ANTES QUE SEJA TARDE Por: M. Teles Fernandes O fenómeno da globalização está a alterar as condições micro de muitas indústrias em todo o mundo, ficando a geografia económica completamente alterada e as empresas a não compreender o que está a acontecer à sua volta. De acordo com Soumodip Sarkar, os negócios desenvolvem-se em quatro tipos, quanto à facilidade de deslocação e às necessidades de qualificações e competências mais valor acrescentado, conforme modelo seguinte: Os negócios do tipo Formiga necessitam de poucas qualificações e competências (mão de obra pouco especializada) e têm um valor acrescentado baixo bem como Necessidades de qualificações e de competências + valor acrescentado ELEFANTE GAZELA FORMIGA RAPOSA só podem ter expressão local. São exemplos deste tipo de negócios os Facilidade de deslocalização barbeiros, as oficinas de reparação e serviço mecânico automóvel e outros similares. Fig. 1: Os quatro tipos de negócios Soumodip Sarkar, 2004 Os negócios tipo Elefante necessitam de elevadas competências e qualificações dos recursos humanos, têm um valor acrescentado alto mas não podem ser deslocados do seu âmbito geográfico. As centrais de energia eléctrica são exemplo deste tipo de negócio. Os negócios do tipo Raposa não necessitam de ter grandes competências e qualificações, são de valor acrescentado reduzido e, devido à constante redução dos custos dos transportes, podem ser deslocalizados para outras zonas geográficas do planeta onde a mão-de-obra é mais barata. Os exemplos vêm da indústria do calçado, da confecção de vestuário, dos electrodomésticos, etc. Finalmente, os negócios do tipo Gazela necessitam de elevadas qualificações e competências, têm um alto valor acrescentado mas a sua deslocalização não acarreta custos acrescidos com transportes ou comunicações. A produção de software é o exemplo típico deste tipo de negócio. O maior problema que se coloca às empresas é perceber onde se situam os seus negócios e quais as mudanças que irão acontecer que possam alterar a posição dos mesmos. É disto exemplo a indústria das rochas ornamentais. A extracção da rocha é por si própria uma indústria que não pode ser deslocalizada, visto se tratar de um recursos natural e como tal, está fixado a um determinado ponto da geografia económica. A transformação da mesma rocha tem tido também a tendência de ser local devido aos elevados custos de transporte da matéria-prima, os blocos de pedra. Contudo, as empresas de transporte marítimo têm vindo a reduzir os custos de transporte da Europa para o Extremo Oriente de forma drástica, o que possibilitou a alteração do cenário existente. As empresas da China podem agora comprar os blocos de pedra extraídos na Europa, transportá-los para as suas fábricas na China e transformá-los a baixíssimos custos, obtendo um custo final tão competitivo que lhes permite voltarem a vender os produtos acabados aos países de origem da pedra natural utilizada. Este fenómeno de deslocalização de uma industria tipicamente Formiga (conforme a matriz de Soumodip Sarkar) irá a curto prazo pôr em risco a industria de transformação de rocha ornamental nos países europeus com capacidade para tal, nomeadamente Portugal. As empresas nacionais de transformação perderão a vantagem da localização até agora existente e sobreviverão apenas algumas que tenham uma reduzida dimensão e que sejam de âmbito estritamente local, para produção de produtos não estandardizados ou de procura específica. O possível bloqueio concertado por parte das empresas extractivas europeias exportadoras não seria mais do que uma medida a curto prazo. Tal acção seria, antes de tudo, penalizadora para as mesmas empresas, porque estão a vender a sua matéria-prima mais cara para a China do que para os seus mercados locais, o que as poderá impedir de aderirem a uma lógica proteccionista. As empresas extractivas que possuem também a transformação industrial da pedra em produtos acabados estandardizados de rocha ornamental (ladrilhos e outros similares) irão aguentar a pressão concorrencial das empresas do extremo oriente com mão-de-obra muito mais barata durante um período de tempo mais longo, visto poderem distribuir os danos sofridos pela sua mais extensa cadeia de valor. Mas as empresas que compram a matéria-prima localmente e a transformam em produtos finais irão ter tremendas dificuldades em sobreviver a médio prazo. A solução passa pela passagem destes projectos Formiga para projectos Elefante, de acordo com o modelo desenvolvido por Soumodip Sarkar. E como o poderão fazer as empresas nacionais? Subindo na cadeia de valor. As rochas portuguesas são conhecidas nos mercados europeus, norte americanos e médio oriente. A sua qualidade e a sua singularidade são critérios de escolha para os mercados. O nosso conhecimento e proximidade cultural com esses mercados podem contribuir para o desenvolvimento de produtos com especificidades especiais para os mesmos. Precisamos de desenvolver fortes competências e qualificações de forma a podermos fazer com que os nossos produtos de rocha natural subam na cadeia de valor. Essas competências e qualificações devem ser utilizadas principalmente para inovar os produtos e os processos. De acordo com Clayton Christensen, existem dois tipos de inovação: a disruptiva e a sustentadora. A primeira diz respeito à criação de novos produtos, quebrando por completo os paradigmas anteriores. É disso exemplo o caso da Via Verde que veio inovar de forma disruptiva o modo de pagamento das portagens (a inovação foi no processo e não na tecnologia utilizada, que já existia para outros fins). A segunda refere-se à melhoria incremental que todos os produtos sofrem ao longo do seu ciclo de vida através da adição de funções extra ou de diferentes designs. Assim, resta às empresas da fileira da rocha ornamental escolher entre três hipóteses: (1) inovar no design dos produtos, elevar os standards da qualidade para níveis difíceis de imitar e dar novas funcionalidades aos seus produtos possibilitando assim a sua aplicação em diferentes situações e novas condições, (2) reinventar por completo o produto, cortando com todos os actuais paradigmas, à semelhança do que fez a indústria de fabrico de soalhos em madeira com a passagem dos tradicionais tacos de madeira para os pavimentos flutuantes (a aquisição de mais qualificações e competências só faz sentido se for para aumentar a capacidade de inovação de uma indústria, visto a subida na cadeia de valor só se conseguir através da inovação), ou (3) deslocalizar a sua produção para localizações onde a mão de obra seja mais barata e reduzir custos em áreas da cadeia de valor em que o valor acrescentado é reduzido. A indústria das rochas naturais necessita de congregar esforços e unir-se na manutenção e consolidação da sua actividade e na valorização dos seus produtos. Se, principalmente, extractores e transformadores da industria se entenderem, será possível que os primeiros não necessitem de vender a sua matéria-prima para o extremo oriente, vendendo-a mesmo a melhores preços localmente, e que os segundos não tenham, na sua maioria, de fechar a sua actividade a médio prazo. As necessidade de adquirir uma maior dimensão e mais capacidade financeira é determinante para assumirem uma posição de força no mercado interno, como defesa à entrada de novos concorrentes, e uma maior capacidade de penetração nos mercados externos. A solução passa pela simples associação de várias empresas em determinados projectos ou negócios até à fusão entre empresas. Não o fazer por questões individualistas não evitará o problema da globalização que o sector está a sofrer. O mesmo se passa noutras indústrias, como a do fabrico de moldes, a fileira industrial do calçado, a confecção de vestuário, a produção de máquinas e electrodomésticos e outras. Em algumas delas, tanto a subida na cadeia de valor com a deslocalização de algumas áreas da mesma cadeia do valor, como por exemplo a produção, são ambos elementos essenciais para a sua sobrevivência A necessidade de analisar todos os elementos existentes, estudar possíveis soluções e formular estratégias concertadas intra-industrias deve ser a primeira prioridade das empresas e dos seus órgãos colectivos, bem como do próprio estado, de forma a melhorarmos na equiparação com os países mais desenvolvidos. Qualquer descuido nesta matéria deixar-nos-á ainda mais longe do sonho da convergência europeia.