2014/02/16 Afinal, quem manda no Governo? O ministro da Administração Interna? Alexandre Reis Rodrigues Pessoa amiga fez-me chegar a notícia de que o ministro da Defesa (MDN) tinha acabado de comunicar a intenção (ou decisão?) de alterar a designação da Marinha de Guerra Portuguesa. Passaria a chamar-se “Armada” em vez de Marinha. Não costumo, por regra, dar grande importância a mudanças de designações de instituições, que, frequentemente, são feitas para deixar a imagem de que estão a ser feitas reformas quando, na realidade, é para tudo ficar na mesma. Pode, no entanto, não ser esse o caso em apreço. O ministro não iria tomar uma decisão desta natureza sem ter, de facto, uma intenção de mudar a natureza da instituição. No mínimo, é uma mudança dispendiosa e de impacto político grande, quer interna, quer externamente. O que puderá ser essa mudança não conheço da própria fonte. Não é difícil, no entanto, imaginar que será algo ligado ao conceito de “duplo uso” com que o atual ministro mostrou grande entusiasmo, quando iniciou o seu mandato, principalmente, na perspetiva de que por essa via iria otimizar as capacidades existentes nas Forças Armadas. Mas que, ultimamente, parece inclinado a deixar cair, numa reviravolta insólita. Dizia então o MDN: «As Forças Armadas dispõem de recursos e competências únicas que, em articulação com outras estruturas, permitiriam ao Estado ter ganhos de eficiência e eficácia de resposta a crises. Trata-se da participação mais ativa em missões de interesse público, mais próximas das pessoas, aproveitando racionalmente as suas disponibilidades e dando valor acrescentado à sua presença ao longo de todo o território nacional. Prevenir e combater riscos ambientais, desastres, crime organizado, combate aos fogos florestais».1 Sobre este mesmo assunto, o Primeiro-ministro pronunciava-se, numa abertura solene do ano letivo no Instituto de Estudos Superiores Militares, corroborando a ideia, do seguinte modo: «Precisamos de umas Forças Armadas articuladas e coordenadas com as Forças e serviços de segurança, pois a fronteira entre a ordem externa e a interna dos Estados está hoje consideravelmente esbatida». Malgrado todas estas declarações, nunca o MDN conseguiu mostrar capacidade de pôr em prática as orientações a que, aliás, de início, dava grande relevo. A certa altura parecia irreversível que a Força Aérea iria assumir um novo papel na operação de meios aéreos de combate a fogos florestais, mas a intenção esbarrou com opiniões divergentes provenientes do setor da Administração Interna, incluindo o próprio ministro, e alguns “lobbies” conhecidos. 1 In “MDN 2015. Um novo Contrato de Confiança. Nova doutrina de serviço público” Página 1 de 2 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt O MDN também tem deixado alimentar, sem uma posição clara e firme, as objeções da Guarda Nacional Republicana (GNR) sobre o conceito de “duplo uso”, que a Marinha tem desde sempre nas suas raízes, mas que está a limitar as pretensões da GNR de assumir o papel de Guarda Costeira. Para a GNR, o tema “duplo uso”, contraria uma postura baseada na ideia de que podem ocupar-se de tudo e que mais nenhuma organização no País faz “tão bem e de forma tão competente” como eles, seja no que for: combate a fogos florestais com equipas de intervenção imediata tipo forças especiais, defesa ambiental, polícia administrativa e criminal, polícia de manutenção da ordem, polícia de segurança pública, polícia de proximidade e, agora, segurança marítima. Fico curioso em saber se incluem nessa perspetiva também o compromisso internacional de assegurar um serviço de busca e salvamento, que implica manter no mar meios oceânicos em prontidão imediata. O coronel Armando Carlos Alves, num artigo publicado pela revista “Segurança e Defesa” 2 em que se insurgia contra a ideia de que as competências da Unidade de Controlo Costeiro deveriam se reduzidas, insinuava que afinal, as Forças Armadas, aproveitando a zona cinzenta entre o que é Segurança e Defesa, estavam apenas, «para não perder dimensão, a almejar obter algumas competências policiais». Esquecia que a Marinha exerce competências de fiscalização no mar há mais de cento e vinte anos, desde que, em 1892, se decidiu atribuir-lhe, sob preocupações de racionalização de estruturas, todos os meios da Esquadrilha de fiscalização marítima e aduaneira. Como disse acima, não sei o que, afinal, pretende o MDN. Sei, no entanto, o que os factos recentes nos têm dito de forma muito clara. Perante uma divergência de opiniões entre o MAI e o MDN tem sido sempre a opinião do primeiro que prevalece, não deixando fazer o que quer que seja que as forças de segurança não gostem. Precisamente o contrário do que faz o MDN, que continua a querer pôr tudo em causa, sem cuidar de ouvir quem, de facto, percebe de Defesa e de se dispor a respeitar os valores próprios da instituição militar. É curioso constatar como é possível que, na onda de reformas por que têm passado muitos setores do Estado, em especial o da Defesa/Forças Armadas, o campo das Forças de Segurança tenha conseguido manter-se ao abrigo de qualquer mudança, muito menos, de reduções de pessoal. Quando, por altura da discussão prévia do atual Conceito Estratégico de Defesa Nacional, saiu uma “fuga de informação” a referir uma recomendação de integração das forças de segurança, perante o “barulho” que os sindicatos fizeram, logo veio o MAI desmentir tal hipótese. Compreendem-se as preocupações do Governo em manter sólido o reduto da segurança interna, principalmente na situação de crise por que passa o País, mas, a partir de certa altura, de concessão em concessão às Forças de segurança, é a própria autoridade e credibilidade do Estado que começa a ficar em causa. É-me indiferente quem tem mais força política no seio do Governo e, em função disso, ganha ou perde nas disputas de competências mas não posso ficar alheio se daí resultam decisões que acabam por afetar o interesse nacional e aparecer ao arrepio do necessário esforço de racionalização das estruturas do Estado. O que seria o caso de um eventual abandono do conceito de “duplo uso” ou desvirtuamento da sua essência, sob a ideia de que é preciso dar à GNR o que esta pretende e o MAI não exita em apoiar. Fico à espera de saber o que afinal significa, na prática, Portugal passar a ter uma Armada em vez de de uma Marinha, para então voltar ao assunto. 2 Revista “Segurança e Defesa, nº 14, junho/setembro de 2010, “o que faz Portugal é o mar”. Página 2 de 2