CASO RELATIVO ÀS PLATAFORMAS PETROLÍFERAS (REPUBLICA ISLÂMICA DO IRÃ v. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA) (1992-) (EXCEÇÕES PRELIMINARES) Julgamento de 12 de dezembro de 1996 Em sua decisão no Caso Reativo às Plataformas Petrolíferas (República Islâmica do Irã v. Estados Unidos da América), a Corte proferiu uma decisão mediante a qual rejeitou a exceção preliminar relativa à sua competência suscitada pelos Estados Unidos. A Corte decidiu que tinha competência para tratar do caso com base no artigo XXI, parágrafo 2º, do Tratado de Amizade, Relações Econômicas e Direitos Consulares entre os Estados Unidos e o Irã, assinado em Teerã, em 15 de agosto de 1995, o qual entrou em vigor em 16 de junho de 1957. Os Estados Unidos argumentaram que a Corte não teria competência, de um lado, porque o Tratado de 1955, que continha disposições comerciais e consulares, não era aplicável na ocorrência de uso da força. A Corte decidiu que o Tratado, que não exclui expressamente quaisquer questões da competência da Corte, impunha, a cada uma das partes, várias obrigações em uma variedade de assuntos. Qualquer ação incompatível com aquelas obrigações era ilícita, não importando os meios pelos quais ela foi realizada, incluindo o uso da força. Questões relativas ao uso da força não seriam, portanto, por si mesmas, excluídas do alcance do Tratado. Outros argumentos dos Estados Unidos tiveram relação com o alcance de vários artigos do Tratado de 1955. A Corte decidiu a este respeito que, considerando o objeto e o propósito do Tratado, o artigo I deveria ser visto como fixador de um objetivo (de paz e amizade), à luz do qual as outras disposições do Tratado deveriam ser interpretadas e aplicadas, mas ele não poderia ser tomado isoladamente como o fundamento para a competência da Corte. O artigo IV, parágrafo 1º do Tratado, cujos dispositivos detalhados tinham por objeto o tratamento dado por cada parte aos nacionais e companhias da outra parte, bem como às suas propriedades e empresas, mas que não abrangia as ações praticadas neste caso pelos Estados Unidos contra o Irã, não poderia fornecer tal fundamento. Com referência ao artigo X, parágrafo 1º do Tratado, entretanto, a Corte decidiu que a destruição da plataforma de petróleo iraniana pelos Estados Unidos era suscetível de ter efeito sobre a exportação de petróleo iraniano e, conseqüentemente, sobre a liberdade de comércio assegurada naquele parágrafo. A legalidade daquela destruição poderia, portanto, ser avaliada em relação àquele parágrafo. Como conseqüência, houve entre as partes uma disputa quanto à interpretação e aplicação do artigo X, parágrafo 1º do Tratado de 1955. Esta disputa recaía sobre as previsões da cláusula compromissória do artigo XXI, parágrafo 2º do Tratado. A Corte, portanto, tinha competência para acolher a disputa. O texto integral do parágrafo dispositivo lê-se como segue: “Por estes motivos, A Corte 1) Rejeita, por 14 votos a 2, a exceção preliminar dos Estados Unidos da América de acordo com a qual o Tratado de 1955 não fornece nenhum fundamento para a competência da Corte; A FAVOR: Presidente Bedjaoui; juízes Guillaume, Shahabuddeen, Weeramantry, Ranjeva, Herczegh, Shi, Fleischhauer, Koroma, Vereshchetin, Ferrari Bravo, Higgins, Parra-Aranguren; juiz ad hoc Rigaux; CONTRA: Vice-Presidente Schwebel; juiz Oda 2) Declara, por 14 votos a 2, que tem competência, com base no artigo XXI, parágrafo 2º, do Tratado de 1955, para acolher as reclamações feitas pela República Islâmica do Irã com fundamento no artigo X, parágrafo 1º daquele Tratado. A FAVOR: Presidente Bedjaoui; juízes Guillaume, Shahabuddeen, Weeramantry, Ranjeva, Herczegh, Shi, Fleischhauer, Koroma, Vereshchetin, Ferrari Bravo, Higgins, Parra-Aranguren; juiz ad hoc Rigaux; CONTRA: Vice-Presidente Schwebel; juiz Oda.” A Corte estava composta como se segue: Presidente Bedjaoui; Vice-Presidente Schwebel; juízes Oda, Guillaume, Shahabuddeen, Weeramantry, Ranjeva, Herczegh, Shi, Fleischhauer, Koroma, Vereshchetin, Ferrari Bravo, Higgins, Parra-Aranguren; juiz ad hoc Rigaux, e secretário Valencia-Ospina. Os juízes Shahabuddeen, Ranjeva, Higgins e Parra-Aranguren e o juiz ad hoc Rigaux apensaram opiniões individuais ao julgamento da Corte. O Vice-Presidente Schwebel e o juiz Oda apensaram opiniões dissidentes ao julgamento da Corte. Instituição dos procedimentos e história do caso (parágrafo 1º ao 11) A Corte iniciou lembrando que, em 2 de novembro de 1992, a República Islâmica do Irã instituiu procedimentos contra os Estados Unidos da América a respeito de uma disputa: “originada com o ataque e destruição de três complexos de produção de petróleo, pertencentes e operados para fins comerciais pela Companhia Nacional de Petróleo Iraniana, por vários navios de guerra da marinha norte-americana em 19 de outubro de 1987 e 18 de abril de 1988, respectivamente”. Em sua demanda, o Irã sustentou que estes atos constituíram uma violação fundamental, tanto a várias disposições do Tratado de Amizade, Relações Econômicas e Direitos Consulares entre os Estados Unidos e o Irã assinado em Teerã, em 15 de agosto de 1995, e com vigência partir de 16 de junho de 1957 (daqui por diante chamado “Tratado de 1955”), como de direito internacional. A demanda invocou, como fundamento para a competência da Corte, o artigo XXI, parágrafo 2º do Tratado de 1955. Dentro do prazo prorrogado para o depósito do contramemorial, os Estados Unidos suscitaram a exceção preliminar de incompetência da Corte conforme o artigo 79, parágrafo 1º do Regulamento da Corte. Conseqüentemente, o procedimento sobre o mérito foi suspenso. Depois que o Irã apresentou uma exposição escrita contendo suas observações e conclusões sobre a exceção preliminar levantada pelos Estados Unidos dentro do prazo, audiências públicas foram realizadas entre 16 e 24 de setembro de 1996. As seguintes conclusões finais foram apresentadas pelas partes: A favor dos Estados Unidos, “Os Estados Unidos da América requerem que a Corte acolha sua exceção de incompetência no caso concernente às Plataformas Petrolíferas (República Islâmica do Irã v. Estados Unidos da América).” A favor do Irã, “À luz dos fatos e argumentos expostos acima, o governo da República Islâmica do Irã requer que a Corte julgue e declare: 1. Que a exceção preliminar dos Estados Unidos é integralmente rejeitada; 2. Que, conseqüentemente, a Corte tem competência, com base no artigo XXI parágrafo 2º do Tratado de Amizade, para acolher reclamações feitas pela República Islâmica do Irã em sua demanda e memorial uma vez que eles relatam a disputa entre as partes sobre a interpretação ou aplicação do Tratado; 3. Que, subsidiariamente, no caso da exceção preliminar não ser rejeitada imediatamente, ela não possui, na circunstância do caso, o caráter exclusivamente preliminar nos termos do artigo 79 parágrafo 7º do Regulamento da Corte; e 4. Qualquer outro remédio que a Corte considere apropriado”. O artigo XXI, parágrafo 2º do Tratado de 1955 e a natureza da disputa (parágrafo 12 ao 16) Depois de fazer o relatório dos argumentos sustentados pelo Irã em sua demanda e no curso dos procedimentos seguintes, a Corte concluiu que este país somente pretendia que o artigo I, o artigo IV, parágrafo 1º, e artigo X, parágrafo 1º do Tratado de 1955 haviam sido infringidos pelos Estados Unidos e que a disputa assim surgida seria de competência da Corte segundo o artigo XXI, parágrafo 2º do mesmo Tratado. Os Estados Unidos, por sua vez, sustentaram que a demanda do Irã não tinha nenhuma relação com o Tratado de 1955 e salientaram que, em conseqüência, a disputa que teria surgido com o Irã não recairia sobre as disposições do artigo XXI, parágrafo 2º do Tratado, deduzindo que a Corte deveria decidir pela sua incompetência para lidar com o caso. A Corte argumentou, inicialmente, que as partes não contestaram que o Tratado de 1955 estava em vigor na data de apresentação da demanda do Irã e que ainda continua em vigor. A Corte lembrou que decidiu, em 1980, que o Tratado de 1955 era aplicável àquele tempo (caso do Corpo Diplomático e Consular dos Estados em Teerã, C.I.J. Rec 1980, p. 28, parágrafo 54); nenhuma das circunstâncias trazidas ao seu conhecimento no caso poderia fazê-la divergir daquele ponto de vista. Nos termos do artigo XXI, parágrafo 2º daquele Tratado: “Qualquer disputa entre as Altas Partes contratantes quanto à interpretação ou aplicação do presente Tratado, não resolvida satisfatoriamente pela via diplomática, deve ser submetida à Corte Internacional de Justiça, a menos que as Altas Partes contratantes concordem em decidi-la por algum outro meio pacífico de solução de controvérsias.” Não foi contestado que muitas das condições estipuladas por este texto se encontraram no caso: uma disputa surgiu entre o Irã e os Estados Unidos; não foi possível resolver a disputa pela via diplomática; e os dois Estados não concordaram em "decidi-la por algum outro meio pacífico” como contemplado pelo artigo XXI. Por outro lado, as partes divergiam quanto à questão de saber se a disputa entre os dois Estados com relação à legalidade das ações praticadas pelos Estados Unidos contra as plataformas de petróleo iranianas seria uma disputa “quanto à interpretação ou aplicação” do Tratado de 1955. Com o objetivo de responder a esta questão, a Corte não pode limitar-se a constatar que uma das partes sustentava que tal disputa existia, e que outra negava sua existência. Ela deveria apurar se as violações ao Tratado de 1955 alegadas pelo Irã recaíam ou não sobre os dispositivos do Tratado e se, como conseqüência, a Corte teria competência ratione materiae para acolher a disputa, conforme o artigo XXI, parágrafo 2º. Aplicabilidade do Tratado de 1955 no caso de uso da força (parágrafo 17 ao 21) A Corte primeiro analisou os argumentos do Estado demandado de que o Tratado de 1955 não se aplicava a questões relativas ao uso da força. Nesta perspectiva, os Estados Unidos sustentaram que, essencialmente, a disputa referia-se à legalidade das ações praticadas pelas forças navais dos Estados Unidos que “envolveram operações de combate” e que simplesmente não havia nenhuma relação entre a integralidade das disposições comerciais e consulares do Tratado e a demanda e memorial do Irã, os quais focalizaram exclusivamente alegações sobre o recurso ilícito do uso da força armada. O Irã sustentou que a disputa que surgiu entre as partes referia-se à interpretação ou aplicação do Tratado de 1955. Em conseqüência, requeria que a exceção preliminar fosse rejeitada, ou, subsidiariamente, caso não fosse integralmente rejeitada, que fosse considerada como não tendo um caráter exclusivamente preliminar nos termos do artigo 79, parágrafo 7º, do Regulamento da Corte. A Corte notou, em primeiro lugar, que o Tratado de 1955 não continha disposições excluindo expressamente certas questões de sua competência. Ela adotou o entendimento de que o Tratado de 1955 impunha a cada uma das partes várias obrigações numa variedade de questões. Qualquer ação de uma das partes que fosse incompatível com aquelas obrigações era ilícita, não importando os meios utilizados para este fim. A violação dos direitos de uma parte assegurados pelo Tratado através do uso da força era tão ilícita quanto seria a violação por uma decisão administrativa ou por quaisquer outros meios. As questões relacionadas com o emprego do uso da força não eram, portanto, excluídas do alcance do Tratado de 1955. Os argumentos colocados neste ponto pelos Estados Unidos deveriam ser rejeitados. Artigo I do Tratado (parágrafo 22 ao 31) Em segundo lugar, as partes divergiam quanto à interpretação a ser dada ao artigo I, artigo IV, parágrafo 1º, e artigo X, parágrafo 1º, do Tratado de 1955. De acordo com o Irã, as ações que ele alegara contra os Estados Unidos constituíam uma ofensa àquelas disposições e a Corte, conseqüentemente, tinha competência ratione materiae para conhecer da demanda. De acordo com os Estados Unidos, este não seria o caso. O artigo I do Tratado de 1955 dispõe que: “Deve haver paz duradoura e sincera amizade entre os Estados Unidos e ... o Irã.” De acordo com o Irã, esta disposição “não formula meramente uma recomendação ou desejo ..., mas impõe efetivas obrigações entre as partes contratantes, obrigando-as a manter, permanentemente, relações pacíficas e amigáveis”; impõe às partes “a exigência mínima ... de se conduzirem com relação ao outro de acordo com os princípios e regras gerais do direito internacional no domínio das relações pacíficas e amigáveis”. Os Estados Unidos consideraram, pelo contrário, que o Irã “atribuiu ao artigo I um alcance excessivo”. Esta disposição, de acordo com o Estado demandado “não conteria normas”, mas apenas constituía uma “expressão de vontade”. Aquela interpretação foi requerida apenas no contexto e por causa do caráter “puramente comercial e consular” do Tratado. A Corte considerou que a formulação geral do artigo I não pode ser interpretada isoladamente do objeto e propósito do Tratado no qual está inserida. Há alguns tratados de amizade que contêm não apenas uma disposição na mesma linha do disposto no artigo I mas, em adição, cláusulas visando ao esclarecimento das suas condições de aplicação. Entretanto, isto não se aplicava ao caso. O artigo I não estava de fato inserido em um tratado daquele tipo, mas em um tratado de “Amizade, Relações Econômicas e Direitos Consulares” cujo objeto é, de acordo com os termos do preâmbulo, o “encorajamento de mútuo benefício comercial e investimentos e estreitas relações econômicas”, tanto quanto “ regular as relações consulares” entre os dois Estados. O Tratado regulava as condições de residência dos nacionais de uma das partes no território da outra (artigo II), a condição das companhias e o acesso aos tribunais e à arbitragem (artigo III), a proteção para os nacionais e companhias de cada uma das partes contratantes bem como às suas propriedades e empresas (art IV), as condições para a compra de imóveis e a proteção da propriedade intelectual (artigo V), o sistema de tributação (artigo VI), o sistema de transferências (artigo VII), as tarifas alfandegárias e outras restrições à importação (artigos VIII e IX), a liberdade de comércio e navegação (artigos X e XI), e os direitos e deveres dos cônsules (artigos XII-XIX). Desta forma, o objeto e propósito do Tratado de 1955 não era regular as relações pacíficas e amigáveis entre os dois Estados de maneira geral. Conseqüentemente, o artigo I não pode ser interpretado como tendo incorporado ao Tratado todas as disposições de direito internacional referentes a tais relações. Na verdade, incorporando ao corpo do Tratado a forma das palavras empregadas no artigo I, os dois Estados pretenderam ressaltar que a paz e a amizade constituíam a condição para o desenvolvimento harmonioso de suas relações comerciais, financeiras e consulares e que tal desenvolvimento deveria, por sua vez, reforçar aquela paz e amizade. Por conseguinte, deduziu-se que o artigo I deveria ser considerado como fixador de um objetivo à luz do qual as outras disposições do Tratado deveriam ser interpretadas e aplicadas. A Corte observou, mais adiante, que, antes disso, não havia nenhum documento iraniano que desse suporte à posição do Irã. Quanto aos documentos dos Estados Unidos apresentados pelas duas partes, eles mostram que em nenhum momento os Estados Unidos consideraram o artigo I como tendo o significado a ele dado agora pelo Estado demandante. A prática seguida pelas partes com relação à aplicação do Tratado não conduziria a conclusões diferentes. À luz do exposto, a Corte considerou que o objetivo de paz e amizade proclamado no artigo I do Tratado de 1955 era tal que elucidava a interpretação das outras disposições do Tratado e, em particular, dos artigos IV e X. O artigo I não é, neste caso, desprovido de significado jurídico para tal interpretação, mas não poderia ser isoladamente tomado como fundamento para a competência da Corte. Artigo IV, parágrafo 1º do Tratado (parágrafo 32 ao 36) O artigo IV, parágrafo 1, do Tratado de 1955 dispõe que: “Cada uma das Altas Partes contratantes deve, a todo tempo, dar justo e eqüitativo tratamento aos nacionais e companhias da outra Alta Parte contratante, bem como aos seus bens e empresas; deve abster-se da aplicação de medidas injustas ou discriminatórias que possam prejudicar os seus direitos e interesses legalmente adquiridos; e, em conformidade com as leis aplicáveis na matéria, deve-se assegurar vias de execução eficazes aos direitos contratuais legitimamente criados.” A Corte, considerando os argumentos apresentados pelas partes, observou que o artigo IV, parágrafo 1º, ao contrário dos outros parágrafos do mesmo artigo, não incluiu nenhuma limitação territorial. Ela apontou, mais adiante, que as disposições detalhadas daquele parágrafo referiam-se ao tratamento de cada parte aos nacionais e companhias da outra parte, bem como seus bens e empresas. Tais disposições não cobriam as ações praticadas neste caso pelos Estados Unidos contra o Irã. O artigo IV, parágrafo 1º, deste modo, não continha quaisquer normas aplicáveis a este caso particular. Este artigo não poderia, conseqüentemente, constituir-se no fundamento para a competência da Corte. Artigo X, parágrafo 1º, do Tratado (parágrafo 37 ao 52) O artigo X, parágrafo 1º, do Tratado de 1955 lê-se como segue: “Entre os territórios das duas Altas Partes contratantes deve haver liberdade de comércio e navegação”. Não foi alegado pelo demandante que alguma ação militar afetara sua liberdade de navegação. Assim sendo, a questão que a Corte tinha que resolver, para determinar a sua competência, era se as ações dos Estados Unidos reclamadas pelo Irã eram suscetíveis de afetar a “liberdade de comércio” garantida pela disposição acima citada. O Irã argüiu que o artigo X, parágrafo 1º, não contemplou apenas o comércio marítimo, mas o comércio em geral, enquanto que, de acordo com os Estados Unidos, a palavra “comércio” deveria ser entendida como sendo restrita ao comércio marítimo; como restrita ao comércio entre os Estados Unidos e o Irã; e como referindo-se unicamente às atividades de venda ou troca efetiva de mercadorias. Tendo considerado outras indicações no Tratado de uma intenção das partes de regulamentar questões comerciais de maneira geral, e levando em conta toda a gama de atividades abrangidas no Tratado, a visão de que a palavra “comércio” no artigo X, parágrafo 1º, é restrita ao comércio marítimo não foi aprovada pela Corte. Na visão da Corte, não havia nada que indicasse que as partes do Tratado pretendiam usar a palavra “comércio” em algum sentido diferente daquele geralmente admitido. A palavra “comércio”, seja tomada no seu sentido comum ou no seu significado jurídico, no plano doméstico ou internacional, tem um significado mais amplo que a mera referência à compra e venda. A Corte notou nesta conexão que o Tratado de 1955 lidava, nos seus artigos gerais, com uma larga variedade de assuntos subordinados ao intercâmbio e comércio; e referiu-se ao caso Oscar Chinn, no qual a expressão “liberdade de comércio” era vista pela Corte Permanente como contemplando não apenas a compra e venda de mercadorias, como também a indústria, e em particular a indústria de transporte. A Corte ressaltou, mais adiante, que não deveria em caso algum ignorar que o artigo X, parágrafo 1º, do Tratado de 1955 não protegia propriamente o “comércio” mas a “liberdade de comércio”. Qualquer ato como a destruição de mercadorias destinadas à exportação, ou que seja capaz de afetar o transporte ou seus depósitos com vistas à exportação, o qual impeça aquela “liberdade” é, desse modo, proibido. A Corte ressaltou a este respeito que o petróleo bombeado das plataformas atacadas em outubro de 1987 é transportado de lá por meio de um oleoduto submarino para o terminal de petróleo na ilha de Lavan, e que o complexo de Salman, objeto de ataque em abril de 1988, também era conectado ao terminal de petróleo de Lavan por um oleoduto submarino. A Corte decidiu que não era capaz, de fato, de determinar se e até que ponto a destruição das plataformas de petróleo iranianas afetou a exportação de petróleo no Irã; ela apenas notou que, no mínimo, a sua destruição foi capaz de afetar tal exportação e, conseqüentemente, tinha um efeito adverso sobre a liberdade de comércio garantida pelo artigo X, parágrafo 1º, do Tratado de 1955. Dessa forma, sua legalidade pode ser apreciada em relação a este parágrafo. Em consideração ao exposto, a Corte concluiu que existe entre as partes uma disputa quanto à interpretação e aplicação do artigo X, parágrafo 1º, do Tratado de 1955; que esta disputa entraria nas previsões da cláusula compromissória do artigo XXI, parágrafo 2º, do Tratado; e que a Corte era, em conseqüência, competente para conhecer da disputa. Tendo assim rejeitado a exceção preliminar levantada pelos Estados Unidos, a Corte constatou que as conclusões demandadas pelo Irã, a título subsidiário, de declarar que esta exceção não teria, nas circunstâncias do caso, um caráter exclusivamente preliminar, tornaram-se sem objeto.