APLICAÇÃO DO CÁLCULO MATRICIAL AO ESTUDO
DA ESTRUTURA SILÁBICA E DE SEU COMPORTAMENTO
(Publicado nos Anais da 44ª Reunião Anual da SBPC, 1992, p. 432)
Resumo: O presente trabalho apresenta um modelo de aplicação do cálculo matricial, a partir das
matrizes booleanas, ao problema da determinação do número total de sílabas possíveis num dado sistema
fonológico, ou do número de sílabas que satisfaçam a uma determinada condição, com base na estrutura
silábica particular desse sistema, bem como nas coerções combinatórias da sintaxe fonológica no interior
da sílaba. O modelo aqui exposto foi testado num corpus de pequena extensão, o que não diminui sua
generalidade, visto tratar-se de um modelo matemático, cujos resultados podem ser estendidos a qualquer
corpus dado.
Palavras-chave: Lingüística; fonologia; fonêmica; sílaba; estrutura silábica.
Abstract: This paper presents a model of application of matrix calculus, starting from Boolean matrices,
to the problem of determining the total number of possible syllables in a given phonological system, or
the number of syllables that satisfy a given condition, on the basis of the particular syllabic structure of
that system, as well as in the combinatory constraints of the phonemic syntax inside the syllable. The
model presented here has been tested on a small-extension corpus, what does not diminish its generality,
since it is a mathematical model, whose results can be extended to any given corpus.
Keywords: Linguistics; phonology; phonemics; syllable; syllabic structure.
Preliminares
Sabe-se que o sistema fonológico de uma língua se define par um inventário de fonemas, bem como
pela distribuição desses fonemas, isto é, pelo conjunto de combinações de fonemas permitidas pela
sintaxe fonológica da língua, excluídas as demais. Em decorrência dessa distribuição fonêmica especifica,
toda língua apresenta uma estrutura silábica particular. Enquanto seqüência de fonemas, a sílaba é uma
cadeia sintagmática formada de elementos discretos, que chamamos de casas fonológicas. Cada casa
fonológica é preenchida por um e somente um fonema pertencente a um paradigma específico
(consoantes, semiconsoantes, vogais, semivogais, etc.). Desse modo, toda sílaba possui uma estrutura
constante e em cada uma de suas casas fonológicas podem figurar certos fonemas à exclusão de outros.
Além disso, cada fonema efetivamente atualizado numa determinada casa condiciona quais fonemas do
paradigma seguinte podem ou não entrar em combinação com aquele. Assim, a formação das sílabas de
uma língua é presidida por regras combinatórias que podem ser descritas matematicamente. É
interessante, pois, dispor de um algoritmo que permita saber, por exemplo, quantas e quais sílabas
diferentes uma língua admite, que sílabas satisfazem uma certa condição (possuir tal ou qual fonema
nesta ou naquela posição), e, ainda, fazer estimativas sobre a extensão do léxico virtual dessa língua com
base no número de monossílabos, dissílabos, etc., possíveis. A utilização de matrizes booleanas pode ser
muito útil na solução desse tipo de problema.
As matrizes booleanas
Seja A uma matriz booleana quadrada de ordem n, tal que a cada linha corresponda um fonema do
primeiro paradigma fonológico e a cada coluna um fonema do segundo paradigma. Cada elemento aij da
matriz representa a combinação do fonema i, do primeiro paradigma, com o fonema j, do segundo. Se a
combinação desses dois fonemas for permitida pelo sistema, o elemento aij será igual a 1; caso contrario,
será igual a zero. Sendo os paradigmas de diferentes tamanhos, e devendo a matriz ser quadrada, os
elementos faltantes devem ser completados com zeros.
Por exemplo, se numa língua hipotética tivermos no primeiro paradigma os fonemas /p/, /t/, /s/ e Ø
(fonema zero) e no segundo as fonemas /r/, /l/ e Ø, sendo que /t/ não se combina com /l/, e /s/ não se
combina com /r/ nem com /l/, teremos a seguinte matriz:
/r/
/l/
Ø
/p/
1
1
1
0
/t/
1
0
1
0
/s/
0
0
1
0
Ø
1
1
1
0
A=
Seja B a matriz com as mesmas características de A que combine o segundo e o terceiro paradigmas.
Da mesma forma, teremos as matrizes C, D, etc., combinando o terceiro e a quarto, o quarto e o quinto
paradigmas, e assim sucessivamente. A ordem n das matrizes será igual ao número total de fonemas do
maior paradigma. A soma dos elementos da matriz A nos dá o número total de combinações possíveis
entre fonemas da primeira e da segunda casas da sílaba. A soma dos elementos da matriz M1, resultante
do produto matricial AB, nos dá o número de sílabas possíveis contendo fonemas dos três primeiros
paradigmas; a soma dos elementos da matriz M2 = BC nos dá o total de sílabas que contenham
combinações de fonemas do segundo, terceiro e quarto paradigmas. A soma dos elementos da matriz M,
resultante do produto matricial de todas as matrizes booleanas (A, B, C, etc.) nos dá o número total de
sílabas possíveis, efetivas e virtuais, da língua em questão.
Conclusão
Esse tipo de pesquisa é importante sobretudo para os estudos de fonologia contrastiva, em que a
previsão teórica de todas as combinações fonêmicas de diferentes línguas é de fundamental importância.
Entretanto, há inúmeros outros problemas de fonologia que podem ser resolvidos com a ajuda do cálculo
matricial. No caso de línguas com estrutura silábica complexa e/ou extenso inventário de fonemas, a
utilização de meios automáticos pode facilitar enormemente a operação do algoritmo e a realização dos
cálculos.
Embora nos estreitos limites do presente trabalho nos tenhamos detido em apenas um aspecto do
problema da descrição matemática da estrutura da sílaba, problema este bastante complexo, queremos
chamar a atenção para o fato de que muitas outras aplicações do cálculo matricial podem ser feitas no
domínio da fonologia, com vistas à solução de outros problemas referentes à estruturação silábica e à
sintaxe fonológica.
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