É preciso tirar a Petrobrás do
palanque
ADRIANO PIRES - O ESTADO DE S.PAULO
14 Julho 2014 | 02h 03
O governo comemorou com grande intensidade o recorde de produção de 500 mil barris por dia
(b/d) no pré-sal. Sem dúvida, essa é uma marca importante e mostra a excelência e a capacidade
técnica dos funcionários da Petrobrás. Entretanto, nota-se nas comemorações todo um viés político
que, mais uma vez, tenta dividir os brasileiros entre os que defendem os interesses da Nação e do
povo e aqueles que querem entregar o petróleo do pré-sal aos alienígenas. Esse discurso
"nacionalisteiro", na verdade, tem prejudicado muito a Petrobrás, seus acionistas e os verdadeiros
interesses do povo brasileiro.
Vamos aos fatos. É bom lembrar que esse volume de produção foi alcançado por meio da
constituição de consórcios entre a Petrobrás e empresas privadas, sob o regime de concessão, em
áreas licitadas ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Essas parcerias são benéficas na
medida em que trazem para o negócio recursos financeiros, intercâmbio tecnológico e governança.
Sem parcerias, a empresa fica mais suscetível a interferências e, não por outro motivo, é nas
refinarias, onde a Petrobrás opera sozinha, que a empresa é sacrificada pela política imposta pelo
seu acionista majoritário.
A marca dos 500 mil b/d do petróleo do pré-sal já poderia ter sido alcançada e até mesmo superada
caso se tivesse dado continuidade aos leilões de áreas exploratórias e caso fossem garantidas a
segurança jurídica e a estabilidade regulatória, com a manutenção do modelo de concessão.
Imaginem se o Campo de Libra tivesse sido leiloado em 2009, em vez de 2013. Uma comparação
pode ser feita com o que ocorreu com o desenvolvimento do petróleo não convencional nos Estados
Unidos, o chamado tight oil. Enquanto a produção brasileira esteve estagnada e o pré-sal se
desenvolvia até alcançar os 500 mil b/d, a produção do tight oil cresceu de menos de 1 milhão de
b/d, em 2010, para mais de 4 milhões de b/d, em 2014, um ritmo muito mais acelerado.
Espera-se que a produção do tight oil cresça um adicional de 4 milhões de b/d até o final da
década, atraindo fortes investimentos, dando fôlego ao setor de petróleo norte-americano,
tornando-o um competidor do nosso pré-sal.
É importante chamar a atenção para um fato: mesmo com o crescimento da produção no pré-sal,
a Petrobrás não tem cumprido suas metas de produção nos últimos dez anos, principalmente por
causa da inesperada e acentuada queda de produção nos poços da Bacia de Campos. No início de
2011, a produção na Bacia de Campos representava 84% do total e, em 2014, 75%.
Sem licitação. Dando prosseguimento às comemorações dos 500 mil barris por dia, o Conselho
Nacional de Política Energética (CNPE) anunciou que o governo irá contratar a Petrobrás, sem
licitação, para a produção do volume excedente ao contratado, sob o regime de cessão onerosa, em
quatro áreas do pré-sal: Búzios, Entorno de Iara, Florim e Nordeste de Tupi. As reservas somam
entre 9,8 bilhões e 15,2 bilhões de barris de petróleo. Para a Petrobrás, esse anúncio seria ótimo, se
a estatal fosse uma empresa "normal".
No entanto, no caso da Petrobrás, a novidade se refletiu em queda das ações da empresa, com a
perda de cerca de R$ 13 bilhões em valor de mercado em dois dias. O movimento, aparentemente
contraditório, ocorreu porque o drive de valorização da empresa não está, atualmente, ligado às
suas reservas, e, sim, ao caixa da empresa.
A relação reservas/produção em 2013 foi de 19,2 anos. Portanto, o item preocupante é a limitação
da geração de caixa da empresa, por causa do controle dos preços da gasolina e do diesel e do alto
nível de endividamento da companhia, que põem em risco o grau de investimento.
A política de preços defasados dos combustíveis, como gasolina, diesel e gás liquefeito de petróleo
(GLP), trouxe prejuízos para a empresa de R$ 62 bilhões entre 2011 e 2013, em valor presente de
2013. No mesmo período, o endividamento da empresa cresceu de R$ 62 bilhões para R$ 221
bilhões. O Plano de Negócios 2014-2018 prevê mais de R$ 330 bilhões em investimentos em
exploração de produção, até 2018, mas a situação financeira da empresa é preocupante, porque o
endividamento líquido agora é de R$ 229,7 bilhões e as relações dívida líquida/Ebitda e dívida
líquida/capital líquido estão em níveis muito altos: em 4x e 39%, respectivamente.
A escolha de não licitar as quatro áreas do pré-sal também foi ruim para a indústria e para o
Brasil, que conseguiria melhor contrapartida se houvesse competição, em moldes parecidos ao que
ocorreu no leilão do Campo de Libra. Cabe lembrar que, pela Lei da Partilha, a Petrobrás
obrigatoriamente faria parte do consórcio, além de ser operadora.
A opção por contratar diretamente a Petrobrás reforça a tese de que estamos caminhando para um
modelo em que a exploração do pré-sal será exclusividade da Petrobrás e de que o leilão de Libra só
foi realizado por questões fiscais, dada a necessidade de caixa do Tesouro Nacional.
O modelo de partilha tem um ponto preocupante adicional, que é a apuração do custo em óleo,
capaz de privilegiar a empresa contratada se esses custos não forem bem apurados. Na contratação
direta da Petrobrás para explorar os volumes de 9,8 bilhões a 15,2 bilhões de barris, preocupa a
forma como será fiscalizado e controlado o custo do óleo, até porque se vai estabelecer uma relação
"Zé com Zé" - e, neste caso, a tradição brasileira mostra que, quando o Estado toma conta de uma
empresa estatal, os resultados não têm sido satisfatórios.
Cabe lembrar que o governo já se utilizou de expedientes similares ao conduzir licitações de
rodovias e de geradoras de eletricidade com tarifas baixas, garantindo a remuneração da empresa
com empréstimos baratos via BNDES.
É preciso tirar a Petrobrás do palanque político, respeitar o acionista e os verdadeiros interesses do
povo brasileiro. Caso contrário, vai parecer que o projeto do governo é transformar a nossa
Petrobrás numa PDVSA, o que é ruim para todos.
É DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRUTURA (CBIE)
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