1 Coletânea de textos GENÉTICA & CITOGENÉTICA Prof. Dr. Fábio Mesquita do Nascimento 2 MÓDULO I GENÉTICA 1 DNA, GENES E OUTROS CONCEITOS 1 - Introdução Questões rotineiras em nossa vida começam a emergir ainda quando somos crianças, e certamente vêm intrigando a humanidade desde o advento das capacidades cognitivas: "Por que as crianças se parecem com seus pais?"; "Por que na ninhada de um casal de gatos nascem apenas gatinhos, e não outros tipos de seres vivos?" ou "Por que algumas doenças são mais comuns ao longo das gerações de certas famílias e não em outras?". As respostas para questões como estas se encontram em um ramo das Ciências Biológicas denominado Genética, que engloba um corpo de conhecimento cujas dimensões vão da hereditariedade aos mais intrincados aspectos moleculares do funcionamento celular. A genética como um conjunto de princípios e procedimentos analíticos se iniciou apenas em 1860, com o trabalho pioneiro de um monge agostiniano chamado Gregor Mendel, mas foi no século XX que houve uma significativa expansão desta área do conhecimento, nos permitindo elaborar uma definição mais ampla da genética como sendo o estudo dos genes. A compreensão plena do que seja um gene só se tornou viável após a descoberta da estrutura e funcionamento do DNA, algo que se iniciou na década de 1950 e continua até os dias de hoje. 2 - Estrutura e funcionamento do DNA: um resumo O DNA, ou ácido desoxirribonucléico, é uma molécula helicoidal filamentosa localizada no interior do núcleo de células eucariontes (daí o nome genérico de ácido nucléico atribuído ao DNA). Sua estrutura se assemelha a uma escada em caracol, denominada dupla-hélice. A dupla-hélice é composta de duas cadeias de materiais estruturais interligados, os nucleotídeos. Dá-se o nome de polinucleotídeo ao conjunto de nucleotídeos interligados. CITOSINA TIMINA GUANINA ADENINA NUCLEOTÍDEOS: UNIDADES FORMADORAS DO DNA POLINUCLEOTÍDEO Fosfato Açúcar AÇÚCAR FOSFATO ÁCIDO FOSFÓRICO BASES NITROGENADAS NUCLEOTÍDEO ÁCIDO DESOXIRRIBONUCLÉICO – ADN ou DNA Bases nitrogenadas 2 Cada nucleotídeo consiste em grupamento fosfato, um açúcar (desoxirribose) e uma das seguintes bases nitrogenadas: adenina, guanina, citosina ou guanina. Portanto, existem quatro tipos de nucleotídeos, diferentes apenas pela base nitrogenada que compõe cada um. Cada um destes quatro nucleotídeos é geralmente designado pela primeira letra da base nitrogenada que contém: A, G, C ou T. As duas cadeias ou fitas de polinucleotídeos do DNA são mantidas juntas por ligações de hidrogênio. Tais ligações são específicas devido a um ajuste do tipo "chave-fechadura" entre duas bases nitrogenadas. A adenina pareia-se apenas com timina (por meio de duas ligações de hidrogênio) e a citosina apenas com guanina (por meio de três ligações de hidrogênio). As bases que formam os pares são ditas complementares. LIGAÇÕES ENTRE AS BASES NITROGENADAS NO DNA FITA 1 A A C T A G T Ligações de hidrogênio T T G A T C A FITA 2 ESTRUTURA DO DNA FITA 1 FITA 2 Pares de bases Adenina Timina Guanina Citosina Açúcar + fosfato Dupla-hélice Uma propriedade do DNA de grande importância no contexto da genética é a replicação ou auto-duplicação, ou seja, a capacidade de uma molécula de DNA originar outra idêntica. Para que este processo ocorra é necessária a atuação conjunto de diversas enzimas (helicase, primase, topoisomerase, polimerase, ligase), que irão separar as duas fitas originais do DNA, que servirão, cada uma, como molde para a síntese de duas novas outras moléculas. Como cada novo DNA contém uma de suas fitas proveniente da molécula precursora, este fenômeno é dito semiconservativo. Certos segmentos de tamanho e constituição definidos de DNA também servem como molde para a síntese de outro tipo de ácido nucléico, o RNA (ácido ribonucléico). Tais segmentos de DNA recebem a denominação de genes. Ao contrário do DNA, o RNA é constituído apenas por uma cadeia (fita) polinucleotídica, que apresenta dimensões reduzidas em relação ao comprimento total alcançado por uma molécula de DNA. Além disso, o açúcar que forma os nucleotídeos do RNA é a ribose (no DNA é a desoxirribose), e nestes nucleotídeos não é encontrada a base nitrogenada timina (T), cuja posição é ocupada por uma outra base, a uracila. É importante salientar que a 3 constituição de nucleotídeos do RNA depende diretamente da seqüência de nucleotídeos encontrada em seu gene correspondente. URACILA DIFERENÇAS ENTRE DNA E RNA TIMINA REPLICAÇÃO OU AUTODUPLICAÇÃO DO DNA Desoxirribose Bases ÁCIDO DESOXIRRIBONUCLÉICO DUPLA FITA Ribose Bases ÁCIDO RIBONUCLÉICO SIMPLES FITA Há três tipos de RNA: mensageiro (RNA-m), ribossômico (RNA-r) e transportador (RNA-t). O processo de fabricação de RNA a partir de DNA é denominado transcrição, e requer a participação de certas enzimas (RNA-polimerase, entre outras). Para que ocorra a síntese de RNA, é necessário que as duas fitas de DNA se separem ao longo de um trecho determinado, de modo que somente uma destas fitas servirá de molde para a síntese do RNA correspondente. Esse processo de síntese ocorre basicamente pela inserção de novos nucleotídeos de RNA por meio da enzima RNApolimerase. TRANSCRIÇÃO: DNA → RNA TIPOS DE RNA RNA ribossômico (RNA-r) aminoácido RNA transportador (RNA-t) RIBOSSOMO RNA mensageiro (RNA-m) Resumidamente, as funções exercidas pelos três tipos de RNA são: • RNA-r: compõe, em conjunto com proteínas específicas, a organela ribossomo, onde ocorrerá a síntese de proteínas. • RNA-t: liga-se a aminoácidos e os transporta ao local de síntese protéica (um RNA-t transporta apenas um aminoácido). • RNA-m: liga-se ao ribossomo e serve de base de emparelhamento dos RNA-t que transportam aminoácidos para o processo de síntese protéica. 4 A síntese de proteínas é um processo denominado tradução e requer a participação conjunta dos três tipos de RNA. Em linhas gerais, o processo requer as seguintes etapas: a) Ligação do RNA-m ao ribossomo. b) Emparelhamento das trincas de bases nitrogenadas de RNA-t (anticódons) às trincas complementares no RNA-m (códon). Estes emparelhamentos ocorrem na porção do RNA-m associada ao ribossomo. c) Ligação peptídica entre os aminoácidos localizados em RNA-t vizinhos. À medida que o ribossomo se desloca sobre o RNA-m e novos RNA-t são emparelhados, novos aminoácidos são adicionados à cadeia em formação. d) A cadeia polipeptídica se completa e é liberada no citoplasma da célula. Esta cadeia pode equivaler a uma proteína que irá desempenhar uma função específica. SÍNTESE DE PROTEÍNAS = TRADUÇÃO SÍNTESE DE PROTEÍNAS = TRADUÇÃO PROTEÍNA: OBJETIVO FINAL Aminoácidos Ribossomo 1) RNA-t Códon = trinca de bases do RNA-m 4) Cadeia de aminoácidos RNA-m RNA-t + aminoácido Ligação entre aminoácidos vizinhos Anticódon : trinca de bases do RNA-t 2) 5) 3) Molécula de proteína Sem dúvida, as proteínas são componentes orgânicos essenciais aos seres vivos. Elas constituem e modelam estruturas, catalisam reações químicas vitais, transportam gases respiratórios, combatem agentes nocivos ao organismo, etc., e são sintetizadas no interior das células de acordo com o processo de tradução descrito anteriormente. É importante lembrar que este processo é efetuado por meio de um trabalho conjunto de diferentes tipos de RNA, os quais são sintetizados a partir do DNA através da transcrição. Concluindo: as informações para a síntese das proteínas que compõem um organismo se encontram sob forma de seqüência de nucleotídeos em seu DNA. A combinação de efeitos diretos ou indiretos dos diferentes tipos de proteínas confere ao organismo características estruturais e funcionais próprias, às quais denominamos fenótipo. Assim, fenótipo pode ser a cor das pétalas e o formato de uma flor, o coaxar de um sapo e o tipo de veneno secretado em suas glândulas, a forma e a consistência de ossos, dentes e unhas, a cor de olhos, pele e cabelos em humanos, etc. Convém lembrar que as características protéicas refletem a composição de nucleotídeos de um gene específico. 5 DO GENE À PROTEÍNA PROTEÍNAS Gene: segmento de DNA que fabrica um RNA específico TRANSCRIÇÃO TRADUÇÃO Aminoácidos O DNA é uma molécula sujeita a sofrer pequenas modificações em sua composição nucleotídica. Tais mudanças são chamadas de mutações. Considerando que ocorra mutação em um determinado gene, conseqüentemente haverá mudanças também no RNA transcrito por este segmento de DNA, o que implicará (embora nem sempre) em alteração na proteína final. Sendo assim, um mesmo gene pode ter uma versão não-mutante (dita selvagem) e uma ou várias versões mutantes. As diferentes versões desse mesmo segmento de DNA são reconhecidas pelo nome de alelos. MUTAÇÃO EFEITO DA MUTAÇÃO Alelo original Alelo mutante Alteração no DNA Alteração no RNA Alteração na proteína ALELOS = Formas variantes do mesmo gene 3 – Conceitos básicos em genética Como já mencionado anteriormente, as moléculas de DNA de uma célula eucarionte encontram-se no núcleo (com exceção do DNA mitocondrial). Neste local, os filamentos de DNA e seus genes formam agregados com proteínas específicas, constituindo a estrutura dos cromossomos. Cada cromossomo possui uma única e longa molécula de DNA, e esta, por sua vez, encerra diversos genes diferentes. A posição do cromossomo em que se encontra um determinado gene é sempre a 6 mesma, e é conhecida como loco (ou locus) gênico. Em um loco de determinado cromossomo, podemos encontrar o gene em sua forma selvagem ou em sua (s) forma (s) mutante (s). Em uma célula diplóide, existem dois exemplares de cada tipo diferente de cromossomo. Um dos exemplares é proveniente do pai e o outro da mãe. Por exemplo, na espécie humana há 23 tipos diferentes de cromossomos, mas, em uma célula diplóide há um total de 46 cromossomos. Denominam-se cromossomos homólogos os exemplares do mesmo tipo cromossômico provenientes de genitores diferentes. A seqüência de locos gênicos em pares de cromossomos homólogos é a mesma. Sendo assim, existem dois exemplares do mesmo gene em uma célula diplóide. Entretanto, estes dois exemplares não são necessariamente idênticos. Em outras palavras, se os dois exemplares (alelos) do mesmo gene forem idênticos (ambos selvagens ou ambos mutantes), esta será uma combinação homozigota; por outro lado, se os dois exemplares (alelos) do mesmo gene presentes no par de cromossomos homólogos forem diferentes (um selvagem e outro mutante), esta será uma combinação heterozigota. Estas combinações de pares de alelos são denominadas genótipos. Existem diversas formas de se representar os genes. Talvez a mais usual seja aquela que emprega COMBINAÇÕES DE ALELOS NOS CROMOSSOMOS HOMÓLOGOS letras. Neste caso, nos referimos aos genes como gene A, gene B, gene C, etc. Para distinguir as diferentes versões (selvagem e mutante) de um mesmo gene, costuma-se manter a mesma letra, porém com variações que identificam especificamente cada alelo. Por exemplo, no caso do gene A, pode-se representar o alelo selvagem GENÓTIPOS = Combinações de alelos por letra maiúscula (A) e o mutante por letra minúscula (a), ou vice-versa. O emprego de números após a letra que representa o gene também é usual (A1, A2, etc.). EXEMPLO Conforme já mencionado, os alelos selvagens e mutantes diferem quanto à característica da proteína fabricada. Suponha que um certo alelo selvagem Produz pigmento (proteína) Não produz pigmento A seja responsável pela produção de um pigmento Dominante Alelo selvagem Alelo mutante Recessivo protéico escuro, depositado nas asas de uma espécie de inseto. O alelo mutante a leva à síntese de uma proteína com propriedades diferentes do pigmento protéico selvagem, não conferindo, portanto, nenhum tipo de FENÓTIPOS: Pigmentado Pigmentado Não pigmentado 7 pigmentação à asa do inseto. Insetos de genótipo homozigoto AA apresentarão asa pigmentada, ao passo que os homozigotos aa não apresentarão o referido pigmento protéico em suas asas. A grande questão fica por conta do genótipo heterozigoto (Aa): que tipo de fenótipo irá manifestar? Considerando que os indivíduos heterozigotos apresentem fenótipo tão pigmentado quanto o dos indivíduos AA, dizemos que o alelo A é dominante sobre o alelo a, o qual passa a ser chamado de recessivo. Ou seja, no genótipo heterozigoto, manifesta-se a característica determinada pelo alelo dominante, não importando se este alelo dominante é o selvagem ou o mutante. Por outro lado, o alelo recessivo se manifestará apenas em homozigose (aa). 8 OS EXPERIMENTOS DE MENDEL 1 – Introdução Historicamente o ser humano vem procurando elaborar explicações para o fato de os indivíduos da prole se assemelharem aos genitores. Antes do mendelismo, pouco progresso havia sido obtido na compreensão dos mecanismos da hereditariedade. A idéia predominante era a de que os espermatozóides e ovócitos continham uma amostra das essências de várias partes do corpo de cada genitor. No momento da fecundação, estas essências de algum modo se misturavam para influenciar o desenvolvimento de um novo indivíduo. Esta idéia, conhecida como herança por mistura, não explicava, entretanto, porque a prole nem sempre é uma mistura intermediária das características de seus genitores. Como iremos descrever a seguir, Mendel, por meio de experimentos muito bem elaborados, propôs uma teoria de herança particulada, ou seja, sugeriu que as características são determinadas por unidades discretas (“partículas”) que, ao invés de se misturarem umas com as outras na prole, passam intactas ao longo das gerações. 2 – Escolha do organismo e das características a serem estudadas A genética como uma ciência se iniciou com os experimentos do monge Gregor Mendel, no mosteiro agostiniano de St. Thomas, na cidade de Brünn (hoje denominada Brno, na República Tcheca). Este era um mosteiro dedicado ao ensino de ciências e à pesquisa científica. Mendel escolheu para estudo a ervilha de jardim (Pisum sativum), principalmente pelo fato de haver uma grande variabilidade de características nesta espécie, e também porque estas plantas podem ser facilmente autofecundadas por manipulação. Além disso, são plantas que têm um curto tempo de geração e produzem uma grande prole. Seu programa de pesquisa sobre hibridação em ervilhas lhe rendeu, postumamente, o título de fundador da ciência da genética. As características selecionadas por Mendel encontram-se listadas na tabela fornecida abaixo: Característica da ervilha Fenótipos possíveis Forma da semente Lisa ou rugosa Cor da semente Amarela ou verde Cor das flores Púrpura ou branca Formato da vagem Inflada ou murcha Cor da vagem Verde ou amarela Posição das flores no caule Axial ou terminal Comprimento do caule Longo ou curto 9 É interessante ressaltar que os termos característica e fenótipo podem ser empregados de modos diferentes, e não existe um consenso quanto ao emprego dos mesmos. A palavra característica, do modo como empregada por Mendel em seu trabalho, significa uma propriedade específica de um organismo, aquilo que os geneticistas costumam chamar de caráter. Por outro lado, fenótipo é um termo que se refere a uma variedade específica assumida pelo caráter, e não foi criado por Mendel e sim por geneticistas do século XX. Como exemplo do emprego destes termos, podemos dizer que para o caráter (característica) cor de semente, os fenótipos podem ser amarelo ou verde. 3 – Obtenção de linhagens puras Para cada uma das características escolhidas, Mendel obteve linhagens puras de plantas quanto aos fenótipos apresentados, ou seja, populações que não apresentavam variação quanto à característica que estava sendo estudada. No caso das ervilhas, isso foi possível ao final de várias gerações de autofecundação de plantas que apresentavam determinado fenótipo. Por exemplo, ao autofecundar uma planta de caule longo, nasciam descendentes de caule longo e de caule curto. Selecionando-se apenas os descendentes de caule longo e efetuando-se nova autofecundação, obtinha-se nova descendência, da qual apenas os indivíduos de caule longo eram utilizados para nova autofecundação e assim por diante. Após várias gerações de seleção e autofecundação, criou-se uma população de plantas de caule longo cuja descendência certamente seria composta apenas por plantas de caule longo. Neste caso, estaria estabelecida uma linhagem pura de plantas de caule longo. O mesmo procedimento foi adotado por Mendel para as demais características, com obtenção de resultados semelhantes. 4 – Os cruzamentos e seus resultados O ponto de partida em qualquer análise genética é a existência de fenótipos contrastantes para uma determinada característica. O passo seguinte é a delineação de cruzamentos entre indivíduos divergentes quanto a estes fenótipos, e este foi o procedimento adotado por Mendel após a obtenção das linhagens puras para cada uma das sete características selecionadas. Em um de seus primeiros experimentos, Mendel polinizou uma planta de flor púrpura com o pólen de planta de flor branca, ambas puras quanto ao seu fenótipo. Estas plantas de linhagens puras empregadas nos cruzamentos constituem o que se denomina, em genética, de geração parental (ou, simplesmente, geração P). 10 A partir do cruzamento mencionado acima, nasceram apenas plantas que tinham flores púrpuras. Esta geração de prole é chamada de primeira geração filial (ou, simplesmente, geração F1). (As gerações subseqüentes produzidas por autofecundação são simbolizadas por F2, F3, e assim por diante). Logo, se um genitor puro tem flores púrpuras e o outro flores brancas, todas as plantas da F1 têm flores tão púrpuras quanto aquelas do genitor puro. Neste caso, a herança não era uma simples mistura das cores púrpura e branca para produzir uma cor intermediária. Era como se, de algum modo, a cor púrpura fosse “mais forte” que a cor branca e superasse qualquer traço do fenótipo branco na mistura. Em seguida, Mendel autofecundou as plantas de F1, e obteve 929 sementes de ervilha desta autofecundação, plantando-as em seguida. Cada uma destas sementes correspondia, portanto, a um indivíduo da geração F2, uma vez que iria se desenvolver em uma nova planta. Surpreendentemente, na geração F2 nasceram plantas que manifestaram o fenótipo branco para a cor das flores, o qual fora banido da geração F1! Mais especificamente, em F2 Mendel contou 705 plantas de flores púrpuras e 224 plantas de flores brancas. Ele notou que a proporção de 705:224 é quase exatamente uma proporção de 3:1 (de fato é 3,1:1). Mendel repetiu os procedimentos de cruzamento para as seis outras características selecionadas, e, em todos os casos, verificou que um fenótipo parental desaparecia em F1 e reaparecia em ¼ da F2. Ou seja, a mesma proporção de 3:1 na geração F2 foi obtida em cada uma das situações, como demonstrado na tabela a seguir: Geração F2 (números Fenótipo parental (geração P) Geração F1 Sementes: lisa x rugosa Todas lisas 5.474 lisas; 1.850 rugosas 2,96:1 Sementes: amarela x verde Todas amarelas 6.022 amarelas; 2001 verdes 3,01:1 Pétalas: púrpura x branca Todas púrpuras 705 púrpuras; 224 brancas 3,15:1 Vagem: inflada x murcha Todas infladas 882 infladas; 299 murchas 2,95:1 Vagem: verde x amarela Todas verdes 428 verdes; 152 amarelas 2,82:1 Flores: axiais x terminais Todas axiais 651 axiais; 207 terminais 3,14:1 Caule: longo x curto Todos longos 787 longos; 277 curtos 2,84:1 absolutos) Proporção na F2 O que explicaria o fato de na geração F1 um dos fenótipos desaparecer? Por que esta prole não manifestava um fenótipo intermediário entre púrpura e branco, como era de se esperar pela teoria da herança por mistura? Muito embora todas flores de F1 fossem púrpuras, as plantas 11 evidentemente ainda tinham o potencial de produzir uma prole com flores brancas, e este potencial foi de fato confirmado em F2. Mendel deduziu que as plantas F1 recebem de seus genitores as habilidades de produzir tanto fenótipo púrpura quanto branco, e essas habilidades são mantidas e passadas adiante para as futuras gerações, ao invés de serem misturadas. Mendel empregou os termos dominante e recessivo para explicar o fenômeno observado para todas as características na geração F1. O fenótipo que se manifestava na F1 foi considerado dominante, e aquele fenótipo não manifestado nesta geração recebeu o nome de recessivo. Assim, flor púrpura é dominante sobre flor branca. A flor branca, por sua vez, é recessiva em relação à flor púrpura. Por definição, o fenótipo parental que se expressa na F1 é o dominante. Na F2, Mendel observou que a proporção 3:1 representava a relação entre fenótipos dominantes e recessivos. Ou seja, a cada quatro indivíduos pertencentes à F2, a proporção era de três fenótipos dominantes para um fenótipo recessivo. Por exemplo, em F2 a proporção era de 3 sementes amarelas para uma verde. Mendel continuou os cruzamentos e obteve, pela autofecundação dos indivíduos F2, uma geração F3, e analisou a quantidade de sementes amarelas e verdes geradas. Os resultados deste cruzamento foram interessantes: • Sementes verdes em F2 originavam apenas sementes verdes em F3. Logo, todas as sementes verdes (fenótipo recessivo) em F2 eram puras. • 1 4 das sementes amarelas em F2 originavam apenas sementes amarelas em F3. Logo, estas sementes amarelas em F2 eram puras. • 2 4 das sementes amarelas em F2 originavam tanto sementes amarelas quanto verdes em F3. Logo, tais sementes amarelas de F2 eram impuras ou híbridas, tais como as sementes amarelas obtidas em F1. Sendo assim, uma nova proporção foi obtida em F2: a cada quatro indivíduos desta geração, um era amarelo puro, dois eram amarelos impuros e um era verde puro, ou, representando numericamente, a proporção 3:1 podia ser desmembrada em 1:2:1. Os experimentos de Mendel para a cor da semente podem ser representados esquematicamente da seguinte forma: 12 autofecundação autofecundação autofecundação 5 – As explicações de Mendel e a primeira lei Baseando-se em seus resultados, Mendel propôs uma hipótese que explicava de maneira engenhosa os números que obteve em cada geração: a. A herança deveria ser particulada, e tais “partículas hereditárias” (às quais ele denominou “fatores”) determinariam as características do indivíduo e passariam intactas para sua prole. b. As partículas hereditárias se combinariam aos pares em cada indivíduo. c. Na formação de um novo indivíduo, seria necessário que um dos genitores enviasse, por via gamética, apenas uma dessas partículas, as quais constituiriam um novo par neste indivíduo em formação. Sendo assim, na formação dos gametas dos genitores, suas partículas seriam segregadas, ou seja, seriam separadas, de modo que cada gameta deveria conter apenas uma dessas partículas. d. A combinação entre os gametas provenientes de cada genitor ocorreria ao acaso, sem haver nenhum tipo de favorecimento. Hoje sabemos que estas partículas hereditárias correspondem aos genes, que geralmente apresentam formas distintas conhecidas como alelos. A representação simbólica dos genes por letras (A, B, C, etc.) já havia sido adotada por Mendel, embora os termos “gene” e “alelo” só tenham sido propostos após sua morte. Na representação dos genes, geralmente o uso de letra maiúscula (A, B, C, etc.) se refere ao alelo que determina o fenótipo dominante, ao passo que letra 13 minúscula (a, b, c, etc.) representa o alelo que determina o fenótipo recessivo. O uso desta simbologia auxiliou Mendel a interpretar os resultados obtidos nos experimentos, como podemos observar no esquema a seguir: (AA) (aa) (Aa) autofecundação (AA) (Aa) autofecundação (AA) (aa) autofecundação (AA, Aa e aa) (aa) O diagrama abaixo mostra mais detalhadamente a ocorrência do processo: Gameta parental (somente A) Gameta parental (somente a) Gametas femininos ½ Gametas masculinos ½ ½ ½ ¼ ¼ ¼ ¼ 14 Note que na geração F2 do esquema anterior, considerando que os gametas masculinos e femininos se combinem ao acaso, das quatro combinações possíveis, três correspondem ao fenótipo dominante (por exemplo, ervilha amarela) e uma corresponde ao fenótipo recessivo (por exemplo, ervilha verde). Assim, se explica a proporção 3:1 observada por Mendel. Por outro lado, há três genótipos possíveis em F2, sendo ¼ AA, 2/4Aa e ¼ aa, o que, simplificando, equivale à proporção 1:2:1 também constatada por Mendel. Os termos atuais que designam estas duas proporções são proporção fenotípica (a proporção 3:1) e proporção genotípica (proporção 1:2:1). Estava, assim, estabelecido um modelo por Mendel. Para testar este modelo, ele cruzou uma planta F1 (semente amarela “impura”, ou seja, genótipo Aa) com uma planta de semente verde (sempre pura, genótipo aa). Se o seu modelo estivesse correto, era de se esperar que deste cruzamento nascesse uma prole constituída por sementes amarelas e verdes em uma proporção fenotípica de 1:1. Neste experimento, Mendel obteve 58 amarelas e 52 verdes, uma grande aproximação da previsão inicial de 1:1, confirmando, assim, que os alelos A e a presentes em F1 se segregam (separam) na formação dos gametas, de modo que metade dos gametas recebe A e metade recebe a. Essa segregação igual tem tido um reconhecimento formal como a primeira lei de Mendel: “Os dois membros de um par de alelos se segregam um do outro para os gametas; assim, metade dos gametas leva um membro do par e a outra metade dos gametas leva o outro membro do par”. É interessante notar que a existência de genes foi originalmente deduzida (e ainda é hoje em dia) observando as exatas proporções matemáticas nos descendentes de dois indivíduos parentais geneticamente diferentes. Mendel fez algo que marcou o nascimento da genética moderna: ele contou o número de indivíduos com cada fenótipo. Este procedimento raramente, ou nunca, tinha sido usado em estudos de herança antes do trabalho de Mendel. Assim, podemos afirmar que a genética mendeliana e o raciocínio lógico-matemático andam juntos, de mãos dadas. 6 – Análise conjunta de mais de uma característica: a segunda lei Os experimentos de Mendel descritos até agora se basearam em duas linhagens parentais que diferiam por uma característica. Tais linhagens produzem uma prole F1 que é heterozigota (genótipo Aa) para um dado fenótipo. Tais heterozigotos são também chamados de monoíbridos. Um cruzamento monoíbrido implica na autofecundação deste indivíduo heterozigoto ou no cruzamento deste indivíduo com outro igualmente heterozigoto. Este cruzamento fornece a proporção fenotípica de 3:1, que sugere a segregação igual dos alelos. 15 Mendel também analisou os descendentes de linhagens puras que diferiam em duas características. Por exemplo, uma planta que produzia sementes amarelas e rugosas, pura quanto às duas características (genótipo AAbb), com outra planta que produzia sementes verdes e lisas, igualmente pura (genótipo aaBB). O cruzamento entre estas duas linhagens produziu sementes diíbridas de F1 com o genótipo AaBb, que ele verificou serem lisas e amarelas. Mendel já tinha conhecimento prévio de que os fenótipos “amarelo” e “liso” eram dominantes, e este resultado mostrou que a heterozigose em um par de alelos em F1 não interferia na manifestação do fenótipo do outro par. O próximo passo foi autofecundar indivíduos F1 diíbridos para obter a geração F2. Os resultados de F2 revelaram quatro fenótipos diferentes, nas proporções apresentadas na tabela a seguir: Fenótipo parental (geração P) Geração F1 (amarela,rugosa) x Todas (verde,lisa) (amarelas,lisas) Total Geração F2 (números absolutos) Proporção na F2 315 (amarelas,lisas) 315 9 = 556 16 108 (verdes,lisas) 108 3 = 556 16 101 (amarelas,rugosas) 101 3 = 556 16 32 (verdes,rugosas) 32 1 = 556 16 556 sementes 16 16 Ao representar genotipicamente os cruzamentos realizados, teríamos: Gameta parental (somente Ab) Gameta parental (somente aB) Gametas femininos Gametas masculinos No esquema acima, observe que: • Na formação dos gametas parentais, há apenas um representante do gene A (que determina cor da semente) e um do gene B (que determina textura da semente). • Em F1, tanto nos gametas femininos quanto nos masculinos, há quatro tipos de combinações diferentes entre os alelos pertencentes aos genes A e B. • Em F1, tanto na formação dos gametas femininos quanto dos masculinos, as combinações entre os diferentes alelos pertencentes aos genes A e B ocorre de maneira aleatória e em iguais proporções (1/4 de cada). Isso resulta do fato de que a segregação entre os alelos A e a ocorre de maneira independente da segregação entre os alelos B e b. • Existem 16 possibilidades de combinação entre gametas masculinos e femininos de F1 para a formação dos indivíduos pertencentes a F2. • Das 16 possibilidades de combinação de gametas para a formação de F2, 9 são (amarelas, lisas), 3 são (amarelas, rugosas), 3 são (verdes, lisas) e 1 é (verde, rugosa). Isso equivale à proporção 9:3:3:1, observada nos resultados obtidos por Mendel, conforme visto anteriormente. 17 O modo como Mendel concebeu essa explicação para a proporção 9:3:3:1 ficou conhecido como segunda lei de Mendel, e pode ser expressa da seguinte forma: "pares de genes diferentes se segregam independentemente na formação dos gametas". 7 – Teoria cromossômica da herança As explicações de Mendel para os mecanismos biológicos relacionados à hereditariedade foram baseadas puramente em raciocínio lógico-matemático. Sua idéia de herança particulada não contou com nenhum tipo de conhecimento a respeito dos mecanismos de divisão celular, até mesmo porque tais mecanismos eram desconhecidos à época. Somente anos após a publicação de Mendel, o processo de produção de gametas foi descrito em detalhes citológicos, tais como o comportamento dos cromossomos durante a meiose. Hoje em dia já sabemos que nas células diplóides de um organismo, os cromossomos estão aos pares, os chamados homólogos. Estes pares de homólogos se separam (segregam) durante a prófase da meiose I, de modo que, ao final do processo, cada gameta contará apenas com um representante de cada par de homólogos. A formação em pares dos homólogos será restituída após a fecundação, quando os representantes paterno e materno, veiculados pelos respectivos gametas, se unem. Qual não foi a surpresa dos geneticistas ao compararem o processo de separação dos cromossomos homólogos às explicações sobre a segregação das "partículas de herança" fornecidas por Mendel. Tudo se sobrepunha perfeitamente. Nas células diplóides, os homólogos estão aos pares; Mendel afirmava que os alelos de um gene também. Durante a formação dos gametas, os homólogos se separam; Mendel afirmava que os alelos de um gene também. Durante a fecundação, os homólogos maternos e paternos se juntam e restituem a composição em pares; Mendel afirmava o mesmo quanto aos alelos. A dedução que se pode tirar desse tipo de comparação é a de que os cromossomos são as unidades físicas onde se situam os genes. Esta constatação ficou conhecida como teoria cromossômica da herança. O esquema abaixo ilustra esta segregação: Célula diplóide de um organismo Gametas 18 Esta comparação entre separação de homólogos e de alelos explica perfeitamente a primeira lei de Mendel. E quanto à segunda lei, qual seria a explicação cromossômica? Na verdade, sabemos atualmente que a segunda lei de Mendel só é aplicável em casos em que dois genes (A e B, por exemplo) se situam em pares de cromossomos homólogos diferentes (como na situação 1 abaixo). Caso os genes diferentes se situassem no mesmo par de homólogos (situação 2), a proporção fenotípica obtida em F2 seria bem diferente de 9:3:3:1. Este será um caso analisado mais adiante. Genes A e B localizados em homólogos distintos Célula diplóide do organismo SITUAÇÃO 1 Possíveis gametas formados pelo organismo Quando submetidos a uma autofecundação, originam uma F2 cuja proporção fenotípica é 9:3:3:1 Genes A e B localizados em um mesmo par de homólogos SITUAÇÃO 2 Célula diplóide do organismo Possíveis gametas formados pelo organismo Quando submetidos a uma autofecundação, originam uma F2 cuja proporção fenotípica é diferente de 9:3:3:1. 19 8 – Genética e previsões Conforme foi demonstrado, a genética mendeliana possui uma base lógico-matemática muito bem fundamentada. Embora o modelo experimental utilizado por Mendel tenha sido a ervilha, o mesmo tipo de raciocínio é aplicável a outras espécies de seres vivos, inclusive os seres humanos, e os resultados são os mesmos previstos pela primeira e pela segunda lei de Mendel. Essa previsibilidade de resultados é uma ferramenta que pode ser aplicada em diversas situações. Os exemplos mais clássicos são encontrados na genética médica, quando o interesse é conhecer os riscos de manifestação de alguma anomalia genética na prole. Em casos como esse, a genética mendeliana, associada a regras estatísticas, auxilia na tomada de decisões por parte de casais que procurem a orientação de um geneticista. Um dos métodos mais empregados para facilitar a obtenção de estimativas é denominado quadrado de Punnett. Este método já foi apresentado na ocasião em que a primeira lei de Mendel foi discutida. Gameta parental (somente A) Gameta parental (somente a) Gametas femininos ½ Gametas masculinos ½ ½ ½ ¼ ¼ ¼ ¼ Quadrado de Punnett Neste quadrado, fica fácil visualizar as diversas possibilidades de combinação entre gametas masculinos e femininos em um cruzamento. Tais possibilidades têm igual chance de ocorrer, já que as combinações ocorrem inteiramente ao acaso. No exemplo acima, percebemos que, das quatro combinações possíveis, as proporções de cada genótipo resultante entre os gametas são ¼ AA, 2/4 Aa e ¼ aa. Estas proporções podem ser convertidas em probabilidades. 20 Imagine que um casal humano seja formado por dois indivíduos de genótipo Aa. A cada gravidez, qualquer uma das quatro combinações gaméticas apresentadas acima pode ser aquela que irá constituir o genótipo da criança. Sendo assim, em cada gravidez, a probabilidade de nascer uma criança AA é ¼. Esta fração pode ser convertida em porcentagem: 1 = 0,25 . Este valor decimal, 4 multiplicado por 100, fornece o valor da porcentagem procurada: 0,25 x 100 = 25%. Portanto, existe uma chance de 25% de que, como resultado de uma fecundação, nasça uma criança de genótipo AA. Quando lidamos com probabilidades, há o que os estatísticos chamam de probabilidade composta, obtida por operação matemática efetuada entre probabilidades de ocorrência de dois ou mais eventos. Nestes casos, existem duas regras a serem aplicadas, a regra do produto (também chamada regra do "e") e a regra da soma (também chamada regra do "ou"). No primeiro caso, consideramos a ocorrência simultânea de dois ou mais eventos. Por exemplo, qual seria a probabilidade de nascer uma criança com genótipo AA e do sexo masculino de um cruzamento entre dois indivíduos Aa? Para efetuar esta operação, temos que trabalhar com a multiplicação dos dados de probabilidade na forma fracionária (ou de proporções). A probabilidade de que a criança nasça com genótipo AA é ¼ , como já foi demonstrado, ao passo que a probabilidade de que ela nasça do sexo masculino é ½. Logo, a probabilidade composta que estamos procurando seria obtida pela seguinte multiplicação: 1 1 1 × = = 0,125 , ou seja, há 12,5% de chance de que a criança deste casal 4 2 8 nasça com genótipo AA e do sexo masculino. No caso da regra da soma, consideramos a probabilidade composta de ocorrência de dois eventos mutuamente exclusivos, ou seja, se um ocorrer certamente o outro não ocorrerá. Por exemplo, se, no caso do cruzamento mencionado acima, quiséssemos saber a chance de que venha a nascer uma criança de genótipo AA ou aa, teríamos que somar as probabilidades individuais de cada um desses eventos. Sabendo que a chance de nascimento do genótipo AA é ¼ e a do genótipo aa é igualmente ¼ , a chance de nascer um desses genótipos ou o outro seria: 1 1 2 1 + = = = 0,5 . 4 4 4 2 Logo, há uma chance de 50% de que a criança em questão nasça com genótipo AA ou aa. 21 PADRÕES DE HERANÇA MONOGÊNICA 1 – Herança monogênica e seus tipos Uma característica cuja determinação depende da ação de apenas um gene é denominada monogênica. As sete características de ervilha selecionadas por Mendel são exemplos deste tipo de caráter. A análise da herança de fenótipos de outras espécies, tanto vegetais como animais, revela que o mecanismo de herança monogênica é universal entre os seres vivos. Estes mecanismos de herança podem ser subdivididos em tipos ou padrões distintos, reconhecíveis quando se dispõe de dados suficientes para análise genética. Os critérios para classificar estes padrões, bem como os tipos diferentes de padrões estão sumarizados na tabela a seguir: Critério Tipos de padrão Padrões combinados Categoria do cromossomo • Autossômico • Autossômico dominante em que se encontra o gene • Ligado ao X • Autossômico recessivo • Dominante • Ligado ao X dominante • Recessivo • Ligado ao X recessivo Relação entre os alelos 2 – Categorias dos cromossomos em que se encontram os genes A maioria dos animais e muitas plantas apresentam dimorfismo sexual, ou seja, existem representantes masculinos e femininos. Em boa parte destes casos, o sexo é determinado por um par de cromossomos especiais, denominados cromossomos sexuais. Os autossomos, por sua vez, são os cromossomos não sexuais, e correspondem à maioria cromossômica em um genoma. Nas células somáticas humanas, por exemplo, existem 23 pares de cromossomos (46 cromossomos ao todo), dos quais 22 pares são autossômicos (44 ao todo, sem diferença na composição entre homens e mulheres) e apenas um par é sexual (2 ao todo). Os cromossomos sexuais na espécie humana são identificados pelas letras X e Y. Nas mulheres, o par sexual é composto por dois cromossomos X, ao passo que nos homens é composto por um cromossomo X e um cromossomo Y. Durante a formação dos gametas, na meiose, ocorre a segregação (separação) do par sexual, de modo que haverá apenas um representante desse par em cada gameta. No caso das mulheres, o cromossomo sexual presente nos gametas sempre será o X, ao passo que nos homens, 22 metade dos gametas conterá o cromossomo X e a outra metade irá conter o cromossomo Y. Por esse motivo, dizemos que as mulheres correspondem ao sexo homogamético (homo = igual) e os homens ao sexo heterogamético (hetero = diferente). Sendo assim, quem define se os descendentes serão masculinos ou femininos será o sexo heterogamético (no caso da espécie humana, serão os homens). AUTOSSOMOS E CROMOSSOMOS SEXUAIS DETERMINAÇÃO DO SEXO Cromossomos sexuais Autossomos XeY Combinações diferentes em homens (XY) e mulheres (XX) 22 pares de cromossomos (numerados de 1 a 22) Mesma combinação em homens e mulheres Os genes que se localizam nos autossomos são ditos autossômicos, enquanto os genes presentes nos cromossomos sexuais apresentam ligação ao sexo. Destes, há aqueles genes exclusivamente ligados ao X e outros ao Y. Os fenótipos determinados pelos genes autossômicos ocorrem em homens e mulheres nas mesmas proporções. A herança considerada até agora, com o uso da análise de Mendel, se refere a genes autossômicos. Por outro lado, os genes que apresentam ligação ao sexo se manifestarão em proporções fenotípicas diferentes entre os sexos, constituindo um mecanismo de herança não previsto por Mendel. 3 – Padrões de herança em genética humana As reproduções humanas, como as de organismos experimentais, apresentam padrões de herança tanto do tipo descoberto por Mendel (herança autossômica) e de ligação ao sexo. No entanto, ao contrário destes organismos, em que é possível planejar cuidadosamente cruzamentos específicos para a realização de análises genéticas, nos humanos os geneticistas devem recorrer a registros de reprodução efetuados a partir do levantamento cuidadoso do histórico familiar. Estes registros de reprodução são denominados de heredogramas ou genealogias, e se utilizam de símbolos específicos para auxiliar a análise genética das características. 23 Muito das análises genéticas humanas dizem respeito a distúrbios hereditários relativamente raros na população, mas não menos importantes sob o ponto de vista da saúde pública. O estudo destes distúrbios hereditários é o domínio da genética médica. SIMBOLOGIA ADOTADA NOS HEREDOGRAMAS Um membro de uma família que primeiro chamou a atenção de um geneticista é chamado de propósito ou probando. Geralmente o fenótipo do propósito é excepcional de algum modo (afetado por algum distúrbio genético). O pesquisador então traça a história do fenótipo do propósito por meio da história da família, construindo, assim, o heredograma. A partir da análise de um heredograma, é possível identificar se um distúrbio genético apresenta padrão de herança autossômico ou ligado ao sexo, dominante ou recessivo. Estudaremos, a seguir, três destes principais padrões. 3.1 – Padrão de herança autossômico dominante O padrão de herança autossômico dominante também é denominado herança autossômica dominante. Neste caso, o gene relacionado ao distúrbio geralmente possui dois alelos, o dominante e o recessivo. O alelo mutante, responsável pela manifestação da anomalia, é dominante sobre o alelo que define a condição normal. Neste caso, teremos: 24 Genótipo Fenótipo AA Afetado Aa Afetado aa Normal Em um primeiro momento pode soar estranho o fato de um fenótipo anormal ser dominante, mas é importante lembrar que o conceito de dominância tem a ver com a relação entre os alelos de um gene, e não com o fato de um fenótipo ser mais freqüente ou menos freqüente na população. Durante a formação dos gametas, os alelos que constituem cada genótipo irão se separar, como previsto pela primeira lei de Mendel. Sendo assim, em muitos casos é possível estimar as probabilidades de manifestação dos fenótipos normal e afetado. Por exemplo, do casamento entre uma pessoa afetada heterozigota (Dd) e uma pessoa normal (dd) há uma chance de 50% de nascer um descendente afetado. PADRÃO DE HERANÇA AUTOSSÔMICO DOMINANTE Não pula geração Pais: Ocorre em homens e mulheres na mesma proporção Um afetado tem 50% de chance de ter filhos também afetados Gametas: Filhos: GAMETAS DO PAI GAMETAS DA MÃE CHANCE DE PASSAR O DISTÚRBIO PARA A PROLE Mãe afetada por anomalia dominante Pelo fato de o alelo dominante se manifestar, mesmo em heterozigose, a lógica nos diz que se um indivíduo é afetado, pelo menos um dos pais também é afetado. Afinal, o Pai normal Há uma chance de 50%¨da mãe passar o traço dominante para cada filho (independente do sexo) alelo dominante que determina seu fenótipo anormal proveio de um dos genitores, onde este alelo também se manifestava. Suponha um indivíduo afetado por distúrbio autossômico dominante. Independente do genótipo de seu parceiro 25 sexual, há, no mínimo, uma chance de 50% de cada descendente deste indivíduo ser também afetado. Assim, mesmo que ele tenha poucos filhos, a chance de que pelo menos um deles seja afetado é muito grande. E este filho afetado também terá uma chance elevada de ter um filho afetado, e assim por diante. Concluindo, em uma família que se constate a presença de uma anomalia autossômica dominante, é bastante comum se observar a repetição do fenótipo ao longo de várias gerações. Neste caso, costuma-se dizer que o fenótipo "não salta" geração. De acordo com estas considerações, podemos caracterizar o padrão de herança autossômico dominante em um heredograma da seguinte forma: • O distúrbio não salta geração. • Um afetado tem pelo menos um dos genitores igualmente afetado. • Não há desproporção sexual no número de afetados. • Casal normal, filhos normais. Existem diversos distúrbios genéticos humanos que seguem esse padrão de herança. Podemos citar como exemplo: • Neurofibromatose: doença que provoca crescimento de tumores benignos ao longo de nervos. • Acondroplasia: forma de nanismo provocado pela deficiência de crescimento dos ossos longos. • Polidactilia: distúrbio em que os afetados apresentam mais de cinco dedos nas mãos e/ou nos pés. Embora estas doenças sigam o padrão de herança autossômico dominante típico, existem casos que fogem à regra. Por exemplo, muitos casos de nanismo acondroplásico nascem de pais normais. Isso se deve à ocorrência de mutações novas. 3.2 – Padrão de herança autossômico recessivo. Na herança autossômica recessiva, a relação entre os alelos normal e mutante são diferentes daquela relatada para a herança dominante. Ou seja, o alelo mutante, que leva ao desenvolvimento de um distúrbio, é recessivo em relação ao alelo normal. Portanto, a relação genótipo-fenótipo pode ser resumida na tabela a seguir: 26 Genótipo Fenótipo BB Normal Bb Normal bb Afetado Diferentemente da herança autossômica dominante, ser portador de apenas um alelo mutante recessivo não é suficiente para que a doença se manifeste. A condição necessária para a manifestação da doença é a homozigose do alelo mutante. Isso nos leva a concluir que o alelo mutante, pelo fato de ser recessivo, passa despercebido ao longo de várias gerações de uma mesma família. Porém, quando duas pessoas heterozigotas se casam, cria-se a condição para que ocorra homozigose do alelo mutante, e isso determina o nascimento de uma criança com distúrbio genético recessivo. O fato de o alelo mutante ser passado ao longo de diversas gerações sem se manifestar caracteriza o que se convencionou chamar de "salto" de geração. Este salto corresponde ao fato de se passarem várias gerações sem que tenha sido relatado qualquer caso da referida doença, até o momento em que ela se manifesta em algum descendente. Um fato que chama bastante a atenção para estas doenças recessivas é que elas são mais freqüentes na prole de casamentos consangüíneos. Isso se deve à similaridade genética entre parentes, que favorece o encontro entre os mesmos alelos recessivos. Este fenômeno, em genética, é denominando homozigose por origem comum. Para compreender melhor este fenômeno, observe o heredograma a seguir: I II III IV BB BB BB BB BB Bb Bb BB BB Bb BB BB bb Bb Bb Bb BB Bb bb O heredograma mostra que nas gerações I, II e III não houve manifestação da anomalia, que apareceu apenas na geração IV, em dois indivíduos. Portanto, a anomalia "saltou" diversas gerações até se manifestar na geração IV. 27 Outro aspecto que merece destaque no heredograma é a origem dos alelos recessivos que provocaram o distúrbio genético nos dois indivíduos em questão. Ambos são cópias do mesmo alelo b encontrado em um dos ancestrais da geração I. Este alelo foi sendo passado adiante para os descendentes desse indivíduos, mas não havia se manifestado ainda pelo fato de ser recessivo. É interessante perceber no heredograma que todos os indivíduos que possuem o alelo b possuem algum grau de parentesco e o herdaram do mesmo ancestral da primeira geração do heredograma. Quando dois desses parentes resolvem se casar, como observado na geração III, a chance de haver encontro dos mesmos alelos recessivos deletérios que eles carregam por ancestralidade comum é elevada. A chance de se casar com alguém de fora da família que contenha exatamente a mesma mutação é pequena. Por isso dizemos que ambos os alelos b encontrados no casal consangüíneo da geração III possuem origem comum, ou seja, os indivíduos afetados da geração IV são homozigotos por origem comum. Conforme exposto até aqui, podemos caracterizar o padrão de herança autossômico recessivo da seguinte forma: • O fenótipo (doença) salta gerações: afetados podem nascer de genitores normais. • Geralmente o fenótipo surge na prole de casais consangüíneos. • Não há desproporção entre o número de homens e de mulheres afetados. Em casais normais que já tiveram uma criança afetada por um distúrbio autossômico recessivo, é possível afirmar com certeza que ambos os genitores são heterozigotos. Nestes casos, a chance de recorrência (nova ocorrência) da mesma doença na futura prole de um mesmo casal é de 25%. Como exemplos de distúrbios humanos autossômicos recessivos, podemos citar: • Albinismo: anomalia genética caracterizada pela incapacidade de fabricar melanina. Como conseqüência, os afetados possuem pelo, olhos e pêlos totalmente despigmentados. • Fenilcetonúria: doença que resulta de falha genética do metabolismo do aminoácido fenilalanina. Os afetados acumulam este aminoácido no corpo, o que provoca diversos problemas, inclusive retardo mental. A fenilcetonúria é uma das poucas doenças genéticas que pode ter seus efeitos deletérios evitados: basta controlar rigorosamente a dieta alimentar da criança afetada, de modo que o consumo de fenilalanina seja restrito ao mínimo necessário. A identificação de crianças fenilcetonúricas se dá através do famoso "teste do pezinho" (triagem neonatal). • Fibrose cística: anomalia que provoca o acúmulo de secreções pulmonares, favorecendo a ocorrência repetida de infecções que podem levar o paciente à morte. 28 3.3 – Herança ligada ao X O cromossomo X, conforme já foi mencionado, apresenta-se em números diferentes em mulheres e homens: as mulheres têm dois cromossomos X, ao passo que os homens possuem apenas um. No caso de genes presentes neste cromossomo, obviamente as mulheres apresentarão dose dupla dos mesmos, enquanto nos homens tais genes serão encontrados em dose simples (o que os caracteriza como hemizigotos para os genes presentes no cromossomo X). Do total de doenças genéticas monogênicas descritas até hoje, algumas determinadas por genes recessivos ligados ao X são bastante conhecidas. Descreveremos a seguir o padrão de herança seguido por estas doenças. 3.3.1 – Padrão de herança recessivo ligado ao X Assim como nos casos de distúrbios autossômicos estudados até aqui, um gene ligado ao X responsável pela manifestação de um distúrbio conta com dois alelos, um dominante e um recessivo. A representação destes alelos se faz da seguinte forma: XH (alelo dominante) e Xh. A letra H sobrescrita à letra X representa o gene H localizado no cromossomo X. Quando o alelo mutante é recessivo, temos a seguinte relação genótipo-fenótipo: Sexo Feminino Masculino Genótipo Fenótipo XHXH Normal XHXh Normal portadora Xh Xh Afetada H X Y Normal Xh Y Afetado Observe na tabela acima que, para uma mulher ser afetada, é necessário que ela receba um alelo Xh de ambos os genitores, ao passo que um homem será afetado mesmo quando receber por herança apenas um alelo mutante. É importante lembrar que o outro cromossomo sexual presente nos homens, o cromossomo Y, não apresenta nenhum representante dos genes que estamos estudando. Quando um homem é afetado por distúrbio recessivo ligado ao X, qual dos genitores lhe passou a mutação? Só pode ter sido a mãe, pois o pai deste indivíduo certamente contribuiu com o cromossomo sexual Y. Sendo assim, podemos deduzir que os filhos do sexo masculino de uma 29 mulher normal portadora, ou seja, normal heterozigota (XHXh), apresentam uma chance de 50% de herdar o alelo Xh, e, portanto, de serem afetados pela anomalia determinada por aquele alelo mutante. HERANÇA LIGADA AO X Mãe normal portadora Filha normal Pai normal Filho normal Filha normal portadora Filho afetado Gene normal no cromossomo X Gene mutante no cromossomo X O heredograma abaixo representa as relações familiares e a manifestação da hemofilia em diversos descendentes da rainha Vitória, da Inglaterra. O símbolo representa uma mulher normal portadora (heterozigota). Os tópicos abaixo resumem o padrão de herança recessivo ligado ao X: • Praticamente apenas homens são afetados por este tipo de distúrbio, em função do fato de ser necessário apenas um alelo mutante para que a doença se manifeste. • Os homens afetados herdam o alelo mutante de mães normais portadoras. 30 • Homens afetados não passam a mutação para os descendentes masculinos. Por outro lado, estes homens passam a mutação para todas as filhas, as quais serão normais portadoras. Podemos citar como exemplos de distúrbios recessivos ligados ao X: • Hemofilia: distúrbio de coagulação sangüínea que leva a sangramento intenso (hemorragia). • Daltonismo: cegueira para cores verde e vermelho; o afetado não identifica o que é verde e o que é vermelho, de modo que estas cores assumem um tom acinzentado. • Distrofia muscular Duchenne: doença resultante da degeneração muscular progressiva das células musculares, que leva o indivíduo à morte por volta dos 20 anos de idade. 31 INTERAÇÃO GÊNICA 1 – Introdução Até o presente momento, temos nos referido apenas a interações que ocorrem entre os alelos de um mesmo gene, o que pode resultar em dominância completa ou codominância. No entanto, existem também interações que ocorrem entre alelos pertencentes a genes diferentes. Diferentes tipos destas interações podem ocorrer. Genes distintos podem agir de modo que a expressão de um deles complemente a expressão de outro, ou, em certos casos, o efeito de um gene acaba por inibir o efeito de outro gene. Em casos mais drásticos, um gene pode interferir de modo negativo no funcionamento de um ou vários sistemas orgânicos, resultando na morte do indivíduo. Veremos, a seguir, algumas destas interações. 2 – Um gene, mais de uma característica A caracterização cada vez mais detalhada do funcionamento do DNA tem revelado que a amplitude de ação de um gene não se restringe a apenas uma proteína e nem tampouco a uma única característica. Por exemplo, o fato de que no genoma humano existem "apenas" cerca de 30.000 genes para definir a incrível complexidade estrutural e funcional de nosso organismo nos permite ter uma idéia da múltipla ação que um gene pode exercer, uma vez que as células humanas, consideradas juntas, podem produzir de 100.000 a 200.000 proteínas diferentes. Antes mesmo destas recentes descobertas moleculares, os geneticistas já tinham provas de que um gene podia exercer mais de um efeito. Talvez um dos casos mais clássicos deste tipo de situação seja representado pelos alelos letais. O termo letal significa mortal e, em organismos usados em experimentos, como moscas-das-frutas e camundongos, já se conhecem diversos exemplos em que este tipo de alelo determina tanto uma característica quanto a mortalidade dos indivíduos. O alelo AY de camundongos ilustra bem um caso de letalidade. Os camundongos selvagens normais têm uma pelagem de pigmentação escura. Uma mutação dominante para a cor de pêlo chamada yellow determina uma pelagem mais clara. Se um camundongo yellow é cruzado com um selvagem homozigoto, sempre é observada uma proporção de 1:1 de yellow para selvagem na prole, indicando que os camundongos yellow sempre são heterozigotos. Quando dois camundongos yellow são cruzados entre si, o resultado é sempre 2/3 de yellow para 1/3 de selvagem, e não ¾ de yellow para ¼ de selvagem, como era de se esperar. Isso decorre do fato de que os camundongos yellow homozigotos (AYAY) morrem antes de nascer. Essa hipótese é apoiada pela remoção dos úteros das 32 fêmeas grávidas do cruzamento yellow x yellow, onde se observa que um quarto dos embriões estão mortos. Podemos, pois, deduzir que estão em jogo duas características determinadas pelo alelo AY: a cor da pelagem e a viabilidade dos camundongos. Dizemos, neste caso, que o alelo AY é pleiotrópico, uma vez que influi na manifestação de duas características diferentes. Quando em dose única, permite a sobrevivência dos indivíduos e determina pelagem clara; porém, quando em dose dupla, interfere no funcionamento do organismo a ponto de determinar a morte. Convém lembrar que nem sempre um locus pleiotrópico é letal. A pleiotropia ocorre quando uma única proteína afeta partes diferentes do corpo ou participa de mais de uma reação bioquímica, e isso não implica necessariamente em morte. Efeitos pleiotrópicos são fundamentais, pois são causas de correlações entre caracteres. Há grande interesse no estudo e conhecimento da ação destes genes, muitas vezes utilizados como marcadores ou auxiliares na seleção e, ou, identificação de caracteres mais complexos ou de difícil medição. Uma ilustração é o gene que controla a cor do hipocótilo e das flores de soja. Como a coloração do hipocótilo manifesta-se em estádio de plântula, torna-se de grande interesse em trabalhos de hibridação. Assim, tem-se: Genótipo Cor da Flor Cor do Hipocótilo AA Roxa Roxo Aa Roxa Roxo aa Branca Verde Fonte: http://www.ufv.br/dbg/labgen/intnepis.html 3 – Dois ou mais genes, um único fenótipo A segunda lei de Mendel baseia suas conclusões a partir das possíveis combinações de dois ou mais genes diferentes na determinação de dois ou mais fenótipos diferentes. Em um cruzamento clássico mendeliano em que se considera a herança simultânea de dois genes, a proporção esperada em F2 é de 9:3:3:1. No entanto, quando se considera que dois ou mais genes atuam em conjunto de modo a definir uma única característica, nem sempre esta proporção prevista pela segunda lei é mantida. Neste caso, dizemos que dois genes que interagem produzem proporções diíbridas modificadas. De qualquer modo, as interações entre genes diferentes são marcadas pelo envolvimento de seus produtos em vias biológicas que definem a propriedade biológica final. Os casos que se tem melhor conhecimento são aqueles que envolvem a produção de pigmentos. 33 3.1 – Genes que interagem em vias biológicas diferentes Um maneira pela qual dois genes diferentes podem contribuir para a definição do fenótipo é aquela em que cada um deles atua de modo independente em etapas que ocorrem simultaneamente. Um exemplo bastante ilustrativo é o da herança de cor de pele de uma espécie de cobra conhecida como cobra do milharal. A cor natural é um padrão de camuflagem preto e laranja. Este fenótipo é produzido por dois pigmentos separados, ambos sob controle genético. Um dos pigmentos é o laranja, e sua fabricação é resultante da expressão do alelo o+, que é dominante sobre o alelo o que determina ausência de pigmento laranja. Um outro gene determina o pigmento preto, com os alelos b+ (dominante; presença do pigmento preto) e b (recessivo; ausência de pigmento preto). Estes dois genes encontram-se em cromossomos diferentes. Sendo assim, a definição dos fenótipos destas cobras pode ser resumida na tabela a seguir: Genótipos + Fenótipos + o _/ b _ Camuflado (laranja e preto) + oo/b _ Preto + o _/bb Laranja oo/bb Albino Como existem dois genes neste sistema, obtemos um padrão de herança tipicamente diíbrido, e os quatro fenótipos possíveis formam uma proporção 9:3:3:1 na F2, como ilustrado no esquema a seguir: Fêmea o+o+/bb (laranja) F1 x Macho oo/b+b+ (preto) o+o/b+b (camuflados) Fêmea o+o/b+b (camuflada) F2 x 9 o+_/b+_ 3 o+_/bb 3 oo/b+_ 1 oo/bb Macho o+o/b+b (camuflado) (camuflados) (laranja) (pretos) (albinos) 34 Os genes o e b participam de duas vias bioquímicas paralelas, como esquematizado a seguir: b+ pigmento preto precursores camuflado precursores pigmento laranja o+ 3.2 – Interação de genes na mesma via biológica Em geral, os genes que interagem em duas vias diferentes produzem uma F2 com quatro fenótipos correspondentes às quatro classes genotípicas possíveis, como neste exemplo da cobra. No entanto, quando a interação entre os genes envolve apenas uma única via metabólica, surgem proporções em F2 diferentes do tradicional 9:3:3:1. Quando a interação biológica ocorre em uma mesma via metabólica ou de desenvolvimento, ela é denominada epistasia. Costuma-se dizer que um gene é epistático quando, de algum modo, ele inibe a manifestação de outro gene que depende do primeiro para se expressar. Mais precisamente, a epistasia é deduzida quando um alelo de um gene mascara a expressão de alelos de outro gene e expressa seu próprio fenótipo. 3.2.1 – Epistasia recessiva Na planta Collinsia parviflora, existem flores cujas cores podem ser azul, magenta ou branca. A via bioquímica de produção de pigmentos já foi identificada, e é a seguinte: gene w+ precursor incolor magenta gene m + azul Como se pode observar, há dois genes envolvidos na formação dos pigmentos que serão depositados nas flores destas plantas: o gene w (cujos alelos são o selvagem dominante w+ e o mutante recessivo w) e o gene m (cujos alelos são o selvagem dominante m+ e o mutante recessivo m). Os genes w e m localizam-se em cromossomos diferentes. 35 A conversão de substâncias esquematizada acima depende da ação dos produtos enzimáticos dos genes w e m. Por exemplo, a enzima produzida pelo alelo dominante m+ converte o pigmento magenta em azul. Por outro lado, o alelo mutante recessivo m não produz esta enzima, de modo que o genótipo recessivo mm não promove nenhuma alteração da cor magenta. O pigmento magenta, por sua vez, apenas será formado se houver ação de uma enzima produzida pelo alelo w+ sobre uma substância precursora incolor. O alelo recessivo w não produz esta enzima e, portanto, o genótipo recessivo ww não altera o precursor incolor. Neste caso, podemos dizer que o alelo recessivo mutante w, quando se manifesta, impede a formação de qualquer uma das cores, seja magenta ou azul. Em outras palavras, o alelo w é epistático sobre os alelos m e m+, pois impede que os fenótipos associados a estes alelos sejam manifestados. Como o alelo w é recessivo em relação ao w+, dizemos que este é um caso de epistasia recessiva. O cruzamento realizado entre dois parentais puros quanto às cores branco e magenta origina uma prole totalmente azul (F1). A autofecundação destes indivíduos F1 resultaria em uma F2 composta por 4 fenótipos diferentes na proporção diíbrida 9:3:3:1 se não existisse a epistasia entre os genes em questão. Neste caso, a proporção 9:3:3:1 é modificada para 9:3:4, havendo, pois, a redução de uma classe fenotípica. Branca ww/m+m+ w+w/m+m 9 3 3 1 Magenta w+w+/mm w+w/m+m Azul F1 F2 x x w+_/m+_ w+_/mm ww/m+_ ww/mm w+w/m+m (azul) (magenta) (branco) (branco) 9 3 4 3.2.2 – Epistasia dominante A cor das pétalas das flores da planta dedaleira (Digitalis purpurea) é uma característica que também está sujeita ao fenômeno da epistasia. Nesta planta, o gene D determina se a quantidade de antocianina produzida é muita (alelo dominante D) ou pouca (alelo recessivo d). Por outro lado, o 36 gene W afeta a deposição do pigmento antocianina: o alelo W impede a deposição do pigmento em toda a superfície da pétala, ao passo que o alelo w permite esta deposição. Sendo assim, o alelo W impede que as pétalas sejam totalmente coloridas, portanto este alelo é epistático sobre os alelos D e d. Pelo fato de W ser dominante em relação ao w, este é um caso de epistasia dominante. Púrpura escuro DD/ww x Branco com pintas Branco com pintas dd/WW Dd/Ww F1 Dd/Ww F2 9 3 3 1 x Dd/Ww D_/W_ (Branco com pintas) 12 dd/W_ (Branco com pintas) D_/ww (Púrpura escuro) 3 dd/ww (Púrpura claro) 1 Conforme podemos notar no esquema acima, a partir do cruzamento entre indivíduos puros quanto às cores púrpura escuro e branco com pintas obtém-se uma prole composta apenas por indivíduos brancos com pintas (F1). A F2 é originada a partir da autofecundação de indivíduos F1, e seria composta de 4 classes fenotípicas distribuídas segundo a proporção 9:3:3:1 caso não existisse a epistasia dominante exercida pelo alelo W sobre os alelos D e d. Assim, em função desta inibição, a proporção 9:3:3:1 modifica-se para 12:3:1, havendo redução de uma classe fenotípica. 37 LINKAGE E MAPEAMENTO CROMOSSÔMICO 1 – Genes ligados A segunda lei de Mendel afirma que dois ou mais genes segregam-se de modo independente na formação dos gametas. Esta segregação independente explicaria a proporção 9:3:3:1 observada em F2. Conforme já discutido anteriormente, a explicação para este fenômeno seria o fato de que dois genes localizam-se em cromossomos diferentes, os quais se separam de seus respectivos homólogos independentemente. No entanto, esta situação não se aplica para uma boa parcela dos genes conhecidos, ou seja, em um mesmo cromossomo são encontrados inúmeros genes diferentes. Neste caso, não há como haver segregação independente, pois os genes estão presentes em uma mesma estrutura física. Situação 1 4 combinações diferentes nos gametas Situação 2 2 combinações diferentes nos gametas Observe as duas situações acima. Na situação 1, os genes A e B localizam-se em pares de homólogos diferentes, portanto, segregam-se independentemente um do outro durante a meiose, o que resulta em quatro possibilidades de combinações alélicas nos gametas formados. Por outro lado, na situação 2 os genes A e B estão localizados no mesmo par de cromossomos homólogos. A segregação entre os alelos A e a durante a meiose está vinculada à separação dos alelos B e b. Assim, na situação 2, a segregação ocorrida no locus A ocorre em conjunto com a segregação ocorrida no locus B. Neste caso, apenas dois tipos diferentes de gametas poderiam ser formados. Em genética, quando dois ou mais genes estão presentes em um mesmo cromossomo, como na situação 2 descrita acima, diz-se que tais genes estão em linkage ou são genes ligados. Quando se estuda genes ligados, uma das principais informações de interesse é a distância entre os loci e, para isso, é necessário estabelecer a freqüência de recombinação entre os genes. 38 2 – Crossing-over e freqüência de recombinação Durante a meiose I, mais especificamente na prófase I, ocorre o fenômeno da permutação entre os cromossomos homólogos, também conhecido como crossing-over. Este fenômeno pode ser caracterizado como a troca de pedaços efetuada entre estes pares de cromossomos. Pontos de quebra e troca de pedaços Conforme ilustrado na figura acima, após a ocorrência do crossing-over, cada cromossomo contém um segmento de seu homólogo. Ao término da meiose, os cromossomos presentes nos gametas poderão ser recombinantes ou não. Os cromossomos recombinantes são aqueles em que o fenômeno do crossing-over produziu novas combinações de material genético. Embora nas representações esquemáticas os cromossomos recombinantes sejam identificados por cores diferentes, esta forma de identificação visual só foi possível com a implementação de métodos citogenéticos recentes. Mas, e antes do desenvolvimento destas técnicas, como se podia provar a ocorrência do crossing-over? 39 2.1 – Recombinação em Neurospora crassa Um exemplo didático dos efeitos da recombinação é a formação de esporos no fungo Neurospora crassa, também conhecido como mofo vermelho do pão. Nestes organismos, ocorre meiose seguida de mitose na formação dos esporos sexuais. Estes esporos, também denominados ascósporos, ficam armazenados em estruturas tubulares conhecidas como ascos, que caracterizam os fungos ascomicetos. Logo após a meiose, formam-se quatro esporos haplóides no interior de um ascósporo, e ao conjunto destes quatro ascósporos dá-se o nome de tétrades. Cada um destes ascósporos assim formados passa por uma mitose e origina duas novas células. Desta forma, após esta mitose final cada asco contém em seu interior oito esporos, motivo pelo qual este conjunto é conhecido como óctade. A cor dos esporos, que pode ser clara ou escura, é definida por um gene específico representado por dois alelos. Sendo assim, a cor de cada esporo depende do alelo presente no homólogo recebido após a meiose. Uma característica interessante da formação de esporos nestes fungos é que a distribuição dos mesmos ao longo do asco obedece um padrão único na natureza: eles encontram-se enfileirados, ou seja, é possível determinar exatamente qual dupla de esporos tem origem comum após a meiose II. Convém lembrar que, das quatro células originadas ao final da meiose II, duas são provenientes de uma das células intermediárias do processo de meiose e as outras duas provêm da outra célula intermediária. Essa disposição dos esporos ocorre devido ao formato tubular dos ascos, que impede que os esporos se "embaralhem" e faz com se organizem em tétrades lineares. 40 Em fungos heterozigotos com relação ao gene que determina cor do esporo, serão formados esporos claros e escuros. Porém, a seqüência dos esporos claros e escuros na óctade final do ascósporo revela se durante a meiose houve ou não recombinação (crossing over). Na figura anterior, que representa a formação de esporos em um fungo heterozigoto, podemos observar duas situações que levam à formação dos ascósporos (esporos). Na primeira situação, em que não há crossing-over e os homólogos mantêm sua constituição genética original, os dois primeiros esporos receberam o alelo que determina cor clara e os dois últimos receberam o alelo que determina cor escura. Sendo assim, a seqüência de esporos na tétrade que compõe o asco após a meiose II é composta de dois esporos claros seguidos de dois esporos escuros. Cada um destes esporos passa por uma mitose, o que resulta na formação de um asco contendo oito esporos (óctade de ascósporos), dos quais os quatro primeiros são claros e os quatro últimos são escuros. Na segunda situação, em que ocorre crossing-over, há formação de cromossomos recombinantes. Na figura anterior, é importante perceber que o segmento cromossômico envolvido na recombinação entre os homólogos contém o gene que determina a cor dos esporos do fungo em questão. Assim sendo, cada cromossomo duplicado contém uma das cromátides intacta (contendo, por exemplo, o alelo que determina a cor clara do esporo) e a outra contendo um pedaço do respectivo cromossomo homólogo (contendo o alelo que determina a cor escura do esporo). No momento da separação das cromátides, ocorrida durante a meiose II, cada célula intermediária origina dois esporos que receberão, cada um, uma das cromátides do respectivo cromossomo duplicado. Em função da recombinação ocorrida, estes dois esporos são geneticamente diferentes com relação à cor manifestada: um deles é claro e o outro é escuro. Deste modo, a disposição dos esporos nos ascos será diferente daquela observada na situação em que não houve crossing: haverá alternância entre esporos claros e escuros. 2.2 – Recombinação com e sem permutação A palavra recombinação embute a idéia de origem de novas combinações genéticas nos gametas, ocorridas em função de fenômenos meióticos. Os fenômenos meióticos responsáveis pela recombinação são a separação dos homólogos, ocorrida ao final da meiose I, e a permutação entre os cromossomos homólogos, também um evento associado à meiose I. A figura a seguir representa a formação de gametas recombinantes quando se considera dois genes não ligados. Neste caso, obviamente, a permutação não influencia o processo de recombinação que envolve estes dois genes, pois os mesmos situam-se em diferentes pares de cromossomos homólogos. 41 Partindo de um cruzamento parental entre dois indivíduos puros (homozigotos) com relação aos genes A e B (AABB x aabb), verificamos que os gametas produzidos tanto por um parental quanto pelo outro são apenas de um tipo (AB em um caso, ab no outro). Desta forma, o único genótipo possível para os indivíduos F1 é o duplo heterozigoto (AaBb). Geração P Gameta parental Gameta parental Geração F1 Gametas recombinantes Gametas com combinação parental Ao analisar os possíveis gametas que os indivíduos F1 podem formar, constatamos que além dos tipos gaméticos parentais AB e ab, existem novas combinações entre os alelos dos genes A e B nos gametas. Estas novas combinações são Ab e aB, que resultam do processo de separação dos homólogos com a mesma freqüência que as combinações parentais, uma vez que este processo ocorre de maneira completamente aleatória. Assim sendo, dos gametas produzidos por estes indivíduos F1, metade possui combinação parental e metade é recombinante. Uma forma de testar a ocorrência de recombinação é através do cruzamento de um indivíduo F1 com um indivíduo duplo recessivo. Tal cruzamento é conhecido em genética como cruzamento teste, e o indivíduo duplo recessivo é denominado testador. Como já se sabe que o indivíduo duplo recessivo pode formar apenas gametas com a combinação ab, a identificação dos recombinantes na 42 prole deste cruzamento-teste é feita a partir da análise dos fenótipos dos descendentes. Neste caso, a proporção fenotípica esperada seria de 1:1:1:1, sendo que 2/4 dos indivíduos seriam recombinantes. AaBb (F1) x Gametas: ab Gametas: AB, aB, Ab, ab F1 aabb (parental) AB aB Ab ab AaBb aaBb Aabb aabb Parental ab Descendentes recombinantes: formados a partir de gametas recombinantes Por outro lado, quando os genes estão localizados no mesmo cromossomo, a recombinação é um efeito da permutação (crossing-over). O crossing entre dois genes específicos (A e B, por exemplo) não ocorre em todas as meioses, como ilustrado na figura abaixo: Geração P Gameta parental Gameta parental F1 Sem crossing-over Gametas com combinações parentais Com crossing-over Gametas recombinantes 43 Quando ocorre crossing na região cromossômica situada entre dois genes específicos, a metade dos produtos desta meiose em particular são recombinantes e a outra metade produz apenas genótipos parentais para estes genes. A figura a seguir ilustra esta formação de gametas quando há crossing entre os cromossomos homólogos. Duplicação cromossômica Indivíduo F1 A B A B a b a b Crossing-over (meiose I) A B a b B Final da meiose I A A a a a b B a b A Meiose II b b B A B a a A A b B b B Gametas recombinantes Gametas parentais 2.2.1 - Freqüências de recombinação Quando se estuda dois ou mais genes, a formação de gametas recombinantes é um processo cuja freqüência varia em função do posicionamento relativo entre eles. Genes localizados em cromossomos diferentes apresentam freqüência de recombinação maior que genes ligados. Analisaremos estas duas situações individualmente. 2.2.1.1 – Freqüência de recombinação por segregação independente Conforme visto anteriormente, quando dois genes estão localizados em cromossomos diferentes, eles segregam-se independentemente, de acordo com a segunda lei de Mendel. Como visto no exemplo da seção 2.2, em um cruzamento teste (AaBb x aabb), os descendentes gerados a partir de gametas recombinantes constituem-se em metade da prole. Portanto, neste caso a freqüência de recombinação é de 50%. 44 Quando lidamos com números absolutos obtidos a partir da contagem direta dos descendentes de um cruzamento real, o cálculo da freqüência de recombinação é obtido de acordo com a fórmula: FR = R × 100 N onde: FR = Freqüência de recombinação R = Número de indivíduos recombinantes na prole de um cruzamento teste N = Número total de indivíduos na prole de um cruzamento teste A multiplicação por 100 garante que o resultado obtido para a FR seja em porcentagem. Vejamos um exemplo de aplicação deste cálculo envolvendo os genes hipotéticos C e D. Do cruzamento entre os parentais CCDD e ccdd, foi originada uma prole F1 composta pelo genótipo CcDd. A partir do cruzamento teste, foram obtidas os seguintes descendentes: 49 CcDd, 51 ccdd, 47 Ccdd e 53 ccDd. O que se pode deduzir do posicionamento relativo entre os genes C e D? As etapas para resolução do problema proposto estão enumeradas a seguir: A) A partir da descrição existente no enunciado, faça um esquema representativo dos cruzamentos. Assim fica mais fácil visualizar a situação. Geração P Gametas parentais Geração F1 Descendentes do cruzamento teste CCDD x ccdd CD cd CcDd 49 51 47 53 x ccdd Cruzamento teste CcDd ccdd Ccdd ccDd B) Determine quais descendentes do cruzamento teste são resultantes de gametas recombinantes, ou seja, quais são os indivíduos recombinantes. No exemplo acima, os gametas recombinantes seriam Cd e cD, os quais, ao fecundarem o gameta cd produzido pelo indivíduo testador, resultariam, na prole, em indivíduos de genótipo Ccdd e ccDd, que seriam, portanto, os indivíduos recombinantes. 45 C) Calcule a freqüência de recombinação a partir dos números obtidos na prole do cruzamento teste. Neste exemplo, teríamos: FR = R (47 + 53) × 100 ⇒ FR = × 100 ⇒ FR = 0,5 × 100 ⇒ FR = 50% N 200 D) Interprete o resultado obtido para FR. Em nosso exemplo, como a freqüência de recombinação entre os genes C e D é igual a 50%, conclui-se que os mesmos encontram-se em cromossomos diferentes, ou seja, são genes que obedecem à segregação independente prevista pela segunda lei de Mendel. 2.2.1.2 – Freqüência de recombinação por crossing-over Uma vez que o crossing não ocorre em todas as meioses que originam gametas, a freqüência de recombinação determinada por este fenômeno geralmente é baixa. A verdade é que quanto mais próximos estiverem dois genes em um cromossomo, mais difícil se torna a ocorrência de crossing no segmento cromossômico entre eles e menor é a freqüência de recombinação. Por outro lado, quanto mais distantes estiverem dois genes no mesmo cromossomo, maior será o trecho cromossômico situado entre eles, o que torna maior a chance de recombinação. Os estudos de ligação entre genes foi bastante expandido pelo norte-americano Thomas H. Morgan e seus discípulos. O organismo modelo para estudos genéticos empregado por Morgan foi a mosca-da-banana Drosophila melanogaster. Estes insetos apresentam ciclo de vida curto e considerável variação fenotípica, tornando possível a caracterização fenotípica ao longo de várias gerações em pouco tempo. Quando Morgan estudava dois genes autossômicos em Drosophila, encontrou um desvio significativo da segunda lei de Mendel na prole do cruzamento teste. Um destes genes afeta a cor de olho (pr, púrpura, e pr+, vermelho), e o outro alelo afeta o tamanho da asa (vg, vestigial, e vg+, normal). Os alelos selvagens de ambos os genes são dominantes. Morgan cruzou moscas pr/pr vg/vg (olhos púrpuras, asas vestigiais) com pr+/pr+ vg+/vg+ (olhos vermelhos, asas normais) e fez cruzamento teste com fêmeas duplo heterozigotas da F1: pr+/pr vg+/vg ♀ x pr/pr vg/vg ♂. Os resultados obtidos por Morgan a partir do cruzamento teste estão descritos a seguir: 46 Genótipos na prole do cruzamento teste Quantidade obtida pr+/pr vg+/vg 1039 pr/pr vg/vg 1195 pr+/pr vg/vg 151 pr/pr vg+/vg 154 TOTAL 2839 De acordo com a segunda lei de Mendel, os genótipos obtidos na prole do cruzamento teste deveriam estar distribuídos em uma proporção de 1:1:1:1. No entanto, os resultados obtidos estavam bem longe desta proporção. Morgan sugeriu que o desvio observado deveria ter sido provocado pelo fato de que os genes que controlam ambos os fenótipos estariam situados no mesmo par de cromossomos homólogos. Detalhando os dados fornecidos na tabela anterior, teríamos: Identificação Gametas Gametas Genótipos na prole das produzidos por F1 produzidos pelo do cruzamento testador teste combinações Quantidade obtida 1 pr+ vg+ + pr vg = pr+/pr vg+/vg 1039 2 pr vg + pr vg = pr/pr vg/vg 1195 3 pr+ vg + pr vg = pr+/pr vg/vg 151 4 pr vg+ + pr vg = pr/pr vg+/vg 154 TOTAL 2839 ___ ___ ___ Ao considerar que os dois genes estudados situavam-se no mesmo cromossomo, os gametas produzidos por F1 deveriam possuir apenas as combinações 1 e 2 da tabela acima, que corresponderiam às combinações que estes indivíduos herdaram de seus genitores Sendo assim, os descendentes do cruzamento teste deveriam ser apenas pr+/pr vg+/vg e pr/pr vg/vg, distribuídos em uma proporção de 1:1. De fato, a ampla maioria destes descendentes distribui-se nestas duas classes genotípicas e, comparando uma dessas classes com a outra a quantidade obtida foi muito semelhante (1039 e 1195). No entanto, Morgan se deparou com uma dificuldade ao elaborar esta teoria: se os genes são ligados e as combinações parentais nos gametas são pr+ vg+ e pr vg, o que explicaria o surgimento dos gametas recombinantes representados pelos números 3 e 4 na tabela? 47 Morgan sugeriu que, quando os cromossomos homólogos se pareiam na meiose, os cromossomos ocasionalmente trocam partes em um processo que foi denominado crossing-over. Sendo assim, as duas novas combinações (3 e 4) passaram a ser chamadas de produtos de crossing. Para elaborar esta teoria, Morgan se baseou no fato de que na meiose de algumas células era possível se observar uma estrutura em forma de cruz chamada de quiasma, formada pelo entrecruzamento de cromátides pertencentes aos homólogos. Para Morgan, o aparecimento deste quiasma seria a prova visual do conceito de crossing. Perceba que Morgan baseou suas conclusões a partir tanto de resultados genéticos quanto de observações de estruturas físicas (cromossomos). Seu sucesso em correlacionar os resultados de experimentos de cruzamento com o fenômeno citológico destaca a importância da teoria cromossômica da herança como poderosa base para pesquisa. A freqüência de recombinação para os dados descritos na tabela seria calculada de modo semelhante ao que foi exposto para o caso de genes não ligados: FR = R (151 + 154) × 100 ⇒ FR = 0,107 × 100 ⇒ FR = 10,7% × 100 ⇒ FR = N 2839 Observe que a freqüência de recombinação ente os genes considerados neste exemplo é bem inferior ao valor de 50%, que é o valor esperado da FR para genes não ligados. Isso se explica pelo fato de os genes se localizarem no mesmo cromossomo e a única forma de recombinação entre eles seria o crossing-over, um fenômeno que não ocorre necessariamente em todas as meioses. A partir desta observação, pode-se deduzir, a partir do cálculo da FR, se os genes estudados estão ligados ou não, pois: • Se FR ≅ 50% , os genes não estão ligados, e a recombinação entre eles ocorre devido à segregação independente prevista pela segunda lei de Mendel • Se FR < 50%, os genes estão ligados, e a recombinação entre eles ocorre devido ao crossing-over. 3 – Mapa de ligação (mapa genético) Morgan percebeu que a proporção de prole recombinante variava consideravelmente em função das características analisadas. Em outras palavras, quando diferentes combinações de genes ligados eram estudadas, proporções diferentes de recombinantes eram obtidas. Ele imaginou que essas variações de freqüência de crossing pudessem estar relacionadas com as distâncias que separavam os genes estudados em cada caso. O estudo dessas variações ficou a cargo de um 48 estudante de graduação que trabalhava com Morgan. Este estudante era Alfred Sturtevant, que mais tarde viria a se tornar um grande geneticista. Sturtevant sugeriu que a porcentagem de recombinantes em um cruzamento-teste fosse utilizada como um indicador quantitativo da distância linear entre dois genes. A determinação do posicionamento relativo entre dois ou mais genes em um cromossomo ficou conhecido como mapa de ligação ou mapa genético. Desta forma, genes separados por grandes distâncias deveriam fornecer uma maior proporção de recombinantes, ao passo que genes mais próximos uns dos outros deveriam fornecer uma menor proporção de recombinantes na prole de um cruzamento-teste. Em outras palavras: quanto maior a distância entre os genes ligados, maior a chance de que haja crossing-over na região cromossômica situada entre estes genes. Para obter uma medida quantitativa da distância entre dois genes ligados, Sturtevant sugeriu o uso da freqüência de recombinação (FR) como parâmetro: uma FR de 1% implicaria em uma distância de 1 unidade de mapa genético (u.m.). Desta forma, criou-se uma unidade de medida de distância entre genes ligados. É importante mencionar que uma unidade de mapa (u.m.) é chamada às vezes de um centimorgan (cM), em honra a Thomas H. Morgan. No exemplo dos olhos e asas de drosófilas considerado anteriormente, foi calculada uma freqüência de recombinação (FR) de 10,7%. Logo, podemos afirmar que os genes pr e vg são separados por uma distância de 10,7 u.m. no mesmo cromossomo, como ilustrado no esquema abaixo: gene pr gene vg 10,7 u.m. cromossomo 3.1 - Cruzamento-teste de três pontos Até aqui, estudamos o fenômeno da ligação envolvendo apenas dois genes, e para isso calculamos a FR na prole obtida de um cruzamento-teste de um indivíduo duplo heterozigoto com um testador duplo recessivo. O próximo passo consiste em estabelecer o mapa de ligação quando se consideram três genes. Do mesmo modo, será necessário analisar a prole do cruzamento-teste, que neste caso será efetuado entre um indivíduo triplo heterozigoto e um testador triplo recessivo. Para ilustrar esta nova situação, utilizaremos os seguintes genes de drosófila: • Gene v (cor dos olhos): alelos v+ (selvagem, dominante) e v (vermilion, mutante com a cor dos olhos alterada) 49 • Gene cv (nervuras das asas): alelos cv+ (selvagem, dominante) e cv (crossveinless, mutante sem algumas nervuras nas asas) • Gene ct (margem das asas): alelos ct+ (selvagem, dominante) e ct (mutante cujas margens das asas são cortadas). Considere um cruzamento onde os indivíduos da geração parental possuam os genótipos v+ v+ / cv cv / ct ct e v v / cv+ cv+ / ct+ ct+. A partir desse cruzamento foi obtida uma prole (F1) triplamente heterozigota com o genótipo v+ v / cv+ cv / ct+ ct, e as fêmeas com este genótipo foram cruzadas com machos testadores triplos recessivos ( v v / cv cv / ct ct ). O emprego de fêmeas F1 é explicado pelo fato de que, em drosófilas, o crossing-over só ocorre nas fêmeas. Deste cruzamentoteste, há possibilidade de formação de oito genótipos diferentes na prole. Estes genótipos em uma prole de 1.448 moscas de um cruzamento-teste, bem como a organização dos cruzamentos acima mencionados estão representados no esquema abaixo: P v+ v+ / cv cv / ct ct Gameta parental x v v / cv+ cv+ / ct+ ct+ v+ / cv / ct F1 v / cv+ / ct+ v+ v / cv+ cv / ct+ ct Genótipos da prole x Gameta parental v v / cv cv / ct ct v v / cv+ cv / ct+ ct v+ v / cv cv / ct ct v v / cv cv / ct+ ct v+ v / cv+ cv / ct ct v v / cv cv / ct ct v+ v / cv+ cv / ct+ ct v v / cv+ cv / ct ct v+ v / cv cv / ct+ ct testador 580 592 45 40 89 94 3 5 1448 Nos genótipos da prole do cruzamento teste representado no esquema acima, as letras sublinhadas se referem aos alelos recebidos de F1, enquanto as letras não sublinhadas representam os alelos herdados do indivíduo testador. Para efetuar o mapeamento dos três genes envolvidos, é necessário identificar na prole os indivíduos recombinantes. É importante lembrar que os gametas parentais neste caso são compostos pelos genótipos v+ / cv / ct e v / cv+ / ct. A identificação dos indivíduos recombinantes na prole do cruzamento-teste deve ser feito analisando os genes de dois em dois. Começando com os loci v e cv, temos que as combinações parentais são v+ / cv e v / cv+. Logo, os gametas recombinantes produzidos por F1 serão v / cv e v+ / 50 cv+. Localizando os genótipos da prole do cruzamento-teste que foram originados por estes gametas recombinantes, temos: • v v / cv cv / ct+ ct → 45 indivíduos • v+ v / cv+ cv / ct ct → 40 indivíduos • v v / cv cv / ct ct → 89 indivíduos • v+ v / cv+ cv / ct+ ct → 94 indivíduos O cálculo da freqüência de recombinação entre os genes v e cv seria: FR = R (45 + 40 + 89 + 94) × 100 ⇒ FR = × 100 ⇒ FR = 0,185 × 100 ⇒ FR = 18,5% N 1448 Assim, deduzimos que os genes v e cv são separados por uma distância de 18,5 u.m. Para os loci v e ct, os recombinantes são v / ct e v+ / ct+. Existem 89 + 94 + 3 + 5 = 191 destes recombinantes em um total de 1.448 indivíduos que constituem a prole do cruzamento-teste. Isso equivale a uma FR = 13,2%; portanto, os genes em questão são separados por uma distância de 13,2 u.m. Para os loci cv e ct, os recombinantes são cv / ct+ e cv+ / ct. Existem 45 + 40 + 3 + 5 = 93 destes recombinantes em um total de 1.448 indivíduos que constituem a prole do cruzamento-teste. Isso equivale a uma FR = 6,4%; portanto, os genes em questão são separados por uma distância de 6,4 u.m. Os três genes em questão localizam-se no mesmo cromossomo, porque os valores de FR são todos consideravelmente menores que 50%. Como os genes v e cv apresentam maiores valores de FR, eles devem estar muito distantes. Portanto, o gene ct deve estar entre eles. Sendo assim, pode ser feito o seguinte mapa: v ct 13,2 u.m. cv 6,4 u.m. Cabem aqui algumas considerações: • Os resultados do mapeamento permitiram deduzir uma ordem gênica diferente daquela representada inicialmente. Ou seja, um genótipo que foi inicialmente representado de modo arbitrário como v v / cv cv / ct ct deve ser reescrito como v v / ct ct / cv cv em função da descoberta da posição relativa correta entre estes genes. • Os resultados obtidos forneceram as distâncias entre os três genes, o que permitiu estabelecer a posição relativa entre eles. No entanto, a escolha por colocar o gene v à 51 esquerda e o gene ct à direita foi puramente arbitrária. Em outras palavras, o mapa poderia iniciar com ct à esquerda e terminar com v à direita, desde que as distâncias entre os três genes fossem mantidas. • As duas menores distâncias calculadas (13,2 u.m. e 6,4 u.m.) somam 19 u.m., que é maior que 18,5 u.m., a distância calculada para v e cv. Esta diferença se explica pelo fato de que entre v e cv ocorreu recombinação por crossing-over duplo, e os dados desta recombinação não entraram no cômputo da distância entre estes loci, pois não haviam sido identificados. 52 GENÉTICA QUANTITATIVA 1 – Introdução A meta da genética é análise do genótipo dos organismos. Este tipo de análise, porém, requer a identificação dos fenótipos que se constituem na manifestação dos fenótipos. Reconhecemos dois genótipos como diferentes um do outro porque os fenótipos de seus portadores são diferentes. A correlação dos fenótipos com seus respectivos genótipos se torna algo relativamente simples quando os genótipos são monogênicos. A identificação dos genótipos responsáveis pelas variantes fenotípicas de uma certa característica é bem menos complexa quando tudo se resume à expressão de apenas um gene com poucos alelos. A complexidade torna-se maior quando a determinação dos possíveis fenótipos apresentados por uma característica está a cargo da expressão conjunta de vários genes. Neste último caso, dizemos que a característica em questão é poligênica. No caso de uma característica ser determinada por apenas um gene, geralmente sua manifestação se resume a "sim ou não", "tem ou não tem", etc. Por outro lado, quando a característica é definida pela ação conjunta e complexa de vários genes (poligênica), várias classes fenotípicas são possíveis de se determinar para uma certa característica. Neste último caso, podemos identificar as características merísticas, isto é, aquelas que podem ser contadas (por exemplo, número de ovos, número de cerdas, etc.), e as características contínuas, que correspondem àquelas que podem ser medidas (peso, altura, etc.). Tanto as características merístiticas quanto as contínuas exibem uma variação quase contínua entre os valores extremos. Por exemplo, se estivermos analisando o peso de um animal e identificarmos que o menor peso apresentado é de 5 kg e o peso máximo é 10 kg, encontraremos entre esses dois extremos uma infinidade de pesos diferentes (por exemplo: 5,1 kg, 5,25 kg, 6,457 kg, etc.). Essa infinidade de classes fenotipicas entre extremos é resultante de um tipo peculiar de herança, denominado herança quantitativa. A grande variabilidade observada nas características quantitativas pode ser atribuída a dois grandes fatores: constituição genética e ambiente. Na realidade não se herda um determinado peso ou uma determinada altura e sim um potencialidade que pode ser mais ou menos desenvolvida conforme as condições ambientais (como, por exemplo, disponibilidade de alimento). Obviamente, esta potencialidade de desenvolver um fenótipo tem suas limitações impostas pela composição genética. Assim, por mais favorável que seja um ambiente, a manifestação do fenótipo esbarra na constituição genética do indivíduo. Considerando estes aspectos da herança quantitativa, seguramente podemos afirmar que: 53 FENÓTIPO = GENÓTIPO + AMBIENTE O grande desafio no estudo de características quantitativas é dimensionar o quanto da variação fenotípica é devida ao genótipo e quanto é devida ao ambiente. Uma maneira relativamente simples de responder a esta dúvida é a partir do estudo de gêmeos monozigóticos (MZ) que vivem em ambientes separados. Estes gêmeos são 100% idênticos sob o ponto de vista genético, de modo que as diferenças constatadas entre eles obviamente se devem à interferência do ambiente. 2 – Características gerais da herança quantitativa 2.1 – Características quantitativas são poligênicas Conforme mencionado anteriormente, o genótipo por trás das características quantitativas é poligênico, e geralmente envolve um grande número de loci. Devido a esta característica, a herança quantitativa é também chamada de herança poligênica. Em geral, se considera cada locus contribui com uma parcela, e o somatório das parcelas de contribuição de todos os loci envolvidos resulta na manifestação da característica. O número de genótipos poligênicos possíveis depende do número de genes envolvidos. Quando se tem apenas um gene com dois alelos (A1 e A2, por exemplo), existe a possibilidade de formação de três genótipos diferentes (A1A1, A1A2 e A2A2). Se considerássemos dois genes com dois alelos cada um, teríamos 9 genótipos possíveis. Se fossem 3 loci, cada um com um par de alelos, o número de genótipos possíveis seria 27. Generalizando, poderíamos afirmar que a quantidade de genótipos diferentes que podem resultar da combinação de n genes com dois alelos cada um é 3n. Assim, se considerássemos 5 genes diferentes, o número possível de genótipos seria de 243!! Podemos deduzir que quanto maior o número de loci envolvidos, maior será a variabilidade de genótipos e, portanto, de fenótipos, e menor será a contribuição relativa de cada locus. 2.2 – Características quantitativas são multifatoriais Já foi dito que as variantes fenotípicas quantitativas resultam da interação de fatores genéticos com o meio ambiente. Na verdade, este tipo de interação ocorre com toda e qualquer característica que se considere, até no caso das características qualitativas. A manifestação do tipo 54 sangüíneo da pessoa, por exemplo, depende da fabricação de proteínas específicas, e para que estas proteínas sejam fabricadas é necessário buscar no ambiente os elementos (aminoácidos) necessários para constituir essas proteínas. Porém, uma vez portadora do genótipo ii, a pessoa irá desenvolver o tipo sangüíneo O, seja qual for o ambiente que ela se desenvolva. Por outro lado, as características quantitativas, como o peso por exemplo, variam substancialmente conforme o ambiente. Uma pessoa que cresça em uma população miserável do nordeste brasileiro, onde o teor de proteína na dieta é quase nulo, não irá atingir o potencial de crescimento representado em seu genótipo e será uma pessoa de baixa estatura, não por conta da hereditariedade, e sim por causa de um ambiente altamente desfavorável. Esse tipo de variação acontece com diversas outras características quantitativas. Essa intensa combinação de genótipo poligênico e ambiente na determinação do fenótipo final do indivíduo é conhecido como mecanismo multifatorial. O termo multifatorial se explica pelo fato de que existem diversos fatores (genéticos e ambientais) exercendo influência na manifestação final da característica. 2.3 – O estudo de características quantitativas depende de métodos estatísticos A herança quantitativa é difícil de ser estudada nos descendentes de um único casal. A saída é estudar descendentes de vários casais cujos fenótipos sejam semelhantes e analisar os resultados com métodos estatísticos. O estudo de uma característica quantitativa em uma grande população geralmente revela que poucos indivíduos possuem os fenótipos extremos, e que um número maior de indivíduos da população apresenta valores próximos ao valor da média populacional. Este tipo de distribuição simétrica em torno da média apresenta forma de sino e é denominada distribuição normal. Em estatística, a caracterização da distribuição normal depende fundamentalmente de dois parâmetros: a média e a variância. 2.3.1 – Cálculo da média fenotípica populacional A média é um parâmetro estatístico cujo cálculo é efetuado de maneira simples através da fórmula: x= ∑x n 55 onde: x = média ∑ x = somatório dos valores fenotípicos n = tamanho da população 2.3.2 – Variância A variância é um parâmetro estatístico que define a variabilidade dos valores ao redor da média. No caso dos fenótipos quantitativos, a variabilidade dos valores em torno da média pode dar pistas da influência genética (ou ambiental) sobre a manifestação de uma característica, dependendo do contexto em que o estudo seja conduzido. O cálculo da variância é feito segundo a fórmula: n ∑ (x − x) 2 i V = i =1 n −1 onde: V = variância xi = valores dos fenótipos dos i indivíduos, onde i varia de 1 a n. x = média populacional n = tamanho populacional Observe na fórmula que o valor calculado para a variância irá apresentar unidade de medida igual ao quadrado da unidade de medida dos dados (por exemplo, a altura é medida em cm, a variância da altura é dada em cm2). Extraindo-se a raiz quadrada da variância, converte-se o valor da variância para a mesma unidade em que as medidas foram tomadas. Ao efetuar essa conversão, estaremos obtendo outro parâmetro estatístico, o desvio-padrão (representado pela letra s): n ∑(x i s= − x )2 i =1 n −1 Observe o exemplo abaixo, em que se pede o cálculo da média e do desvio-padrão de uma amostra de comprimento de 10 cães: 56 x (em cm) ( xi- x ) ( xi- x )2 104 +2 4 106 +4 16 103 +1 1 105 +3 9 100 -2 4 104 +2 4 108 +6 36 90 -12 144 101 -1 1 99 -3 9 ∑ x = 1.020 Σ ( x- x ) = 0 n ∑ (x i − x ) 2 = 228 i =1 Cálculo da média: x= ∑x n ⇒ x= 1.020 = 102 cm 10 Cálculo do desvio-padrão: n ∑(x i s= − x )2 i =1 n −1 ⇒ s= 228 = 5,03 cm 9 3 – Estimativa do número de genes a partir de dados quantitativos 3.1 – Uso da fração de F2 tão extrema quanto os parentais O cruzamento de duas variedades de trigo com relação à cor dos grãos (variedade vermelha x variedade branca) efetuado por Nilsson-Ehle (1909) permitiu, pela primeira vez, estimar o número de pares de genes envolvidos na determinação de uma característica. Veja a representação deste cruzamento: 57 A1A1B1B1 Vermelho-escuro P A2A2B2B2 branco x A1A2B1B2 Vermelho intermediário F1 F2 1/16 A1A1B1B1 – Vermelho-escuro 2/16 A1A2B1B1 – Vermelho-médio 1/16 A2A2B1B1 – Vermelho intermediário 2/16 A1A1B1B2 – Vermelho-médio 4/16 A1A2B1B2 – Vermelho intermediário 2/16 A2A2B1B2 – Vermelho-claro 1/16 A1A1B2B2 – Vermelho intermediário 2/16 A1A2B2B2 – Vermelho-claro 1/16 A2A2B2B2 – Branco Proporção genotípica Proporção fenotípica 1:4:6:4:1 Observe no esquema que em F1 o fenótipo é intermediário com relação aos parentais e que em F2 surgiram fenótipos novos. Obviamente, a proporção obtida em F2 não se enquadra em nenhuma das previsões de Mendel e não pode ser considerada um caso de codominância. Na proporção fenotípica obtida em F2 (1:4:6:4:1), as classes de menor freqüência são justamente as parentais (1/16 vermelho-escuro e 1/16 branco). Foi baseando-se nesta proporção de F2 tão extrema quanto os parentais que Nilsson-Ehle sugeriu a influência de dois genes, com 2 alelos cada um, na manifestação da diferença fenotípica de cor observada entre os parentais, baseando-se na seguinte relação: n 1 = proporção de descendentes na F2 tão extremos quanto os parentais 4 onde n é o número de pares de alelos envolvidos na determinação da característica analisada. Os alelos identificados pelo número 1 são chamados contribuintes, pelo fato de que, no caso da semente do trigo, contribuem para a cor vermelha. Os que não contribuem para a cor vermelha, 58 aqui identificados pelo número 2, podem ser chamados alelos não contribuintes. Temos, assim, uma série poligênica de quatro alelos, os quais também são chamados de poligenes. Portanto, a pigmentação final das sementes depende do somatório dos efeitos dos alelos contribuintes, como pode ser observado na tabela a seguir: Fenótipo Fração de F2 A1A1B1B1 Número de alelos contribuintes para vermelho 4 Vermelho-escuro 1/16 A1A1B1B2, A1A2B1B1 3 Vermelho-médio 4/16 Genótipo A1A1B2B2, A2A2B1B1, A1A2B1B2 2 Vermelho intermediário 6/16 A2A2B1B2, A1A2B2B2 1 Vermelho-claro 4/16 A2A2B2B2 0 Branco 1/16 Várias suposições simplificadoras devem ser feitas para se assumir o modelo proposto acima: 1 – Não há dominância entre os alelos; apenas alelos contribuintes e não contribuintes 2 – Todos os alelos contribuintes da série poligênica exercem o mesmo efeito. 3 – Os efeitos de cada alelo contribuinte são cumulativos ou aditivos. 4 – Não há epistasia 5 – Não há ligação entre os genes considerados 6 – Os efeitos ambientais estão ausentes. 3.2 – Estimativa do número de genes usando a média e a variância O cálculo da média e da variância de valores fenotípicos coletados a partir de indivíduos empregados em cruzamentos pode fornecer subsídios para a estimativa do número de pares de genes envolvidos na determinação de uma característica quantitativa. Tomemos como exemplo o peso de coelhos das raças Flemish e Himalaia. Os coelhos da raça Flemish pesam, em média, 3.600g e os coelhos da raça Himalaia, 1.875g. O cruzamento entre animais destas duas raças [parental A (PA) = Flemish; parental B (PB) = Himalaia] produz uma F1 híbrida, com peso intermediário e com um desvio-padrão de 162g (logo, a variância é 1622). A variabilidade da F2 é maior, pois o desvio-padrão calculado é 230g (logo, a variância é 2302). Se as condições ambientais forem mantidas constantes ao longo das gerações, a variação resulta de influência genética. Com base neste raciocínio, foi desenvolvida a seguinte fórmula: 59 N= ( x PA − x PB ) 2 8(VF2 − VF1 ) onde: N = número de pares de genes envolvidos x PA = média dos valores fenotípicos (no caso, peso de celhos) do parental A x PA = média dos valores fenotípicos do parental B VF2 = variância dos pesos de F2 VF1 = variância dos pesos de F1 Inserindo os dados dos cruzamentos das raças de coelhos, teríamos: N= ( x PA − x PB ) 2 8(VF2 − VF1 ) ⇒ N= (3.600 − 1.875)2 = 13,95 ≅ 14 pares de alelos 8(230 2 − 1622 ) 3.3.1 – Contribuição de cada alelo no fenótipo final No exemplo anterior, do cruzamento entre as raças de coelhos, poderíamos estimar o quanto cada alelo contribui na determinação do peso. Para tanto, é necessário seguir as etapas descritas a seguir: I – Deve-se considerar que os alelos agem de modo que seus efeitos são somados e que não existe dominância, epistasia ou outra forma qualquer de interação. Também deve ser assumido que as condições ambientais são controladas a ponto de não influenciarem no fenõtipo. II – Calcular a diferença entre os fenótipos extremos, que correspondem aos fenótipos dos parentais. No exemplo do coelho, essa diferença seria 3.600 – 1.875 = 1.725g. III – Esta diferença de 1.725g é determinada pela ação de 14 pares de alelos. Ao todo, portanto, existem 28 alelos atuando na definição desta diferença de peso. Se quisermos saber quanto cada alelo individual contribui para esta diferença, basta fazer a conta simples 1725 = 61,61g. 28 IV – Se o genótipo do indivíduo não tiver nenhum alelo contribuinte, o peso final será o extremo mínimo (1.875g). Por outro lado, o extremo máximo (3.600g) será obtido quando todos os alelos forem contribuintes. Para inferir pesos intermediários, basta estipular quantos alelos contribuintes há por genótipo. Por exemplo, o peso final de um indivíduo que tem 4 alelos contribuintes será o peso mínino (1.875) mais o peso acrescentado pela soma dos alelos contribuintes: peso final = 1.875 + 4 (61,61) = 2.121,44g.