FORMALISMO E FUNCIONALISMO
Arlete Ribeiro Nepomuceno*
Maria Ieda Almeida Muniz*
RESUMO: Este estudo procura oferecer uma breve visão panorâmica do paradigma
funcional em contraposição ao paradigma formal. Após traçarmos um paralelo entre
as abordagens formal e funcional do pensamento linguístico, detemo-nos na
apresentação de uma visão geral da gramática funcional, a qual é tida como um
sistema adaptativo, como uma estrutura maleável e emergente, num processo
contínuo de variação e mudança para atender a necessidades cognitivas e/ou
discursivo-pragmáticas. Concluímos que as análises linguísticas se baseiam no uso
concreto da língua pelos falantes, admitindo que a gramática se molda a partir do
uso linguístico que se dá em situações comunicativas.
RÉSUMÉ: Cet étude cherche offrir une bref vision panoramique de la linguistique
fonctionnelel en opposition à la linguistique formelle. Après avoir tracé un parallèle
entre les tèories formelle et fonctionnelle de la pensée linguistique, nous détenons
dans la présentation d’une vision générale de la grammaire fonctionnelle, auquelle
est vue comme un système adaptatif, comme une structure malléable et
emergente, dans un procès continu de variation et changement pour attendre aux
nécéssités cognitives et/ou discoursif-pragmatiques. Nous avons conclu que les
analyses linguistiques se donnent dans une situation réelle de langue pour les
parlants, tout en admettent que la grammaire se modifie à partir de la situation
communicative réelle.
PALAVRAS-CHAVE: formalismo, funcionalismo, gramática funcional.
MOTS-CLÉ: formalisme, fonctionalisme, grammaire fonctionnelle.
Formalismo e Funcionalismo: oposições na sintaxe
A consideração da existência de um modelo com visão funcionalista
da linguagem, vendo a linguagem como uma entidade não suficiente
em si, leva, em primeiro lugar, à contraposição com outro modelo
que, diferentemente, examina a linguagem como um objeto
autônomo, investigando a estrutura linguística independente de seu
uso.
Distinguem-se, tomando como escopo, nesse trabalho, somente o
viés sintático, não se levando em conta, por exemplo, os estudos
fonológicos e morfológicos, dois pólos de atenção opostos no
pensamento linguístico: o funcionalismo, no qual a função das
formas linguísticas parece desempenhar um papel predominante, e o
formalismo, no qual a análise da forma linguística parece ser
primária, enquanto os interesses funcionais são apenas secundários.
Nessa oposição, encontram-se no pólo funcionalista a Escola de
Genebra (implicitamente com Saussure, Bally, Tesnière – que
influenciou Helbig e Martinet), passando pela Escola de Praga (com
Mathesius, Trubetzyoy, Jakobson, Danes, Firbas, etc), chegando-se à
Escola de Londres (com Firth e Halliday), e ao Grupo de Holanda
(com Reichling e Simon Dik). Recentemente, destacam-se, também,
os linguistas da costa oeste norte americana: Givón, Hopper,
Thompson e Chafe, entre outros. Por outro lado, o pólo formalista
tem seus expoentes máximos no estruturalismo norte-americano
(com Bloomfield, Trager, Bloch, Harris, Fries) e, num sentido menos
rigoroso, está também nos sucessivos modelos de gerativismo,
culminando na teoria padrão de Chomsky.
Em termos gerais, enquanto o Formalismo se caracteriza pela
tendência a analisar a língua como um objeto autônomo, cuja
estrutura independe de seu uso em situações comunicativas reais,
interpretando a língua como uma atividade mental, o Funcionalismo
caracteriza-se pela concepção da língua como um instrumento de
comunicação que, como tal, não pode ser analisada como um objeto
autônomo, mas como uma estrutura maleável, sujeita às pressões
oriundas das diferentes situações comunicativas, que ajudam a
determinar a sua estrutura gramatical.
Assim sendo, segundo Dillinger (1991), os formalistas, entre eles os
gerativistas, estudam a língua como objeto descontextualizado, sem
relação com o meio, de modo a equiparar a língua à sua gramática
cuja função precípua é a expressão do pensamento,
preocupando-se com características internas – seus
constituintes e as relações entre eles -, mas não com as
relações entre os constituintes e seus significados, ou entre a
língua e seu meio; chegam-se, então, à concepção de língua
como um ‘conjunto de frases’, ‘um sistema de sons’, ‘um
sistema de signos’, equiparando, desse modo, a língua à sua
gramática (NEVES, 2001, p. 41).
Já os funcionalistas se detém nas relações entre a língua como um
todo e as diversas modalidades de interação social, destacando a
relevância do contexto social na compreensão da natureza das
línguas. Por isso,
ao contextualizar os fatos gramaticais na situação de fala
que os gerou, toma como ponto de partida as significações
das expressões linguísticas, indagando como elas se
codificam gramaticalmente (CASTILHO, 1994, p.76).
Em suma, enquanto o Estruturalismo vê a língua como um sistema, o
Gerativismo a vê como uma atividade mental e o Funcionalismo, do
ponto de vista social, o que configura diferentes maneiras de abordar
a língua. A distinção básica entre o Funcionalismo e o Formalismo é
que aquele incorpora elementos extralinguísticos nas análises
enquanto este limita a analisar somente o que está transparente na
forma.
Dik (1989, p.2-7) contrapõe o paradigma formal ao paradigma
funcional, como mostra o Quadro 1.
PARADIGMA FORMAL
PARADIGMA FUNCIONAL
Como definir a
língua
Conjunto de orações
Instrumento de interação
social
Principal função
da língua
Expressão dos pensamentos
Comunicação
Correlato
psicológico
Competência: capacidade de
produzir, interpretar e julgar
orações
Competência comunicativa:
habilidade de interagir
socialmente com a língua
O sistema e seu
uso
O estudo da competência tem
prioridade sobre o da atuação
O estudo do sistema deve
fazer-se dentro do quadro do
uso
Língua e
contexto/
situação
As orações da língua devem
descrever-se independentemente
do contexto / situação
A descrição das expressões
deve fornecer dados para a
descrição de seu
funcionamento num dado
contexto
Aquisição da
linguagem
Universais
linguísticos
Relação entre
sintaxe, a
semântica e a
pragmática
Faz-se com o uso das propriedades
Faz-se com a ajuda de um
inatas, com base em um input
input extenso e estruturado de
dados apresentado no
restrito e não estruturado de dados
contexto natural
Propriedades inatas do organismo
humano
Explicados em função de
restrições; comunicativas;
biológicas ou psicológicas;
contextuais
A pragmática é o quadro
A sintaxe é autônoma em relação
dentro do qual a semântica e
à semântica; as duas são
a sintaxe devem ser
autônomas em relação
à pragmática; as prioridades vão da estudadas; as prioridades vão
sintaxe à pragmática via semântica da pragmática à sintaxe via
semântica
Quadro 1 - Paradigma Formal e Paradigma Funcional - Fonte:
(2001, p. 46-47)
Neves
Assim, ao analisar essas duas grandes correntes modernas, Dik
apresenta no paradigma formal a linguagem como um sistema
autônomo no que diz respeito ao uso. Já no paradigma funcional,
apresenta a linguagem sob um viés pragmático-discursivo. Nessa
perspectiva, o linguísta ressalta o fato de que o termo paradigma é
proposto para designar cada conjunto de crenças e hipóteses em
interação.
Leech (1983, apud Neves, 2001, p. 49), assim como Dik, apresenta,
no Quadro 2, um paralelo entre as abordagens formal e funcional.
ABORDAGEM FORMAL
ABORDAGEM FUNCIONAL
Linguagem como fenômeno mental
Linguagem como fenômeno primariamente
social
Universais linguísticos: herança
linguística genética comum da espécie
humana
Universais linguísticos: derivação da
universalidade dos usos da linguagem nas
sociedades humanas
Aquisição da linguagem pela criança:
capacidade inata humana para
aprender a língua
Aquisição da linguagem pela criança:
desenvolvimento das necessidades e
habilidades comunicativas
Estudo da linguagem como sistema
autônomo
Estudo da linguagem em relação com sua
função social
Quadro 2 - Abordagem Formal e Abordagem Funcional - Fonte: Neves
(2001, p. 49-50).
Contudo, Leech (1983, apud NEVES, 2001, p. 49), diferentemente de
Dik, critica a adoção isolada de qualquer uma dessas abordagens,
considerando que não se pode negar que a linguagem é um
fenômeno psicológico e social. As diferentes abordagens prendem-se
a formas distintas de encarar a natureza da linguagem: para os
formalistas, é um fenômeno eminentemente mental; para os
funcionalistas, um fenômeno primariamente social. Desse modo, para
Leech, a eleição de um modelo teórico, em detrimento de outro, não
se justifica, pois ambos apontam não só objetos de estudos distintos,
como também diferentes pressupostos, objetivos e metodologia.
No Brasil, os contrastes entre o Formalismo e o Funcionalismo
também foram notados pelos linguistas. Parte dessa polêmica
traduziu-se nos artigos de Nascimento (1990) e Dillinger (1991),
referentes ao artigo de Votre e Naro (1989).
Primeiramente, Nascimento, corroborando a idéia defendida por
Leech, critica a comparação estabelecida por Votre e Naro (1989)
entre o Formalismo, sobretudo na abordagem gerativista, e o
Funcionalismo, defendendo que os dois enfoques definem diferentes
objetos de estudo, abordando, pois, diferentes aspectos do complexo
fenômeno da linguagem. De fato, para Nascimento, o gerativismo
pressupõe que os falantes sejam dotados naturalmente de um
conjunto de princípios e parâmetros geneticamente determinados, o
que lhes permite adquirir e colocar em prática o conhecimento da
língua. É esse conhecimento da língua que constitui o objeto de
investigação no modelo gerativista.
Nas palavras de Nascimento, a gramática gerativa traça como objeto
de estudo o conhecimento da língua, distinguindo-se uma teoria do
conhecimento da língua e uma teoria do processamento linguístico,
em que esta implica aquela. Nessa veia, o objeto de estudo da
perspectiva funcionalista se identifica com o domínio do
processamento linguístico. Ademais, Nascimento postula que
Chomsky considera a possibilidade de enfoques não mentalistas, a
qual corresponde o conceito de língua externalizada, definida como
uma coleção de ações ou comportamento. O modelo gerativista se
define no interior de uma teoria mentalista, que delimita o seu objeto
como a língua internalizada. O estudo dos mecanismos de
processamento linguístico, identificáveis como sendo a língua
externalizada, é o que define o modelo funcionalista de pesquisa.
Eis a pertinência das palavras de Nascimento (1990, p. 86):
o texto de V&N pode levar o leitor menos atento a pensar
que as duas abordagens são comparáveis, apresentando-se
como alternativas para o tratamento de um mesmo
fenômeno, de um mesmo objeto. E não o são. Elas definem
diferentes objetos de estudo, propondo-se a estudar
aspectos diferentes do complexo fenômeno da linguagem,
com pressupostos, metodologia e objetivos diferentes. A
questão de se saber qual dos dois é o melhor, portanto, não
se coloca.
Logo, reconhecendo as diferenças entre o Funcionalismo e
Formalismo (Gerativismo), Nascimento (1990, p. 97) afirma que um
modelo não exclui o outro e melhor seria integrar as análises
linguísticas funcionais com as formais.
Em seguida, Dillinger (1991) publica um artigo sobre o debate
travado por Nascimento, Votre & Naro. Nesse artigo, Dillinger postula
que há um problema concernente à terminologia adotada por esses
teóricos. Para Dillinger, a abordagem funcionalista e a formalista
lidam com diferentes fenômenos, pois no primeiro caso o contexto é
levado em consideração e no segundo, não. Porém, o objeto de
ambas é o mesmo, a língua, diferentemente do que sugeriu
Nascimento. Assim, tais teorias não se excluem, mas, sim, se
complementam. Os linguistas deveriam, portanto, tentar construir
uma teoria que possibilitasse unir essas abordagens sem excluí-las:
precisa-se de um quadro teórico ao mesmo tempo bastante
geral para abarcar todas as investigações da linguagem e
suas manifestações – dando a todas igual valor – e
suficientemente específico para mostrar a relação de cada
uma com as outras (DILLINGER, 1991, p. 405).
Naro e Votre retomam a distinção entre Funcionalismo e Formalismo
explicitadas no texto de 1990. No novo artigo, os autores definem o
Funcionalismo como um estudo no discurso e não do discurso:
os dados do funcionalista são buscados NO discurso; são,
portanto, concretos e contextualizados. Permitem a
verificação empírica, a contagem de frequências, a visão e o
controle do contexto linguístico anterior e posterior e a
correlação com variáveis sócio-culturais e pragmáticas
(NARO E VOTRE, 1992, p.287).
Retomando Dillinger (1991), é lícito afirmar que, embora um tanto
distintos, os dois enfoques não têm de ser necessariamente
alternativos, de modo que a escolha de um implique a rejeição do
outro. O que se sabe é que essa polêmica foi útil para criar novos
horizontes na linguistica brasileira, pois abriu espaço para uma teoria
sintática de base funcionalista e evidenciou a necessidade de
coexistência de diferentes perspectivas teóricas.
Nesse contexto, podemos afirmar ainda que não existem teorias
superadas, teorias corretas, visto que a produção humana é, por
definição, mais ou menos adequada, representando aproximações.
Na verdade, não há como afirmar o quão próximo nós estamos de
uma perspectiva teórica dita ideal, dado que não há padrão de
referência para que possamos comparar graus de adequação. O
critério de escolha é apontado pelo grau de satisfação que cada
estudo proposto provoca na comunidade discursiva na qual ele se
produz.
No quadro em que se verificam os desmontes das propostas
paradigmáticas fechadas, parece não fazer sentido insistir em uma
formulação exata, estrita e restrita de uma só abordagem teórica.
Com efeito, em vista de a linguagem possuir um caráter
multifacetado, convivemos com a tendência de fusão de opostos e de
complementares, em que as teorias se unem ou se reúnem numa
visão uni-, inter-, multi- e transdisciplinares.
Um esboço da teoria Funcionalista
A chamada gramática funcional, derivada do pensamento
funcionalista da Escola de Praga, remete, de um lado, ao chamado
“Funcionalismo Clássico”, baseado na idéia da língua como
instrumento de comunicação da experiência humana, representada
pelo francês André Martinet (Escola de Genebra). De outro lado,
surge, mais recentemente, um Funcionalismo dito “moderado” na
Escola de Londres, com o modelo sistêmico-funcional de Halliday que,
trabalhando com as metafunções, relaciona linguagem, situação e
cultura, e, no Grupo da Holanda, com o modelo de Dik, segundo o
qual a expressão linguística é mediadora no processo de interação
verbal (que é a interação social estabelecida por meio da linguagem)
entre a intenção do destinador e a interpretação do destinatário.
Remete-se, ainda, ao funcionalismo dito “extremo”, que ganhou força
nos Estados Unidos a partir da década de 70, passando a servir de
rótulo para o trabalho de linguistas como Sandra Thompson, Paul
Hopper e Talmy Givón, que passaram a postular uma linguística
baseada no uso, cuja tendência principal é observar a língua do ponto
de vista do contexto linguístico e da situação extralinguística.
De acordo com a concepção desse funcionalismo “extremado”, a
sintaxe é uma estrutura em constante mutação em consequência das
vicissitudes do discurso. A sintaxe tem a forma que tem em razão das
estratégias de organização da informação empregadas pelos falantes
no momento da interação discursiva. Dessa maneira, para
compreender o fenômeno sintático, seria necessário estudar a língua
em uso, em seus contextos discursivos específicos, pois é nesse
espaço que a gramática é constituída. É, pois, a partir desse
funcionalismo extremado, advogado por Sandra Thompson, que, a
título de ilustração, mostraremos, mais adiante, um exemplo da
gramática funcional.
Mackenzie (1992) afirma que a gramática funcional tem como
hipótese fundamental a existência de uma relação não arbitrária
entre a instrumentalidade do uso da língua (o funcional) e a
sistematicidade da estrutura da língua (a gramática). Em outras
palavras, a gramática funcional visa explicar regularidades nas
línguas e, por meio delas, aspectos recorrentes das circunstâncias
sob as quais as pessoas usam a língua. A gramática funcional ocupa,
então, uma posição intermediária em relação às abordagens que dão
conta apenas da sistematicidade da estrutura da língua ou apenas da
instrumentalidade do uso da língua. Isso não equivale dizer que a
gramática funcional é uma espécie de guarda-chuva protegendo
todos os tipos de trabalho, tanto gramaticais quanto pragmáticos; ao
contrário, afirma Mackenzie, há uma tradição coerente da gramática
funcional
ligando
explicitamente
construções
linguísticas
a
constelações pragmáticas.
Nesse contexto, dentro da perspectiva da gramática funcional, a
designação falante/ouvinte vai sendo substituída pela expressão
“usuário da língua” – o que parece bem apropriado, já que a
linguagem é concebida como um processo de interação, segundo o
qual o indivíduo usa a língua não apenas como veículo para
exteriorizar pensamentos ou veicular informações, mas também
como instrumento para realização da interação humana. Conforme
assinala Travaglia (1996, p. 23):
A linguagem é, pois, um lugar de interação humana, de
interação comunicativa pela produção de sentido entre
interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em
um contexto sociohistórico e ideológico. Os usuários da
língua ou interlocutores interagem enquanto sujeitos que
ocupam lugares sociais e ‘falam’ e ‘ouvem’ desses lugares
de acordo com as formações imaginárias (imagens) que a
sociedade estabeleceu para tais lugares sociais.
Nessa veia, podemos considerar que o funcionalista se preocupa com
a capacidade de o usuário empregar satisfatoriamente a língua em
diversas situações de comunicação, ou seja, de uma maneira
interacionalmente satisfatória, em razão de o discurso estar
intimamente ligado à situação de comunicação. O usuário sofre
influências de uma série de fatores no momento em que usa a língua
– então, há a necessidade de se descrever o funcionamento da língua
em situações reais de comunicação.
Em vista disso, a gramática funcional trabalha, entre outros
enfoques, com a chamada competência comunicativa – definida como
a capacidade que os indivíduos têm não apenas de codificar e
decodificar expressões, mas também de usar e interpretar essas
expressões
de
uma
maneira
interacionalmente
satisfatória
(TRAVAGLIA, 1996, p.17-18) e que pode ser resumida da seguinte
forma:


A competência gramatical ou linguística – Capacidade que tem
todo usuário da língua, com base nas regras da língua, de gerar
um número infinito de sequências linguísticas gramaticais.
A competência textual – Capacidade que tem todo usuário da
língua de, em situações de interação comunicativa, produzir e
compreender textos considerados bem formados, valendo-se de
capacidades textuais básicas que seriam essencialmente as
seguintes:
a) capacidade formativa - possibilita aos usuários da língua produzir e
compreender um número de textos que seria potencialmente
ilimitado e, além disso, avaliar a boa ou má formação de um texto
dado.
b) capacidade transformativa - possibilita modificar, de diferentes
maneiras e com diferentes fins, um texto e também julgar se o
produto dessas modificações é adequado ao texto sobre o qual a
modificação foi feita.
c) capacidade qualificativa - possibilita dizer a que tipo de texto
pertence um dado texto, segundo uma determinada tipologia.
Segundo Neves (2001, p. 15), o termo competência comunicativa
é geralmente relacionado a Hymes (1974), que propunha acrescentar
ao processo tradicional de descrição gramatical a descrição das
regras para o uso social apropriado da linguagem. Para Hymes (1974,
apud NEVES, 2001, p. 44), a competência comunicativa é definida
como o conhecimento que o indivíduo, falante de uma língua natural,
necessita possuir sobre como usar as formas linguísticas
adequadamente, além de sua habilidade de se valer da linguagem
como meio de interação social.
Ainda segundo Neves (2001, p. 44),
essa interpretação de “competência” não significa que não
se possa distinguir entre ‘competência’ (conhecimento
exigido para certa atividade) e ‘atuação’ (implementação
real desse conhecimento na atividade) (NEVES, 2001, p.
44).
Assim sendo, considera-se que a competência comunicativa abarca
vários tipos de capacidades, não apenas a habilidade de construir e
interpretar expressões linguísticas, mas também a habilidade de usar
essas expressões de modo apropriado e efetivo de acordo com as
convenções da interação verbal que prevalecem numa comunidade
linguística.
Crystal (2000, p. 54-55), por sua vez, focaliza a competência
comunicativa como a capacidade de o ‘falante nativo’ produzir e
compreender sentenças apropriadas ao ‘contexto’ em que ocorrem –
o que precisa saber para que possa se comunicar com eficácia em
lugares socialmente distintos. Desse modo, para o autor, essa
competência resume os determinantes sociais do comportamento
linguístico, inclusive questões ambientais como, por exemplo, as
pressões advindas do tempo e do lugar da conversa. Argumenta-se
que, se os falantes têm um conhecimento tácito de tais ‘restrições’
comunicativas, uma teoria linguística deve tentar fornecer um relato
explícito desses fatores. O que se sabe é que essa abordagem foi
bem aceita; porém, até hoje, pouco progresso houve sobre a questão
de como definir essa concepção mais ampla de competência em
termos precisos.
É graças a essa competência comunicativa que o usuário da língua
será capaz de identificar uma escolha linguística que melhor atenda à
situação comunicativa, como se verá a seguir.
A título de ilustração, vejamos um exemplo da língua em uso em
propagandas, em que se verifica a maleabilidade da língua e a
plasticidade da gramática funcional, defendendo a idéia de uma
linguística enraizada no uso e condicionada a situações de interação
variadas. Thompson & Mann (1983,1985), discutindo o fenômeno de
combinação de cláusulas objetivando verificar que tipo de texto
funciona em termos de coerência, trabalham a noção de proposições
relacionais (inferências), as quais auxiliarão para a análise das
cláusulas hipotáticas justapostas de realce em propagandas:
Sedex. Mandou, Chegou.
Nesse caso, sob o viés da Gramática Tradicional, numa visão
formalista da linguagem, essa sentença seria classificada como uma
estrutura de coordenação assindética, sendo, portanto, orações
independentes, priorizando somente a forma, o que configuraria a
sua insuficiência no tratamento dado às orações.
O que se sabe é que, sob o olhar da gramática funcional, nas análises
linguísticas de qualquer enunciado, deve-se considerar não só a
forma e o conteúdo, como também a ligação entre eles, pois, se a
língua existe para comunicar, o usuário da língua escolhe, entre
diversas possibilidades, a mais apropriada a seu propósito. Essa
escolha é motivada pela intenção, pelo contexto, pelo grau de
intimidade entre os interlocutores, pelo assunto a ser comunicado,
etc. Assim, a estrutura reflete a organização do discurso.
Nesse contexto, a significação não está presa à sentença, priorizando
a sintaxe em detrimento da semântica e da pragmática. Ao contrário,
parece ter um caráter elástico, pois se estende, adaptando-se a
diferentes contextos, em função das necessidades comunicativas do
usuário da língua. A significação é, pois, negociada pelos
interlocutores em situações contextuais específicas, o que torna
possível que elementos linguísticos se adaptem às diferentes
intenções comunicativas, apresentando flutuações de sentido.
Nos termos de Mann & Thompson (1983) e Thompson & Mann
(1985), trabalhando com o processo de combinação de cláusulas
implícitas no discurso – proposições relacionais –, das quais não
falaremos detalhadamente por fugir do escopo desse trabalho, que
geram inferências e que não são necessariamente explicitadas por
meio de conectivos, no exemplo arrolado acima, é possível
depreendermos não só uma relação hipotática de realce (condição) –
a qual a gramática tradicional não estaria apta a aceitar, tendo em
vista, por exemplo, a forma em que se encontram os tempos verbais
(verbos no passado, e não no subjuntivo), mas também, a partir
dela, uma série de outras inferências como, por exemplo, tempo e
motivação (causa).
Nesse caso elucidado acima, observamos o caráter não estático da
língua, demonstrando que ela está em constante mudança em
consequência da incessante criação de novos arranjos nas orações,
objetivando a atender a interesses comunicativos. A compreensão é
que, do ponto de vista da evolução, a língua está num contínuo fazerse, o que nos possibilita falar de uma relativa instabilidade da
estrutura linguística. É sob esse aspecto que se fala de uma
gramática emergente, no sentido de que a gramática de uma língua
natural nunca está pronta.
Assim, uma análise que leve em conta as proposições relacionais
pode fornecer explicações para as chamadas falsas coordenações, ou,
até mesmo, para as ditas coordenadas, em vista de o processo
inferencial estar aí latente. Ficando, desse modo, evidenciado que
importa o tipo de proposição relacional que emerge da combinação de
cláusulas hipotáticas de realce, e não a marca dessa relação
circunstancial.
Considerações Finais
Do que foi exposto, podemos identificar, nos estudos linguísticos
modernos, embora existam divergências, duas perspectivas
diferentes de se estudar a linguagem dentro do quadro de estudos da
sintaxe: a perspectiva formal e a perspectiva funcional.
A perspectiva formal sintaxista interpreta a língua em si mesma e por
si mesma, configurada num conjunto de sentenças, analisando-as
isoladamente. O que se sabe atualmente é que abordagens
gerativistas alternativas, como a semântica gerativa, ou a gramática
dos casos podem ser vistas como um esforço, no paradigma
formalista, de questionar algumas das propostas desse paradigma,
por um ângulo semântico-funcionalista.
Já a perspectiva funcional está interessada em explicar as
regularidades observadas no uso interativo da língua, analisando as
condições discursivas em que se verifica esse uso. Ultrapassam,
portanto, o âmbito da estrutura gramatical e buscam na situação
comunicativa, que envolve o usuário da língua, seus propósitos e o
contexto discursivo, a motivação para os fatos da língua.
Sem deixar de lado a crença na existência da estrutura fonológica,
gramatical e semântica das línguas, os funcionalistas estariam
preocupados não com a forma em si, mas como as funções que essas
estruturas têm de exercer nas sociedades em que operam.
Nesse caminho, não desejamos um pensamento linguístico unificado,
o qual seria ingênuo para o desenvolvimento científico. Acreditamos,
contudo, na adequação do funcionalismo como teoria linguística, na
coerência e objetividade de seus métodos e na validade de suas
análises para explicar o funcionalismo das línguas naturais como
veículo por excelência da comunicação social entre os homens.
* Unimontes/Fapemig – Professora adjunta do Departamento de
Comunicação e Letras da Unimontes – Universidade Estadual de
Montes Claros/Minas Gerais –,doutoranda em Estudos Linguísticos na
FALE/UFMG.
* Unimontes – Professora doutora do Departamento de Comunicação
e Letras da Unimontes – Universidade Estadual de Montes
Claros/Minas Gerais.
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