
cidade tem um eito disso, isso é uma rotina". (Pozzobon/filho)
Em relação ao modo como os próprios entrevistados se percebem, como
urbanos ou rurais, na família Pozzobon o pai se caracteriza como um híbrido-pois
sabe fazer tanto o trabalho urbano como o rural-, definindo-se por aquilo que
considera sua principal função: o de provedor. A mãe se considera rural porque as
mulheres urbanas são as que "mandam a empregada fazer o serviço", enquanto
ela tem muito orgulho por suas habilidades no lar. O filho considera que seu
comportamento e modo de pensar é rural, como seus amigos e parentes de Três
Barras, onde nasceu: "não gosto de agitação e de sair todo final de semana".
Agitação significa ir a lugares onde muitos jovens se reúnem para beber, namorar
e conversar como a av. Presidente Vargas. A filha também acredita que tem um
comportamento rural, sentindo-se diferente das amigas do bairro também quanto à
valorização da aparência.
Quanto às distinções entre os homens e mulheres da campo e da cidade,
eles enfatizam as qualidade morais da mulher do campo, enquanto a maioria
prefere não falar do comportamento sexual do homem rural- talvez porque como
disse um jovem "homem é tudo igual, aprontam mesmo". Por outro lado apontam
as mudanças nas atitudes da juventude no meio rural como fruto da influência da
escola e da televisão :
"Hoje não tem muita diferença porque... prá ti notá a diferença da do
campo e da urbana só se tu for prá um lugar onde não chegou a eletrificação rural
e a televisão.Na colônia têm as que são sincera e aquela que não é. Só que lá tem
mais a sincera do que aqui".(Pozzobon/ pai)
"Os que era do meu tempo são diferente, mas os jovens tão quase
comparando com os da cidade. Terminou a timidez. Hoje, eles vão até a 5asérie no
meio rural e saem prás escola núcleo ou vem para o ginásio em Camobi (tem
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transporte). Eles têm condição de sê um homem urbano porque têm convivência
com o homem urbano, com o pessoal da cidade". (Pozzobon/ pai)
"Tem criança que sabe muito mais que a gente. Por causa de que? Eles
mesmo dizem que aprendeu novela".(Pozzobon/ mãe)
"A mulher rural é mais companheira do homem. E se por acaso o
casamento não desse certo ela largaria o marido, coisa que as mulheres da cidade
não tem coragem de fazê porque não têm emprego. (..) O homem rural também
valoriza mais a mulher. Aqui eu ouço dizer que mulher é cama, fogão e tanque.
Os vizinho dizem isso". (Pozzobon/filha)
"No comportamento as do campo são mais quieta(tímidas), a da cidade
mais agitada e namoram diferente. No jeito de vestir, as da cidade gostam mais de
detalhe e as do campo tem até medo de vir prá cá porque pensam: Ah! Eu vou
com essa roupa!" (Pozzonbon/ filho)
4.1.1 A leitura das representações televisivas de campo e cidade
A imagem de campo e cidade que procuramos investigar junto aos
entrevistados foram dirigidas, nas perguntas,
para os seguintes aspectos:
distinções materiais e simbólicas de classe social e diferenças no mundo
cotidiano. Tendo como hipótese conceitual que a)as identidades, pessoais,
culturais e de classe se constróem a partir do olhar do Outro, do olhar de si em
relação ao Outro. Lembrando que a primeira diferença se dá entre pobres e ricos;
a segunda entre urbano e rural; a terceira, entre gaúchos e gringos.
Todos os membros da família Pozzobon entendem que o meio rural se
assemelha ao meio urbano ou representa a classe rural abastada, quando
comparado ao campo real. Porém as distinções entre o rural e o urbano ficam
mais claras quando o termo comparativo se estabelece apenas no meio televisivo.
Aí, o modo de falar e de vestir são os principais traços distintivos entre campo e
cidade.
A idéia que tem sobre a produção da telenovelas é que elas se baseiam na
vida real, isto é, as idéias ali embutidas são extraídas do mundo concreto. É muito
provável que
essa visão advenha de programas como Video Show que
apresentam os bastidores da produção televisiva., bem como dos Cadernos de TV
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do Jornal Zero Hora, onde os autores dão seus depoimentos sobre como escrevem
para tevê e que recursos utilizam para construir as narrativas Ali são também
comuns as declarações dos artistas sobre a observação cotidiana que fazem para
montar os personagens que encarnam. Esse mundo ficcional pode fazer parte do
universo de experiências pessoais dos receptores ou ter vínculos com situações
vividas indiretamente através de outras pessoas: divórcios, uso de drogas pelos
jovens como na Torre de Babel.
Em relação às mulheres é sugestivo lembrar que as diferenças são
compensadas pelas virtudes morais das mulheres rurais. Afinal, o personagem que
"fala certinho" , por outro lado se comporta mal porque tem um amante, ou é
mau-caráter.
"São diferentes. Eu pego a parte da Luana (O Rei do Gado), ela era bem
destrambelhada, ela falava errado, ela comia do jeito que ela era acostumada,
como é no rural. Já a outra , que tinha o amante era toda perfumadinha, ela ia nos
melhores lugares que tinha, ela comia toda delicada". (Pozzobon/filha)
"Não novela a mulher do campo e da cidade são parecida, mas na vida
real tem bastante diferença. Agora, prá mulher da cidade e essas da novela não
têm diferença".(Pozzobon/ pai)
"Elas não fazem nada. Geralmente são os marido que trabalha e elas ficam
em casa aprontando". (Pozzobon/filho)
Em relação ao homem urbano na vida real a na telenovela as diferenças
são mínimas porque:
" O homem na novela vive com uma, sai com outra e na realidade também
é assim. Não tem aquele que anda com uma e fica só com aquela".(Pozzobon/
filha)
"Eu acho que é parecido porque o vestuário de quem mora no centro tá
sempre bem arrumado" (Pozzobon/ pai)
Não é tanta a diferença. Eles saem e vão trabalhá, como na cidade: o
homem trabalha prá sustentá a família. Só que na cidade o serviço é mais puxado.
Na novela é tudo serviço fácil que o cara enfrenta".(Pozzobon/ filho)
4.3 A identidade cultural gaúcha e italiana
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4.3.1 Gringos e gaúchos na tevê: a leitura dos "italianos"
Na família Pozzobon,os homens acham que a TV define muito mal o
gaúcho: seja pelo que deixam de mostrar com a falta de apoio ao movimento
tradicionalista, seja pela visão estereotipada do gaúcho. O filho ressalta que a TV
é uma "mídia muito grande" porque em todos os assuntos que ela apresenta o
enfoque está sempre centrado nos "grande" : grandes proprietários de terra,
grandes clubes de futebol, o italiano bem de vida e o gaúcho seria uma desses
"pequenos"( que se contrapõe aos ricos) que são excluídos da tevê. O gaúcho,
para ele, é o homem rural que tem um sotaque diferente (do interior paulista)
como o personagem Jorginho, da novela Corpo Dourado e que as pessoas tratam
com desdém. Para a filha, o gaúcho na televisão é representado pelo fazendeiro.
"O Galpão Crioulo era ao vivo, agora já não é mais. Agora tá dando um
pouquinho: conheça um pouco da história do Rio Grande, de 11 de maio de 1998
em diante até o ano 2000. Vamo vê o que eles vão mostrá! (...)A RBS, que é
nossa, gaúcha aqui, eles tinham que dá mais incentivo ao tradicionalismo. A Festa
Campeira do RGS eles deram só uns flash". (Pozzobon, pai)
"Eu não sei o que eles têm contra o gaúcho.(...) Quando ele aparece na
tevê é de um jeito tão destacado que eu acho que é só prá pisá no gaúcho. Por
exemplo, se pega um fazendeiro como no Rei do Gado, ele não tem muita
diferença dos da cidade. Agora se pega um gaúcho prá fazê este papel, fica bem
diferente dos da cidade: o jeito da roupa, de falá. Também as pessoa vão tratá ele
diferente. Só porque ele é lá de fora, não dão muita bola prá ele". (Pozzobon,
filho)
"A única novela que mostrou o gaúcho foi no Rei do Gado: porque ele era
fazendeiro, tinha jatinho particular, cabeças de gado". (Pozzobon, filha)
Para a família Pozzobon o Galpão Crioulo seria a melhor representação do
gaúcho. A figura do gaúcho nos programas televisivos em geral sintetiza todas as
classes sociais, pois ora ele pode vir a ser o fazendeiro, ora o trabalhador rural nas
telenovelas, no Globo Rural, no Campo e Lavoura ou nos telejornais. Para quem
migrou do campo para a cidade, o traço característico do gaúcho é esse misto de
fragilidade(um certo despreparo para o mundo urbano), força física(o trabalho
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rural com o gado requer força) e moral(orgulho) que outros depoimentos já
evidenciaram:
"No Globo Rural, quando mostra as fazenda e os peão da fazenda: esse é o
verdadeiro gaúcho". (Pozzobon, pai)
"O gaúcho que aparece na tevê eu só vi no Galpão Crioulo. Aí é igual. Ele
vai lá. não tem diferença. Eu vi um programa com o Nico Fagundes(Galpão
Crioulo) e mais dois cantores que estavam em Brasília e ficaram bem
atrapalhados. No interior,o gaúcho vai e não tem problema, mas quando vai para
uma cidade mairo ele já.... É que nem o da cidade que vai prô campo, sofre! O do
campo vai prá cidade também é a mesma coisa". (Pozzobon, filho)
A presença do italiano na tevê é irrisória, limitando-se, nos telejornais
lcoais a cobertura dos eventos turísticos da serra gaúcha como a Festa da Uva
(pai) ou a entrevistas com famílias tradicionais da cidade quando são realizadas as
festas que reúnem centenas de seus descendentes(mãe) e na novela "aparecem os
de maior nível financeiro"(filho) como ocorreu em O Rei do Gado, e mesmo
assim, segunda a filha, comum comportamento não condizente. O Bruno
Mezenga, protagonizado por Antônio Fagundes, por ser um fazendeiro e não se
importar com a família é tido como um gaúcho.
Conclusão: o que é ser um ítalo-gaúcho?
Ser gaúcho envolve o domínio das habilidades pastoris como domar,
ginetear, laçar e até mesmo o artesanato necessário para as atividades campeiras,
como fazer os arreios de couro o cavalo. Em termos comportamentais, o gaúcho é
"farrista" e hospitaleiro. As qualidades tais como sinceridade, laboriosidade e
honestidade estão associadas aos ítalo-gaúchos, teuto-gaúchos e outros imigrantes
europeus no estado.
O fato dele construir a imagem da gaúcho por intermédio do
tradicionalismo, quando as características são negativas ele as associa ao pêloduro, utilizando outra palavra para preservar o mito do gaúcho mesmo sabendo
que se trata da mesma coisa. O oportunismo que caracteriza a identidade cultural
é evidente aqui, pois quando se trata de valorizar o mundo rural, se apela para a
representação do gaúcho; quando o gaúcho se converte em um concorrente no
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mundo social ou quando os valores do grupo familiar entram em choque com
outros valores-no trabalho, no lazer, na família- valoriza-se os traços da cultura
italiana.
O despreparo do peão se traduz para os italianos em falta de capacidade e
vontade para o trabalho: o constrangimento social é interpretado como
características natas de uma "raça". O que realmente acontece com muitos
trabalhadores rurais das fazendas que migram para as cidades é que sua existência
anterior solitária,
pois geralmente vivem sozinhos na fazendas enquanto as
mulheres e os filhos em vila rurais, os conduzem ao único lazer disponível
nesses rincões: a bebida nos bolichos de campanha. A extensa família italiana, ao
contrário, é um suporte moral e material bem eficaz para orientar as ações do
colono, antes e depois da experiência migratória. Também, pelo tipo de trabalho
muito específico que realizam, não possuem a tradição e as habilidades dos
colonos que aprenderam muitos ofícios como marcinaria e construção civil que
depois se revelam fundamentais para a sobrevivência na cidade.
"O pêlo duro vem prá trabalhá e às vez chega bêbado e tem que tá sempre
cutucando prá fazê o serviço".(Pozzobon/ pai)
"O italiano é uma pessoa que trabalha mais" (Pozzobon/ filho)
Outro traço distintivo entre gringos e pêlo-duro é a parcimônia do
primeiro. Gastar dentro de suas possibilidades financeiras é tido com um valor
positivo pelos jovens:
"O pêlo-duro é muito esbanjador e enton não têm condição de comprá
uma pilcha". (Pozzobon/ pai)
"Ele aproveita tudo quando mata o porco. O que a gente não pode se
alimentá a gente faz o sabão caseiro: do intestino grosso misturado com a soda. E
o pessoal da cidade desperdiça. Eu sei fazê queijo também. Eu tinha 6 ou 7 anos e
mexia
com
a
méscula
na
panela
de
ferro.
Sei
fazê
bolacha,
doce".(Pozzobon/filha)
"Não me importo com a marca da roupa. Com o mesmo dinheiro que tu
compra uma calça de marca, tu compra 3 que te duram mais e tu pode variar".
(Pozzobon/filho)
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Outra diferença apontada pelo pai é a religião adotada por gaúchos e
italianos ou alemães é que os italianos são católicos,os alemães metodistas
gaúchos aderem a credos diversos como espiritismo e religião Evangélica.
A moral dos jovens italianos é diferente da dos brasileiros. Eles tem mais
respeito pelos pais, dando-lhe satisfação sobre onde vão e a que horas voltam,
enquanto os brasileiros usufruem de uma vida sem limites, na qual os pais não
tem autoridade com os filhos. Essas características morais das famílias italianas
em contraposição ao mundo familiar urbano se confunde com a moral existente
no campo, devido ao fato de que na Colônia a população é majoritariamente de
origem italiana. Muitas vezes quando eles falam em campo/ cidade, também estão
ressaltando o aspecto étnico envolvido no par de opostos brasileiro/italiano. A
família do italiano também é diferente da família do gaúcho, pois o gaúcho não
tem o mesmo interesse que o gaúcho em manter a família reunida em todas no
convívio social.
O que os conduz, então, ao tradicionalismo necessidade de formarem
redes de relações sociais que lhes permitam sobreviver culturalmente. Ou seja, o
apego a costumes e valores das estâncias da Campanha, mundo ao qual jamais
pertenceram, serve-lhes como referência para o presente vivido e como projeto
para a transmissão de certas tradições compartilhadas por pais e filhos. Os filhos
que "se criaram" na cidade necessitam seguir esses costumes para que o fosso que
separa antigas e novas gerações não se transforme em um abismo irreconciliável
de modos de ser, pensar e agir.
A coincidência entre a origem desse vínculo dos gringos com as entidades
tradionalistas e a história da criação dos CTGs no Rio Grande do Sul é sugestiva:
segundo o professor José H. Dacanal (1992: 84-86), eles surgiram por volta da
segunda metade
da década de 40, com a migração de habitantes da zona
pecuarista do estado para os centros urbanos que, sentiam-se estranhos à cultura
urbana com forte influência do Rio e rejeitavam a norte-americanização típica do
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pós-guerra. Assim também aconteceu na década de 70 com a disseminação
massiva dos CTGs, como reação à cultura carioca/norte-americana.
Ainda, um outro aspecto da adesão ao tradicionalismo é que ele pode vir a
ser um meio de se obter visibilidade social e política em um ambiente onde a
cultura gaúcha é disseminada na televisão nos comercias, no futebol, nos
programas musicais, nas propagandas políticas do governo do Estado. Enquanto
as culturas européias dos italianos e alemães são exaltadas pela classe alta, média
alta e alguns setores da média através dos Festivais de Música, da Sociedade
Italiana, nos Institutos Culturais que reúnem minorias intelectuais, nas festas
familiares das famílias tradicionais e massivamente através dos restaurantes.Os
pobres só encontram a cultura italiana nos programas radiofônicos produzidos
pelas estações AM locais, emissões destinadas aos moradores da 4a Colônia
Italiana nas quais predominam as músicas italianas.
Para Bourdieu, as lutas pela afirmação da identidade regional são
classificatórias, vale dizer, disputam o monopólio de impor a definição legítima
da divisão do mundo social e têm como objetivo a conservação ou a
transformação das relações de forças simbólicas e dos lucros correlatos(1992: 19).
Assim, em resposta a uma inserção cultural não realizada das famílias, devido
aos desprestígio que significa ser colono( ter morado na colônia ou ser filho de
pequenos agricultores da colônia), forma de identificação que lhes resta é a
adesão à cultura regional. Ela representa um modo de perpetuar o que gringos e
gaúchos têm em comum: as distinções em relação ao mundo urbano. A tevê,
como espaço de tensão entre a supremacia do nacional e a vitalidade do regional
(através da Rede Brasil Sul de Comunicações) reforça os valores locais ao eleger
como representativo do Rio Grande do Sul a imagem do gaúcho e seu modo de
vida rural. Rural tão necessário para quem não está suficientemente inserido no
urbano, que exige um sotaque, um jeito de vestir e de agir que eles, os gringos,
estão aprendendo na tevê.
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Bibliografia:
BOURDIEU, Pierre apud OLIVEN, Rubem G. A parte e o todo. Petrópolis:
Vozes, 1992.
DACANAL, Jose H. Origem e função dos CTGs. in
GONZAGA, Sergius,
FISCHER, Luís Augusto. Nós, os gaúchos. Porto Alegre: UFRGS, 1992.
GROSSBERG, Lawrence. Identity and Cultural Studies- is that all there is?
HALL, Stuart and Du GAY, Paul. Cultural Identity. Thousands Oaks
(CA): Sage, 1996.
LEAL, Ondina Fachel. Gauchos: male culture and identity in the pampas.
Berkeley (CA), 1989, Tese Doutorado.
MILIBAND, Ralph. Analisis de clases. in GIDDENS, Anthony, TURNER,
Jonathan. La teoria social hoy. Madrid:Alizanza Ed., 1990.
OLIVEN, Ruben George. O renascimento do gauchismo. in GONZAGA, Sérgius,
FISCHER, Luís Augusto. Nós, os gaúchos. Porto Alegre: UFRGS, 1992.
RIBEIRO, Darci. O povo brasileiro. São Paulo: Cia das Letras, 1995.
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GRINGOS DE PILCHA: O QUE ELES APRENDEM NA