Titulo do original inglês
THAT THEY MAY HAVE LIFE
Traduzido e publicado pela União Cristã de Estudantes do Brasil, Caixa Postal 416 - S. Paulo - com a devida autorização de The Student Volunteer Movement
for Christien Missions e Harper & Brothers - Publishers
- New York - U.S.A~
Os trechos bíblicos citados obedecem à tradução do
Novo Testamento de João Ferreira de Almeida na Revisão publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil, Rio
de Janeiro, 1951. (N.T.) Distribuidores no Brasil:
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Sumário
PREFACIO ................................................................... 4
INTRODUÇÃO .............................................................. 6
I- O EVANGELHO .......................................................... 9
1. Jesus Cristo é Senhor ................................................. 9
2. Esta é a Vitória ...................................................... 17
II- O MUNDO ............................................................. 26
1. Se Tu és o Filho ..................................................... 26
2. Para Que Tenham Vida .............................................. 34
A integridade do método: ............................................. 37
III- O EVANGELISTA ..................................................... 45
1. Separados para o Evangelho ...................................... 45
2. Queremos Ver o Jesus .............................................. 51
A fronteira Cristã ....................................................... 53
A Comunidade Cristã ................................................... 55
O Individuo Cristão ..................................................... 57
IV- A IGREJA ............................................................. 61
1. A Promessa Da Nossa Herança .................................... 61
O Chamado de Deus .................................................... 62
Os Processos Restauradores de Cristo ............................... 64
Habitação do Espírito Santo .......................................... 65
2. Escolheu Doze Deles ............................................... 67
A Igreja é Una ........................................................... 69
A Igreja é Santa ......................................................... 71
A Igreja É Católica ...................................................... 73
A Igreja É Apostólica ................................................... 75
V- A TAREFA ............................................................. 78
1. Escravo de Todos ................................................... 78
Proclamação ............................................................. 80
Identificação ............................................................ 82
Demonstração ........................................................... 83
Interpretação ............................................................ 84
Transformação .......................................................... 85
2. A Estrela da Manhã ................................................. 86
VI- O NÃO-CRISTÃO .................................................... 93
1. Mas Nunca Se Sabe .................................................. 93
A verdade do Budismo ................................................. 94
As asseverações de Cristo ............................................. 96
A Natureza da Verdade ................................................ 99
Em busca do sentido .................................................. 103
2. Fogo Sobe a Terra ................................................. 105
EPÍLOGO ................................................................ 113
GLOSSÁRIO ............................................................. 119
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PREFACIO
Há algum tempo que a Igreja necessitava de uma nova
exposição dos motivos missionários. Essa necessidade tomou
expressão em um movimento de re-exame dos valores essenciais do Evangelho e da natureza da Igreja em seus termos
bíblicos. Como parte dessa pesquisa, o Movimento Voluntário Estudantil fez de seu 16.0 Congresso Quadrienal a ocasião para publicar um livro expondo as bases existentes na fé
crista para o imperativo missionário. “Para que tenham Vida
e o resultado, e é o primeiro de dois livros que estão sendo
preparados para o Congresso.
As comissões quadrienais do Movimento Voluntário Estudantil foram unânimes em que a pessoa mais indicada para
escrever este livro era o Rev. Daniel Thambyrajah Niles. A
comunidade crista de todo o mundo tem sentido a influência
da liderança dinâmica desse cristão ceilonense. O Rev. Niles
está intimamente relacionado com o trabalho da A. C. M.
mundial e com o crescimento do Conselho Mundial de Igrejas, junto ao qual presta seus serviços como presidente do
Departamento da Mocidade. Criado numa comunidade plantada em solo asiático por Missionários Metodistas, tomou parte
saliente no Congresso do Conselho Internacional de Missões
em 1938, realizado em Madrasta. Além de trabalhar como
Diretor de Educação Religiosa da Igreja Metodista no distrito
norte de Ceilão, o Rev. Niles faz parte da Diretoria do Movimento Estudantil Cristão. Foi delegado ao Congresso da Mocidade Crista de Amsterdã em 1 939, e conferencista notável
no II Congresso Mundial da Mocidade Crista em Oslo, em 1
947. Seus estudos de teologia e da Bíblia foram realizados na
Faculdade Unida de Teologia do Sul da índia, em Bangalore.
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No momento, o Rev. Niles é diretor do Instituto de Estudos Bíblicos de Colombo, no Ceilão. Mais significativas do
que estas e outras qualidades, contudo, são a rara habilidade em exprimir-se numa língua que não lhe é materna e,
acima de tudo, a visão e convicção profundas que só podem
nascer de uma vida inteiramente fiel e dedicada a Cristo
Jesus.
“Para que tenham vida” não espera que todos estejam de
acordo com suas conclusões, mas propõe-se a levar o leitor a
re-examinar a sua fé individual. Exigindo ser lido mais que
uma vez, é um livro que requer pensamento, que provoca
lutas interiores, que pede meditação. O Movimento Voluntário Estudantil, embora reconheça que nenhum indivíduo pode
falar pelo movimento todo, acha que o Rev. Niles alcançou
de maneira admirável o padrão que a si mesmo propôs ao
dizer: “Um livro sobre evangelização deve ser, ele próprio,
para evangelização”. Este livro põe defronte do leitor um
novo sentido da obrigação de cada cristão, de evangelizar,
se ele deseja ter perfeito conhecimento daquele que é o
coração do Evangelho, e ser-lhe fiel.
E. Fay Campbell, presidente
Movimento Voluntário Estudantil de Missões Cristãs
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INTRODUÇÃO
Evangelizar é a ordem do dia, como o foi sempre que Jesus foi tomado a sério. Algumas vezes esta ordem soa na voz
de acontecimentos mundiais impressionantes, outras vezes
vem por intermédio de alguma pessoa que está em comunhão com seu Deus. Mas sempre que essa ordem, nos chega,
é um desafio e uma compulsão.
Este livro foi escrito a pedido do Movimento Voluntário
Estudantil Americano para Missões Cristas, para lançar em
pequena escala a discussão do imperativo da tarefa
evangelizadora da Igreja. Missões estrangeiras são apenas
parte dessa tarefa. Como se afirmou frequentemente na reunião, em Tambaram, do Conselho Missionário Internacional,
“os recursos da Igreja inteira são para o mundo inteiro”.
Enquanto a distinção administrativa entre missões nacionais
e estrangeiras, ainda perdura, teologicamente não existe tal
distinção. Há uma só Igreja e essa Igreja cumpre sua missão
mundial segundo uma estratégia global.
E’ o Movimento Ecumênico que, embora filho da obra
missionária, lhe determina a perspectiva. Este movimento
chama a contas tanto a orientação “colonial”, onde ainda
exista, no que diz respeito as normas de ação (modus
operandi) das sociedades missionárias, quanto os motivos que
levam as igrejas missionárias à expansão denominacional. E’
por demais evidente que, enquanto as igrejas que enviam
missionários facilmente ultrapassam limites de nacionalidade no seu modo de pensar acerca da Igreja, os membros das
igrejas mais jovens consideram mais fácil ultrapassar as barreiras denominacionais. Um dos fatos mais encorajadores é
que o “modus operandi” das missões no mundo inteiro está
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se adaptando à realidade do Movimento Ecumênico e à existência do Concílio Mundial de Igrejas.
Mas este não é um livro acerca do “modus operandi” das
missões nem das questões práticas relacionadas com o trabalho
de evangelização. Procura ele, antes, fazer uma exposição,
embora imperfeita, da teologia missionária. Seu objetivo é traçar a ligação entre a obra de Deus na criação e na redenção e o
chamado de Deus a todos os homens, através da Igreja, para
compartilhar nessa obra. A realidade primaria acerca do mundo
e da vida humana é que ambos são o campo de ação de Deus.
Existem, porque Deus trabalha neles e por eles. Nossa parte no
evangelizar é corretamente compreendida, portanto, somente
quando é reconhecida como nada mais nada menos que o fruto
de nossa obediência ao chamado para seguir o Mestre.
“Segue-me”, disse Jesus a seus discípulos, e eles o seguiram
por onde quer que andasse e em tudo que fizesse. Seguir a
Jesus é mais do que executar suas ordens: é fazer-lhe companhia. Nosso lugar como evangelistas é onde ele já está trabalhando, e nossa tarefa como evangelistas é servi-lo ali. Ele é o
Mestre de Obras, nós ajuntamos os tijolos e misturamos o cimento. E se às vezes nos é dada a tarefa de assentar os tijolos,
temos de obedecer ao seu projeto para a construção. “Segueme” - esta é a chamada para evangelizar, a chamada que determina o âmbito e a natureza de nosso trabalho missionário.
Ninguém jamais seguiu a Jesus, nem mesmo por pouco tempo, que não percebesse ser impossível segui-lo a não ser que
esteja disposto a segui-lo tanto nos lugares grandes como nos
pequenos. Ele amava o mundo e veio redimi-lo, e os que o
seguirem devem estar dispostos a bater-se por ele diante de
reis e governadores, cortes e conselhos, onde grandes planos
são feitos e onde, frequentemente, a ação é dirigida de modo
a silenciar o Cristo. Porém, não menos importante é a disposição de segui-lo em seu interesse pelo sofrimento obscuro do
menor de seus irmãos. Quando o Filho do Homem vier na sua
glória, será revelado como aquele que deveríamos ter seguido
e servido quando era estrangeiro dentro de nossos muros, ou
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pedinte à nossa porta. Serviço heróico e bondade humilde,
ambos pertencem ao discípulo de Cristo.
Há também outra esfera na qual o evangelista tem de
seguir a Jesus, e esta é entre as pessoas de outras crenças.
Aqui ele se encontra face a face com homens que julgam
Cristo desnecessário, porque não se apercebem da gravidade da situação do homem. O evangelista descobre que sua
primeira tarefa junto deles é apontar-lhes a luz que há em
Cristo, até que em Sua luz eles se apercebam do seu estado.
O Dr. A. G. Hogg descreveu o problema do evangelista frente
ao não-cristão em uma notável parábola. Diz ele:
“Um sonâmbulo pode atravessar são e salvo um abismo
sobre a mais estreita tábua oscilante. Ele estará por demais
absorto em seu sonho para se aperceber da grande ameaça
do abismo, em baixo. Mas acordai-o e ele cairá. Ora, em
questões da alma e da consciência, os homens tendem a ser
tão alheios quanto o sonâmbulo ao abismo que julga atravessar. Mas uma vez que Cristo os tenha despertado para a compreensão clara dos precipícios aterradores que separam a
consciência culpada da confiança na liberdade de Deus e Sua
presteza em perdoar, então por nenhuma outra ponte a não
ser a Sua Cruz podem eles recuperar a alegria e a paz em
crer”. Onde Cristo ainda não foi espiritualmente apreendido
pode haver outros caminhos além dele para uma certa confiança em Deus que possibilita ao nosso Pai Celestial conceder
ao homem uma parcela de comunhão consigo. Mas quando
Cristo consegue revelar a qualquer homem o julgamento de
Deus sobre o pecado, nesse mesmo ato Ele não pode deixar
de tornar-se, ele próprio, para aquele homem, o único caminho. Cristo é o único caminho para Deus que pode ser permanentemente uma rua de grande e fácil trânsito”.
Liberação do sono e do pecado, do sofrimento e da solidão, da injustiça e da paz enganosa - esta é a tarefa em que
Cristo está empenhado e na qual o cristão tem de segui-lo.
“Meu Pai trabalha ainda, e eu trabalho. . . Como me enviaste
a mim ao mundo, assim também eu os enviei ao mundo”
(João 5:17; 17: 18).1
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I
O EVANGELHO
Evangelizar é seguir a Cristo. Portanto, só aqueles
que sentiram o impacto de Cristo podem compreender o que evangelizar requer do indivíduo; e só eles
podem conhecer o grande alcance da revolução que
inevitavelmente se efetua nos que são evangelizados.
Pois, ser evangelizado não significa uma simples troca
de rótulo, ou de comunidade, mas uma tremenda purificação de espírito e mudança de direção da alma,
de tal modo que em mais uma vida o propósito de
Deus para todos sela realizado, e em mais uma vida a
vontade de Deus na terra sela feita.
1. Jesus Cristo é Senhor
Quão evidente se torna então que ao falarmos de
evangelizar e da nossa parte como obreiros e testemunhas,
estamos falando, no terreno humano, de assuntos cuja realidade última é de âmbito divino; e quão importante se torna
que tais assuntos devem ser encarados, não na rua ou no
púlpito mas no íntimo de cada alma! Que este livro seja um
auxílio não só nesta luta interior como também no trabalho
público, é minha esperança e minha oração.
“Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel de
que a este Jesus que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e
Cristo. . . Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em
nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e
recebereis o dom do Espírito Santo. Pois para vós é a promessa. . . para quantos o Senhor Deus chamar” (Atos 2:36-39).
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O arauto proclama as noticias; notícias essenciais para
todos, pois dizem respeito a todos. Ele faz rufar o tambor ao
longo das ruas e o povo acorre para perguntar-lhe qual é a
notícia. Cenas como esta, tão comuns ainda em terras do
Oriente, dão a idéia exata do que era a pregação dos primeiros cristãos. Chamaram à sua pregação “Kerygma” — a mensagem do arauto: novas que todos os cidadãos precisam de
saber, novas sobre as quais todos os cidadãos precisam deliberar, novas que dizem respeito a todos e cada um, de maneira vital.
Não é possível compreender-se a evangelização crista sem
levar-se em conta esta característica da mensagem crista. Não
é uma afirmação de ideais que os homens devam experimentar e praticar, não é uma explicação da vida e seus problemas,
sobre a qual os homens possam discutir e com a qual possam
de algum modo concordar; é antes a proclamação de um acontecimento que os homens são forçados a admitir. “Deus o fez
Senhor e Cristo”. Há algo de final nesta proclamação. É independente da escolha e opinião humanas.
Uns preferem tomar café, outros chá e outros gostam de
chocolate. Não existe uma verdade que decida o que devem
beber. Todos podem satisfazer suas preferências individuais.
Tenho um retrato de meu pai que é de grande valor para
mim; para outros não tem valor algum. Seu valor depende de
mim. Mas Jesus não é uma preferência, não é um valor; Ele é
a Verdade. A verdade acerca de Jesus é independente das
preferências humanas. Ele é Senhor, quer os homens gostem
ou não, quer os homens O aceitem ou não; e, sendo Senhor,
Ele convida os homens a reconhecerem-no como tal.
Os valores estão sujeitos às decisões humanas, mas a verdade é inalterável. Ela é que decide por nós. “E eu, quando
for levantado. . .”, disse Jesus, “atrairei todos a mim” (João
12:32). Eu os impelirei, eu os forçarei a decidirem. Esta
compulsão da verdade que Jesus exercia está amplamente
ilustrada por incidentes do seu próprio ministério. Discutiam
sobre liberdade; ele os defrontou com a declaração: “Se,
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pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (João
8:36); nesta altura cessam as disputas e a decisão impõe-se:
ou aceitamos a liberdade das mãos do Filho ou a recusamos.
Discutiram a respeito de Deus e sua natureza; Jesus os defrontou com a declaração, “Eu e o Pai somos um. . . Quem
me vê a mim, vê o Pai” (João 10:30; 14:9); não há mais lugar
para discussão; ou acreditamos em Jesus ou não. Discutiram
sobre o sentido da vida; Jesus defrontou-os com a declaração: “As palavras que eu vos tenho dito são espírito e são
vida” (João 6:63); a discussão torna-se desnecessária.
Sentimo-nos compelidos a ouvir e obedecer, Ou então
recusamo-nos a ouvir e rejeitarmos. Discutiam sobre o pecado e responsabilidade do homem; Jesus os defrontou com a
santidade da sua perdoa. Era o fim da discussão; pois forçanos a confessar, “Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador” (Lutas 5:8).
“Deus é amor” - é uma declaração profundamente verdadeira. “Deus assim amou” - esta é uma verdade que exige
decisão. A primeira é uma idéia, a segunda um fato. A primeira fala acerca de Deus, a segunda fala acerca de Deus e
de mim. Deus assim amou, amou a mim, isto é, Ele agiu, e
agora cabe a mim, agir, também, dando uma resposta adequada. Ao arauto cristão é confiada a proclamação desse
fato, cabe-lhe apelar a cada homem para que veja que Deus
o amou dê tal maneira que agiu, e concitar cada homem a
agir, também, em resposta a esse ato. Pecado é a recusa do
homem de encontrar-se com Deus no lugar onde Deus veio
para encontrar-se com o homem.
A evangelização ao deriva de um ato de Deus que mudou
Inteiramente o sentido da vida humana. Algo aconteceu a própria estrutura da história. “Jesus é Senhor”. Não é o caso dos
homens o fazerem Senhor, mas antes o fato de que Ele é Senhor, quer o reconheçamos como Senhor ou não —Senhor do
Presidente dos Estados Unidos da América assim como do Primeiro Ministro da índia; Senhor dó povo britânico e do chinês.
A pergunta, “Que faremos?”, Pedro respondeu “Arrependei11
vos, e cada um de vós seja batizado em nome dê Jesus Cristo
para a remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do
Espírito Santo”. Deveis transferir a vossa fidelidade e tornarvos fiéis ao vosso legitimo Senhor. Deveis entrar no território
da vida em que Seu domínio é reconhecido. Assim recebereis
vossos direitos de cidadania no seu Reino e vos será perdoada
a vida que vivestes como estrangeiros.
Qual a verdadeira extensão do fato de ser Jesus o Senhor, e
de Deus tê-lo feito Senhor e Cristo? Jesus mesmo dá a resposta
numa parábola. “Ninguém pode entrar na casa do valente para
roubar-lhe os bens, sem primeiro amarrá-lo, e só então lhe
saqueará a casa. .. Chegou o momento de ser julgado este
mundo, e agora o seu príncipe será expulso” (Marcos 3:27;
João 12:31). Pouco antes de Jesus iniciar seu ministério público, foi convidado pelo príncipe deste mundo para entrar em
acordo com ele (Mateus 4:8, 9). Mas Jesus não buscava autoridade para si mesmo; ele viera para exercer autoridade em
benefício dos que os poderosos mantinham na servidão. Ele
viera para lutar, não para entrar em acordo.
O Reino de Deus é a soberania de Deus em conflito aberto
com o mal. Esta soberania já foi exercida no plano da História humana. O mal já foi contestado e derrotado. O homem
forte, o valente, foi dominado e sua casa saqueada. O príncipe deste mundo foi expulso. São Paulo diz dos “poderosos
desta época que se reduzem a nada”, ou mais literalmente,
“que se tornaram estéreis.” A fonte de sua vida foi destruída,
cortada pelas raízes. São como o dragão cuja cabeça recebeu ferimento mortal, mas cuja cauda se bate no espaço em
agonia e desespero de morte.
Esta linguagem não é mera fantasia; é o duro realismo dos
fatos. Os que vieram a Jesus nos dias de seu ministério terreno experimentaram esse fato. Eles descobriram que Jesus
lhes revelou um setor da vida no qual o mal fora vencido e
onde, se bem que ainda operante, estava controlado e delimitado em seu poder de ação. Estava “golpeado de morte”
(Apoc. 13:3>. O Dr. James Moffatt traduz 1 Cor. 2:6 como “os
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poderes destronados que governam este mundo”. Estão destronados e contudo governam; mas, havendo sido destronados, não só é a sua destruição final certa como também seu
poder atual é limitado.
Jesus Cristo é Senhor, e os que entram em relação vital
com ele experimentam liberdade e vitória no seu conflito
com o mal. São capazes também de ver o próprio conflito
por um novo prisma. A mensagem do que evangeliza não é
tanto que os homens devem participar da batalha contra o
mal até destruí-lo, mas que devemos compartilhar da vitória
de Deus sobre o mal até que o mal seja inteiramente desmascarado. O Evangelho é a convocação para a batalha cuja
vitória final está ganha.
Mas é isto verdade? O único meio de responder a essa
pergunta é observar a experiência do cristão em seu conflito
com o mal. A força do mal está no seu caráter incógnito. O
primeiro grande disfarce do mal é fazer crer aos homens que
ele não existe. Mas trazei o mal para a luz e ele fenecerá. O
conflito entre o bem e o mal é velho como os séculos, mas
nunca foi decisivo, pois o bem esteve sempre misturado a
uma parcela de mal, e o mal esteve sempre misturado a uma
parcela de bem. Num tal conflito o mal não pode ser extirpado em suas raízes. Jesus, por ser o bem perfeito, forçou o
mal a vir à luz. Ele manteve-se em seu próprio terreno forçando o mal a vir ao seu encontro, até que, no brilho de sua
glória, o mal ficou inteiramente exposto.
O que foi que crucificou a Jesus? O poder de Roma estava
preocupado com a manutenção da paz e da ordem e Jesus
era um perturbador da paz. Os Saduceus e a casa do Sumo
Sacerdote representavam a cultura da época. Eram os
guardiões do governo local assim como os responsáveis pelo
culto no Templo. Jesus poderia trazer a ira de Roma sobre
eles. Além disso, Ele havia também atacado o culto. Os
Escribas estavam edificando um corpo de ensinamentos que
facilitassem ao povo o cumprimento da Lei. Jesus rompeu
com a tradição dos anciãos e apontou aos homens um Deus
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que está vivo e ativo em relação aos fatos. Isto era perigoso
para a vida eticamente regulamentada. Os Fariseus eram
nacionalistas religiosos, cuja bandeira de fé era o Sábado.
Jesus rasgou essa bandeira. Os Herodianos eram os expoentes da política do “la issez faire”; enquanto que os Zelotes
aspiravam derrubar o poderio de Roma, se necessário, pela
força. Os Herodianos acharam Jesus extremista e os Zelotes
acharam-no por demais confuso. A preocupação da paz e da
ordem, o entusiasmo pêlo culto e pela cultura, o ardor pela
ortodoxia na religião e pelo nacionalismo na política, o desejo pela conduta liberal na vida, a paixão pela libertação do
jugo estrangeiro - todos esses sentimentos acharam Jesus
perigoso. E assim Jesus foi crucificado por um conjunto de
todas as modalidades do bem humano dominadas pelo mal.
O dinamismo do mal está na sua habilidade em usar o bem
e disfarçar-se no bem. O drama da cruz revelou a natureza
do mal e mostrou como ele opera. Na cruz o mal ficou exposto, seu caráter incógnito destruído, seu poder aniquilado,
sua face desmascarada. Jesus fez deles um espetáculo público, diz São Paulo: “despojando os principados e as
potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando
deles na cruz” (Co. 2:15). Agora podemos andar na luz que
dele se projeta; e, andando na luz, não tropeçaremos.
O Evangelho, dissemos, é a convocação para uma batalha
cuja vitória final está ganha. O mal contra que vamos combater já foi liquidado. Sua força foi destruída. Tornou-se possível a nós lutar contra o pecado onde este pode levar a pior,
escolhendo como nosso campo de batalha a luz da vida de
Cristo. “A vida estava nele e a vida era a luz dos homens. . .
O julgamento é este: Que a luz veio ao mundo, e os homens
amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras
eram más. Porquanto todo aquele que pratica o mal aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de não serem argüidas as suas obras” (João1:4; 3:19, 20).
Há uma necessidade muito grave de que essa experiência
cristã da vitória sobre o pecado seja entendida corretamen14
te. A promessa da vida cristã não é de quê não pecaremos
mas de que nossa relação com o pecado será de vitória. É
uma relação vitoriosa porque a vitória já está ganha. Podemos reconhecer o mal pelo que ele é. Isto quer dizer que a
semente do pecado que consiste numa vontade desobediente está eliminada. “Todo aquele que é nascido de Deus não
vive na prática do pecado; pois o que permanece nele é a
divina semente. . .” (1 João 3 :9). Os pecados que porventura
essa pessoa possa cometer não serão mais a expressão do
que essa pessoa é. Será possível falar de tal pessoa como
alguém que peca, mas será impossível falar dela como alguém que vive em pecado. O pecado não é mais a sua motivação para a vida. Ela é alguém que, pelo contrário, faz a
vontade de Deus (1 João 2:17)
No conflito real com o pecado essa relação vitoriosa significa que, qualquer que seja o golpe infligido pelo pecado, o
pecado é reconhecido como tal; é visto à luz da cruz e, portanto, a ele se opõe sempre uma vontade sinceramente arrependida. “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a
nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós. Se
confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos
perdoar os pecados e nos purificar de toda a injustiça” (1
João 1:8,9).
Esta dupla experiência, primeiro do nascimento do alto,
pelo qual somos “libertados dos nossos pecados”, e em seguida, do perdão contínuo que recebemos e pelo qual somos
limpos dos nossos pecados”, resulta numa pureza crescente
de vida que é a marca dos filhos de Deus. “Amados, agora
somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que
havemos de ser. Sabemos que, se ele se manifestar, seremos
semelhantes a ele, porque havemos de vê-lo como ele é. E
todo o que nele tem esta esperança a si mesmo se purifica,
assim como ele é puro” (1 João 3:2,3).
A tarefa missionária do cristão é levar os homens e mulheres na sua luta contra o pecado a essa experiência de vitória
que lhes está reservada em Cristo Jesus. Persuadi-los de que
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essa experiência de vitória real não será fácil, pois é alcançada
em meio de um conflito que não tem tréguas. E no entanto,
tais pessoas precisam ser levadas a ver que aqui está a experiência interior que sustenta a luta externa. Frequentemente desviamos pessoas ao sugerir que o Evangelho cristão é
cumprido na expansão da força moral do que o aceita; não
temos conseguido fazê-los ver que o que o Evangelho oferece é incomensuravelmente diferente e superior. Ele oferece
“salvação” - segurança para a alma em conflito, segurança
no amor vitorioso de Deus que está em Cristo Jesus, nosso
Senhor. Como São Paulo tão maravilhosamente o expressa, o
clamor do coração cristão é triplo. Clamor de um conflito
que nunca cessa; clamor de uma vitória que será manifesta;
clamor de uma segurança que é real hoje.
“Desventurado homem que sou! quem me livrará do corpo desta morte? Graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor... Porque a lei do Espírito da vida em Cristo Jesus me
livrou da lei do pecado e da morte” (Rom. 7:24,8:2).
“Em todas essas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio d’Aquele que nos amou. Porque estou bem
certo que nem a morte, nem a vida, nem anjos, nem autoridades, nem coisas do presente, nem do porvir, nem poderes,
nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura
poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo
Jesus nosso Senhor” (Rom. 8:37-39)
A palavra crista para a resposta que tal proclamação exige é a Fé. Fé é a resposta do homem às obras de Deus. Fé
consiste em aceitar o que Deus oferece e viver de acordo
com esse oferecimento. O oposto à Fé, no Novo Testamento,
é a confiança nas obras. A distinção sugerida é o que tanto
temos tentado realçar: que a mensagem crista é a proclamação de um acontecimento, de uma realização de Deus, que
trouxe como conseqüência o apelo a todos os homens para
que aceitem essa realização feita em seu favor. Confiar nas
obras é insistir em que precisamos ganhar nossa própria vitória em vez de compartilhar da vitória de Deus. Significa que
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temos de expiar nossos próprios pecados em vez de viver no
Seu perdão. Significa que devemos trabalhar por nossa própria segurança em vez de aceitar Sua salvação. O Evangelho
acaba com esta espécie de religião — a confiança nas obras.
Deus veio aos homens.
Há uma palavra do Salmista que é um comentário penetrante da atitude religiosa —:
Se o Senhor não edificar a casa,
em vão trabalham os que a edificam.
Se o Senhor não guardar a cidade,
em vão vigiam as sentinelas.
Inútil vos será levantar de madrugada, repousar
tarde, comer o pão de dores,
Pois assim dá Ele aos seus amados
suas dádivas enquanto dormem.
(Salmo 127:1-2, Moffatt)
Nos mais negros dias da ocupação inimiga da Noruega um
bispo prisioneiro disse, “A vitória está sendo preparada”. E estava. Mas era necessário ter fé para ver além da situação presente. Era necessário ter fé para estender as mãos aos amigos
com os quais estava a vitória. Só a fé pode ensinar o cristão a
não subestimar o adversário; só a fé pode ensinar o cristão a
não subestimar a vitória. “Pois assim dá Ele aos seus amados
suas dádivas enquanto dormem”. Jesus Cristo é Senhor.
2. Esta é a Vitória
“Porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e
esta é a vitória que venceu o mundo, a nossa fé. Quem o que
vence o mundo senão aquele que crê ser Jesus o Filho de
Deus?. . . Deus nos deu a vida eterna, e esta vida está no seu
Filho. Aquele que tem o Filho tem a vida; aquele que não
tem o Filho de Deus não tem a vida” (1 João 5:4,5 e 11,12).
Evangelizar é proclamar um fato, e é também convidar
para um encontro - um encontro com o Cristo ressurreto.
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Jesus é crucificado, morto e sepultado, o túmulo é selado
e os soldados montam guarda; Caifaz e os restantes voltam
para casa pois sua tarefa está terminada. “Acabou-se”, dizem eles, “e o Nazareno não incomodará mais”. Não, Caifaz!
não acabou. A pedra foi afastada, o túmulo está vazio, e o
Cristo ainda caminha por sobre a terra.
Os judeus acreditavam na vida depois da morte. Os fariseus
que mataram a Jesus sabiam que ele continuaria a viver. Sua
preocupação única era livrarem-se dele aqui na terra. Jesus
vivo, em Jerusalém, significaria o transtorno de seus planos,
a ruína de suas ambições, o desafio à sua autoridade. Ele
precisava de ser eliminado. Que a sua alma continuasse a
viver em qualquer outro lugar, contanto que ele mesmo não
vivesse na terra. Mas justamente nesse ponto eles fracassaram, porque Jesus ressuscitou. A ressurreição de Jesus não
significa simplesmente que Jesus está vivo; significa que Jesus está vivo aqui, na terra, de volta entre os homens.
Foi a ressurreição que tornou o Cristianismo uma religião
diferente, à parte das demais. Sem ela os ensinos e a vida de
Cristo teriam permanecido parte da história do Judaísmo.
“Da multidão dos que creram era um o coração e a alma.. .
Com grande poder os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante
graça” (Atos 4:32,33). Duas coisas dependiam da ressurreição: a verdade da proclamação de que Jesus é Senhor, e a
possibilidade de conhecê-lo como Senhor através de um encontro pessoal. Só por meio de tal encontro a soberania de
Cristo teria sentido salvador para alguém.
São Pedro em sua mensagem no dia de Pentecostes declara peremptoriamente: O túmulo de Davi, diz ele, “permanece entre nós até hoje” (Atos 2:29). Mas o túmulo de Cristo
está vazio. Não vamos ao seu encontro como ao de uma figura do passado, não carregamos relíquias dele para nos despertar a memória ou estimular a devoção; em vez disso
procuramo-lo - a Ele, o próprio Cristo vivo - hoje. Três dias
depois da morte do Mahatma Gandhi, num comício enorme
18
na Índia, Srimathi Sarojini Naidu começou seu discurso com
estas palavras: “Mestre, passaram-se três dias desde que
morreste. Volta, volta!” Esse é o grito angustiado da alma
humana, o grito da amizade: é pela presença que ansiamos,
não princípios; por um Mestre, não apenas ensinamentos.
A mensagem do evangelista cristão é a proclamação desta
Presença. E’ um convite para um encontro em que a fé pode
encontrar o Cristo ressurreto. Viver num mundo do em que
Cristo vive ressurreto é viver num mundo em que Cristo é
nosso contemporâneo: contemporâneo não só no sentido
em que Cristo é sempre atual, mas também no sentido em
que Ele está aqui. Vivemos com Ele como contemporâneos.
Mas, porque é o convite para nos encontrarmos com Ele
um convite à nossa fé? Porque quando o encontrarmos o acharemos tão conhecido e tão desconhecido, tão fácil de ser
aceito e tão difícil, quanto seus próprios contemporâneos o
acharam quando o encontraram nas praias da Galiléia ou nos
átrios do templo de Jerusalém. Quando Jesus chegou à Palestina, há mais de 19 séculos, anunciado por profetas e videntes; preparado pela profecia e pela visão, enviado a um
povo que durante 3.000 anos de história havia sido educado
para discernir a mão de Deus nos feitos humanos —quando
Jesus, o Messias esperado, realmente chegou, achou poucos
que n’Ele cressem.
Estevão achou no Velho Testamento argumentos concludentes de que Jesus era o Cristo; mas muitos outros rabinos,
e mesmo São Paulo, antes da sua visão na estrada de Damasco, acharam no Velho Testamento argumentos concludentes
de que Jesus não era o Cristo. Os milagres de Jesus e a autoridade do seu ensino foram para Nicodemos prova de que
Jesus vinha da parte de Deus; mas, para os outros fariseus,
foram prova de que Jesus viera da parte do demônio. Para o
Grego racionalista Jesus era loucura; para o judeu religioso
Jesus era escândalo e os 3.000 anos de preparação não pareceram ter tido utilidade alguma. Ele revelou-se apenas aos
que tinham fé!
19
Mas quando os homens o aceitavam descobriam um passado de radioso sentido, e os que permitiam que Ele lhes interpretasse Q passado descobriam que o passado apontava para
Jesus. Como foi então, assim é agora, pois Cristo revela-se
apenas aos que têm fé; quanto às provas, elas contrariam a
própria finalidade da fé.
Portanto ficaríamos contentes
Com uma simples probabilidade.
Mas a probabilidade deve existir
Certa, ainda que em esboço,
O
bastante apenas para que possamos
Nela prender a nossa fé (1)
Quais pois são as provas do Cristo ressurreto? São elas
suficientes para nelas prendermos a nossa fé? Sim, mais que
suficientes.
O túmulo vazio, sem o qual a afirmação dos discípulos de
que Cristo ressuscitara teria sido destruída num momento.
A mortalha de linho, proclamando que aquele lugar não
fora violado por mão humana.
A alegria e coragem recobradas pelos discípulos, que antes se haviam trancado em suas casas.
As evidências corroborativas dos escritores do Novo Testamento.
A coerência de caráter entre o Cristo ressurreto e o Jesus
da Galiléia no que respeita ao Seu trato com os homens.
O testemunho concorde dos cristãos através dos séculos
respeito de sua comunhão com o Senhor ressurreto.
A história da Igreja e o testemunho da mesma história
quanto à qualidade da vida da Igreja.
Aí temos as provas, e no entanto, não acharemos tais provas suficientes até nos encontrarmos com o Cristo ressurreto.
É isso, fundamentalmente, o que significa ser contemporâneo de Cristo. Significa que hoje nos encontramos face a
20
face com Ele, e que necessitamos de tanta fé para confiarmos nele agora e hipotecar-lhe a nossa fidelidade, como necessitaram os primeiros discípulos quando o encontraram nas
praias do mar. Naquela época, Ele veio como um desconhecido exigindo fé; dois mil anos de história não tornaram essa
atitude de fé nem mais fácil nem mais difícil.
Não podemos esperar outra coisa de Jesus. O que Ele pede
é fé: essa entrega completa do ser, corpo e alma, tempo e
talento, a Ele, e portanto, Ele tem necessàriamente de aproximar-se de nós, de um modo que só a fé possa discernir e
entender. Conhecer a preparação que antecedeu a Jesus
não é o bastante, e as provas nunca chegam a ser inteiramente decisivas. Não há qualquer tentativa de coagir os
homens à aceitação, quer por argumentação irrespondível
quer por espantosos milagres. Há sempre um senso de reserva e de comedimento, que sugere doze legi5es de anjos
contidos em sua força. Mas uma vez que afrontamos o risco
e fazemos o juramento de entrega, então evidência e provas
começam a inundar a alma. Chegam-nos enquanto andamos
com ele, enquanto O seguimos, chegam-nos quando nos aproximamos do fim da jornada: até que finalmente a fé se transforma em visão e nos maravilhamos de que algum dia tenhamos sequer duvidado d’Ele.
Mas têm os homens que seguir a Jesus? E se recusarem
fazê-lo? Eles terão de segui-lo não apenas porque Ele seja
seu contemporâneo, mas porque Ele é de extrema relevância. Viver num mundo em que Cristo vive ressurreto é
viver num mundo em que Cristo é Senhor.
“Tudo me foi entregue por meu Pai”, diz Jesus (Mat. 11:27),
e se isso é verdade devemos buscar nEle todas as coisas.
Argumentar que não gostamos da idéia não altera a situação;
fatos têm de ser reconhecidos, não argumentados. Na verdade, a atmosfera de qualquer encontro com Jesus está toda
ela impregnada, não de argumentos, mas da necessidade de
decisão. Longe de Jesus, os homens discutem o
sentido
da vida; em Sua presença, cessam de discutir e começam a
21
seguir. Longe de Jesus, os homens discutem sobre a responsabilidade do homem em face do pecado; em Sua presença, eles
se prostram em terra e pedem perda~o. Encontrar-se com
Jesus é conhecer a verdade, a verdade que liberta os homens.
Mas Jesus é relevante não só pela verdade mas também
pela vida. Todas as indagações da vida acham nEle sua solução. Ele é o Senhor da vida. Viver com Ele é viver poderosamente, viver abundantemente. Por causa mesmo da própria
vida não nos ousamos recusar ao encontro com Ele, pois Ele
é a vida. Mas Jesus é mais ainda que isso: Ele é o Caminho.
E para nós, esse mais é significativo porque estamos preocupados não apenas com a vida abundante no Além, mas também com a vida abundante aqui. Estamos preocupados com
planos de reformas úteis que transformem o nosso mundo
presente em um mundo melhor para se viver. Para muitos a
declaração de Cristo de que Ele é o Caminho, é a mais decisiva de todas. Mas é Ele o Caminho?
Tem ele a visão desse mundo melhor? Tem, e homem
algum jamais concebeu ideal maior ou mais grandioso do
que o Seu: o Reino de Deus aqui na terra. Tem Ele um método, uma técnica? Tem, um método desprovido de compulsão
ou casuística, o único método que até o momento conseguiu
alguma coisa de valor permanente. Tem Ele um plano? Tem:
primeiro a Galiléia, depois Jerusalém, depois o Gethsemane
e o Calvário, e finalmente o Domingo de Páscoa.
Mas, e acerca de planos reais para nós, acerca dos detalhes
árduos dessa campanha para fazer-se um mundo melhor? A
resposta de Cristo para isso é simplesmente -”alistai-vos primeiro”. Parece isso uma evasiva? Contudo, e a sua resposta.
Alistai-vos primeiro, e então recebereis ordens. Primeiro,
tomai-vos meus amigos, e então conhecereis meu propósito.
Primeiro segui-me e então aprendereis meus planos. Mas,
Cristo Mestre! Como posso eu saber que o Teu caminho leva a
um mundo melhor? Sabeis, porque é o Meu caminho.
Pára mim esta resposta é suficiente. E ainda que as dúvidas muitas vezes me dificultem segui-lo; e a impaciência por
22
resultados imediatos torne tentadores outros programas; e a
incapacidade de perceber a importância do fim último das
tarefas diárias que Ele me propõe torne a vida algumas vezes
sem sentido; contudo isto, contento-me em prender-me a
EIe e ser por Ele preso. Precisamos encontrar a Jesus porque
ele é a verdade, a vida, o caminho.
E, no entanto, não se pode dar o caso de, uma vez Jesus
ressurreto, a decisão de encontrá-lo não dependa absolutamente de nós? Não pode ser por exemplo que Ele decida a
questão por nós e se nos defronte, ainda que nós não queiramos ou não estejamos preparados para tanto? Que devemos
esperar do Cristo ressurreto?
A verdade é que não é certamente uma questão de expectativa más de dar uma resposta a Cristo que já se defronta conosco.
Ele está aqui, tem estado aqui, estará aqui até lhe respondermos com a nossa vida. Podemos retardar a nossa resposta, se o
desejarmos; mas não podemos livrar-nos dEle. Isso já tentamos antes. Estamos na mesma posição do poema de Francis
Thompson (The Hound of Heaven) -”O Perseguidor Celeste”.
Fugi-lhe atravessando as noites e os dias,
Fugi-lhe atravessando os marcos do tempo,
Fugi-lhe pelos tortuosos caminhos
Da mente; sob o riso fácil,
E entre lágrimas, escondi-me d’EIe.
Mas em lenta perseguição,
E cadência imperturbável,
Num ritmo intehciona1, insistente, inexorável,
Ouço-lhe os passos e a voz
Mais insistente ainda que os passos -”
tudo trai aos que lhe traem”.
Viver num mundo em que Cristo vive ressurreto é
viver num mundo em que é impossível escapar-lhe. Pensemos primeiro em Nicodemos, um dos principais dos judeus,1
que foi ter com Jesus à noite; pensemos no que disse a Jesus, no que ele admitiu, no que ele aceitou. Aceito, diz ele,
23
que sejas Mestre. Aceito que sejas maior Mestre que eu.
Aceito que és de Deus e que Deus está contigo. Jesus olha
para ele e exclama, “Nicodemos, tens de nascer de novo”.
Isso era o que Nicodemos não esperava, o que não aceitaria.
Ele havia esperado uma transição natural da sua posição à de
Jesus, mas começar tudo de novo era precisamente o que
não queria fazer (João 3:3>.
Ou pensemos então no jovem rico que foi a Jesus. Eu o aceito como mestre. Aceito-o como um bom mestre; e se em chamálo bom existe a insinuação de que o chamei de Deus, aceito até
mesmo isso. Que devo fazer para herdar a vida eterna? Jesus
lhe respondeu, “Vende os teus bens, dá aos pobres. . . Depois
vem, e segue-me” (Mateus 19:21). Isso era precisamente o
que ele não esperava, o que não queria aceitar.
Ou pensemos na mulher junto ao poço, a mulher de
Samaria. Aceito-o, diz ela, como Mestre. Aceito-o como
profeta. Aceito que possas dar o pronunciamento final nessa
tão discutida questão entre Judeus e Samaritanos acerca do
lugar de adoração. Devemos adorar em Jerusalém ou é suficiente adorar no Monte Gerizim? Jesus fita-a e diz, “Vai,
chama teu marido”. Isso era o que não esperava ela, e o que
tinha de reconhecer.
E’ isso o que significa defrontar-se com Jesus. Significa que
Ele estende sua mão sobre as áreas da nossa vida que ainda não
estão sob seu controle, e que nelas procura dominar.
Todos conhecemos o quadro do Cristo ressurreto batendo
à porta fechada da alma; mas não nos esqueçamos, propensos a esquecer como somos, de que o bater continua enquanto uma porta sequer permaneça fechada. Na vida da
maioria de nós o portão do jardim está aberto, portanto,
Jesus não está batendo ali. A porta de entrada está aberta,
e Jesus também não está batendo ali. E’ talvez a porta do
quarto que está fechada e é ali que Jesus está batendo. Ou
será talvez a porta do escritório, porta onde acalentamos
nossas ambições e planejamos nosso futuro. Sabemos, cada
24
um para si mesmo, exatamente onde o Mestre está batendo,
e sabemos também exatamente porque ainda não lhe abrimos a porta. Mas lembremo-nos de que, se bem que possamos nos recusar a abrir, e possamos rejeitar suas afirmações, uma coisa não podemos fazer: escapar-lhe. O fato
permanece: é impossível escapar-se a Cristo. Ele mantém o
cerco de nossa alma, batendo, batendo, batendo, persistente e pacientemente batendo, até que todas as portas se abrem
e todas as áreas da vida são entregues ao seu domínio.
Uma coisa mais deve ser dita em relação a essa experiência, que embora Jesus bata e bata pacientemente, Ele apenas
espera até que a chave dê volta na fechadura, porque então
Ele força a entrada. O que eu quero dizer é que, se por algum
tempo podemos recusar-nos a dar atenção a esse bater, ele
finalmente começa a tomar conta dos nossos nervos, até que,
em completo desespero e incapazes de resistir por mais tempo, damos volta à chave. Se Jesus esperasse até que
escancarássemos a porta, talvez esperasse em vão pois poderíamos fechá-la de novo. O que ele faz na abundância de Sua
graça, é empurrar a porta para traz uma vez aberta a fechadura, entrar e assumir a direção inteira da casa.
Aquela Sua parábola em que a Si mesmo se representa
como o ladrão que entra na casa, subjuga o dono e toma
posse, ilustra Sua entrada em nossas vidas. Que terrível experiência! Sim. E’ terrível cair-se nas mãos do Deus vivo,
mas é terrível somente até cairmos.
Jesus pede a posse integral. Pode ele tê-la? Será que lhe
permitiremos isso? Temos de fazê-lo. Na luz de Cristo tal
coisa é exigida pela própria urgência da situação mundial,
pela nossa própria situação e pelas tarefas mesmas que nos
aguardam.
Há tarefas a realizar, ações a praticar, há injustiças a eliminar e almas a salvar. Cristo quer homens. Viver num mundo em que Jesus vive ressurreto é viver num mundo em
que Jesus está em atividade.
25
II
O MUNDO
Evangelizar é proclamar um fato e convidar para
um encontro. Esta foi nossa definição e nesses termos
procuramos entender tanto a importância do fato quanto a natureza do encontro. Não é necessário ressaltar
que só pode tornar-se evangelista aquele em cuja vida
tal fato e tal encontro já se tornaram realidades
determinantes de sua própria experiência cristã.
Evangelizar não é ter um programa, é ser cristão.
“Aquele que tem o Filho tem a vida”.
Voltemo-nos agora para a consideração do mundo
ao qual vem o Evangelho. A teologia da evangelização
precisa necessariamente levar em conta a natureza
intrínseca da vida humana, a situação ã qual se dirige
o Evangelho. Para tanto tomaremos as tentações de
Jesus por material do nosso estudo básico, pois aí podemos encontrar a legítima avaliação da natureza das
necessidades humanas. Então perseguiremos com um
estudo do modo como Jesus encarou a tarefa do seu
próprio ministério.
1. Se Tu és o Filho
“E depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites,
teve fome. Então o tentador, aproximando-se, lhe disse -Se
és Filho de Deus. . . Jesus, porém, respondeu: . . . Não
tentarás o Senhor teu Deus. Levou-o ainda o diabo. . . e lhe
disse. . . se, prostrado, me adorares. Então Jesus lhe ordenou: Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a Ele darás culto”
(Mat. 4:2-10).
26
“Tu és o meu Filho Amado” - estas palavras constituem a
missão de Jesus (Marcos 1:11). Sua era a tarefa de ser o
Filho. Profetas haviam sido chamados por Deus e a eles tinha sido confiada a proclamação de uma mensagem, líderes
haviam sido levantados por Deus e a eles fora confiada a
realização de um trabalho e, em todos esses casos, sua mensagem e seu trabalho eram maiores do que eles. Mas no caso
de Jesus, Ele próprio era a mensagem: sua incumbência era
ser o Filho. Ele é chamado a concretizar um fato, não apenas a realizar um trabalho.
Elemento básico de todo o problema humano é a natureza
do próprio homem; e é neste terreno do pensamento do homem sobre si mesmo que o pecado construiu sua cidadela.
Basta que um homem se conheça a si mesmo como realmente é e a cidadela está capturada, a luta com o pecado dai em
diante é apenas nas fronteiras da alma. Quarenta dias antes
havia sido declarado, “Tu és o meu Filho amado”. Agora,
quarenta dias mais tarde, a pergunta é feita, implicitamente, “Se és Filho. . .” Não é necessário certificar-se alguém
da sua própria filiação pondo-a à prova e descobrindo sua
realidade? Ou, se alguém já está seguro, qual é a vantagem
dessa filiação se não se pode valer dela quando tem fome?
Usá-la, prová-la, forçar Deus a agir em seu favor. A resposta
de Jesus foi: Não. Deus havia falado e isso era suficiente.
Este mundo não é o Meu lar, pão não é a Minha comida, o
homem vive pela palavra de Deus.
Assim viveu Jesus. Faminto ou farto, rejeitado ou aceito, entre o aplauso da multidão ou sozinho, ele mostrou ser
Q Filho de Deus. O demônio “apartou-se dele até momento
oportuno” diz o Evangelho (Lucas 4:13). E o momento oportuno veio quando Jesus estava dependurado no madeiro: “Se
és Filho de Deus”, disse o demônio, “desce...” (Mat. 27:40>.
“Então Jesus clamou em alta voz: Pai, nas tuas mãos entrego
o meu espírito!” (Luc. 23:46).
O fato primordial da existência humana ao qual o Evangelho se dirige é a falta de fé do homem na sua própria dignida27
de essencial, sua tendência em ser e sua satisfação em fazer
parte da multidão, simples peça de uma máquina, simples
unidade de uma grande massa. Tantas pessoas se converteram ao Cristianismo, lá foi dito, pela proclamação de Gênesis
1:1 como pela proclamação de João 3:16: pela proclamação
de Deus como Criador como pela proclamação de Deus como
Redentor. No Evangelho ambas andam juntas, pois o Evangelho é a palavra de Deus ao homem declarando-o criatura sua e
reclamando-o como filho seu. O que ouviu e respondeu ao
Evangelho passou pela experiência de ficar à parte dos seus
semelhantes e a sós com Deus, onde foi considerado de per si,
onde Deus o chamou pelo nome e o reclamou como Seu filho.
Certo ministro visitava um membro de sua igreja. Havia
muitas crianças na casa. O ministro perguntou à mãe:
“Quantos filhos a senhora tem?” A mãe começou a contar
pelos dedos: “João, Lúcia, Maria -” O ministro interrompeua: “Não quero saber os seus nomes, só o total”. A mãe
replicou indignada: “Eles têm nomes, não números”. Que
grande verdade! Que grande verdade acerca de Deus e nós.
“Chamei-te pelo nome”, diz Ele, “tu és meu” (Is. 43:1) Não
são dois pardais vendidos por um asse? Mas se gastardes dois
asses não recebereis quatro pardais e um extra? Na verdade, disse Jesus, até mesmo esse pardal que não tem valor
algum para o vendedor não cai sem o conhecimento de vosso
Pai. Não sois vós de muito mais valor que muitos pardais?
(Mat. 10:29,3~ ; Luc. 12:6>. “Se és Filho de Deus. . ~ - não
há “se” nós somos.
Para aqueles que tomaram posse dessa filiação pelo Evangelho, esse mesmo Evangelho se torna daí em diante a Palavra pela qual vivem. O Evangelho é sua segurança contra
uma existência anônima, sua resposta ao tentador nas horas
tristes da monotonia e da rotina, quando o deserto se torna
opressivo, sua única esperança quando a hora da exaltação
espiritual passou e as necessidades elementares da vida se
fazem sentir. Este mundo não é dos homens, mas para os
homens, donde se conclui que a necessidade primordial do
28
homem é que ele próprio seja salvo e revestido de sua verdadeira dignidade.
“Quem é o homem, que dele te lembres? ou o
filho do homem, que o visites?
Fizeste-o, por um pouco, menor que os anjos, de
glória e de honra o coroaste.
Todas as coisas sujeitaste debaixo dos seus pés”.
“Agora, porém, ainda não vemos todas as coisas a ele sujeitas. Vemos, todavia, . . . Jesus...
coroado de glória e de honra por causa do sofrimento da morte . . . Porque convinha que ele . .
. conduzindo muitos filhos à glória, aperfeiçoasse por meio de sofrimentos o Autor da salvação
deles” (Hebreus 2:5-10).
Jesus é o Filho e não se envergonha de chamar-nos irmãos. Mas o Homem é apenas uma letra maiúscula na situação a que se dirige o Evangelho. A outra maiúscula é a Vida.
O homem tem de viver. O profeta Isaias compreendeu tão
bem a dolorosa aflição da luta do homem pelo pão que descreveu o dia do Senhor em termos de um grande banquete.
(Neste monte de Sião para todas as nações o Senhor dos exércitos dará um banquete de ricos manjares. . . ; e nesta montanha rasgará a mortalha da dor de toda a humanidade” (Is.
25:6,7 - Moffatt).
O banquete messiânico - essa era a tentação para Jesus, e
era tentação não porque o pão não fosse importante à vida,
mas porque o era. Não podemos viver sem pão, e o resultado é que chegamos a pensar que viver de pão é a própria
Vida. O Evangelho coloca a luta pelo pão numa perspectiva
nova e desse modo determina a forma dessa luta. “Buscai
em primeiro lugar o Seu reino e a Sua justiça, e todas estas
coisas vos serão acrescentadas” (Mat. 6:33). “Que aproveita a um homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”
(Marcos 8:36). Se o governo de Deus, e o que é direito fazer
sob esse governo, se tornarem os fatores determinantes na
vida humana, então o alimento deixará de ser motivo de
29
luta. Ele será acrescentado. Até então, porém, para enfrentar o problema de alimentar os famintos, ainda quando
os homens estão sendo concitados a aceitar as obrigações do
Reino, se fazem necessários planos de ação que dêem resultados imediatos. E, contudo, se é adotado qualquer plano
de ação que milite contra a aceitação da justiça do Reino
por parte dos homens, então o alimento terá sido providenciado à custa da própria Vida O Evangelho sublinha a necessidade de pão, e depois acrescenta-lhe um ponto de interrogação. “Nem só de pão vi verá Q homem”.
“Minha comida”, disse Jesus, “consiste em fazer a vontade
daquele que me enviou” (João 4:34). Isso é o que realmente
sustenta. Viver não é suficiente; precisamos ter Vida; e o pão
não deve ser um simples meio de conservar a vida mas um
sacramento de Vida. Para responder ao tentador Jesus remontou-se ao tempo em que Israel padecia fome no deserto e Deus
lhes deu maná. “E te humilhou, e te deixou ter fome, e te
sustentou com o maná. . . para te dar a entender que o homem
não viverá só de pão, mas de tudo o que sai da boca do Senhor
viverá o homem” (Deut. 8:3>. O Maná é pão verdadeiro, e todo
o pão deve ser olhado como maná. Não é bastante comer os
pães, é preciso vê-los como sinais (João 6:26) apontando para o
pão que verdadeiramente sustenta, o pão da Vida.
Quando Israel padeceu fome no deserto o povo desejou
voltar para o Egito. No Egito havia comida, ainda que não
houvesse liberdade. Mas Deus proibiu-os de voltar. A vida no
Egito não seria vida, era a morte; morte mais terrível do que
a morte de fato no deserto. Pois no deserto o homem pelo
menos estava a caminho da terra prometida.
O Evangelho, dirigido ao homem que está em luta com os
problemas da existência, vem a ele falando-lhe de Vida. Dá
importância à luta do homem, ao mesmo tempo que a torna
secundária. O Pão da vida já está oferecido, diz o Evangelho, é de graça, pode ser obtido agora. “O que vem a Mim
jamais terá fome, e o que crê em Mim, jamais terá sede”
(João 6:35). Portanto, a suposição inconsciente do homem de
30
que a Vida é importante por si mesma está desmentida; o pão
tem sentido como servo do verdadeiro propósito da vida, e a
luta pelo pão é despojada de sua capacidade de provocar
amargura. E’ fato que a religião é o ópio das massas; pois a
verdadeira religião realmente adormece a ânsia de vingança.
Outra realidade básica na situação humana e à qual o
Evangelho se dirige é a atitude do homem quanto ao seu
próprio esforço. O Evangelho enfrenta esta situação humana
a respeito da atitude do homem para consigo mesmo, firmando-o em sua fé como filho de Deus. O Evangelho enfrenta essa situação humana a respeito da atitude do homem
para com as suas necessidades, trazendo-lhe uma profunda
satisfação interior que condiciona todas as suas lutas. O Evangelho enfrenta a situação humana a respeito da atitude do
homem para com os seus próprios esforços, libertando-o da
trágica escravidão dos resultados.
O tentador disse a Jesus: Todos os remos do mundo e a sua
glória são meus; adora-me e tudo isso será teu! Jesus respondeu: Só Deus é o valor último, a ele adorarás e só a Ele
servirás. E’ uma tentação muito séria esta de tratar os fins a
que aspiramos como valores últimos, sacrificando tudo para
atingi-los, esquecendo que não vale a pena conseguir o que,
uma vez conseguido, não possa ser oferecido a Deus em adoração. Pedro e Judas foram ambos discípulos de Jesus. Pedro
adorou Jesus e O seguiu. Judas seguiu-o porque adorava o
ideal do Reino de Deus; um Reino, no seu entender, de libertação para Israel. Pedro seguiu a Jesus a despeito de seu
desapontamento, mas Judas traiu-o.
No encerramento da Assembléia do Conselho Mundial de
Igrejas em Amsterdã em 1948, o Secretário Geral da Assembléia fez a seguinte declaração: “Precisamos certificar-nos
de que não decidimos ter êxito. Se decidimos ter êxito, então talvez aconteça que tenhamos êxito fora dos caminhos
31
de Deus. Mas se vamos dia a dia buscando fazer a Sua vontade, então estaremos preparados para receber de Suas mãos
o êxito, se for da Sua vontade; e se Ele não o desejar, estaremos preparados para dizer humildemente -E’ da vontade de
Deus que Davi não construa o templo, mas Ele levantará
Salomão” (II Sam. 7)
A obediência cabe a nós prestar, o êxito cabe a Ele ordenar. Em última análise, não se trata do que conseguimos ou
realizamos, mas a Quem adoramos. O demônio apelou para
as palavras da profecia que falavam do estabelecimento do
Reino de Davi quando viesse o Messias (Is. 9:6). Jesus respondeu colocando essa profecia no contexto da verdadeira
relação do homem para com Deus. “Havendo-te pois o Senhor teu Deus introduzido na terra que jurou a teus pais,
Abraão, lsaac e Jacó, te daria, grandes e boas cidades que tu
não edificaste, e casas cheias de todo o bem, que tu não
plantaste, e comeres e te fartares; guarda-te, e que te não
esqueças do Senhor. . . O Senhor teu Deus temerás, e a ele
serviras...” (Deut. 6:10-13).
Numa época como a nossa quando tanto esforço humano é canalizado para a criação do Parlamento do homem,
essas palavras da Escritura a que Jesus se refere são de
valor especial. Trazem-nos a advertência contra o perigo
de transformar o “êxito” no critério dos caminhos a seguir
e dos métodos a empregar. O que adora os remos deste
mundo acha mais fácil, durante algum tempo, transformálo em propriedade sua mas. . . e depois? Precisamos nos
recordar de que, ao chegarmos à terra dos nossos sonhos,
nossa herança será o que Deus mesmo tem realizado.
Há quatro tendências no mundo de hoje.
Há as tentativas de dar sentido à vida independentemente de Deus. O existencialismo é apenas a mais conhecida
dessas tentativas. O Evangelho responde que o verdadeiro
sentido da vida reside no fato de sermos filhos de Deus.
Há as tentativas de orientar a luta do homem pelo
32
pão, à parte da fome que o homem tem de Deus. O comunismo é a mais conhecida dessas tentativas. O Evangelho responde 0que viver não é a Vida, pois a Vida é viver com Deus.
Há as tentativas para erigir uma sociedade humana que
não cometa o suicídio coletivo, que equilibre o interesse
próprio com o interesse coletivo, de modo que a humanidade fique a salvo. Estas tentativas juntas compõem o
“Internacionalismo” em todas as suas formas. O Evangelho
defronta o Internacionalismo com sua crítica final. Qual é o
fim do homem?
E, então, finalmente há as tentativas de salvar do naufrágio a paz mundial por meio de um reaviva mento religioso.
“Religionismo”, poderíamos chamar a este fenômeno. No
âmago de semelhante movimento há a tentação de usar Deus
para objetivos humanos.
Dizes que vives pela palavra de Deus, diz o tentador; aqui
está ela. Ele dará ordens aos seus anjos a teu respeito para
guardar-te e em suas mãos eles te susterão. Atira-te daqui
abaixo. Utiliza-te dessa promessa de Deus, e os homens te
seguirão para o teu Reino. Eles esperam que o Filho do Homem venha com as nuvens do céu (Dan. 7:13). Jesus respondeu: Também está escrito, não tentarás ao Senhor teu Deus.
Não dirás como disseste em Massah, quando o tentaste - Está
ou não o Senhor em nosso meio? (Deut 6:16). A palavra da
religião deve ser dirigida à Fé. Não lhe pode servir de base
nenhum argumento esmagador, não pode ser realizado nenhum milagre estarrecedor que provoque a aceitação de Deus
pelos homens. Onde a religião é usada diretamente para atingir qualquer outro fim que não seja o de despertar a obediência pela fé, ela se transforma em traição a Deus. Deus não
é uma utilidade à nossa disposição.
O Evangelho toma a vida humana e a reveste de dignidade
divina. Toma as necessidades humanas e sobre elas derrama
a luz do propósito divino. Toma o esforço humano e liberta-o
da tirania dos resultados. Toma a fé humana e a liga a Deus.
Evangelizar é trabalhar para essa finalidade.
33
2. Para Que Tenham Vida
“Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim, será salvo;
entrará e sairá e achará pastagem. O ladrão vem somente
para roubar, matar e destruir: eu vim para que tenham vida
e a tenham em abundância. Eu sou o bom pastor. O bom
pastor dá a sua vida pelas suas ovelhas. . . Ainda tenho
outras ovelhas, não deste aprisco: a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão a minha voz” (João 10:9-I6).
A vida é um todo e como tal deve ser considerada. Toda a
tentativa de dividi-ia em compartimentos termina
necessàriamente em desastre, pois a própria vida destruirá
tal tentativa. Na verdade, isso sempre tem acontecido e
estamos hoje vivendo no meio das ruínas que conquistamos
entronizando diferentes deuses para os vários setores da vida.
Um bem para o empregado e outro para o empregador, um
direito para os grandes poderes e outro para os pequenos
poderes, um padrão de vida para a raça branca e outro para
as demais, um código para o domingo e outro para os dias da
semana, uma lógica para os outros e outra para si mesmo...
Tudo isso desmoronou.
O de que o mundo necessita é de um Deus que considere
a vida como um todo, trate-a como um todo e assim a dirija;
um Deus que esteja igualmente interessado no bem de todos
os homens e nações e povos: um Deus para cuja economia
tudo que faz parte da vida é importante e para cuja orientação nenhum problema é trivial. Tem de ser um Deus
visceralmente interessado no homem como homem.
Mas isso ainda não basta. Ele precisa também de ser um
Deus do outro lado. Nenhum deus feito pelo próprio homem
pode servir para o homem. Pois é a pequenez do homem e
seu egoísmo e pecado que produziram e acentuaram os males do mundo, e não pode vir solução de um Deus que participe, ele próprio, da estatura do homem, como será o caso
se foi o homem que o criou. Deus, para ser Deus de verdade
para os homens deve ter o poder e o propósito de refazer os
homens - corpo, mente e espírito.
34
Que queremos dizer por deuses feitos por mão de homem?
Queremos, tão somente, dizer que os deuses que agem nas
vidas de muitas pessoas são deuses que elas próprias criaram. O deus de um homem é a pessoa ou coisa que o controla. Ela o controla por ser a autoridade final para seu pensamento, o padrão que regula sua conduta, o fundamento sobre o qual se baseia sua vida e o valor que determina a direção de sua vida. A pratica de referir-se aos homens e mulheres de acordo com a religião que professam, que é quase
sempre uma das religiões reconhecidas universalmente, é
frequentemente enganosa. O verdadeiro nome do deus de
uma pessoa é o da pessoa ou coisa que o possue.
No caso de alguns, seu deus é uma pessoa ou coisa. Assim,
alguns homens deixam-se dominar pelo desejo das riquezas.
Se qualquer ação lhes traz mais dinheiro, essa ação é
justificada. E’ para as riquezas que vivem, por elas trabalham penosamente. São o seu deus. Mas nem todos estão tão
unificados a ponto de serem suas vidas dedicadas a um só e
único deus. Pois a unificação é custosa, e nem todos se dispõem a pagar o preço. A maioria vive em compartimentos,
sendo os interesses dos diversos setores da vida controlados
por deuses diferentes. E os deuses desse setores estão mais
ou menos relacionados uns com os outros num sistema ideológico, sendo a relação estabelecida por uma idéia dominante. Assim, há muitos cujo plano fundamental de vida pode
ser justamente descrito como: “Negócios são negócios, religião é religião, sexo é sexo, e o que realmente tem importância é o êxito”.
Num tal sistema, os diversos deuses não serão consistentes uns com os outros, pois podem ser e são derivados de
quase toda a parte. E no entanto, precisamente por causa
dessa possibilidade de inconsistência, tal sistema serve como
um deus ideal, pois não exige o preço da integração completa; enquanto que ao mesmo tempo oferece a experiência da
integração parcial ou falsa. Em outras palavras, é precisamente o tipo de deus que os homens podem adorar e satisfazer, e ao mesmo tempo fazer o que lhes aprouver.
35
Mas nem todos vivem assim tão divididos em compartimentos. Há muitos cujas vidas são dedicadas a um único e simples
ideal. Seu deus é um deus totalitário. E no entanto, também
aqui aparece frequentemente uma grande dificuldade, pois a
menos que esse deus que tudo controla seja suficientemente
grande, não pode oferecer orientação aos homens em todos
os seus interesses; o resultado é que, ou as vidas desses homens se atrofiam até o tamanho do seu deus ou outros deuses
se apoderam dos setores que lhe escapam. Ainda quando o
deus é suficientemente grande permanece um últim9 problema: se esse deus é ou não verdadeiro. Pois, “se a luz que há
em vós são trevas, quão grandes são essas trevas!” (Mat. 6:23).
É nessa situação de deuses a competir uns com os outros, de
homens em busca de Deus, de deuses destronados e de homens
fugindo de Deus, de vidas fragmentárias e de homens em busca
da integração total, que o Evangelho de Deus em Cristo tem de
ser proclamado. Um fato solene nessa situação é também a má
vontade da parte de muitos para entregar suas vidas a Deus, a
par de uma grande tendência para dedicar suas vidas a causas
que, se bem que boas em si mesmas, fazem exigências últimas
ao homem, exigências que só cabe a Deus fazê-lo.
Parece ser verdade hoje, num sentido mais trágico ainda
talvez do que no passado, que os homens não só se afastam
do lar paterno, mas até esquecem sua localização. Alguns
parecem mesmo ter esquecido que têm Pai. Cristo veio para
anunciar a realidade do Pai, para revelar o amor do Pai e
para ser a graça redentora do Pai junto aos homens. Ele veio
a nós no país longínquo. Pagou o preço de ter-nos ido buscar
tão longe. Ele nos achou e nos constrangeu ao arrependimento. Ele nos garantiu do amor do Pai e de suas boas vindas. Ele nos levou de volta para casa.
Aos que como nós passaram por esta experiência pertence o privilégio e a responsabilidade de anunciar a realidade
e a realização de Deus em Cristo. É nossa tarefa divulgar o
oferecimento do Pai, orientar os viajantes à presença do Pai,
guiar mostrando o caminho que leva à casa do Pai.
36
Como nos poderemos desincumbir de semelhante tarefa?
Como ajudar os homens a reconhecer que Jesus é o verdadeiro Pastor de suas vidas, e que é por seu intermédio que
podem participar da plenitude da vida? Como ajudá-los a
descobrir o Cristo-Deus?
Eles não podem começar por Deus pois, para eles, clamar
por Deus é clamar pelo desconhecido: e no entanto, eles
começam por Deus, pois essa busca de Deus é o grito da alma
por um lar, e esse grito é o ponto de partida para o homem.
Os homens não conhecem a quem buscam, mas, quando o
encontram, o reconhecem. Esse é o paradoxo da busca religiosa, e é quando Jesus concretiza esse paradoxo que os homens reconhecem que ele é Deus.
Deus é a base da existência de tal modo que não faz sentido falar-se em provar a existência de Deus. Não é possível
sair-se de Deus de tal modo a torná-lo o objeto de alguma
prova. O que é possível e necessário é vir e descansar conscientemente nele. A “ansiedade” que persegue o espírito
humano é sua melhor segurança contra a possibilidade de vir
a descansar em qualquer outro lugar a não ser em Deus.
“Nossas almas permanecem sem repouso enquanto não descansarem nEle”.
Quais são, pois, as perguntas que devemos fazer ao procurarmos assinalar a importância de Jesus?
Em primeiro lugar, a pergunta a respeito do modo como
Ele encara a vida: há integridade em seu método?
Em segundo lugar a pergunta sobre a natureza de suas
relações com os homens: Ele se encontra com eles como
Senhor ou Líder?
A integridade do método:
1. Jesus encara a vida como um todo e a trata como tal.
O. modo como reagiu às tentações mostra como Ele se recusou a adotar em seu trabalho qualquer método que significasse
37
ganhar apenas a submissão parcial do indivíduo. Ele se recusou
a apelar para a satisfação das necessidades físicas, como se
recusou a aceitar um acordo ou a atingir seu alvo forçando os
homens à submissão pelo assalto às suas emoções. Ele quis usar
tão somente o método que haveria de ganhar para Deus a submissão integral do homem todo (Luc. 4:3-12).
O conceito de Jesus sobre o Reino era todo-inclusivo.
O Reino era para todos, e a única exigência para entrada
no Reino era a obediência à vontade do Rei. Essa obediência,
que era o princípio de integração para o indivíduo, era também o princípio regulador nas relações dos indivíduos uns
para com os outros. O método de Jesus para com os indivíduos produzia neles as mesmas qualidades que Jesus esperava
tivessem como cidadãos do Reino (Mat. 7:21, 12:50). Verdadeiramente disse Jesus que veio para que tivessem vida e a
tivessem em abundância, e a tivessem integralmente, plenamente (Luc. 19:9-10).
2. Jesus está igualmente preocupado com todos, e com o
bem de todos.
Vemos como ele derrubou uma a uma todas as barreiras
que existiam no seu tempo entre homem e homem, entre interesse e interesse. Ele alistou Simão, o Zelo te, como seu
discípulo, pondo à margem a diferença política (Luc. 6:15).
jantou com Zaqueu, pondo de lado a distinção social ou de
classe (Luc. 19:5). Conversou com a mulher de Samaria, pondo à margem a diferença dos sexos (João 4:27). Atendeu ao
apelo da mulher Siro-Fenícia, pondo à margem a distinção de
raça (Marc. 7:26). Elogiou a fé do Centurião, ignorando diferenças nacionais (Mat. 8:10). Foi amigo de pecadores, não
fazendo caso de discriminações vulgarizadas (Mat. 11:19). Permitiu à mulher pecadora que o tocasse, pondo à margem a
diferença de reputação (Luc. 7:39). Elogiou a pobre viúva que
deu duas moedinhas, não dando importância a distinções econômicas <Marc. 12:43). Lavou os pés dos discípulos, pondo de
lado a distinção entre servo e mestre (João 13:14). Admoestou seus discípulos por sua intolerância para com o seguidor
38
que não era do grupo dos doze, condenando a distinção
denominacional (Marc. 9:39). Tinha prazer na companhia das
crianças, pondo de lado a distinção de idades (Marc. 21:15). O
seu amor desconhecia barreiras.
O interesse pelo bem de todos verifica-se também no fato
de não haver jamais baixado seus padrões em qualquer caso,
por mais importante que fosse a pessoa em questão ou por
mais que a adesão de tais pessoas pudesse aumentar o prestígio de sua causa. Ele se interessava pelos outros, não por
si mesmo. A Nicodemos, poderoso politicamente, ele disse:
Tens de começar tudo de uma vez. Tens de nascer de novo
(João 3:3). Ao escriba, poderoso eclesiàsticamente, ele disse: Segue-me, se quiseres, mas não terás onde deitar a cabeça (Mat. 8:20). Ao homem rico, poderoso economicamente, ele disse: Tuas riquezas são a tua dificuldade, dá o que
tens aos pobres (Luc. 1 8:22). A Simão, o fariseu, poderoso
socialmente, ele disse: Amas pouco, pois buscaste o perdão
sem muito esforço e apenas nessa proporção o recebeste
(Luc. 7:47). Seu amor era sem dissimulação.
3. Jesus trata o homem pelo que ele é.
Durante a última guerra, um estudante belga que fazia
parte de um grupo de Estudo Bíblico escreveu a um amigo:
“A maior parte do tempo padecemos fome, e temos pouco que fazer. Mas formamos um grupo para estudar a Bíblia.
E’ o único livro que não mente a respeito do homem”.
De acordo com Jesus, o homem precisa de mudar a direção da sua alma: indo como vai, ele segue em direção errada
(Marcos 1:15).
De acordo com Jesus, o homem necessita da disciplina de
um desejo dominante. Como ele é, as variadas facetas de
seu caráter obedecem a seus próprios impulsos (Mat.18:8,9)
De acordo com Jesus, o homem necessita de integração.
Assim como ele é, ele é uma personalidade dividida (Mat.
6:22-24).
39
De acordo com Jesus, o homem necessita de estabilidade.
Assim como é, ele é mero resultado das circunstâncias (Marc.
4:15-19)
De acordo com Jesus, o homem necessita de renovação
de toda a sua personalidade. Como ele é, sua vida é parcial
e defeituosa (João 3:3-6).
De acordo com Jesus, o homem necessita de saúde. Como
é, está doente (Marc. 2:17).
De acordo com Jesus, o homem necessita de uma revelação de Deus vinda do próprio Deus. Como ele é, não conhece
nem pode conhecer o Pai (Mat. 11:27).
De acordo com Jesus, o homem necessita de se encontrar.
Como é, está perdido (Luc. 19:10).
De acordo com Jesus o homem necessita de ser libertado.
Como é, ele é escravo (João 8:34-36).
De acordo com Jesus o homem necessita do princípio de
relações harmoniosas com os outros homens. Como ele é, não
admite ser o guardador de seu irmão (Mat. 5:43 e seguintes).
Todas essas necessidades Jesus afirmou que ele próprio
supriria. Seu amor era o poder de Deus para a salvação.
Jesus - Senhor ou Líder?
E’ precisamente aqui que surge a questão acerca da natureza da relação entre Jesus e os homens. Afirmou ele ser
líder, ensinando aos homens a maneira de viver, ou afirmou
ele ser Senhor da vida dos homens? Na realidade, a questão
não é tanto o que Cristo afirmou ser, mas de qual era o seu
método com os homens. O problema normalmente vem à luz
numa discussão do Sermão da Montanha. “Aqui”, dizem, esta
o coração da religião cristã. Aqui estão os ensinos que os
homens têm de seguir se desejam ser cristãos”. Vejamos o
Sermão do Monte e o que ele nos diz (Mat. 5-7).
Jesus: Bem-aventurados os pobres de espírito pois deles.
Eu: Mas e eu? Quero ser pobre de espírito também, mas
quem me transformará?
40
Jesus: Bem-aventurados os mansos.
Eu: Mas como poderei tornar-me manso?
Jesus: Bem-aventurados os puros de coração.
Eu: E quem me purificará? Jesus: Sois o sal da terra.
Eu: Já perdi o meu sabor. Quero ser salgado.
Jesus: Sois a luz do mundo...
Eu: Mas eu preciso ser iluminado.
Jesus: Hipócrita, tira primeiro a viga do teu olho. .
Eu: Mas não vejo. Estou cego. Quero que alguém tire dos
meus olhos a viga.
Jesus: Sim, realmente. Sozinho não pode pôr em prática
esses ensinamentos. Mas eu os cumprirei por ti e em ti. Pede
e te será dado. Procura e acharás. Bate e abrir-se-te-á.
O Sermão do Monte é mais uma declaração do que acontece ao homem quando ele consente que Jesus se apodere
dele do que a declaração do que o homem precisa fazer para
seguir a Jesus. Naquela multidão diante da qual Jesus falava, havia muitos que desejavam ser seus discípulos. Ele era
um novo Mestre e seria emocionante segui-lo. E a estes ele
diz: “Estais dispostos a ser mansos, pacientes, perseguidos?
A voltar outra face, a andar a segunda milha? Pois é isto que
vos obrigarei a fazer se me seguirdes. Transformar-vos-ei.
Tendes de decidir se desejais ou não ser transformados”.
Havia outros naquela multidão que, ao ouvir suas palavras
descrevendo o novo homem, desejaram de todo o coração
ser assim; e a estes ele diz: “Podeis tornar-vos assim. Eu vos
farei assim. Confiai em mim”.
Mas, além desses dois grupos havia também naquela multidão de homens e de mulheres que desejavam ser assim,
mas que por vezes não se sentiam dispostos a deixar Jesus
transformá-los. “Ele é apenas o filho de um carpinteiro. Dizem até que ele não é judeu ortodoxo. . . E, além do mais,
41
se nos entregamos a ele, ele quererá mudar-nos completamente, quando somente parte do seu ideal é que aceitamos.
De qualquer modo, segui-lo-emos, mas ao nosso modo; porque afinal, segui-lo é o que importa. . .” Será mesmo? E somos
nós capazes de segui-lo confiados apenas em nós mesmos?
O Sermão do Monte levanta outro problema de extrema
importância para este nosso estudo, que é o problema dos
resultados práticos. A questão pode ser posta nos seguintes
termos:
Jesus: A menos que a vossa justiça exceda a dos escribas e
fariseus, de modo algum entrareis no Reino dos Céus.
Eu: Mas se excede, posso estar seguro do meu lugar no
Reino?
Jesus: Não, pois tua própria pergunta revela farisaísmo.
Jesus: A quem te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda.
Eu: Isso o fará desistir?
Jesus: Não necessàriamente. Mas tua preocupação não
deve ser tanto a de fazê-lo desistir mas a de não te ofenderes.
Jesus: Empresta sem esperar devolução.
Eu: Isso quer dizer que Deus me ajudará a recuperar o que
é meu?
Jesus: Não. Talvez nunca o recuperes.
Jesus: Ama os teus inimigos e faze o bem aos que te odeiam.
Eu: Isso os transformará?
Jesus: Ainda que isso não aconteça, deverás continuar a
amar.
Eu: Qual é então a razão de ser de tudo isso? Pensei que
ensinavas um caminho mais seguro e melhor, um caminho
espiritual de vida segura, de resultados certos.
42
Jesus: Não. Não me preocupo com o que chamas “resultados”. Nem tu deves preocupar-te com eles. Busca o Reino de
Deus, não o teu lugar no Reino; busca a Sua justiça e Todas
estas coisas te serão acrescentadas.
O Sermão do Monte não é uma nova técnica para alcançar
resultados, um novo método para “chegar-se lá”. Justamente porque tem sido adotado e interpretado desse modo por
Gandhiji, como o ensino de uma nova técnica e de um novo
método, que a aceitação de Jesus como Senhor ainda constitui problema na índia. “Não liguemos a planos e programas”, Jesus parece dizer, “relacionemo-nos um com o outro
primeiro. E’ contigo que me preocupo. Quero ligar-te a mim
numa nova relação a relação do homem que constrói sua
vida em mim. Não garanto resultados. Na verdade, não escaparás às tempestades e enchentes da vida. Mas uma coisa te
digo tua casa não cairá. Tua relação comigo não será
destruída. Nada nos separara.
Que dizer então das tempestades e enchentes, e de um
mundo onde elas não existam? Nunca se verá livre o mundo
de seus males? Sim e não. Pois, enquanto cada pessoa que se
alista nas fileiras de Cristo como seu discípulo é mais um a
combater as enchentes, o mundo nunca será, nem poderá
ser inofensivo aos que teimam em construir suas casas sobre
a areia.
Assim o Sermão do Monte é olhado não como um co-digo
de conduta para os homens, mas como uma declaração de
fatos que recebem validez, sentido e importância na medida
em que são reconhecidos como fatos destacados por Cristo.
Parece que a Igreja primitiva nunca pregou o Sermão do
Monte aos não-cristãos. Não se prega o Sermão do Monte nos
Atos dos Apóstolos, por exemplo, nem no Evangelho de São
Marcos, que destaca a pregação de São Pedro. O Ser-mão do
Monte era pregado somente depois que a pessoa aceitava
Jesus como Senhor. Na realidade, é mais provável que o Sermão do Monte seja ele próprio uma seleção de dizeres de
Jesus, preparado pela Igreja de Jerusalém para instruir na
43
carreira cristã àqueles que haviam sido batizados. Primeiro a
proclamação (Kerygma), depois a instrução (Didache).
O paradoxo da busca religiosa - este era o ponto de partida desta investigação do método de Jesus. Como é que Ele
encara a vida? Que exige Ele dos homens? Mas depois destas
perguntas respondidas ainda há uma indagação final:
Mostra-nos o Pai, e isso nos basta; a qual Ele responde:
“Há tanto tempo estou convosco e não me conheceis? Que
pensais do Cristo? Quem dizeis vós que Eu sou? (João 14:8,9;
Mat. 22:42; 16:15).
A descoberta de Deus pelo homem depende de sua descoberta de Jesus, e em sua resposta à pergunta que Jesus faz
está implícita a solução de suas próprias indagações a respeito de Deus. Jesus é tanto a pergunta como a resposta de
Deus aos homens.
44
III
O EVANGELISTA
Evangelizar é relacionar o Evangelho com os tormentos do mundo. Mas ao fazer isso, nenhum
evangelista pode aspirar a ser maior que seu Senhor.
“E’ bastante para o servo ser como o seu senhor”. Os
métodos que Jesus rejeitou como incompatíveis com a
sua missão, o evangelista deve rejeitar também; a questão do discipulado pessoal em que Jesus insistiu no seu
desafio, deve também ser enfatizado pelo evangelista.
Se o Evangelho fosse apenas uma verdade, poder-se-ia
falar para convencer; mas, um a vez que é a oferta de
vida, temos que procurar persuadir. Temos de levar as
pessoas à vontade de receber. Elas têm de ser levadas
a perceber a sua verdadeira necessidade.
Como é isso possível? A possibilidade esta’ com
Deus, mas nenhum cristão pode secundar essa possibilidade se não for ele próprio um cativo do poder do
Evangelho. Só uma nuvem espessa pode ser mediadora do raio. Só uma pessoa com um sentimento interior
de persuasão pode ter poder persuasório. Qual a natureza da persuasão cristã?
1. Separados para o Evangelho
“Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apostolo,
separado para o Evangelho de Deus, O qual foi por Deus outrora prometido por intermédio dos seus profetas nas Sagradas Escrituras, Com respeito a seu Filho, o qual, segundo a
carne, veio da descendência de Davi e foi poderosamente
demonstrado Filho de Deus, segundo o espírito de santidade,
pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso
45
Senhor. Por intermédio de quem viemos a receber graça e
apostolado por amor do seu nome, para a obediência por fé,
entre todos os gentios, De cujo número sois também vós,
chamados para serdes de Jesus Cristo
A todos os que estais em Roma, amados de Deus, chamados para serdes santos: Graça a vós outros e paz da parte de
Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo (Rom. 1:1-7)
Entramos numa nova era em que Jesus.é Rei. Operou-se
radical mudança dentro da própria estrutura da história.
Houve em encontro decisivo entre o príncipe deste século e
o Príncipe do século que há de vir. Um novo setor da vida nos
foi revelado, o setor da luz, o qual as trevas não podem
vencer e no qual somos convidados a entrar. Mas se tudo isso
é verdade deve provocar uma perturbação profunda no teor
da vida humana. Deve causar uma revolução nas vidas dos
que são alcançados por este Evangelho. São Paulo, nas primeiras palavras de sua carta aos Romanos, descreve essa
revolução. Ele esclarece perfeitamente qual é a situação do
cristão.
Essa carta é de São Paulo Judeu e Fariseu endereçada
aos que estão em Roma - Gentios na sua maior parte. Por que
lhes escreveria São Paulo? Porque são amados de Deus, chamados para serem homens e mulheres de Cristo. A palavra
“chamar”, que São Paulo usa, significa “chamar pelo nome”,
e fala-nos do amor de Deus por todos e para cada um individualmente. E’ importante dar ênfase a este ponto. A obrigação sob a qual estamos de amar os nossos semelhantes não é
a que nos dá o imperativo de evangelizar. O evangelista dirige-se aos que o ouvem como aqueles a quem Deus ama. O
Evangelho lhes pertence por direito. Nós somos apenas
despenseiros dos mistérios de Deus (1 Cor. 4:1). Na diocese
de Dornakal, na índia, faz parte do batismo de cada convertido colocar sua mão sobre a própria cabeça e dizer solenemente: “Ai de mim se não pregar o Evangelho” (1 Cor. 9:16).
O Evangelho é evangelho porque se destina a toda a humanidade, e a não ser que eu participe do seu alcance não estarei
46
de modo algum participando dele. E’ o amor de Deus pelos
homens que nos constrange a pregar o evangelho, transformando cada cristão num evangelista. O cristão é constrangido porque ele próprio sentiu esse amor. Deus que chamou as nações
também chamou São Paulo. E ao responder ao chamado de Deus,
São Paulo sentiu-se envolver por um chamado maior de Deus a
todos os homens. Assim é que o chamado de Deus a uma pessoa, que é a expressão do amor de Deus por ela, se transforma,
quando atendido, no chamado para o apostolado.
Um apóstolo é um emissário pessoal de Deus. Ele traz a mensagem do amor de Deus para os homens. Toda a humanidade
está, por assim di7er caminhando para Deus, buscando a Deus;
um apóstolo é o que, tendo se convertido, mudou de rumo, e
iniciou outra jornada. Ele vem de Deus para os homens.
Que mensagem traz ele? A mensagem de que Deus agiu, e
age em favor do homem; a busca do homem terminou, pois
Deus veio ao seu encontro. O próprio evangelista é a promessa desse encontro. Que Deus o achou e o enviou é em si
mesmo declaração do amor de Deus por aqueles a quem o
evangelista é enviado. Assim é que São Paulo fala em ser
“separado para o Evangelho”: ter as fronteiras de sua vida
eliminadas por esse ato de Deus. Evangelizar não é alguma
coisa que nós fazemos, mas que Deus realiza. E’ a iniciativa
do amor de Deus. O Evangelho é sempre presente na sua
conjugação. E o evangelista não é apenas o que proclama,
ele é antes o meio (o instrumento) através do qual o Evangelho se torna dinâmico. Ele é o “Shaliach” de Deus. Quando
ele age Deus é que está agindo. O Evangelho o separa e imprime à sua vida suas características distintivas.
Um dos primeiros atos de Constantino depois que se tornou Imperador, foi enviar sacerdotes à tribo dos Godos na
costa norte do Mar Negro. O chefe da tribo enviára-lhe uma
delegação explicando que uma adolescente escrava cristã,
que eles haviam capturado num ataque, os convertera. Uma
adolescente escrava - não podia haver melhor símbolo da
extrema debilidade humana: mas porque era cristã ela per47
tencia àquele setor da vida cujos limites são marcados apenas pela ação do Evangelho. Nela o mesmo poder que levantou Jesus dos mortos estava agindo, e por seu testemunho
esse poder surgiu em dinâmica atividade.
Duvidamos das conversões em massa. Elas, pensamos, não
fornecem exemplos da ação do poder de Deus. Mas como explicar que a população toda de um vilarejo, em sua grande maioria analfabeta, e portanto mais apegada ao passado, tenha se
resolvido a arrancar de seu nicho a imagem de deus da aldeia e
jogá-la no rio, como sinal de sua decisão coletiva de aceitar a
Jesus como Senhor? Não há triunfo de Cristo em qualquer lugar
que não traga consigo a marca autêntica do poder da ressurreição agindo. E’ sempre uma realização de Deus.
Mas que dizer de Constantino e da proteção estatal que
ofereceu à Igreja? Ou, se quisermos um exemplo em nos505
próprios dias, que dizer da ligação entre o Império Britânico
e as missões estrangeiras? Temos de confessar um certo desapontamento ao ver a rapidez com que alguns se dispõem a
admitir erros e a pedir desculpas ao mundo pela maneira
como Deus se tem utilizado da história humana.
Por que não podemos nós ver o poder de Deus manipulando os acontecimentos do mundo, como o fizeram os historiadores do Velho Testamento? Se Deus se utilizou de
Constantino isso não é justificação para Constantino. Se Deus
se utilizou do Império Britânico, por que seria isso de certo
modo infamante para Deus? A tarefa de evangelizar exige
que marchemos com Deus, que é ao mesmo tempo Senhor da
história e Senhor da Sua Igreja.
Estar separado para o Evangelho é ter a atividade de sua
vida determinada pela operação do Evangelho, pela ação de
Deus, aonde e como quer que Ele esteja agindo. De tal modo
que o primeiro requisito do evangelista é estar ele próprio
envolvido nessa ação de Deus. Voltamos assim ao tema de
São Paulo, e sua terceira palavra de ênfase: chamado apóstolo escravo. Evangelizar não é serviço optativo para o cristão. Não somos servos, mas escravos. Pertencemos à economia divina. Nossa vida não é nossa.
48
Como chegar a essa experiência de escravização? São Paulo
alcançou-a na estrada de Damasco quando Jesus lhe apareceu e lhe falou, dizendo: “Saulo, Saulo, por que me persegues?. . . Eu sou Jesus a quem tu persegues” (Atos 9:4,5).
Essa experiência de São Paulo não é comum, mas a carga
dessa experiência é a de toda a experiência de decisão por
Cristo. Compreende o reconhecimento de que Jesus morreu
por mim e que meus pecados causaram Sua morte. O chamado de Deus que me atingiu veio dos lábios d’Aquele que
eu persegui e neguei.
“Estavas lá quando crucificaram meu Senhor?” (1) Eu estava lá. Posso ver-me em cada personagem daquele drama.
Estava lá em Caifaz, que preferiu salvar a nação deixando
Cristo perecer. Estava lá em Nicodemos, que não quis arriscar sua posição no Sinédrio por causa de Jesus. Estava lá em
Pedro, que amava mas não estava preparado. Estava lá em
Judas, que seguiu a Jesus mas procurou dobrá-lo aos seus
próprios interesses. Estava lá em Herodes, indiferente. Estava lá em Pila tos, que teve medo. Estava lá entre a multidão vacilante. Fui um daqueles soldados que, simplesmente, cumpriram o seu dever.
Sei que sou culpado de sua morte. “Este Jesus a Quem
vós crucificastes” - (Atos 2:36) estas foram as palavras com
que São Pedro enfrentou seu auditório no primeiro dia em
que a Igreja proclamava o Evangelho; e essas palavras eram
verdadeiras. E foi só quando as reconheci como verdadeiras
a meu respeito que percebi o sentido do amor de Jesus. Ele
me amou e recusou-se a abandonar-me ainda quando eu O
assassinei. Agora, minha vida é espalhar por toda a parte
essa mensagem do seu amor.
Ó deixa que teu amor meu coração constranja
Teu amor gratuito por todo o pecador,
Que todas as almas decaídas
Possam provar da graça que me achou;
Que toda a humanidade comigo possa provar
Do Teu soberano e sempiterno amor.
(Quer Jesus que morra o pecador?, de Carlos Wesley)
49
De semelhante modo constitui-se o evangelista através de
uma experiência semelhante chega ele à compreensão de
que e um escravo de Cristo. Não é um criado negociando por
ordenado os seus serviços; é um escravo vivendo da generosidade de seu senhor e servindo à economia do seu mestre.
(O pecado paga salário, Deus concede dores, Rom. 6:23).
Ele tem apenas um encargo recomendar a liberdade de sua
escravidão aos que não a conhecem, evidenciar a alegria
que advém do viver dentro da servidão deste Evangelho,
ampliar a zona de influência do seu Senhor. E~ por esta razão
que São Paulo associa graça e apostolado. Pois o apostolado
é impossível quando não apoiado pela graça. O missionário
não tem mérito próprio, foi o amor de Deus que o achou: ele
pode assim recomendar aos outros esse amor. Ele pode desempenhar sua tarefa como apostolo e testemunha da graça
de Deus, pois vive dela. Ele estivera à margem da estrada,
desempregado. Ninguém o aceitava. O Senhor, que o encontrou ~ que o pôs a trabalhar na sua vinha, o fez pela
bondade de Seu coração. A graça o empregou e essa mesma
graça é que o sustenta enquanto ele trabalha.
A graça nos fez apóstolos, a graça nos mantém nesse
apostolado. De outro modo, desesperaríamos de conseguir alguma coisa. Pois, considerai a tarefa à nossa frente -a tarefa de
chamar homens de Todas as nações à obediência que emana da
fé. A fé é a resposta do homem ao amor de Deus. E’ aprender
a depender da fidelidade de Deus, da capacidade de Deus. E
porque o amor despertou a fé, a fé produz a obediência. “Se
alguém me ama, guardará a minha palavra” (João 14:23). Nossa tarefa como evangelistas é sermos mediadores do amor de
Deus, de modo a despertar a fé. Não é nossa tarefa, por exemplo, convidar os homens a obedecer, ensinar-lhes a conduta
cristã. A vida cristã é a que vivemos por nos havermos tornado
cristãos. A obediência é gratidão pela graça.
As boas novas, então, são estas: que Jesus é o Filho de
Deus. Humanamente falando Ele teve ascendência histórica.
Mas a história não o produziu. Ele foi estrangeiro aqui. Chegou, aquele cuja vinda a profecia havia descrito, e que no
50
fim se diferenciou pelo fato de haver ressuscitado dos mortos. Essa ressurreição agora marca a fronteira do cristão.
Aqui, onde se encontram a vida e a morte, e onde a vida
triunfa, o cristão é alcançado e preso pelo chamado da graça. Aqui é exercida a autoridade que Jesus concedeu quando se manifestou como Filho de Deus, e aqui o cristão encontra o poder operante que é o do século que há de vir.
Seu chamado nos traz a esta fronteira, sua graça nos mantém aqui, e aqui sua paz monta guarda.
2. Queremos Ver o Jesus
Alguns Gregos. . . se dirigiram a Filipe. . . e lhe rogaram:
Senhor, queremos ver a Jesus. . . E André e Filipe a comunicaram a Jesus. Respondeu-lhes Jesus. . . Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, produz
muito fruto . . . Chegou o momento de ser julgado este mundo,
e agora o seu príncipe será expulso; e eu, se for levantado da
terra, atrairei todos a mim mesmo” (João 12:20-32).
“Este recebe pecadores e come com eles” murmuravam
os fariseus e os escribas, pelo que Jesus lhes propôs três
parábolas (Luc. 15:2). Estas parábolas dão a descrição clássica do que é evangelizar. Um homem tinha um rebanho de
100 ovelhas das quais uma se perdeu. A ovelha perdida tem
de ser encontrada e restituída ao rebanho. Certa mulher tinha um colar de dez moedas, das quais uma se perdeu. A
moeda perdida deve ser achada e restituída ao colar. Um
homem tinha dois filhos, mas seu lar estava desfeito. Ambos
os filhos deviam ser ganhos e restituídos ao lar.
A reaquisição da integridade - esse é o propósito da
evangelização, trazer de volta o que se havia perdido e
reconduzi-lo ao seu verdadeiro lugar na economia de Deus.
Pois Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho,
para que ninguém pereça e se torne inútil, mas para que
tudo e todos possam encontrar sua verdadeira utilidade dentro dos propósitos de Deus (João 3:16). O Evangelho tem de
51
ser pregado a toda a criação, pois é isso o que é o Evangelho.
E’ a mensagem de Deus à criação como um todo, é a Sua
maneira de trazer harmonia à criação (Marcos 6:1 5; Col.
1:23). Toda a atividade, pois, que concorra para realizar
esta harmonia está dentro do significado da palavra
“evangelizar”. Faz parte da ação de Deus. A escola, o hospital, o centro rural, o laboratório: esses todos são meios
através dos quais Deus está procurando trazer integridade à
vida. Não menos significativos são os meios que ele adota
através daqueles a quem concedeu poder. Por meio deles é
que Ele consegue governos tais que forneçam as condições
necessárias à propagação do Evangelho (1 Tim 2:1-4), e por
meio deles também Ele leva a cabo acontecimentos que executam Sua sentença contra o pecado (Luc.19:41-44>.
É uma verdade que temos a tendência a esquecer que o
Deus de que fala a Bíblia é um Deus que está agindo no mundo de hoje. “Deus fez o mundo em seis dias e descansou no
Sábado, também tu, portanto, deves descansar no Sábado”,
os fariseus disseram a Jesus. Mas para Jesus, o trabalho da
criação não estava terminado: “Meu Pai trabalha até agora,
e eu trabalho também” (João 5:17). Quando Deus descansar,
Jesus descansará também. O Sábado não é em memória de
ter Deus descansado, é antes uma antecipação da esperança
do descanso de Deus - daquele Sábado quando o trabalho da
criação estará completado e a harmonia integral da criação
terá sido conseguida (Heb. 4:9).
Esta obra de Deus é o tema da Bíblia e é apresentado sob
três aspectos.
Há o aspecto de toda a criação considerada como um todo.
No principio fez Deus o céu e a terra, e no fim Ele fará surgir
um novo céu e uma nova terra (Gên. 1:1, Apoc. 21:1).
Há o aspecto da vida dos povos, da comunidade. No princípio, Deus chamou Abraão para que nele fossem abençoados todos os povos da terra; no fim, a glória e a honra dos
povos será trazida a São (Gên. 12:3; Apoc. 21:26).
52
E por fim, há o aspecto da vida individual. No principio,
Deus andou com Adão no jardim; no fim, Deus estará no
meio de seus filhos, como anfitrião dos redimidos (Gên.
3:8; Apoc. 21:3).
Este movimento total que Deus inicia e ao qual empresta
o Seu poder, é Q movimento da evangelização, o movimento
da atividade redentora de Deus no mundo. E é desse movimento que somos convidados a participar, quando 50mos separados para o Evangelho. Nossa parte individual tem seu
lugar dentro do drama total, nossa tarefa particular tem de
ser compreendida em termos do todo. Qual é essa parte ou
essa tarefa? A resposta pode ser resumida mais uma vez em
termos dos três aspectos já citados.
No aspecto da criação como um todo, evangelizar
cristãmente inclui toda a atividade exercida por cristãos.
Onde o cristão se encontra em seu trabalho normal diário,
ali é a fronteira onde o Evangelho se defronta com o mundo.
No aspecto da comunidade, evangelizar cristãmente compreende tornar visível no mundo, e tornar operante, aquela
comunidade que rompe Todas as barreiras e na qual a integridade do futuro já está em parte realizada. É a Igreja.
No aspecto do individuo, evangelizar cristãmente compreende levar a efeito aquela aproximação entre Deus e o
homem, que o porá em contacto com a atividade redentora
de Deus. Consideremos isso mais pormenorizadamente.
A Fronteira Cristã
Se a vida no seu todo pertence a Deus, então o Evangelho
cristão tem importância não só em relação à vida interior do
cristão, mas também em relação ao seu trabalho exterior. O
cristão é chamado não só a ser um cristão que é advogado,
ou médico, ou político, ou homem de negócios.
mas a
proceder como cristão em sua profissão de homem de negócios, de político, de médico, de advogado, etc. A fé Cristã
53
tem de se introduzir no mundo e suas atividades, e é onde o
leigo cristão estiver que isso se deve realizar. A evangelização
espera hoje o cumprimento em muito maior escala das funções do cristão leigo. A Igreja é um corpo sacerdotal ela é o
instrumento que traz o poder e a presença de Deus ao mundo,
tarefa essa em que cada um de seus membros tem sua parte.
O Instituto Ecumênico do Conselho Mundial de Igrejas,
com sede em Genebra, foi fundado para dar ênfase a este
aspecto da tarefa evangelizadora e para ajudar em sua realização. Ele reúne, periodicamente, homens e mulheres da
mesma profissão para que possam buscar juntos um entendimento comum da importância da fé Cristã para o seu trabalho. Em que é importante no trabalho do advogado cristão o
conceito cristão da Justiça? ou a concepção Cristã de personalidade para o médico cristão? ou a concepção Cristã da
História para o trabalho do político cristão? ou a concepção
Cristã de comunidade para o trabalho do negociante cristão?. . . Quando os leigos cristãos são capazes de transformar o seu trabalho diário em trabalho cristão, então acontecerá a maior revolução de todos os tempos. O fermento
tem de estar escondido dentro do pão para que toda a massa
seja levedada (Luc. 13:4).
É essa também, especificamente, a importância
evangelizadora de instituições da comunidade Cristã tais como
escolas, hospitais, centros rurais, e assim por diante. Não
são elas apenas instrumentos de serviço, nem apenas meios
de estabelecer contacto evangelizador entre a Igreja e a
comunidade em geral; elas são essencialmente parcela resultante do contacto do Evangelho com o mundo. Nos países
de igrejas há muito estabelecidas, onde a cultura geral mergulha suas raízes na tradição Cristã, a tarefa da Igreja, normalmente, é a de manter e fortalecer essa ligação de tal
modo que o próprio estado possa dirigir a maioria das instituições necessárias à comunidade: a maioria, mas não todas
- pois a Igreja nunca deve consentir no monopólio estatal
nesse campo. Nos países de igrejas jovens, contudo, o problema é inverso. Aqui, só a Igreja é capaz de dirigir as institui54
ções da comunidade que representam forçosamente o resultado do contacto do Evangelho com o mundo. Naturalmente, com o tempo, a cultura de um país não cristão também
poderá ser penetrada pelo ponto de vista cristão, de tal modo
que a Igreja possa concentrar parte de suas energias em prover pessoal cristão para trabalhar em instituições do estado.
A finalidade desta discussão, no entanto, não é lidar com
as relações entre a Igreja e o Estado, mas antes dar ênfase à
razão por que uma instituição da comunidade cristã é uma
agência evangelizadora. E’ agência evangelizadora em seu
próprio direito, como algo que a Igreja tem de fazer, porque
é a Igreja no mundo. Uma escola Cristã, por exemplo, é
mais do que um estabelecimento de educação. E’ mais do
que o meio de entrar em contacto com o povo ao qual queremos apresentar Cristo. E’ mais do que o instrumento para
prover a educação de crianças cristãs. Uma escola é um
aspecto da vida do mundo, e esse aspecto a Igreja precisa
trazer para o domínio e obediência a Cristo <II Cor. 10:5).
Essa é a função da escola Cristã.
Diz-se que um chefe africano definiu o problema da educação cristã como sendo semelhante à caça do marfim. ‘“Saise à caça do marfim”, disse ele, “e percebe-se que há sempre um elefante atrás do dente”. E’ esse exatamente o problema da fronteira Cristã. Começamos por educar pessoas
na fé Cristã, e verificamos que precisamos educá-la para a
vida como um todo. E’ o problema de lidar-se com o elefante no processo de conseguir-se o marfim.
A Comunidade Cristã
A vida da comunidade Cristã como tal, é e deveria ser um
fato evangelizador. Deveria ser simultaneamente uma demonstração ao mundo do que o Evangelho realiza e um instrumento para a propagação do próprio Evangelho. A Bíblia
fala da Igreja como instrumento do Reino e também como
sua amostra. São Paulo, descrevendo o ato central da vida
55
da Igreja, e o ato pelo qual vive, condensa três verdades
numa só frase: “Pois ao comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor até que ele venha!”
(1 Cor. 11:26). A Igreja vive da participação da vida de Cristo. O ato sacramental dessa participação é um testemunho
ao mundo da morte de Cristo. Esse testemunho aponta para
além da Sua morte, para a Sua nova vinda.
Essa ligação entre vida, adoração e testemunho da Igreja
é essencial, e uma das razões da fraqueza da evangelização
da Igreja é que essa ligação não é evidente para o mundo.
Participação da vida de Cristo não parece ter resultado em
testemunho da morte de Cristo em favor dos homens. O
cristão parece pouco desejoso ou mesmo incapaz de dizer:
“Agora me regozijo nos meus sofrimentos por vossa causa, e
na minha carne completo o que resta das aflições de Cristo
em favor do seu corpo, isto é, a Igreja” (Col.1:24).
Também o testemunho da morte de Cristo, quando apresentado, parece muitas vezes despido daquela alegria da
esperança de Sua nova vinda. O ato central da Igreja é orientado em direção a um acontecimento passado - a última
ceia no cenáculo; é orientado também em direção a um acontecimento futuro - o banquete de núpcias do Cordeiro (Apoc.
19:9). Há necessidade de tornar explícito ao mundo esta
comunidade, que, pela natureza de sua própria existência,
testemunha um acontecimento passado como o centro da
história, e testemunha a certeza de um acontecimento futuro no qual e através do qual a história culminará. A comunidade Cristã alicerça a história humana nesses dois acontecimentos, e o alicerce é a maior necessidade do mundo atual.
Outro aspecto do valor evangelizador da comunidade cristã
é que sua vida deve ser o novo vinho do reino de Deus em
expansão. Tem sido conseqüência necessária que cada vez
que esse vinho é posto em odres velhos eles se arrebentam.
Há 1 50 anos atrás as missões começavam a entrar na Ásia
em grande número; agora, 150 anos depois, os velhos odres
da Ásia arrebentam e a Ásia está na iminência de criar novas
56
formas para a sua vida. Hoje as missões cristãs estão entrando em grande número na África; amanhã as algemas que
ainda tolhem a África se romperão. O novo vinho romperá
com os odres velhos. Assim será, porque não pode deixar de
ser (Apoc. 11:1-18; cf. Mat. 9:17).
A comunidade Cristã representa, onde quer que esteja no
mundo, a soberania de outro Rei. E’ sempre uma paróquia,
um grupo dos que são “paroikoi” -estrangeiros (1 Pedro 2:11),
cujo único e dominante propósito é aumentar a zona de influência do seu Rei. “Somos colônia do céu”, disse São Paulo, dando ênfase ao fato de que a comunidade Cristã deve
viver inconformada com este mundo, e recomendando pela
sua vida, aos que lhe são vizinhos, a vida de sua pátria (Filip.
3:20; Rom. 12:2).
O Individuo Cristão
No âmago da vida da Igreja há os dois sacramentos de
nosso Senhor. O sacramento da Santa Comunhão que é sempre celebrado no plural - “o Corpo de nosso Senhor Jesus
Cristo que foi quebrado por vós”. Nele o indivíduo cristão
vem ao seu Senhor, não sozinho, mas como membro da família. O sacramento do Santo Batismo, no entanto, é sempre
singular - “Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Aqui o indivíduo está só, chamado pelo nome, e
incorporado a Cristo e ao seu corpo.
A importância do singular, contudo, tende a ser esquecida
na prática, especialmente à proporção que a Igreja cristã de
um determinado lugar envelhece. As crianças nascem em
lares cristãos, são batizadas, crescem nos ensinamentos do
Senhor. . Até ai tudo bem, mas! Tenho dois filhos. Confio
em que estão crescendo num lar cristão. Mas sei que algum
dia eles terão de dar sua resposta pessoal a Jesus. Como virá
o dia do encontro, não sei. Apenas ora para que sua mãe e eu
possamos ensiná-los acerca de Jesus e guiá-los em suas relações com ele, para que quando Jesus vier’ a eles com Sua
57
pretensão de discipulado consciente, eles possam, cada um,
reconhecê-lo e dizer alegremente: “Sim”. Esse encontro
pode realizar-se com ou sem grande perturbação emocional,
pode até mesmo não ser um acontecimento isolado, mas o
amadurecimento de uma convivência de anos e anos: mas
qualquer que seja sua forma, a sua qualidade interior perante Jesus é a mesma-é a experiência de estar só, despido de
qualquer disfarce, de ser abalado por Sua presença e
ressegurado pelo seu perdão de amor. E’ a experiência do
Eu diante do Tu. Quanto mais morais os meus filhos forem,
tanto mais difícil lhes será ter a consciência do pecado, mas
Jesus é Quem resolve isso. Ele é Quem converte.
“Porfia pela vossa própria salvação”, disse São Paulo; é
isso que é evangelizar E’ receber a salvação nesse encontro
com Jesus, c’e que falamos, e então trabalhar pela nossa
salvação” com temor e tremor; pois Deus opera em nós, tanto para o querer como o trabalhar ao seu prazer (Filip.
2:12,13). Evangelizar é a manifestação exterior de um processo interior.
Há os que concebem a vida Cristã como o afastamento
gradual do mundo. “Misticismo” é sua palavra chave. Querem integrar-se na consciência da presença divina. Aqui não
há obra externa, mas tão somente interna. Bàsicamente,
semelhante ideal é anticristão. O ideal cristão é de “filiação”,
de fazer a vontade do Pai. O Sadhu Sundar Singh, quando
estava na Inglaterra escreveu aos seus amigos na índia dizendo: “Orai por mim, pois me sinto desesperada-mente tentado. Preferiria passar todo o tempo em oração do que sair
para cumprir meus compromissos”. Pedro não sabia á que
dizia quando sugeriu a Jesus: “façamos aqui três
tabernáculos” (Luc. 9:33>.
E há também os que preferem mergulhar em atividades,
dirigindo programas e planos para um mundo melhor. A nossa
época necessita desesperadamente daqueles que são fortes
porque são humildes, e que são humildes porque na sua vida
interior já foram quebrantados diante de Deus. O que o
58
mundo enfrenta são as conseqüências de uma liderança que
é cruel porque não é forte. Um filósofo pagão mo demo
disse que necessitamos hoje de reaver o sentido da religiosidade cósmica. Realmente ele pede coisa bem mais simples.
O de que necessitamos hoje é de um senso de humildade
espiritual. A Igreja precisa produzir homens e mulheres que
tenham estado na presença de Deus.
Começamos esta discussão com a definição de
evangelização como a participação da atividade de Deus e
chegamos ao final de nosso estudo com a definição de
evangelização, como a resposta às necessidades do mundo
dada por aqueles que se tenham encontrado com Jesus.
Recomendar a Jesus, levantá-lo para que os homens sejam a
Ele atraídos -esse é o centro da tarefa evangelizadora. “Senhor, queremos ver a Jesus”, perguntam-nos, como os Gregos a Filipe, e é a essa pergunta que, em última análise,
precisamos de responder. O mundo precisa de todas as formas da atividade cristã, mas nenhuma atividade pode tomar
o lugar do próprio Cristo. Diz-se de Lord Tennyson que, visitando uma aldeia no condado de Lincolnshire hospedou-se
na casa de dois humildes metodistas. Chegou, e ao cumprimentar sua anfitriã perguntou: “Então, quais as novidades?”
Ao que ela retrucou: “Que eu saiba, senhor, só há uma novidade, a nova de que Cristo morreu por todos os homens”. O
poeta respondeu: “Sim, esta é novidade antiga, e boa nova,
e nova recente também”. Esta é a notícia que tem de ser
compartilhada por todos os homens.
“Nossos pais ficaram impressionados”, disse o relatório
da Conferência Missionária Mundial de Jerusalém”, com o
horror de morrerem homens sem conhecerem a
Cristo.Também estamos impressionados com o horror dos homens viverem sem Ele”. Estamos realmente? Um pastor do
sul da índia visitava alguns cristãos pobres da sua paróquia.
Ele viu que, devido à forte chuva da véspera, a maioria das
cabanas estava em ruínas e o próximo lugarejo era todo um
lamaçal. Que diria ele àquela gente em tais condições? Parecia ironia falar-lhes de um Deus cheio de cuidados. Então
59
lhe apareceu à porta de uma das cabanas uma velha, e ele a
saudou dizendo: “Amma! Vocês parecem estar em grande
aflição aqui”. Ao que ela respondeu: “Sim, Ayya! E não fora
por Yesu Swamy (o Senhor Jesus) não seríamos capazes de
suportá-la”.
Não é mera hipócrita ladainha - isto de falarmos de Cristo
como a necessidade do mundo.
E’ uma realidade
desesperadora. Só a Ele as circunstâncias não alteram, nem
o mundo rouba; e por Ele o mundo espera: “Yesu Swamy”,
murmura em anelante aspiração. Podemos nós fazer alguma
coisa para atender a essa necessidade urgente?
60
IV
A IGREJA
A Evangelização é a atividade salvadora de Deus. Eis
uma definição total. A evangelização resulta do contacto
do Evangelho com o mundo. Eis uma definição em termos do âmbito de atividade. Evangelizar é ir de encontro à necessidade que o mundo tem de Jesus. Este é o
ponto central. Mas onde encontrar a Jesus? Ele é encontrado onde está trabalhando, e Ele está trabalhando de
modo evidente na Igreja. A Igreja é o seu corpo.
Tentamos entender a compulsão exercida sobre o
evangelista ao considerarmos a natureza do chamado
que o constituiu como tal. Tentamos também entender a significação da sua tarefa considerando como
um todo o movimento a que a sua tarefa pertence.
Devemos agora procurar ir mais longe e penetrar na
realidade da vida e função da Igreja da qual o
evangelista é membro, e cuja natureza o fez
evangelista. A Igreja não é apenas instrumento do Evangelho, mas é parte do próprio Evangelho.
1. A Promessa Da Nossa Herança
“Louvado seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo,
que nos abençoou em Cristo. . . antes da fundação do mundo
. . . Nele temos nossa redenção pelo seu sangue, o perdão de
nossos pecados, de acordo com a abundância de sua graça .
. . Nele vós também que tendes ouvido a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, e nele tendes crido, fostes
selados com a promessa do Espírito Santo” (Ef. 1:3-13).
61
Com estas palavras, São Paulo nos dá uma definição da
Igreja que relaciona a sua natureza com a atividade do Deus
Triuno.
A Igreja é o resultado do chamado de Deus.
A Igreja é a sociedade onde os processos restauradores de
Cristo estão operando.
A Igreja é a habitação do Espírito Santo, o agente do poder de Deus no mundo.
O Chamado de Deus
A Igreja surge em qualquer lugar pela simples razão de
que a Igreja já estava ali no chamado de Deus. A Igreja não
é formada pelos que ouvem o chamado e se juntam para
formá-la; antes, o próprio chamado reúne os que a ele respondem. A Igreja não é uma associação dos que são chamados, pois a própria associação é motivada pelo chamado.
Na história do Éden, as primeiras palavras que Deus dirige
ao homem pecador são: “Adão, onde estás?” (Gên. 3:9). E’
mais do que uma pergunta. Há nessa frase um soluço. E’ o
lamento de Deus diante do pecado do homem. Lamento esse
que frequentemente ressoa na Bíblia:
“O boi conhece seu possuidor, e o jumento a manjedoura
do seu dono; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo
não entende” (Is. 1:3).
“Como te deixaria, ó Ephraim?
Como te entregaria, ó Israel?.
Está mudado em mim o meu coração, Todos os meus pesares juntamente estão acesos”. Oséias 11:8.
“Ó Jerusalém, Jerusalém’ Quantas vezes quis reunir teus
filhos como a galinha recolhe os pintinhos sob as asas, e não
o quisestes” (Lucas 13:34).
A tarefa do cristão é tornar real esse chamado de Deus.
Reiterá-lo. E basta proclamá-lo para que ressoe nas almas dos
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que o ouvem O cristão apenas ajuda a tornar os homens conscientes do chamado de Deus, para lhes fazer entender seu significado e urgência. Então fica de atalaia orando por eles e
persuadindo-os até que respondam ao chamado com a obediência da fé. A pregação tem poder salvador desde que resulte da
qualidade dinâmica do próprio chamado. Aprouve a Deus salvar os que crêem pela loucura da pregação, considerando que
para os que são chamados, Cristo é o poder de Deus (1 Cor.
1:21-24).
Na história de Isaias não há um chamado especifica-mente feito ao profeta. Ele simplesmente ouve o lamento de
Deus que procura mensageiros que façam a Sua obra (Is. 6).
No pulsar do coração do universo
Pulsa o coração do profeta;
Em harmonia com Deus, sua alma, ansiosa, aguarda;
E eis que, num distante sopro
Lhe chega a divina palavra,
“A quem enviarei? Quem irá por Mim?”
E a angústia do triste monólogo
Penetra fundo o coração do profeta.
Deus não o chama, mas seu coração se compunge;
A dor daquele lamento o fere
Como aguda espada.
A necessidade do mundo, no coração de Deus, uma cruz.
A cruz de Deus é o chamado do profeta,
Ele responde. E respondemos também:
“Eis-me aqui, oh! Senhor, meu Deus! Envia-me a mim!”
Algumas famílias entre os ourives de uma aldeia no Sul da
índia, tinham se convertido ao cristianismo como resultado
de intensa campanha evangelizadora. Certo missionário, em
outra aldeia, não muito distante, indagando de um ourives
do lugar o que fazia a sua gente na outra aldeia, perguntou:
“E vocês, por que não se tornaram cristãos?” Ao que o ourives replicou: “Ninguém nos pediu”. “Todo o que invoca o
nome do Senhor será salvo. Mas como poderão os homens
63
invocar Aquele em quem não crêem? E como poderão crer
n’Aquele de quem nunca ouviram falar? E como ouvirão sem
que haja um pregador? E como poderão os homens pregar se
não forem enviados?” E como poderão ser enviados se primeiro não os acharem? (Rom.10:13-15>.
Os Processos Restauradores de Cristo
Cristo é a cabeça da Igreja, que é Seu corpo, como o
marido é a cabeça da esposa. E’ seu Salvador pois Cristo
amou a Igreja e deu-se a si mesmo por ela para consagrá-la a
fim de que “pudesse se apresentar diante dele Igreja gloriosa, sem mácula ou ruga” (Ef. 5:21-27).
A Igreja surge pelo chamado de Deus, é o que é por causa
do trabalho de Cristo. Cristo e sua Igreja são um corpo, como
um homem e sua esposa são uma só carne. Estão unidos numa
vida, Cristo amando a Igreja e a Igreja correspondendo a esse
amor; Cristo dando-se a Si mesmo pela Igreja e a Igreja dando-se, por sua vez, ao recebê-lo. Assim é a vida de união entre
Cristo e Sua Igreja, pura e santificada.
Ser membro da Igreja, portanto, é participar desse processo de vida. E’ achar-se numa relação com Cristo, que é redentora; estar ligado a Ele, a despeito dos próprios pecados, pelo
indestrutível laço do matrimônio, indestrutível porque Ele jamais o destruirá. Seu perdão é a realidade determinante dessa vida de união, tão real que chama ao arrependimento e
liberta do poder do pecado. Na verdade é precisamente porque o perdão não é uma simples troca entre Deus e o indivíduo, mas uma qualidade da vida de união entre a Igreja e Seu
Senhor, que Cristo ensinou a seus discípulos tão insistentemente que, o que não perdoa não pode participar do perdão.
Aqui sentimos a realidade da afirmação de que a Igreja
não é mero instrumento para evangelizar, mas parte integrante desse mesmo Evangelho. E’ parte do que Deus realizou pelo homem. De fato, em muitas das aldeias da Índia, a
Igreja é o primeiro tem do Evangelho que essa gente pobre e
64
simples aceita. Eles encontram na vida da Igreja uma válvula
de escape para a opressão de séculos. Uma vez dentro da
Igreja, vão discernindo gradualmente quais as verdadeiras fontes da Igreja. Participam da adoração coletiva e por meio desse culto são levados a entender e aceitar a soberania de Cristo.
E’ mais fácil, onde exista possibilidade, apresentar os ditames
de Cristo através do culto de adoração que da argumentação.
Mas, que dizer dos motivos múltiplos dos que aceitaram a
Igreja primeiro? Não seriam eles levados pela esperança dos
vários benefícios sociais e econômicos que lhes advém do fato
de pertencerem à comunidade cristã? Só podemos responder
com as palavras daquele pastor do Sul da Índia que, ao defender as conversões em massa na Índia, disse: “Graças a Deus que
seus motivos são múltiplos. Não nos deveria surpreender que
seu único motivo fosse o ganho material. Mas tal não acontece.
Há o desejo da paz espiritual”. A vida da Igreja é um todo
orgânico. Inclui o amor dos irmãos. Se foram os benefícios
desse amor que atraíram os homens ao Evangelho, por que dizer-lhes: Não? E’ um dos sinais da nossa falta de compreensão
do Evangelho e do lugar da Igreja nele que tão depressa nos
propomos como juizes dos motivos dos homens que procuram a
Igreja. Pode ser que busquem a Jesus por causa dos pa-es, mas
cabe à Igreja apresentar Jesus como Aquele de quem os pães
são apenas em sinal (João 6:26).
A vida da Igreja advém da união com Cristo, e os homens
dela participam ao se aprofundarem na aceitação pessoal de
Deus e de Jesus. “E a vida eterna é esta, que conheçam a ti,
único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo a quem enviaste” (João
17:3). “Conhecer e entrar numa união matrimonial, a velha
vida de solteiro termina, surge uma nova criação.
Habitação do Espírito Santo
Esta unidade de vida entre Cristo e sua Igreja é o meio
pelo qual o mundo será redimido. E’ uma antecipação da
vida de glória. E’ o encontro redentor do Espírito Santo com
o mundo. A habitação do Espírito Santo neste mundo esteve
65
longo tempo em preparação, se consumando apenas com a
ressurreição de Jesus. Quando Jesus ressuscitou, a morte
transformou-se em parede fendida, e a experiência presente da vida porvir tornou-se possibilidade permanente. Surgiu
a nova criação, aquela que é o resultado da união entre o
Cristo ressurreto e sua Igreja, e essa nova criação torna-se a
habitação do Espírito Santo. Pois o Espírito não foi enviado
senão quando Jesus foi glorificado (João 6:39>, mas, quando
o foi, então veio o Espírito residir na Igreja (Atos 2:33). O
próprio Jesus havia pedido a seus discípulos que esperassem
em Jerusalém pela vinda do Espírito (Atos 1:8).
Na vida da cidade eterna, Deus estará presente com Seu
povo. Ali não haverá pecado nem morte, nem tristeza nem
separação (Apoc. 21:1-4). Mas, hoje mesmo podemos ter
um antegozo dessa vida, em primeira porção, como garantia
e sinal da nossa herança. Experimentamo-la na Igreja, quando
esta enfrenta o mundo no poder do Espírito Santo. A existência do Espírito Santo na Igreja não é uma existência estática, existência que possa ser considerada imutável; ao contrário, é uma existência dinâmica. O Espírito Santo existe na
Igreja quando esta é realmente a Igreja. O poder é apenas
para o testemunho.
O Espírito Santo dá poder.
No Novo Testamento, “poder” é a palavra maior da Igreja. Os cristãos primitivos pregavam com poder, convencendo o mundo do pecado. Anunciavam com poder quebrando
os grilhões da doença. Desafiavam com poder, expulsando
os espíritos malignos. Onde está hoje esse poder? Onde está
a prova da promessa de Jesus - “O que crê em mim também
fará as obras que eu faço e as fará maiores do que estas;
porque eu vou para meu Pai” (João 14:12). O poder está
ainda aqui; na verdade, porém, inerte: pois basta um mínimo de poder, quando a Igreja se contenta em limitar o âmbito de seu testemunho.
O chamado de Deus é para todas as nações. Se a Igreja,
num determinado lugar, limita esse chamado pela obediên66
cia imperfeita, o poder de Deus na sua amplitude total fazse desnecessário à sua vida. Os processos restauradores de
Cristo, através dos quais o perdão divino resulta em saúde e
integridade, são para os homens em todos os aspectos de sua
vida. Se a Igreja, num determinado lugar, for relapsa em
estender e mediar essa influência restauradora, ela sufoca o
poder de Deus em sua própria vida. A experiência do Espírito
Santo advém do encontro da Igreja com o mundo. Onde esse
encontro é parcial, extensa ou intensivamente, a experiência do Espírito Santo é parcial também.
Somente quando obedecemos ao mandamento de Jesus
de sermos testemunhas Suas, é que aprendemos o significado de sua promessa: “E eis que estarei convosco sempre,
até a consumação dos séculos” (Mat. 28:20).
2. Escolheu Doze Deles
“Os escribas e os fariseus. . . estavam cheios de fúria e
discutiam, entre eles que fariam a Jesus. Nesses dias retirou-se para os montes para orar; e toda a noite ficou em
oração a Deus. Quando amanheceu chamou os discípulos e
escolheu deles doze. . . para estarem com ele e para serem
enviados a pregar e para ter autoridade de expulsar demônios” (Luc. 6:11-13); Marcos 3:14>
A Igreja existe com determinada missão. Está presa à
Palavra de Deus que a criou, quando Deus disse a Abraão:
“Eu te abençoarei. . . e serás um bênção. . . em ti todas as
famílias da terra serão benditas” (Gên. 12:2,3). Mas os descendentes de Abraão não souberam interpretar seu chamado. Consideraram a bênção como um privilégio e recusaram-se a reconhecer sua missão. Deus repetidas vezes os
chamou à sua responsabilidade especifica como povo Seu,
mas não o quiseram ouvir: até que afinal a desgraça os alcançou e eles se viram exilados em terra estranha. “Por que
usa Deus uma nação mais ímpia que a nossa para nos punir?”
perguntaram; enquanto que os que em Israel tinham perma67
necido fiéis a Deus perguntavam: “Por que temos nós também de sofrer com o resto do povo que foi infiel?” A ambas as
perguntas o profeta do exílio deu a mesma resposta: “Aceitai
vosso sofrimento como manifestação da vossa vocação”, disse ele, “o dia virá em que as nações dirão -verdadeiramente
ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores
levou sobre si; . . . o castigo que nos traz a paz estava sobre
ele; e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is. 53:4,5).
Mas não seria assim. Quando Israel voltou do exílio o velho câncer ainda mostrava sinais de vida. O livro de Jonas,
escrito em protesto contra essa tendência é o último livro do
Velho Testamento que chama Israel à sua verdadeira missão.
Então, nos versículos do Evangelho de São Lucas com que
este capítulo começa, vemos Israel na encruzilhada de dois
caminhos opostos. Os lideres de Israel haviam rejeitado a
Jesus e procuravam eliminá-lo: Jesus respondeu rejeitando
a Israel. Ninguém poderia ter ignorado a significação do ato
de Jesus ao escolher, dos seus discípulos, doze homens. Ali
estavam os patriarcas do novo povo de Deus, ali estava o
núcleo da Sua nova “ecclesia”.
Ele os chamou apóstolos (Luc. 6:13), os enviados. Eram
homens presos a uma missão. Neles se desenvolveu a promessa e a ordem dada a Abraão. Nenhum homem acende
uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no
velador, e alumia a todos que se encontram na casa (Mat.
5:14,1 5). Se um homem não é tão tolo, Deus não é menos
sábio. Muito menos ele acenderá uma candeia para colocála sob o alqueire. Contudo, se a lâmpada não aceitar o
velador, então não só é o velador retirado como, também, a
lâmpada e apagada. . “moverei do seu lugar o teu candeeiro. caso não te arrependas” (Apoc:. 2:5) - essa é a tremenda
verdade acerca da natureza da Igreja.
Um dos grandes credos históricos da Igreja, formulado em
325 A. D. pelo Concílio de Nicéia, consigna quatro atributos
à Igreja: Una, Santa, Cat6lica, Apostólica - atributos esses
que nascem da universalidade inerente à natureza da Igreja.
68
A Igreja é Una
Isto porque o Senhor é um só, e a vida da Igreja é a vida
de união com o seu Senhor. “Está Cristo dividido?” pergunta
São Paulo aos cristãos de Corinto que se compraziam na abundância de seitas (1 Cor. 1:13). A missão da Igreja nasce dessa
união. E’ tarefa da Igreja levar todos os filhos de Deus a esta
unidade de vida. Mas (e esta é a razão porque o movimento
no sentido da unificação da Igreja está tão ligado ao movimento missionário) essa unidade de vida que é não só a
base do trabalho missionário, mas seu objetivo - já está quebrada. Não se trata da unificação da Igreja por causa da
maior eficiência de administração ou de programa, trata-se,
outrossim, de restaurar na plenitude sua circulação a vida
sacramental da Igreja em todas as suas partes. Os que buscam a unificação da Igreja em termos práticos
freqüentemente se esquecem de que a unificação da Igreja
não pode jamais ser obra humana. Precisam lembrar-se de
que a tarefa é tornar visível a unidade que já exista de fato
e não criar uma unidade que não exista. Mas, nem mesmo os
que trabalham pela unificação da Igreja com base na verdade teológica, chegarão a qualquer resultado, a menos que
estejam dominados de zelo missionário pela Igreja. Israel
rejeitou a Cristo porque não queria expor as riquezas de sua
herança à luta árdua do esforço missionário. Desejou antes
guardar suas posses e crucificar o herdeiro (João 1:11).
Dissemos que o objetivo dos movimentos em prol da Unificação da Igreja é mais do que atingir a união administrativa. E’ preciso frisar também, que essa unificação difere da
unificação mundial geográfica. A unificação da Igreja dá lugar às diferenciações regionais. A Igreja no seio de determinado povo é a Igreja para aquele povo. Pertence àquele
povo assim como faz parte da Igreja Una de Cristo. Precisa
afirmar que pertence à Igreja Universal e, ao mesmo tempo,
expressar sua participação na vocação do país para o qual é
a Igreja. Como diz o Plano apresentado para unificação da
Igreja em Ceilão: “Um plano regional para a unificação da
Igreja deve preservar nessa região o principio da unidade do
69
Corpo de Cristo. Também a liberdade de uma Igreja regional
tem tornado possível, e pode em qualquer lugar tornar possível, a expressão adequada do gênio religioso das grandes
nações através da adoração e do trabalho da Igreja; e assim
as riquezas das nações são levadas para a Cidade de Deus,
para ali serem coroadas com Sua aceitação e recriadas pelo
Seu Espírito”.
Aqui está a base teológica dos problemas de adaptação
que o missionário tem de enfrentar. Aqui o argumento para
insistir em que falece às Sociedades Missionárias idoneidade
para a orientação da Obra Missionária a menos que procurem
entender a vida e os destinos dos povos entre os quais trabalham. A atividade de Deus processa-se sempre na história
como um todo, assim como na Igreja. De fato, vemos repetidamente a sincronização dos acontecimentos, o que nos
ensina que Deus está operando. Que a unificação da Igreja
no Sul da índia se realizasse no mesmo ano em que a índia
atingia sua independência política, que haja um grande movimento missionário na África, no mesmo momento histórico
em que a África se torna ponto estratégico nas relações internacionais - tais fatos não são menos significativos do que
a sincronização que vemos ao considerarmos que Israel estava pronto para ser julgado ao mesmo tempo que Babilônia e
Egito, seus vizinhos de ambos os lados, estavam no auge da
rivalidade, ou que o Evangelho de Jesus foi lançado no mundo quando a paz de Roma lhe fornecia estradas, navios, e
governo bem dirigido, e quando a cultura da Grécia proporcionava o veículo da língua comum.
Há entre as agências missionárias a tendência de se preocuparem exclusivamente com a Igreja na terra missionária e
não com a própria terra, e pensar no seu trabalho em termos
de enviar dinheiro e revezar os missionários. Há urgente
necessidade de maior compreensão da hora que determinado povo atravessa em relação à ação de Deus, antes que a
Igreja entre esse povo possa ter alguma relevância diante
dessa hora.
70
A Igreja é Santa
Jesus escolheu seus discípulos “para que pudessem estar
com Ele” essa é a base da unidade da Igreja. Também os
escolheu “para que os pudesse enviar” - essa é a base da
santidade da Igreja. Uma coisa era considerada santa quando era consagrada a Deus, separada para seu uso, especificamente Sua. A Igreja é Santa porque é o instrumento da
missão de Deus para o mundo. Ele a separa do mundo para
que a possa enviar ao mundo. Deixe uma Igreja de ser
missionária e deixará de ser santa, porque deixa de exercer
a função para a qual foi destinada. A santidade espiritual
surge como resultado da fidelidade da Igreja à sua função
primordial. Uma Igreja missionária e constantemente renovada em sua vida, porque Deus está operando nela e através
dela. A auto preservação é o tema de uma crise que
freqüentemente assola a vida da Igreja. “A menos que o
grão de trigo caia na terra, e morra, permanece sozinho;
mas, se morrer, produz muito fruto” (João 12:24>. E’ mais
do que simbólico que a primeira profecia de Cristo sobre a
Sua paixão, foi dita logo em seguida a Sua palavra a respeito
dos fundamentos da Igreja, e também que a primeira tentação de Pedro imediatamente após, foi negar a necessidade
da cruz (Mat. 16:18-23).
Qual é, então, a relação entre a Igreja e o mundo, a relação para a qual a Igreja está separada, e na manutenção da
qual a Igreja é renovada? E’ uma relação tríplice, uma relação de mordomia, de intercessão e de mediação.
A Igreja é a despenseira das bênçãos de Deus para com o
homem e faz parte de sua função providenciar para que tais
bênçãos sejam bem distribuídas. Em alguns países a própria
comunidade cristã tem poder para controlar essa distribuição. Em outros a comunidade cristã é minoria, sem contudo
perder os meios de influenciar uma distribuição justa. Essa
função de controlar ou influenciar a justa distribuição das
bênçãos de Deus é exercida em larga escala fora dos concílios da Igreja propriamente dita, nas câmaras legislativas das
71
nações, mas assim mesmo é função da Igreja. Um colégio
cristão, por exemplo, é manifestação desse serviço da Igreja. Ele distribui as bênçãos de Deus sob a forma de conhecimento. Ainda mais, ele introduz, também na vida da comunidade pessoas influenciadas pelas idéias e ideais cristãos,
pessoas que, na vida pública, e na administração do Estado,
influenciarão elas próprias uma distribuição mais eqüitativa
das boas dádivas de Deus a seus filhos.
A relação entre a Igreja e o mundo é também de intercessão. E’ seu dever orar constantemente não só para que
maior justiça prevaleça nas relações humanas, mas para que
os homens aprendam, ao receberem a sua parte das bênçãos
abundantes de Deus, que é de Deus que o recebem. Quando
o Estado provê tratamento médico gratuito, está procurando
fazer justiça a todos os cidadãos: mas quando um homem
recebe a saúde ele está recebendo uma dádiva da graça de
Deus. E’ tarefa da Igreja orar para que as bênçãos de Deus
desçam sobre os esforços para promover o bem estar do homem como homem, assim como orar para que os homens
aceitem as dádivas de Deus e sejam gratos ao seu Bemfeitor
(Mat. 5:16). Isto é Gratidão, o ato de receber o doador juntamente com a dádiva; e Deus jamais dá alguma coisa que
não se dê também a Si mesmo com ela. Jesus curou dez
leprosos mas ficou satisfeito com o trabalho realizado, sô’
mente no caso do único homem que voltou para dar graças a
Deus (Luc. 17:17,18). Os que ministram em nome de Cristo
precisam manter esta distinção em seus corações. Devem
servir onde o serviço é necessário, mas julgar seu êxito não
pelo muito serviço prestado mas por quantos foram, por isso,
levados a Deus. E’ imprescindível que a Igreja sustente seu
programa de serviço com a oração sincera, para que os que o
recebem sejam levados a Cristo.
Por último, a relação da Igreja para com o mundo é
também de Mediação. Deus não é apenas o Deus criador que
proveu o Seu mundo de suficiente munificência para o bem
estar do homem, mas é também o Deus redentor que providenciou na Igreja uma antecipação da vida eterna, que é a
72
vida do século que há de vir. Um exemplo esclarece-dor de
como as três funções da Igreja se entrelaçam - aparecendo a
função de mediação como específica da Igreja - é o seguinte: a cura medicinal é uma provisão de caráter geral providenciada por Deus na criação. A Igreja exerce sua obrigação
de mordomia nos hospitais mas também é da vontade de
Deus que Suas dádivas sejam meios pelos quais seus filhos
estabeleçam relações legítimas com Ele, o Doador. A Igreja
exerce sua obrigação de intercessão para esse fim estabelecendo capelanias em hospitais. Mas, além disso, Deus providenciou para que na vida da Igreja haja os meios de atingir
“integridade” - integridade do homem to do, corpo, mente e
espírito. “Há alguém dentre vós doente? Chame os
presbíteros da Igreja, e orem sobre ele ungindo-o com azeite em nome do Senhor; e a oração da fé salvará o doente e o
Senhor o levantará; e se houver cometido pecados, ser-lheão perdoados” (Tiago 5:14,15). O doente é salvo, não apenas curado. Ele é restituído à sua integridade.
A Igreja É Católica
A criação perdeu a sua integridade. Ela geme e se angustia esperando sua redenção. (Rom. 8:22). A Igreja é enviada
ao mundo como ato redentor de Deus para a recuperação
dessa integridade (Ef. 1:10). Que o Evangelho seja pregado
a toda a criatura (Marcos 16:15).
Aqui está a carta regia que autoriza a Igreja a preocuparse com a totalidade do mundo de Deus. A vontade de Deus
deve prevalecer em toda a Sua criação, e a tarefa da Igreja
é trabalhar para que isso se cumpra. Este mundo destina-se
a ser um lar para o homem~e o profeta procede corretamente quando faz o deserto florescer como uma rosa (Is. 35:1,2)
e os animais da floresta deitarem-se em paz (Is. 11:6,7),
como parte do quadro do mundo quando o homem atingir a
sua libertação. A correlação da vida da natureza com a atividade redentora de Deus é amplamente manifestada na história da libertação de Israel do Egito, como na história do
73
ministério de Jesus aqui na terra. Mas a Igreja não pode ser
instrumento promotor de integridade se ela mesma não for
íntegra. Ser católica é ser íntegra. Por sua própria natureza
requer-se que se atualize na integridade de sua vida, obra,
etapas e missão.
A Igreja precisa de recobrar a integridade de sua vida. A
conseqüência de uma Igreja dividida tem sido sua deficiência. Para dar dois exemplos: não é mera coincidência que
haja reaviva mento do ministério curativo da Igreja ao mesmo tempo que se avulta o movimento ecumênico, nem que a
evangelização resulte da renovação da congregação através
da maior integridade no adorar e no testemunhar. A
Evangelização não é programa de atividades é a superabundância da vida da Igreja.
A Igreja precisa recobrar sua integridade também na sua
obra. Exemplo do que isso implica pode ser oferecido pela
citação das palavras com que um médico africano descreveu
um hospital cristão na África, numa das sessões da Assembléia
de Amsterdã do Conselho Mundial de Igrejas. Foi isto em resumo o que ele disse: Não existe outro hospital num raio de
cerca de 100 milhas. Portanto, quando alguém fica doente
numa das aldeias distantes é carregado para o hospital pelos
seus parentes. Pelo menos oito homens são necessários para
carregar o doente. Pode levar de quatro a cinco dias para
chegar ao hospital, e algumas mulheres os acompanham para
cozinhar durante a caminhada. Quando chegam ao hospital,
os que vieram trazer o doente ficam morando em cabanas por
ali perto. O doente fica bom em alguns dias. Todos voltam à
sua aldeia. Que aconteceu? Em primeiro lugar, mais ou menos
dez pessoas se ausentaram de sua aldeia durante cerca de
quinze dias. Isso significa que houve menos dez mãos na lavoura durante esses dias, e os que se ausentaram perderam a
comida de quase um mês, como resultado. Em segundo lugar,
os lares africanos perto do hospital estão sempre cheios de
visitantes e sua vida de família está completamente desorganizada. Em terceiro lugar o homem doente, quando sofre um
segundo ataque da doença, julga que o demônio que ele enga74
nou da última vez indo ao hospital dos brancos, precisa de ser
aplacado agora. “Um hospital cristão não o é pelo simples
fato de ser um hospital”, disse esse médico africano; e Cristão
apenas quando faz parte de uma atitude global em face dos
problemas da vida africana”.
A integridade da Igreja depende também de estar ou não
apresentando todas as características da Igreja. A Igreja é
como um raio de luz. A Igreja de um determinado local é um
corte transversal desse raio de luz. Esse corte transversal
precisa de todas as cores do espectro. As partes têm de
concordar com o todo (Kata Holos — Catholica). Algumas
Igrejas são amarelas, laranja ou vermelho; outras apenas violeta, anil ou azul, outras apenas roxas. Mas todas são cortes transversais, todas são Igrejas, mas não são íntegras. O
movimento pela unificação da Igreja é uma tentativa para
recuperar essa integridade. E por último, a Igreja é católica
só quando for para todos, todos os homens. Nem raça, nem
classe, nem cor, nem nacionalidade podem ser fatores qualificativos para a Igreja, nem mesmo para uma igreja.
Infelizmente, num sentido teológico e de acordo com á
história teológica, a palavra protestante tem sidó usada como
oposto de católica. Mas o verdadeiro oposto de Católica é
Sectária.
A Igreja É Apostólica
Os discípulos foram escolhidos para estarem com Ele - a
Igreja é una; foram escolhidos como o Novo Israel -a Igreja é
santa; foram escolhidos para a pregação do Evangelho a todo
o mundo - a Igreja é católica; também foram escolhidos para
transmitirem autoridade - a Igreja é apostólica.
Há diferenças de opinião a respeito de como deve ser
mantida essa autoridade, em que consiste, e como se transmite: mas não há controvérsia em relação ao fato de que a
Igreja é apostólica: mensageira pessoal de Deus ao mundo. A
Igreja não é um mensageiro vicário agindo em lugar de Deus.
75
E’ antes um mensageiro por encarnação; Deus está sempre agindo, e a Igreja encarna esta ação de Deus de modo especial.
E’ este elemento da apostolocidade que constitui também
a investidura da Igreja e lhe confere tanto a sua liberdade,
como a sua servidão. A Igreja não tem a liberdade de alterar
o conteúdo do Evangelho, nem o conteúdo do testemunho
apostólico. Muitas vezes, particularmente para o evangelista,
é muito forte a tentação de mudar o Evangelho, de modo a
torná-lo mais aceitável ou mais razoável, expurgando-o do
que possa ser pedra de tropeço. Mas é preciso resistir a essa
tentação. Os judeus consideraram o Evangelho inaceitável,
pedra de tropeço; os Gregos o acharam desarrazoado, loucura
- mas São Paulo estava decidido a proclamá-lo sem modificaç5es
(1 Cor. 1:23). A tarefa do evangelista, até onde estiver nele,
é apenas tornar o Evangelho inteligível.
Mas um missionário, especialmente em terra estrangeira,
precisa também de considerar a liberdade da Igreja. Precisa
de acautelar-se para não confundir a cultura cristã do seu
país com o Evangelho. O Evangelho é semente que plantada
no solo da vida de um país, produz a planta. A planta é a
cristandade. Traz as marcas tanto da semente como do solo.
Há apenas um Evangelho, mas há muitas cristandades, muitas formas culturais através das quais o homem expressa sua
fé crista. E’ inevitável que o missionário traga uma planta
num vaso, a cristandade de sua própria cultura; mas é essencial que ele permita que o vaso de sua planta seja quebrado
e esta seja replantada no solo do país para o qual foi levada.
“Pois não pregamos a nós mesmos, mas a Jesus Cristo, como
Senhor, e a nós mesmos como vossos servos por amor de Jesus” (II Cor. 4:5). Este é o ideal missionário. Talvez outra
palavra, em relação ao chamado do missionário não seja
demais aqui; uma palavra apenas para realçar a vantagem
de se olhar o chamado missionário como um chamado de
serviço ao povo e não um chamado para um determinado
trabalho. Não deveria ser possível a um missionário falar
com demasiada facilidade em deixar um país por outro qualquer.
76
Em todas essas coisas a apostolicidade da Igreja é o cânone
do evangelista.
Começamos este capitulo com as seguintes palavras: A
Igreja existe para uma missão; vimos agora quão
determinantes da função missionária da Igreja são seus atributos essenciais. Assim, pela vida e expansão da Igreja, é
dado testemunho dos crescentes propósitos de Deus, e a própria Igreja é manifestada como Seu corpo “a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas” (Ef. 1:23).
77
V
A TAREFA
A evangelização é uma forma da vida da Igreja. A
obra evangelística é o modo de viver do evangelista. Nosso
próximo passo será examinar criticamente muitas das
coisas já anteriormente discutidas e formulá-las em relação umas às outras, de modo a descrever essa atitude
evangelística. E’ uma atitude de santificação, é em nosso beneficio. Mas a santificação é para que o mundo creia,
é em benefício de terceiros. A sua crença fará manifesta
a glória de Deus, em honra a Deus. “Rogo”, disse Jesus,
“por aqueles que me deste, pois são Teus; ora, todas as
minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas; e
neles eu sou glorificado”.
A glória de Deus é o fim último da evangelização,
fim que será atingido quando essa glória for revelada
em sua plenitude com a vida de Cristo. O tempo aspira por esse fim e dele deriva sentido. Ao entendermos
isso vemos a urgência da tarefa evangelizadora e percebemos suas verdadeiras dimensões.
1. Escravo de Todos
“Ai de mim se não anunciar o evangelho! Se o faço de
livre vontade, tenho galardão; mas, se constrangido, é então a responsabilidade de despenseiro que me está confiada... Fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível... Fiz-me tudo para com todos, com o fim de,
por todos os modos, salvar alguns. Tudo faço por causa do
evangelho. com o fim de me tornar cooperador com ele”. (1
Cor. 9:16-27).
78
O objetivo da evangelização é a conversão, conversão a
Cristo e entrega pessoal a Ele como seu discípulo. Mas implícita nessa conversão está também a conversão à comunidade crista e a conversão às idéias e ideais cristãos. Todas essas três conversões devem efetuar-se, ainda que a ordem
não seja a mesma. Assim na índia, onde os movimentos em
massa são freqüentes, a primeira conversão é geralmente à
comunidade crista - proselitismo. Depois efetua-se a conversão ao discipulado - evangelização. E em seguida a esta e
por sua causa, a conversão às idéias e ideais cristãoscristianização. Nos colégios cristãos, a ordem é em geral
diferente. Primeiro, processa-se a cristianização, depois a
evangelização e, mais tarde, o proselitismo. No caso dos
que são movidos pela fome espiritual ou pelo desespero devido à sua consciência do pecado, o primeiro efeito do Evangelho é a evangelização - a conquista para o discipulado a
Cristo, e então segue-se o proselitismo e a cristianização.
É inútil e falso isolar esses três estágios da alma um do
outro ou tratá-los em oposição uns aos outros. Eles estão
unidos, cada um deles possibilita a existência do outro, e um
empresta sentido ao outro. “Mas certamente poderemos chegar ao céu sem nos unirmos à Igreja”, diz alguém ou, “A
pessoa é crista desde que seja boa em sua vida, qualquer
que seja sua teologia a respeito de Jesus”, assevera outro - e
a discussão desce com estrépito ao nível do que nós próprios
pensamos que deva ser. Temo-nos afastado do mundo do
pensamento bíblico e começamos a falar o que nós chamamos palavras de bom senso. Mas a Bíblia insiste em seu desafio. “Que espécie de mundo é este?” pergunta, “e se e um
mundo no qual Deus opera, então não será lícita a exigência
de que sejamos obedientes, e não apenas bons? A bondade
pode ser inútil, a retidão, a justiça é que é desejável”. Assim voltamos ao mundo bíblico procurando alcançar a verdade básica da Bíblia, de que Deus é um Deus que opera e que
Jesus é a suprema obra de Deus.
Tanto no Novo como no Velho Testamento, o pecado é
descrito de modo especificamente religioso. O pecador é o
79
que está em desacordo com Deus. Ele está no lugar errado. Mas frequentemente usamos a palavra “pecado” puramente no sentido moral, para definir apenas defeitos de
caráter, e perdemos de vista o verdadeiro sentido do horror bíblico ao pecado. Pecar é recusar-se alguém a encontrar-se com Deus no lugar onde Deus veio para encontrarnos. E’ um ato de ingratidão, de desobediência e de rebeldia. Deus veio para encontrar-se com o homem, na pessoa
de Jesus Cristo e, porque Deus fez isso, torna-se urgente a
pergunta - “Que temos nós feito em relação ao que Deus
fez?”
Repetidas vezes na índia e no Ceilão os que fazem trabalho evangelístico enfrentam a pergunta: Você também teria
um evangelho para Mahatma Gandhi? Não é ele moralmente
superior a você? - Sim. Não foi sua visão espiritual mais
profunda que a sua? Sim. E ainda teria uma mensagem para
ele? - Sim, a mesma mensagem. Que tens feito em relação
ao que Deus fez? E’ uma pergunta que todos os homens têm
de responder; e diante dessa pergunta, a excelência moral e
a visão espiritual não são verdadeiramente importantes.
O argumento faz da atividade de Deus o seu ponto de
partida, e, porque é ato de Deus, Jesus não pode ser objeto
da opção do homem. A necessidade de trazer os homens a
Jesus Cristo, portanto - como lugar e pessoa em que Deus
optou por encontrar-se com o homem, e em cujo discipulado
andarão em obediência diante de Deus, tendo comunhão com
Ele e participando do trabalho que Ele está realizando - é o
que domina o processo de evangelização.
Podemos agora procurar resumir as qualidades que devem
caracterizar tal processo.
Proclamação
Esta é naturalmente a primeira característica, pois a base
fundamental da evangelização é a atividade de Deus que tem
de ser divulgada.
80
É proclamada porque é um ato de Deus. Destacado
Samajista Brahmane na índia certa vez pronunciou um discurso sobre o assunto, “Jesus meu lshta Devada” - “Jesus, o Deus
de minha escolha”. “Adoro a Jesus”, disse ele, “Adoro somente a Jesus, mas sou um Hindu. Sou Hindu porque reconheço o direito de cada homem de adorar o Deus de sua escolha”. Isso é o verdadeiro Hinduismo. A fé crista, por outro
lado, não se baseia na minha escolha de Jesus, mas fundamenta-se na minha atitude diante da escolha que Jesus fez de
mim. A iniciativa é dele, e Ele me chama com o direito daquele que me fez. Tenho pertencido a Ele desde o início.
A necessidade da proclamação deriva também da mordomia. Freqüentemente ao falarmos em evangelizar falamos a
respeito de compartilhar com os outros o que nós achamos
em Jesus. Há uma legitimidade parcial nessa posição, mas
apenas parcial; na verdade, tão parcial que quase a invalida.
A compulsa-o do evangelista deriva na-o tanto da sua experiência do Evangelho, quanto da própria natureza do Evangelho. Cada vez que olho para o Evangelho, sei que ele pertence aos meus semelhantes e que devo passá-lo adiante. Jesus
morreu, e meu semelhante é meu irmão, por quem Jesus
morreu. Quando Paulo diz: “Ai de mim se não pregar o Evangelho”, ele na-o quer dizer: “Se não pregar o evangelho dia
virá em que serei castigado por Deus”, ele quer dizer antes
que: “Se não pregar o Evangelho, eu mesmo perecerei sem
experimentar o poder do Evangelho agora. Para ser experimentado, o Evangelho precisa ser transmitido. “Disse eu:
Na-o falarei mais no seu nome”, diz Gerencias, mas isso foi
no meu coração como fogo ardente, encerrado nos meus ossos” (Jer. 20:9>. Na-o teremos compreendido o que é o Evangelho, se não sentimos a compulsa-o de serviço em relação a
ele. “Uma dispensarão me é confiada”, diz São Paulo.
Há alguma coisa mais ao falarmos da proclamação do evangelho. E’ que o Evangelho é Evangelho, não quando merece
crédito, mas quando provoca confissão. A rocha na qual a
Igreja está construída não é a confissão de Pedro, mas um
Pedro que confessa. Onde o evangelho é acreditado e con81
fessado, existe a Igreja. O evangelho é algo operante, dinâmico, que está fazendo algo. Trancai-o e cessará de ser
Evangelho, boas novas.
Identificação
Esta característica é necessária ao trabalho de
evangelização, uma vez que corporifica a lógica da
encarnação. “Tornei-me tudo para todos”, diz São Paulo. Ele
não encontrou outro meio de levar a cabo sua tarefa, de
cumprir o seu ministério. Não há outro caminho a seguir.
Não podemos recomendar o Evangelho aos nossos contemporâneos a menos que possamos participar de sua frustração e
de suas esperanças; e então, endereçar o Evangelho a nós
mesmos em idêntica situação. Se ouvirmos os Hindus até que
o Hinduismo se torne uma tentação para nós, se ouvirmos os
comunistas até que comecemos a sentir a atração do comunismo, se ouvirmos os muçulmanos até que o Islamismo comece a empolgar-nos, então sim, estaremos em posição de
transmitir a eles o Evangelho. Não nos surpreende saber que
Jesus foi tentado em todas as coisas como nós o somos? (Heb.
4:15). Ele identificou-se conosco de tal maneira que sentiu
a força de nossas tentações. Ele participou da nossa situação. Sentou-se onde nós nos sentamos (Ez. 3:15). E’ isto
que significa identificar-se.
Diz-se que certa vez o prof. W. E. Hocking perguntou a
C. F. Andrews: “Como é que o Sr. prega o Evangelho a um
Hindu?” Ao que Andrews respondeu: “Não o faço. Eu prego
o Evangelho a um homem”. Temos que nos identificar de tal
maneira com o Hindú que o Hinduismo passe a ser parte de
nós mesmos. Só então estamos preparados para pregar o
Evangelho ao homem, e não ao Hindú que há nele. Se alguém jamais exemplificou esse método de pregar o Evangelho, foi C. F. Andrews mesmo. Na verdade, é errado chamarse a isso de método de evangelizar, tão intrínseco é esse fato
à evangelização.
82
Esta identificação, contudo, não é alcançada facilmente,
nem frequentemente, a menos que inclua a identificação
tão completa quanto possível com as manifestações culturais daqueles que procuramos atingir ao apresentar o Evangelho. E’ isto algo de que o missionário estrangeiro precisa
lembrar-se; e particularmente as missionárias, pois as mulheres dão mostras de mais conservadoras culturalmente falando e de achar a adaptação a outra cultura mais difícil.
Demonstração
Esta característica da evangelização implícito o evangelho.
Um dos momentos inesquecíveis para mim na Assembléia
do Conselho Mundial de Igrejas em Amsterdã foi quando, em
sua palestra, o Bispo Stephen Neil olhando para o enorme
auditório perguntou: “Quando tentastes pela última vez levar alguém a Jesus?” Em meu coração essa pergunta gerou o
temor. Havia sido tão fácil deixar-me levar para posições de
responsabilidade administrativa; com trabalhos em Comissões e em Conselhos, e encher o meu tempo com pregações
de plataforma e de púlpito que o dia em que sentara lado a
lado com alguém, lutam o com ele e por ele para que pudesse encontrar a Jesus, torna-se uma experiência do passado.
Mas enquanto isso continuar sendo uma experiência do passado e o trabalho cristão um trato impessoal com as massas,
o Evangelho não poderá ser conhecido na sua realidade
operante. Demonstrar o Evangelho é, para usar as palavras
de São Paulo, participar de sua demonstração. Qualquer outra
forma de demonstração deve ser precedida por essa forma
elementar onde o encontro é pessoal, e nesse encontro o
Evangelho surge como o poder de Deus para a salvação.
Há outro fator marcante incluso nessa palavra “demonstração”, e é a vida do próprio evangelista. O que tem valor não
é realmente o testemunho do que se faz ou recusa-se a fazer,
mas o testemunho da fragrância da sua vida. E’ possível forçar um certo procedimento com os outros, mas a fragrância
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da vida, que está verdadeiramente presente com relação a
isso, é impossível dissimular. Assim também, como há a fragrância da vida individual, também há a fragrância da vida da
Igreja. Alguém já disse: “Houve tempo em que uma Igreja
rebelde podia recomendar o Evangelho. Esse tempo passou”.
“Nós cristãos exalamos a fragrância inconfundível de Cristo,
discernível tanto pelos que estão sendo salvos como pelos
que estão caminhando para a morte. Para estes, nossa fragrância assemelha-se ao próprio cheiro da condenação. Para
os outros, tem o perfume da própria vida” (II Cor.2:15).
Interpretação
Isso é importante porque a evangelização é inútil onde o
Evangelho não se faça compreensível e claro. O Evangelho é
um mistério, ainda que um mistério revelado. Nele nós temos:
A realeza oculta num estábulo.
A universalidade oculta numa raça exclusiva.
A verdadeira divindade oculta num homem que experimentou todas as necessidades e tentações humanas.
A verdadeira humanidade escondida numa vida de milagres - de pureza imaculada, autoridade estupenda e feitos
maravilhosos.
Entrega voluntária oculta num assassinato.
A verdade oculta em parábolas.
A ressurreição oculta por sua transcendência sobre a experiência humana.
Eterna contemporaneidade oculta numa vida limitada pelo
tempo.
Mas, por quê? Porque ocultar? Cristo mesmo dá a resposta quando diz, nas palavras de Isaias: “Ouvireis com os ouvidos, e de nenhum modo entendereis; vereis com os olhos e
de nenhum modo percebereis” (Mat. 13:14). O que seria
“Senhor de todos ou de ninguém tornou impossível aos homens receber apenas parte de Sua personalidade, para não
suceder que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos,
84
entendam com o coração, se convertam e sejam por mim
curados”. E’ tarefa do evangelista, que chegou a entender o
Evangelho, porque veio a Ele com discernimento da fé, interpretar esse Evangelho aos outros.
Mas a interpretação depende também do uso da linguagem compreensível. Quando alguns anos atrás estive nos
Estados Unidos convidaram-me para falar aos estudantes de
uma Faculdade de Teologia. Em lugar de fazer-lhes uma palestra, propus-lhes: “Estais aprendendo a pregar o Evangelho. Quero que o pregueis a mim. Pensai em mim como se
fora um americano pagão. Nunca fui a uma igreja. Nunca li
a Bíblia. O lar de onde venho também é pagão. Tenho educação rudimentar. Sou trabalhador da estrada”. A primeira
coisa que aqueles jovens estudantes disseram foi: - “O senhor é pecador”. Ao que retruquei, “Não entendo o que os
senhores estão falando. Nunca ouvi essa palavra pecador
antes. . .” Não é necessário descrever aqui toda a reunião,
mas durante quinze minutos aqueles estudantes pregaramme o Evangelho, enquanto continuava a dizer: “Não compreendo. Por favor usem palavras que eu conheça”. Eles terminaram por dizer: “Tais pagãos não existem”.
Mas existem, e a menos que aprendamos a usar linguagem
que nossos ouvintes entendam e palavras que para eles tenham o justo colorido emocional seremos maus intérpretes.
Transformação
Este é o objetivo da evangelização, a experiência de conversão que procura realizar.
A apresentação do Evangelho tem de ser transformadora
em seus resultados, transformadora em relação ao ouvinte e
ao pregador. Não nos podemos jamais esquecer de que o
chamado para o apostolado está ligado ao chamado à santidade: e que só nos tornaremos santos através da disciplina
implícita no processo de sermos verdadeiros apóstolos. Quanto
ao ouvinte, ele não poderá ser transformado, a não ser que o
85
Evangelho faça conexão entre sua mente e sua alma. Já
falamos a esse respeito, mas permitam-nos acrescentar duas
palavras: - primeiro, insistir em que a apresentação do evangelho seja tornada relevante ao ouvinte, e em segundo lugar
prevenir que simplesmente dizer a verdade do Evangelho pode
não constituir proclamação significativa.
Todo o ano, no mês de Agosto, é realizado em Ceilão um
festival Budista, chamado Perahera, no qual a relíquia do
dente de Budha é levada em procissão. Há sempre enorme
multidão e entre ela mascates que vendem doces, frutas e
bebidas. Numa dessas festas de Perahera, notava-se um dos
vendedores, que anunciava, “Graxa para sapatos Flor de
Cereja. A graxa era tão mas não interessava na ocasião.
Resultado:- Ninguém a comprou.
Certo homem saiu para a rua dizendo a quantos encontrava: “O mundo é redondo como uma laranja”. Ele continuou
anunciando o fato até que a polícia o levou para um hospital
de alienados. Ele dizia a verdade, e essa verdade tinha importância, mas sua proclamação não fazia sentido algum.
A transformação depende de se estabelecerem as conexões necessárias. Proclamação, identificação, demonstração,
interpretação, transformação - “Quem se julgará adequado
para desempenhar tamanha responsabilidade?” Só o homem,
diz São Paulo, “que se recusa a pertencer à grande falange
dos traficantes da palavra de Deus - o homem que fala em
nome de Deus, sob os olhos de Deus, como ministro escolhido
de Cristo” (II Cor. 2:17) (1) “Eis que vos envio”, diz Jesus,
“como cordeiros no meio de lobos” (Mat. 10:~6). Mas ele é o
Pastor não só dos cordeiro3 como também dos lobos.
2. A Estrela da Manhã
‘Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos testificar estas
coisas às igrejas. Eu sou a raiz e a geração de Davi, a brilhante estréia da manhã. O Espírito e a noiva dizem: Vem.
Aquele que ouve diga: Vem. Aquele que tem sede, venha, e
86
quem quiser receber de graça a água da vida. . . Aquele que
dá testemunho dessas coisas diz: “Certamente venho sem
demora. Amem. Vem, Senhor Jesus!” (Apoc. 22:16-20).
A Estrela da Manhã aparece e breve virá a madrugada.
Este fato e esta esperança lançam a perspectiva para nosso
trabalho e para nosso pensamento, ao determinar a natureza do próprio tempo.
O tempo pertence a Deus. Antes de Jesus vir, era o período
de preparação para sua vinda; agora que Jesus já veio, é o
período da espera até sua próxima vinda. O tempo tem a
duração que Deus decide, e é preenchido pela atividade de
Deus. Em todo o mundo. cada vez que alguém anota o dia,
mês ou ano, está afirmando alguma coisa a respeito de Jesus
Cristo. Está afirmando que tantos anos, meses, dias se passaram desde que Jesus Cristo nasceu. Jesus é o centro do tempo. Ele é também o fim do tempo, pois o tempo cessará
quando ele voltar em glória. O tempo estará então cumprido.
Qual a importância disso para nós ao tentarmos compreender a natureza da tarefa cristã?
Em primeiro lugar, esse tempo vem a nós carregado de destino. O tempo não é um vazio, que possamos preencher como
queiramos, com o que quer que desejemos fazer. O tempo
pertence a Deus e cada um de seus momentos traz consigo
Sua vontade para nós. O que fazemos é nossa resposta a essa
vontade: e pela nossa resposta define-se o nosso destino. “Sê
pois extremamente cuidadoso com a vida que levas; . . aproveita ao máximo o teu tempo. . . compreende qual a vontade
do Senhor” (Ef. 5:1 5,16 - na tradução de Moffatt)
Em segundo lugar, o tempo chega a nós carregado de direção. Deus está trabalhando, e o tempo flui de Seu ato de
criação para o Seu ato de encarnação, e deste para o Seu ato
de consumação. De tal maneira que ao lidarmos com o tempo estamos, por assim dizer, forçados a lidar com ele na direção por ele mesmo determinada. Tentar outra coisa é simplesmente remar contra a corrente. Jesus disse:
87
“Quem não é por mim, é contra mim; e quem comigo não
ajunta, espalha” (Luc. 11:23).
E, em terceiro lugar, o tempo nos chega com uma decisão
desafiadora. “Hoje, se ouvirdes a Sua voz, não endureçais os
vossos corações” (Heb. 3:15). “Agora, é o tempo aceitável;
agora é o dia da salvação” (II Cor. 6:2). Esta é a base da urgência que caracteriza a vida cristã. O tempo está sempre no
indicativo presente na companhia de Deus.
Os escritores bíblicos eram de tal modo dominados pelo
reconhecimento dessa qualidade do tempo que o relato histórico que nos dão é determinado por essa atitude. Todo o
acontecimento é colocado primeiro no seu lugar cronológico
e explicado no plano da liberdade de vontade do homem.
Este é o plano do chronos, do tempo como seqüência.
Aqui os acontecimentos se realizam como resultado da atividade humana ou dos fenômenos naturais. Os Impérios surgem e caem, batalhas são perdidas e ganhas, indivíduos vivem e morrem, povos aparecem e desaparecem, causas humanas são estabelecidas ou derrotadas. Mas toda a história
da vida humana está sob a vontade eterna de Deus. Deus se
preocupa com o mundo que criou. De tal modo que cada
acontecimento, embora aconteça no plano da vontade livre
do homem, também acontece sob os olhos de Deus. Tem
uma referência vertical. A função do profeta era ligar essa
referência vertical a cada acontecimento e pronunciar julgamento sobre ele, como acontecimento ocorrido num mundo que pertence a Deus e onde Deus é Rei. Esse plano de
referência é o plano do “ai6nios”, o plano da eterna vontade
de Deus.
Dizer que Deus é o Rei, contudo, é dizer não só que o reinado a Ele pertence, mas que esse reinado é mantido. Sua soberania sobre o mundo é real. Ele determina os fins a que se
destinam nossas ações. Nós pensamos estabelecer nossos próprios desígnios, mas Deus manipula os acontecimentos humanos para a realização de sua vontade. O plano do “aiônios” se
88
desenrola no plano do “chronos” até que se cumpra o tempo.
Cada acontecimento é tempo cumprido - kairos” - levando a
decisão de Deus e contendo em si mesmo a promessa do
futuro.
Para dar dois exemplos:
O exílio judaico na Babilônia foi um acontecimento no
“chronos”. Deveu-se à grandeza do império babilônico e as
rivalidades estavam assim despertadas. Mas, estava condicionado ao julgamento de Deus sobre o pecado do povo judaico. Aqui estava a referência vertical desse acontecimento
com o “aiônios” o plano da eterna vontade de Deus. Tal acontecimento marcou o fim de um período e o início de outro,
na história da ação redentora de Deus. Era “kairos”, tempo
decisivamente cumprido.
A crucifixão de Jesus resultou do jogo de muitos interesses humanos. Foi um acontecimento no “chronos”. Estava
também no plano definido e no prévio conhecimento de Deus,
“um acontecimento que teve sua origem em “aiônios”. Ocorreu quando se cumpriu o tempo e a hora da chegada -quando
era “kairos”.
Num estudo da teologia da evangelização, esta concepção bíblica do tempo é importante porque a estratégia da
evangelização tem de basear-se em última análise no entendimento individual do “kairos”. O mundo está cheio de
desesperadoras necessidades, e nossa época está tão cheia
de insistentes perguntas, que há forte tentação de dissipar
esforços, querendo fazer tudo. E’ essencial discernir a questão estratégica, para esclarecer os problemas que encerram
a promessa do futuro. Como o Dr. John R. Mott tantas vezes
tem posto em destaque, a necessidade é que a Igreja tenha
uma estratégia móvel. A Igreja precisa de lançar as suas forças aonde o inimigo está mais fraco, onde é possível introduzir uma ponta de lança, como também onde o inimigo está
mais forte e onde forte deve ser a defesa. Malbaratar nossos
recursos mantendo a luta num setor, simplesmente porque
ali a começamos, é esquecer a guerra em que estamos em89
penhados. Se nos sentimos oprimidos, quer dizer que estamos
em luta com o inimigo, se nos sentimos confortàvelmente,
significa que estamos detrás das linhas de batalha. E’ sempre “kairos” em algum lugar.
A outra verdade é que não é sempre o mesmo “kairos” em
toda a parte. Os que participaram da Assembléia de Amsterdã do Conselho Mundial de Igrejas guardam profunda lembrança disso. Realmente, ali podemos discernir o significado de mútua relação para a Igreja, do fato de que em cada
país a Igreja está condicionada, tanto pelo momento histórico que esse país atravessa como pelo momento histórico peculiar à própria Igreja. Reconhecemos em Amsterdã que, se
bem que haja um só mundo, há também muitos mundos.
Histórica, política, econômica e socialmente, nem todas as
partes do mundo estão na mesma hora. A tarefa da Igreja e
dos cristãos na África é diferente dos da Grã-Bretanha; as
alternativas que a Igreja e os cristãos da América enfrentam
são diferentes dos que estão na Tchecoslováquia; o clima da
fé cristã na índia ou na China é diferente daquele do continente europeu. Mas também reconhecemos em Amsterdã
que embora a Igreja em cada país esteja enfrentando momentos diferentes, há uma hora que caracteriza a Igreja de
um modo geral. A história determina as fronteiras da tarefa
da Igreja, mas a Igreja como Igreja também cria uma das
fronteiras do mundo. Pedem-nos que mostremos a importância da fé cristã diante dos problemas e necessidades mundiais - importância essa que deve ser explanada em termos
diferentes de acordo com cada situação concreta; mas
estamos também sob a ordem de Deus para chamar os homens a viver abundantemente, de modo relevante, relevante para o prosseguimento do trabalho de Deus e seus propósitos. Não é bastante espalhar a manteiga da teologia sobre
o pão da política. Tornam-se necessário que os homens, que
hoje pedem à Igreja que lhes prove a importância de Deus,
sejam convidados pela Igreja a tornarem-se eles mesmos
primeiro relevantes para Deus. Como as igrejas em nossos
vários países, enfrentamos momentos históricos diferentes
90
com tarefas diferentes. Mas, por outro lado, como Igreja,
enfrentamos juntos o mesmo momento histórico, pois a tarefa da Igreja em toda a parte e sempre é simplesmente ser
a Igreja.
Aqui está uma série de quadros em termos dos quais Amsterdã me fez pensar no mundo e seus problemas, quadros
que me parecem definir a natureza do momento que diferentes partes do mundo atravessam; e por causa dessa definição, são quadros que sugerem também as tarefas que as
igrejas enfrentam. Quando olhamos para a Europa, parecenos que ela está no seu tempo de colheita. O trigo e o joio
cresceram juntos, mas agora o tempo da colheita é chegado.
Nada pode ser feito pelas nações para impedir que os anjos
do Senhor ponham suas foices a trabalhar. Mas, quando o
trigo for recolhido e o joio queimado, o trigo recolhido servirá novamente de semente para novo plantio. A hora de Deus
chegou para ajuntar novamente o que resta da Europa. Na
Ásia oriental, ao contrário, parece iniciar-se o moment9 da
entrada triunfal. As velhas igrejas do ocidente são o jumento e as jovens igrejas da Ásia, são o jumentinho, sobre o qual
vem o Senhor. Os abusos dos vendilhões do mercado do Templo logo serão atacados, mas após isso virão o Calvário e a
Páscoa. Na África, o vinho novo está sendo colocado nos
velhos odres de atitudes raciais entre brancos e negros, e da
vida tribal dos próprios povos africanos. Já se pode ver a cor
rosa dos velhos odres de couro, e não está longe o dia em
que arrebentarão. Enquanto que na América o quadro que
se vê é o do remendo - remendo novo colocado em roupa
velha, que ameaça perigosamente rasgar-se.
Evangelizar é procurar discernir os tempos, seguir por onde
Deus está agindo, e preparar lugar para a vinda de Cristo.
Corremos com perseverança a carreira que nos está proposta, olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé,
Jesus (Heb. 12:1,2). Há apenas uma certeza a respeito do
futuro, e é que o futuro pertence a Ele. “Ele virá”, é a única
frase futura no credo da Igreja.
91
No final de sua mensagem à Conferência Mundial de Juventude Cristã em Oslo, o Bispo Berggrav apontou para o
teto da Catedral em que nos encontrávamos e disse: “já
observastes o teto desta igreja? E’ baixo e pesado. A atmosfera é opressiva. Por que é assim? Por certo não houve esta
intenção ao construí-lo, mas, na realidade, ele é hoje o símbolo da situação do homem. Gostaria de poder retirar este
teto provisório que tem agora onze anos. Então podereis ver
o cenário mais belo e grandioso, preparado durante esses
onze anos por um de nossos pintores noruegueses. Ele precisou deste teto provisório como chão para seu atelier. Dentro
de um ano julgamos poder ver o que está por cima. Então
tereis o mais convincente sermão que a pintura pode dar de
Cristo o Senhor. Mas não o podereis ver hoje, como não nos
é dado ver hoje o Cristo como o Senhor absoluto do mundo.
Mas ele é! Quando o teto baixo da vida temporal for retirado
conheceremos que Ele esteve aqui o tempo todo, e que o
teto baixo de hoje foi o chão do seu atelier”.
Ele virá, e o teto desta vida será levantado, e então veremos o que realizou o nosso grande Deus.
92
VI
O NÃO-CRISTÃO
Evangelizar é testemunhar. E’ um mendigo dizendo
a outro onde encontrar alimento. O cristão não oferece de sua própria riqueza. Ele não a tem. E’ simplesmente o convidado a’ mesa do seu Mestre que, como
evangelista, convida outros. Na evangelização a relação que se estabelece é a de “estar ao lado” e não
“em oposição”. O cristão coloca-se ao lado do nãocristão e aponta para o Evangelho. Ato sagrado de Deus.
Não é do seu próprio conhecimento que ele reparte, é
para o próprio Deus que ele aponta. O Evangelho cristão é a Palavra que se fez carne. Isso é bem diferente
e mais profundo do que dizer a Palavra que se fêz
discurso. A procura religiosa do sentido da existência
é realçada pela exigência de que não se atinge esse
sentido por meio da fuga ao finito e temporal, mas
tomando posição na fronteira do finito com o infinito,
do temporal com o eterno.
1. Mas Nunca Se Sabe
“Em verdade, em verdade te digo que se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus ... O que é nascido
da carne, é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito.
Na’o te admires de eu te dizer: Importa-vos nascer de novo.
O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes
donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido
do Espírito” (João 3:3-8).
Há sempre algo imprevisto no modo como o Evangelho
produz efeito quando proclamado. Nota-se isso melhor onde
93
o Evangelho é pregado aos de outra fé religiosa. Pois onde
há outra fé, o Evangelho precisa necessariamente de se relacionar com aquela fé, tanto em julgamento quanto em realização. Tentaremos neste capítulo explicar esta relação, lembrando-nos, contudo, de que nem por isso tornamos o resultado do Evangelho menos imprevisto, mas apenas ajudamos
o evangelista a tornar mais adequada a sua pregação.
Para fins de discussão, escolheremos o Budismo como a fé
não cristã com que lidaremos; e para dar maior vida aos
argumentos, usaremos o artifício da troca de cartas entre
cristão e budista. Se escrevesse a um budista procurando
uma entrada que me possibilitasse a apresentação do Evangelho, que diria? Como explicaria a perspectiva crista quando ele vê pelo prisma de outra fé? Eis como o tentaria fazer:
Esta carta é escrita a você, budista, por mim, cristão. Isto
significa que é escrita por alguém que aceita a vida e os
ensinos de Jesus Cristo como a chave para a mais completa e
adequada compreensão da vida e de seu sentido. Mas, também, como é uma carta dirigida a você, budista, procurarei
estabelecer certa relação entre o que quero dizer e aquilo
em que você já crê. Além do mais, esta carta é apenas uma
introdução. Deve ser seguida de uma declaração positiva da
fé crista. Pode ficar certo de que ao fazer tal declaração,
tentarei fazê-lo em palavras e imagens que lhe sejam familiares. Será inevitável, naturalmente, se bem que as palavras e as imagens lhe sejam familiares, que você as veja num
contexto diferente e por vezes contraditório do contexto que
seria natural ao Budismo.
A verdade do Budismo
Talvez esta carta devesse começar por uma pergunta que
estou certo você deseja fazer. Terei eu o direito de usar
palavras e idéias que pertencem a uma religiao para expressar as verdades de outra? Não é cada religião um todo, e não
são as suas idéias e significado derivados da posição que ocupam nesse todo? A pergunta é legítima, mas a resposta tem
94
de ser que. ao usar palavras e idéias, assim derivadas, não
tenho a intenção de imprimir na fé crista elementos da verdade como os vejo no Budismo; mas apenas tento explicar a fé
crista em linguagem que já tem sentido para um Budista. Há
também uma segunda resposta da qual depende esta primeira. Quando eu, cristão, estudei o Budismo, achei que isto
fertilizou a minha fé e enriqueceu o meu entendimento. Assim termos e idéias Budistas têm hoje para mim um significado real no contexto de minha própria fé. E’ isto que a minha
fé também me leva a esperar, pois ela assegura que Deus não
se deixou ficar sem testemunhas entre nenhum povo, e que é
o objetivo de seus desígnios reunir todas as coisas em Cristo
na plenitude do tempo (Atos 14:17; Ef. 1:10>.
As verdades religiosas não se encontram nas bibliotecas,
elas se encontram nas mentes e nas almas dos homens; de tal
modo que, se até certo ponto o estudante pode encarar com
neutralidade o estudo de uma religião, não o fará completa
nem adequadamente. Assim, não posso formular nenhuma
teoria geral quanto á relação entre a fé crista e o Dhamma
budista; tudo que posso fazer é apresentar minha fé, como
cristão, a você, como budista, em linguagem tão expressiva
quanto me for possível, e deixar assim a questão.
Mas posso também fazer outra coisa: compartilhar francamente com você minha própria apreciação do Budismo como
estudante cristão. Entre as grandes religiões do mundo, o
Budismo é uma das mais realistas. Não padece de nenhum
otimismo gratuito, quer acerca dos homens, quer acerca do
mundo. O homem é concebido como homem, sem qualquer
tentativa de investi-lo da quase-divindade; e o mundo é aceito como é, sem qualquer tentativa de racionalizar ou diminuir
sua tragédia. Além disso, todos os atavios das práticas pelas
quais os homens tentaram e tentam ainda invocar a intervenção do supernatural, está gritantemente ausente. O resultado dessa atitude é que, positivamente, o Budismo apresenta
um diagnóstico do problema da vida que é radical em sua
visão, e, negativamente, liberta-nos de todas as concepções
95
de Deus como “deus ex machina”. E’ justo que um deus que
os homens podem manipular seja desprezado.
A crença peculiar ao Cristianismo é que há dois pontos de
vista pelos quais a verdade pode ser atingida - o ponto de
vista humano e o divino. Há a verdade que o homem vê de
sua situação como homem, e há também a verdade que Deus
revela ao homem em termos do propósito de Deus para com
o homem e o mundo. De modo que a verdade inteira se
encontra ao ligar ambos os pontos de vista num só. Assim, a
vida julgada apenas pelo lado humano leva o homem ou a
sonhar com utopias ou a renunciar às responsabilidades da
vida; enquanto que, a vida julgada só pelo prisma divino leva
o homem ou a sonhar com os milênios ou a negar a realidade
da vida temporal. A verdade inteira é afirmada apenas quando
se reconhece que não podemos falar da vida sem falar simultaneamente, tanto acerca do homem como acerca de Deus,
e acerca do homem como homem, e de Deus como Deus. Na
verdade, definimos ambos os lados da verdade, somente
quando os definimos em termos de tensão - o homem em
conflito com Deus, e Deus em conflito com o homem - pois
fundi-los num só, como o fazemos quando disfarçamos o homem com a capa da divindade ou emaranhamos Deus e sistemas humanos, é destruí-los.
O que me impressiona como estudante cristão do Budismo
é que encontro no Budismo a descrição da vida e do mundo
do ponto de vista humano apenas, sem qualquer tentativa
para camuflar a situação humana; e também me impressiona
o fato de não encontrar no Budismo todas aquelas
presuposições humanas acerca de Deus que, noutras religiões, constituem tamanho obstáculo à aproximação dos homens por parte de Deus.
As asseverações de Cristo
Não quero dizer que acredito que você como Budista
ache fácil entender ou aceitar a verdade da fé crista. Você
96
não achará. Porque o ponto de vista do Budismo é a negação
da importância, senão da própria existência, ao menos deste
outro lado da vida, o lado que chamamos divino. Um estudo
do Budismo pode enriquecer o crescimento da compreensão
da fé crista em termos budistas; mas o Budismo, como tal,
não fornece base em que sustentar a fé crista. De fato, quando
você encarar a Deus como Ele é apresentado pela fé crista,
não o fará como budista, mas como homem; e você chegará
à mesma conclusão a que todos os outros homens chegaram,
quer fossem cristãos ou budistas, hindús ou maometanos;
quando o eu chega ao seu encontro decisivo com Deus os
maiores impecílhos para aceitá-lo são as verdades que o eu
já conhece e a bondade que ele já possui. Um dos maiores
Judeus de seu tempo, chegou a essa conclusão e descreveu
sua experiência nestes termos:
“Mas o que para mim era lucro, isto considerei como perda por causa de Cristo. Sim, deveras considero tudo como
perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo
Jesus, meu Senhor” (Fil. 3:7-8).
Disse-lhe tudo isso, porque é justo que, em vista da natureza do confronto com Deus, eu assim o previna. Não o uso
desprezar a contradição que há entre o axioma de Deus e as
naturais pressuposições que você possa fazer. Não se pode
querer provar a existência de Deus. Tentar fazê-lo é o mesmo que tentar provar ao cego a existência da cor. Tudo o
que. se pode fazer é mostrar que a crença em Deus é razoável, que é na base dessa crença que a vida adquire maior
sentido, e que há amplo testemunho da verdade de tal crença na experiência da vida de homens e mulheres das mais
variadas idades, culturas e raças. Deixe-me ajudá-lo a dizer: “Gostaria que fosse verdade”, e então saberei que você
verá que isso é verdade, porque Deus mesmo lhe dará visão.
Por favor, não interprete o que eu disse como trazendo
implícito o pensamento de que julgo os budistas especialmente cegos, e que a menos que essa cegueira seja curada, não
serão capazes de apreciar a verdade na sua totalidade. O que
97
tentei dizer é que vocês são cegos exatamente do mesmo modo
em que todos nós somos cegos, até que nos apercebemos da
cegueira e pedimos a Deus que nos dê visão.
Quer nos chamemos budistas ou cristãos, sabemos e vemos essa vida material, e tendemos a negar qualquer outra
realidade, pelo menos na prática. E’ quando nos convencemos de nossa incompetência e da ineficácia do mundo que
chamamos por auxílio e esperança, e os recebemos.
O cristão, quando recebe visão, começa a perceber a verdade de muitas coisas que sua religião lhe vinha há muito
ensinando, e as quais até então ele tendia a negar; o budista, quando recebe visão, começa a ver que muitas coisas que
ele aceitava como verdadeiras o são apenas em parte, e só
num novo contexto e em relação a outras verdades.
Imagino que você me acha pretensioso ao dizer isto, não
é verdade? Talvez seja; mas a fé determinante com que o
cristão se aproxima de qualquer verdade é a fé de que Jesus
Cristo é a plenitude da luz. (João 1:9). Esta não é uma afirmativa que o cristão faça em benefício de Jesus; é uma afirmativa que Ele mesmo fez. Ele chamou-se “Luz do mundo”.
De tal modo que, na presença de Cristo, tudo se vê claramente em suas justas proporções e relações. Na presença
da luz só as trevas desaparecem, tudo o mais permanece.
Dai, surgir a possibilidade de uma declaração das verdades
do Budismo dentro do contexto da fé crista, e também a de
uma declaração da fé crista em termos budistas. Em muitos
casos o contexto cristão parece revolucionário diante do conceito budista, contudo, o conceito permanece verdadeiro;
só que antes sua verdade fora mal definida porque o fora do
ângulo humano apenas.
Ao dizer isso não me esqueço de que para você a maior
dificuldade estará em aceitar que haja qualquer outro ângulo da questão que não apenas o humano; e não me surpreenderia se às vezes você pensasse que esta crença numa ordem
divina da realidade seja simplesmente um meio de escapar
às agruras desta vida, um modo de conseguir compensação.
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Minha única resposta é que os que verdadeiramente acharam e aceitaram a Deus em Cristo, também acharam que
desse modo eles se comprometiam a viver nos mesmos termos da vida que Jesus viveu: e como você sabe, e difícil usar
as palavras “fuga” e “compensação” a respeito da vida de
Jesus. Além do mais, se a verdade fosse que havia uma fuga
real da tragédia desta vida, compensação real e não
fantasiosa algo que trouxesse a esta vida verdadeiros objetivos e a coragem para atingi-los, e também assegurasse a
esperança de uma vida mais abundante depois da morte,
então seria loucura desacreditá-la.
A Natureza da Verdade
Como disse no início, isto é apenas uma introdução, uma
tentativa para lhe explicar a perspectiva crista de um modo
geral. Deve seguir-se a discussão dos vários dogmas de nossas crenças. Uma primeira questão, contudo. deve ser tratada imediatamente: a que diz respeito à natureza do dogma.
Toda a religião tem seus próprios dogmas - afirmações
não comprovadas e incomprováveis de que depende toda a
sua perspectiva. Você pode objetar dizendo que não devemos aceitar coisa alguma sem comprovação; mas então perguntaria o que você entende por comprovação. Se por comprovação você entende que não devemos crer em coisa alguma cuja existência não possa ser demonstrada em termos de
conhecimento que já possuímos, então perguntaria em que
termos é o nosso conhecimento julgado bastante adequado
para fornecer o critério de comprovação. Baseados nessa
definição de prova não poderíamos crer nem em Deus nem
em Nibbana. Se, por outro lado, você entende que não devemos crer em coisa alguma que não possa ser objeto de uma
demonstração experimental nesta vida, então concordaria
alegremente; apenas não concordaria que isso constituísse
prova, pois semelhante demonstração apenas se resumiria
no julgamento da natureza de alguma coisa pelos seus efeitos, sem lograr conhecer a causa desses efeitos direta ou
99
integralmente. Se estamos na contingência de aceitar dogmas
em todas as religiões, como escolher entre eles? Mas temos
de decidir, pois os dogmas das várias religiões não são mutuamente consistentes.
O pensamento precisa ter como ponto de partida um axioma, e quando olhamos para qualquer religião, verificamos
que se baseia num grupo de dogmas que são indepentes, e
que, partindo dessa base, procura explicar a vida e seu sentido. Quando digo “explicar”, quero dizer que busca relacionar os fatos da vida com seus dogmas. E’ nisso que consiste, em última análise, a “explicação”. Uma coisa está
explicada quando sua relação com outra mais diretamente
conhecida é demonstrada. De tal modo que uma explicação
religiosa da vida significa que, partindo de certos dogmas, a
relação entre as várias experiências e fatos da vida é apresentada, explicação essa que volta sempre aos dogmas, em
última análise.
O verdadeiro pensamento é sempre circular, deve conduzir
aos seus pressupostos; e a diferença entre dois círculos de
explicação é a diferença de raio. Algumas explicações são tão
limitadas que deixam muito por esclarecer, especialmente
muito do que é importante. A eficácia da verdade de uma
religião em contraste com outra é julgada pelo círculo de explicação que inclua o maior número de fatos relevantes.
Num artigo do Anuário Budista de Ceilão de 1930, o Budismo é definido como “a religião que sem começar com Deus
leva o homem ao ponto em que a ajuda de Deus se faz desnecessária”. Isso, além de verdade, é também inevitável. Se não começamos com Deus não terminaremos com
Ele, pois quando realmente começamos com ele não terminamos com as doutrinas de Anicca, Anatta, Dukkha. A existência de Deus significa a existência de uma ordem de vida
que é eterna - Nicca; que há postulada para a alma -Atta uma identidade que é guardada pela soberania de Deus; e
que a tristeza, a dor, Dukkha - consiste não tanto na transitoriedade das coisas, como na teimosia de nossas vontades em
100
procurar essas coisas em vez das eternas. O círculo da fé
cristã pode assim ser descrito como o que, começando com
Deus, leva o homem a perceber que só Deus possui o fundamento adequado para a melhor e mais significativa explicação dos fatos relevantes da vida.
Você provavelmente notará, nesta descrição de cristianismo, que o uso das palavras “significativa” e “relevante” está
indefinido. Em que base se pode julgar um fato mais significativo do que outro? ou uma experiência mais relevante do
que outra? Haverá base para tais julgamentos, ou não é verdade que tais julgamentos são puramente relativos e pessoais?
Aqui nos defrontamos com outro problema que deve ser
esclarecido, se pretendemos falar inteligentemente da verdade. Se, em nosso pensamento acerca dessas vastas questões somos levados, necessariamente, a pensar de modo pessoal, a resposta de um homem é tão verdadeira quanto a de
outro, e não existe padrão absoluto de verdade. Uma certa
idéia impressiona um homem como verdadeira porque ela se
“casa” com a espécie de homem que ele é, e uma idéia contrária apela para o homem de caráter oposto. Pensamos
com nosso caráter, e o pensamento não é neutro. O pensamento verdadeiro, portanto, depende do caráter verdadeiro. Em outras palavras, não pode haver verdade absoluta a
menos que haja bondade absoluta. E não pode ser uma coisa
apenas, pois a bondade é pessoal.
Assim, vemos a importância decisiva para o próprio pensamento, da existência de um Deus que é ao mesmo tempo
verdade e bondade e padrão para ambos; e podemos afirmar
que o pensamento é verdadeiro, quando é o pensamento de
um homem bom. Isto não significa que um homem bom acerte
em cálculos matemáticos. Significa no entanto que onde a
“verdade esta envolvida (verdade, não fatos - a verdade é
interpretativa da vida) a bondade é seu critério. Uma vez
negada a existência de Deus, contudo não se poderá escapar
da concepção arbitrária da bondade nem da atitude relativista
diante da verdade.
101
Este drama entre o relativo e o absoluto representou-se
em seus termos finais quando Jesus se apresentou diante do
procurador romano, Pilatos. Para Pilatos a verdade não existia. Era uma questão apenas do que servia ou não aos seus
propósitos. Para Jesus, no entanto, o fato determinante de
sua vida era a verdade à qual servia e que lhe exigia o sacrifício supremo. “Vim. . . a fim de dar testemunho da verdade”, disse Jesus; ao que Pilatos retrucou, “Que é a verdade?” (João 18:37,38) Que é a verdade, realmente, senão
Deus? Pensamos de acordo com a verdade quando pensamos
os pensamentos de Deus.
Através de longos períodos de tempo a religião continua a ser a tentativa do homem de perscrutar o universo
e dele extrai uma resposta quanto ao seu sentido: Deus
foi intimado a justificar-se perante o homem, suas necessidades, problemas, desejos, padrões; e como resultado, os homens tem ou transformado Deus à sua imagem
e semelhança, isto é, de modo a adaptá-lo aos seus preconceitos; ou têm negado a importância de Deus e até
mesmo a Sua existência. Quando se estuda a fé cristã,
no entanto, chegamos à conclusão de que, fundamentalmente, a posição é inversa. E’ o homem que se precisa
justificar diante de Deus e de seus propósitos e seus padrões. O sentido da vida do homem não está nele. O
homem é feito para Deus; e o homem alcança o seu verdadeiro destino quando cumpre o propósito de Deus para
si.
Jesus é a revelação do propósito de Deus. Nele Deus
se defronta com o homem e o desafia. E’ bem verdade
que Jesus precisa conquistar nossa aliança; mas o resultado final é que temos de conquistar sua aprovação. Ele
é o padrão tanto da bondade quanto da verdade. A verdade não pode reduzir-se a ensinamentos, há de ser uma
pessoa; pois a verdade e a bondade devem ser coerentes. Jesus viveu entre os homens, e eles viram a sua
glória, cheio de graça e de verdade (João 1:14).
102
Em busca do sentido
Disse que a eficácia da verdade depende de quão amplo é o
círculo dos fatos relevantes que ela explica. Devo agora ir
mais adiante e dizer que não sou eu nem você, mas Deus que
deve decidir quais os fatos relevantes. Em outras palavras,
são fatos relevantes para a vida aqueles sobre os quais Deus
falou, e os que Ele deixou de mencionar, são acidentais. Um
exemplo esclarecerá o significado destas palavras. Não há,
por exemplo, no Cristianismo, qualquer explicação que prove
que o sofrimento é ordenado pela justiça (~ o que pretende
fazer a teoria de Karmma), mas, por outro lado, o cristão
tenta revestir a experiência do sofrimento de sentido próprio.
Em vez de considerar o sofrimento como um mal a ser justificado, trata-o como fato a ser utilizado. O motivo determinante
é a necessidade do homem de redenção, e o ato de Deus para
redimi-lo; tudo o mais, incluindo o sofrimento, é relacionado
a esse motivo. A qualquer pessoa interessada no problema do
sofrimento como tal, esse ponto de vista do cristianismo desaponta necessariamente; e no entanto, para a pessoa que realmente se viu a braços com o sofrimento, seu ou de outrem, a
fé cristã é cheia de sentido e de esperança.
E’ num exemplo como este que se percebe claramente a
diferença fundamental entre Cristianismo e Budismo, diferença que procurarei formular agora o mais simplesmente
possível. A diferença, ao que me parece, é esta: Budha viu
que a vida não tinha sentido em si mesma, e dispoz-se a
salvar o homem dessa falta de sentido. Jesus, por outro
lado, viu que a vida podia adquirir sentido em Deus, e se
dispôs a chamar os homens a compartilhar desse sentido. A
escolha fundamental, portanto, é esta: viver uma vida apenas vazia de sentido, ou vivê-la em seu sentido amplo. Esta
escolha é fatal e inevitável.
Deixe-me dar-lhe um exemplo da diferença que fará para
você o caminho que escolher. Pense no Ceilão e no futuro do
nosso povo. A história caminha, e cada povo luta para viver
tão significativa e abundantemente quanto possível. Este é
103
o critério pelo qual se julga o progresso de um povo. Mas
você concorda em que se julgue desse modo? E porque concordar, se você acha que o alvo supremo da vida é escapar à
sua insensatez? Um cristão, ao contrário, fala em Deus como
o Deus da história, como Aquele cujos desígnios estão sendo
executados no plano histórico. Raça e nação são categorias
religiosas para um cristão. Seu valor aparece nos propósitos
de Deus. Aquele que trouxe Israel do Egito também trouxe
de Caphtor os Filisteus e os Sírios de Kir (Amós 9:7)
Assim, como cristão, sou forçado a considerar sêriamente
a vida do meu país e do meu povo; sou levado a isso pela fé,
que também me determina a perspectiva de acordo com a
qual devo pensar e agir. O nacionalismo para mim é um
dever cristão, ao mesmo tempo que é governado pelos padrões cristãos. Você provavelmente é nacionalista também,
pois a maioria de nós leva a sério a nação nos dias que correm, e contudo, como Budista, você não pode ser nacionalista. Você só pode ser nacionalista como ceilonês. Raça, nação, história - estão fora do círculo budista de explicação do
problema da vida; para o cristão, no entanto, constituem
fatos significativos e estão incluídos em nossa fé.
Reconheço que essa diferença entre o Budismo e o cristianismo em termos de sentido, pode ser negada. Pois poucos
budi6tas vivem na prática buscando apenas libertar-se da
falta de sentido da vida; ao contrário, vivem tão significativamente quanto possível. Além disso, a doutrina do caminho
das oito encruzilhadas oferece apoio para essa atitude positiva. No entanto, permanece o fato de que Budha se referiu
à morte como o adjetivo apropriado para qualificar a vida “Tudo que constitui o ser é transitório, porfiai pela vossa
salvação em diligência” (Mahaparinibbana Sutta) enquanto
que para Jesus, não é a morte mas vitalidade que caracteriza esta vida. “Vim”, disse ele”, “para que tenham vida, e a
tenham em abundância” (João 10:10).
Quero eu então afirmar que a própria vida de Budha foi
vivida nessa ausência de sentido? Não, porque Budha dedicou a sua vida a salvar os homens do desespero e da desilu104
são a que o Hinduismo contemporâneo os havia arrastado.
Sua vida foi um protesto contra o otimismo gratuito gerado
pela crença na alma cósmica, contra a salvação estéril prometida pelas práticas da religião formalista, contra a liberdade irresponsável procurada através da renúncia ascética.
Budha teve uma missão no cenário contemporâneo, daí o
atrativo e a força de sua vida.
Mas nenhum protesto, por mais intenso, pode ser transformado em religião; uma religião exige, em primeiro lugar,
algo que professar e pelo qual dirigir a vida, e não algo contra que se tenha de viver protestando. Pois quando o ser
terminar de protestar, chega inevitavelmente ao brusco despertar sob a pressão do desafio a uma vida de responsabilidades. Podemos desviar-nos desse desafio por algum tempo, mas ele terá de ser encarado algum dia e de todos os
ângulos. A religião adequada mostra-nos o ângulo mais profundo em que podemos responder ao desafio da vida, da verdadeira base da vida.
É na exposição deste ângulo que jaz a diferença fundamental entre as várias religiões, e é acerca disso que se formulam diferentes dogmas.
2. Fogo Sobe a Terra
“Eu vim para lançar fogo sobre a terra e bem quisera que
já estivesse a arder. Tenho, porém, um batismo com o qual
hei de ser batizado; e quanto me angustio até que o mesmo
se realize. Supondes que vim para dar paz à terra? Não, eu
vo-lo afirmo, antes, divisão . . . Sabeis interpretar o aspecto
da terra e do céu e, entretanto, não sabeis discernir esta
época?” (Luc. 12:49-51,56).
Apresentava eu as reivindicações de Cristo a um auditório
de Hindús numa das cidades da índia quando, no fim da exposição, alguém disse, “A religião crista e arrogante. Por que
não harmonizar os ensinos de Jesus com os das outras religiões, sem dar ênfase à singularidade da pessoa de Cristo?”
105
“Sua pergunta”, retruquei”, é comum na índia. Sri
Radhakrishnan fala da reivindicação de singularidade na religião como uma obsessão da mente semita. Mas não estou
em posição de ceder naquilo que não me pertence. Não
estou apresentando reivindicações que deseje ver atribuídas
a Cristo, mas apenas expondo as reivindicações que Ele mesmo fez a Seu respeito”.
Quem é Jesus? Este é o ponto central em qualquer tentativa
para entender a relação entre o Cristianismo e as outras religiões. Neste capítulo nos restringiremos à consideração desse
ponto na forma em que o Hinduísmo o coloca, pois é para o
Hindú que a igualdade de todas as religiões é dogma. Tal dogma
é natural ao Hinduísmo, uma vez que a concepção panteísta da
imanência é fundamental para o pensamento Hindú. Para o
Hindú, Deus é por definição tanto transcendente como imanente.
E porque é imanente, imanente em todas as coisas, há uma
unidade que permeia toda a existência e toda a experiência. As
diferenças não afetam a essência dessa unidade básica. A
transcendência de Deus é conseqüência dessa imanência. Ele é
sempre diferente e maior que as manifestações em que se faz
conhecer e manifestar. Se tentássemos estabelecer a posição
cristã em relação à transcendência e imanência de Deus, o faríamos em termos praticamente opostos. O Deus transcendente quer ser imanente. Sua imanência é um ato de Sua graça e
onde quer que haja tal imanência houve uma “kenosis”, uma
esvaziar-se por parte de Deus. Jesus é Deus que de tal maneira
Se esvaziou de Si mesmo que Se tornou homem. A imanência
de Deus é o resultado de Sua atividade na criação ao procurar
redimi-la do pecado. Foi a vitalidade da concepção cristã do
pecado, que livrou o cristianismo de uma falsa interpretação da
imanência de Deus e crença numa essência única. “Pecadores?
E’ um pecado chamar assim a um homem; é um libelo contra a
natureza humana”, disse Swami Vivekananda nas sessões do
Parlamento das Religiões em Chicago. Esta é a legítima voz do
Hinduísmo.
Havendo esclarecido um pouco o assunto com esta
discussão preliminar, podemos agora referir-nos ao assunto
106
principal deste capítulo: Quem é o Cristo? e por que o devemos proclamar ao Hindú? Uma vez que esta é uma velha pergunta, um modo simples de respondê-la seria recolher as respostas que são normalmente apresentadas, e considerá-las.
Uma primeira resposta freqüentemente dada pode ser
assim formulada: “Achei em Cristo algo de grande valor e
não posso deixar de reparti-lo com meu irmão”. Mas que
significa “não posso deixar?” Simplesmente que a alegria de
nossa descoberta transborda e exige ser compartilhada? Sabemos que queremos dizer mais do que isso. E’ a força compulsória da convicção, de que outros buscam exatamente o
que encontramos, e de que precisamos dizer-lhes como é
que eles também podem encontrá-lo. Mas suponhamos que
haja outros meios de encontrar o que achamos - e então?
Este é um ponto que não podemos simplesmente desprezar
como hipotético, especialmente quando sabemos tão bem
quanto custa a um homem mudar de fé. Conhecemos o preço
que o convertido tem de pagar, o sacrifício de abdicar daquilo a que se afeiçoou durante anos de convívio, o rompimento
com o lar que encerra as relações de afeto mais sagradas
para qualquer homem. Diante destas coisas, teremos nós o
direito de conclamar os homens a fazer isso?
Não basta dizer que o próprio Cristo predisse que isso aconteceria. Ele realmente disse que por Sua causa o pai se levantaria contra o filho e a mãe contra a filha (Luc. 12:52,53),
mas podemos considerar isso como a nossa declaração, de
direitos para lançar o pai contra o filho e a mãe contra a
filha, e a nós próprios nos satisfazermos com a idéia de que
estamos agindo em nome de Cristo? Não temos,0 direito de
causar todo esse transtorno na vida de homens e mulheres,
simplesmente porque achamos algo de valor em Cristo e o
desejamos compartilhar com nossos irmãos. Teremos esse
direito, apenas se for verdade que só Cristo pode dar o que
encontramos nele.
Assim, passamos à segunda resposta que é freqüentemente
dada ao problema que nos propusemos, a resposta de que
107
“proclamamos o caminho para Cristo porque só Cristo pode
satisfazer os anseios espirituais do coração humano.
Mas, quais são esses anseios espirituais que Cristo nos satisfaz, de modo a proclamarmos que só Ele os pode satisfazer? Perdão dos pecados, sentimento de segurança na vida, a
experiência da orientação diária, força para a vitória moral,
poder para servir no momento atual - todos concordarão que
esses figuram entre os fatos mais comumente alegados pelos
cristãos como resultado do que Cristo fez por eles. Mas é
verdade que somente nós, que seguimos a Cristo, podemos
de fato falar da nossa experiência pessoal nesses termos?
Que dizer de Manickavasagar, por exemplo, tão carregado
com o senso do pecado que rogou pela graça de poder eliminar o pecado, e no seu extremismo, volta-se para Siva que
bebeu veneno para que o mundo não fosse destruído? Que
dizer do senso de segurança da vida baseado numa experiência de Deus como “tudo em tudo” que ressoa nos cânticos de
Tirunavakarasu? E que dizer do próprio Mahatma Gandhi,
que em nossos dias testemunhou a experiência da orientação diária? Ou, ainda, que dizer da tendência moderna de
dar ênfase ao serviço e ao sacrifício como a experiência característica de um devoto de Deus, que se encontra nos escritos de Tagore? “Sai das tuas meditações e larga tuas flores e o incenso!” diz ele. “Que mal há que tuas roupas se
rasguem ou sujem? Vai ao seu encontro, e fica ao seu lado
na labuta e no suor de tua fronte”.
Qual é a nossa resposta a esses testemunhos tão parecidos com o nosso, tão semelhante aos de inúmeros cristãos?
“Mas você escolheu a dedo os seus exemplos!”, alguém poderá objetar. De fato, mas convém lembrar que eles aí estavam para serem escolhidos. “Muito disso deve-se à própria
influência contagiante do cristianismo” - afirmarão muitos Mas que força tem esta contestação? Muitos Hindús concordam que o Hinduismo, como se apresenta hoje, está profundamente influenciado pelo cristianismo. O que os preocupa,
e nós também, é o problema da conversão. “Só Cristo pode
108
satisfazer os anseios espirituais do coração humano” é a resposta que estamos considerando, e à luz do que vemos, ouvimos e conhecemos, podemos dizer - Sim - a essa proposição?
Há uma terceira resposta à pergunta que levantamos, dada
por um grupo que reconhece as dificuldades das duas respostas anteriores. Isto é o que eles dizem: “Não ousamos discutir s8bre o fato, pois não nos disse o próprio Jesus que fizéssemos discípulos de t8das as nações batizando-as
Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo? Além disso,
nós mesmos ouvimos o Seu chamado em nossos corações”.
Mas não haveria a forte possibilidade de termos interpretado mal o sentido das palavras do Mestre se fomos incapazes de
substanciar nosso direito de convidar os homens a segui-lo
com reivindicação de Sua singularidade? Quanto a sentirmos
um chamado em nossos corações, semelhante chamado não
corroborado pela lógica dos fatos seria base perigosa para a
construção de uma vida, e mais ainda quando significasse severas provações para outros homens. Mas Cristo ordenou realmente que seus discípulos Lhe fossem testemunhas “até os
confins da terra”, e a mera obediência a essa ordem simples
tem encontrado justificativa na história. A despeito de todos
os paralelismos na experiência espiritual dos homens de diferentes crenças, o testemunho de tantos que, a despeito de
ardente e incessante busca não puderam encontrar satisfação
para seu espírito em outro qualquer lugar senão em Jesus,
deve pesar como legítimo argumento. O fato de que a capacidade espiritual de qualquer homem é adequada para perceber e apropriar-se de Deus em Cristo, não constitui por si só
resposta à pergunta, “E’ Cristo único?”
E contudo, tal resposta não é suficiente base do movimento de evangelização que pensa em termos do “mundo para
Cristo”. Qualquer homem pode apropriar-se de Deus em Cristo. Sim, mas deve todo o homem fazê-lo? E’ Cristo único?
A quarta resposta à nossa pergunta é formulada em termos
da unicidade de Cristo. E’ que Cristo deve ser exaltado como
109
Senhor, porque de todos os mestres e fundadores de religiões
ele é o mais nobre, maior, único sem pecado e verdadeiro.
Ele o é, sem dúvida, mas apenas julgado pelos seus próprios padrões e não julgado, por exemplo, pelos padrões do
Cita ou do Sankara ou de Budha. Ele não praticou nenhum
“nishkamya Karma” - serviço desprovido de qualquer interesse; suas obras foram permeadas completamente de amor
intencional. Não asseverou identidade com o ser de todo o
ser; viveu reivindicando unidade com Deus, a quem chamou
Pai, e manteve para com Ele uma atitude de religiosidade
que nos parece humana, e que no entanto transcende toda a
religiosidade humana na confiança absoluta em Deus, sua
resultante. Não deu nenhuma solução final para o problema
do sofrimento nem ensinou aos homens como fugir-lhe. Simplesmente, suportou-os, compartilhando do nosso pecado e
da nossa dor, acrescentando ao problema do sofrimento do
homem o problema mais profundo do sofrimento de Deus, e
convidando os homens, não a fugir de uma vida tão permeada
de sofrimentos, mas a procurar nele a força e a esperança
para vencer o sofrimento e utilizá-lo para construir uma
vida mais ampla.
Não Se Cristo é o maior dos fundadores de religiões unicamente por seus padrões, como afirmaremos essa superioridade, quando não existe um padrão absoluto estranho às
diversas religiões? Nessa linha de raciocínio jamais provaremos a unicidade de Cristo.
Quando, porém, nos afastamos dessas respostas e olhamos para o modo como os primeiros apóstolos apresentaram
a Cristo, verificamos que seu método baseava-se num ponto
de vista completamente diferente em relação à unicidade
de Cristo. Eles nunca a discutiram. Viveram e pregaram
como homens que nela acreditassem e era a qualidade de
sua consagração que convencia os outros. Havia um tom de
urgência no seu evangelizar, uma confiança na sua fé, e uma
nota tão estranha a este mundo nas suas vidas, que testemunharam incondicionalmente de Jesus como Senhor. Nunca
110
seremos capazes de convencer ninguém daquilo que não levamos a sério, e é precisamente ao levarmos Jesus a sério que
tornamos evidente sua unidade. Pois não é uma unicidade
que lhe concedamos; é uma unicidade com que nos defronta.
“Não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos em toda a parte se
arrependam; porquanto estabeleceu um dia em que há de
julgar o mundo com justiça, por meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os
mortos” (Atos 17:30,31). Nestas palavras de São Paulo vemos como é vencida a dificuldade. Jesus é anunciado como
Senhor porque Jesus é um fato.
A unicidade de Cristo é declarada - pela graça e verdade da vida que viveu e da morte que
padeceu;
- pelo poder de sua ressurreição dentre os mortos pela
sua presença viva agora;
- pela importância contemporânea que desfruta através
da Igreja e na Igreja que é Seu corpo;
- como sendo fato válido por si mesmo através de sua
capacidade de tornar-se Deus para os homens;
- declarada como promessa e julgamento quando afirmou que viria outra vez em glória no fim dos tempos.
Esta unicidade de Cristo, portanto, que é declarada por
Deus à fé, não pode ser uma convicção a que os homens
sejam levados por qualquer transição natural de pensamento. E’ antes um fato que desafia os homens e que se firma
pela transformação que causa. Jesus é o realizador e não a
realização. Ele realiza oferecendo uma nova base de valores e de soberania. Ele não é o friso de um muro já erguido.
Em Cristo todas as coisas são postas sob um cetro, para que
por ele como Senhor sejam julgadas todas as coisas. Para
falar em termos do Hinduísmo, o Evangelho não é nem pode
ser a coroa do Hinduísmo. O Hinduísmo não leva a Cristo.
Mas basta um Hindú ver-se perturbado pelo contacto com
Cristo e com a influência cristã, e então só Cristo pode preencher os anseios de sua alma.
111
“O contacto que o Evangelho estabelece, é estabelecido pela discussão da situação e não por sua pretensa eliminação, sendo usadas as perguntas inerentes à situação de
modo a formular a verdadeira pergunta: Que pensais vós do
Cristo?
As razões para evangelizar podem, portanto, ser resumidas do seguinte modo:
Pregamos a Cristo não porque tenhamos alguma coisa a
compartilhar daquilo que Ele fez por nós; mas porque Ele é o
Cristo que veio fazer por todos os homens tudo o que necessitam.
Pregamos a Cristo não porque só Ele possa satisfazer aos
anseios espirituais do coração humano, mas porque, sendo
Cristo, só Ele deve ser o mais profundo anseio do coração.
Pregamos a Cristo não porque Ele nos tenha mandado pregar o Evangelho a todas as nações, mas porque Aquele que
assim o ordenou foi confirmado como Cristo.
Pregamos a Cristo não por Ser Ele o maior de todos os
mestres e fundadores de religiões; mas porque Ele próprio é
objeto da religião, Palavra de Deus aos homens, na qual se
pode confiar sem equívoco.
Tal é a fé que sustenta a evangelização e assim é Cristo
anunciado. Que Deus nos conceda lutar com esse objetivo,
lembrando-nos de que se nós nos recusarmos ou se falharmos, então deverá Cristo ser novamente crucificado; e será
tarefa de uma nova geração a de testemunhar a Sua me vitável
Ressurreição.
112
EPÍLOGO
Deus chamou a Moisés e disse: “Vem, agora, pois, e eu te
enviarei a Faraó, para que tires o meu povo, os filhos de
Israel, do Egito”.
Então Moisés disse a Deus: “Quem sou eu que vá a Faraó?”
Ex. 3:10,11.
Deus me chamou, mas quem sou eu?
Moisés podia se vangloriar de ter sido criado na realeza,
de seu conhecimento da antiga cultura egípcia, dos exércitos que levou à guerra, das batalhas que vencera em nome
do rei; podia vangloriar-se de sua paixão pelo seu povo, do
seu inflamado senso de justiça que havia levantado sua mão
contra a autoridade e o havia levado à fuga para o deserto e no entanto, a palavra que ele pronuncia é uma palavra de
humildade, a confissão de um homem fracassado.
Por quê? Ele estava diante da sarça que ardia sem se
consumir, e assim como nisso percebeu os recursos
inexauríveis de Deus, percebeu também sua própria ineficácia; para sua própria surpresa acrescentava-se a isso o ferrão da tarefa para a qual Deus o chamava, chamado esse que
lhe revelou abertamente sua natureza e mostrou-lhe suas
próprias limitações.
Nós também precisamos partir do lugar da nossa
autorevelação e, para nós, o lugar é junto à cruz. Foi ali que
vimos os inexauríveis recursos de Deus - Seu amor jorrando
sem se esgotar - e foi ali que perdemos as ilusões acerca de
nós mesmos. Ali começamos a vida que vivemos hoje, ali
morremos e ali renascemos, e ainda é ao voltarmos ali que
no~ vemos mais claramente.
113
Não somos o que os outros pensam de nós. Não somos e
que temos feito ou conseguido. Não somos nem mesmo o que
nos tornamos com nossos esforços para sermos bons. Ao pé da
cruz todos nós pertencemos a uma só categoria - pecadores.
“Quem sou eu que vá a Faraó?” Sou um pecador por quem
Jesus morreu. Esta é a situação interior que resulta do chamado de Deus e à qual esse chamado se dirige. “Enviar-te-ei
a Faraó”.
Faraó conhece Moisés. Conhece-o como o homem que se
criou em seu palácio, e ao qual ele agora deserdou. Faraó
conhece o povo de Israel. Conhece-o como o povo a quem
tentou destruir e a quem agora deu a tarefa de fazer tijolos
sem palha. Faraó conhece seu próprio coração. Sabe que o
endureceu deliberadamente, mas sabe que não pode evitar
esse endurecimento.
Legítimo quadro do mundo! A este mundo somos enviados! Mundo no qual a fé cristã está destituída de seu domínio sobre os costumes dos povos. Mundo que tentou destruir
a Igreja, e que agora entrega à Igreja a tarefa de construir a
paz sem lhe oferecer os recursos necessários do arrependimento ou da fé. Mundo que se recusa a ouvir a Palavra de
Deus e é ao mesmo tempo incapaz de ouvir e entender. A
própria Palavra de Deus lhe endureceu o coração e os ouvidos. E, o que é mais, nas terras das grandes religiões, Faraó
não permite que o povo chamado por Deus saia e sacrifique
ao Senhor seu Deus.
Mas, é realmente a Faraó que Moisés é enviado? Não é antes
ao próprio povo, para persuadi-lo, em nome de Deus a aceitar a
Palavra de Deus? é o próprio Deus que se defrontará com Faraó!
“Estenderei a minha mão, e ferirei ao Egito com todas as minhas maravilhas que farei no meio dele: depois vos deixara ir. .
. quando sairdes não saireis vazios” (Ex. 3:20.21). “O mundo
inteiro jaz no maligno” (1 João 5:19). A ele anunciamos o grande pedido de Deus, mas é o próprio Deus que têm de lidar e
lidará com os demônios de nossa época. E onde o povo obede114
cer e sair sob o comando de Deus, os exércitos de Faraó não
poderão segui-lo. O povo de Deus estará arregimentado noutra
frente, e o Mar Vermelho rolará entre eles.
Está precisamente aqui, no entanto, a fonte de nossa angústia. Temos de voltar outra vez ao lugar do nosso encontro
decisivo com Deus, num ato de recordação consciente e renovação de propósitos. Temos de nos ver como fracos que
vão a Faraó na força da promessa de Deus e de Seu poder.
Mas Deus agirá? Agirá em nossos dias? Está próxima a queda
de Faraó? “Senhor, será este o tempo em que restaures o
reino a Israel?” (Atos 1:6).
Aqueles primeiros discípulos haviam acompanhado Jesus
durante três movimentados anos. Tinham participado da
esperança da sua proclamação do Reino, observado com desalento sua crucificação e morte. E, agora, quando tudo
parecia perdido, Jesus voltara. Viram-no em poder, poder
que havia vencido a morte. Suas esperanças haviam se insuflado e declinado; mas agora parecia ser chegado o momento da consumação . . “Senhor, será este o tempo?”.
Estamos hoje nessa mesma disposição de espírito. Nosso
mundo parecia estar destinado ao progresso contínuo. A Igreja
estava repleta de relatos de triunfos em muitas terras. E
então, numa guerra após outra a cristandade se esfacelou e
as esperanças se desfizeram. Hoje, depois mesmo de haver
cessado o troar dos canhões - e ainda não cessou em muitas
terras - o caos permanece. Aqueles, no entanto, cujos olhos
perscrutam os horizontes longínquos falam do brilho do porvir. Mas quando?
As igrejas padeceram muito durante a guerra. Algumas
ficaram perdidas no silêncio durante anos, mas não deixaram de crer. Outras foram provadas pelo fogo, mas guardaram a fé. Outras, desafiadas pelas necessidades de suas coirmãs, responderam com presteza. Todas elas testemunharam sua experiência do poder do Cristo ressurreto, e fazem
hoje a pergunta mais cara aos seus corações: “Senhor, será
este o tempo? É esta a hora da consumação?”
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A resposta de Cristo para nós é a mesma que deu a seus
antigos discípulos. “Não vos compete conhecer tempos ou
épocas que o Pai reservou para sua exclusiva autoridade.
Mas recebereis poder ao descer sobre vós o Espírito Santo, e
sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em/li
( toda a Judéia e Samaria e até os confins da terra (Atos:7,
8). Esta é a vossa tarefa, o resto é comigo”.
“Lembrai-vos, contudo, que não é nova a tarefa que vos
dou, Eu vos mando em Meu Nome, e ireis na força que emana
da continuação de Deus em vós e, através de vós, da obra
que já iniciei. O poder que demonstrareis é o do fermento
que já escondi, a colheita que haveis de ceifar é a da semente que já plantei. As paixões que despertareis são as paixões
do fogo que Eu mesmo acendi, o amor que haveis de compartilhar é o amor do ato que pratiquei, e o fim que ireis proclamar é o fim que já está por Mim consumado. Daqui em diante o Filho do Homem senta-se à direita do poder, e virá nas
nuvens do céu.
Portanto sereis Minhas testemunhas: - testemunhas, capazes de discernir os atos de Deus num mundo onde os atos
dos homens obstruem os propósitos divinos; a
- testemunhas, que apontam para a maravilhosa realização de Deus, e para ela reclamam a atenção de seus semelhantes;
- testemunhas, que ousam considerar-se parcela da prova do que Deus tem realizado.
Mas ainda assim permanece a angústia da pergunta original, e permanece especialmente para nós, os jovens desta
geração. O futuro é nossa herança, e conquanto não perguntemos quando se dará a consumação final, procuremos
ansiosamente saber qual o futuro imediato. A que fim se
destina o nosso testemunho? Somos nós chamados a testemunhar até que as cidades estejam desertas e as casas sem
habitantes, e até que apenas permaneça o que será a santa
semente? (Is. 6:11-13), ou somos chamados a testemunhar
até que todos os homens se tenham convertido de seus maus
caminhos e desistido da violência, e Deus sé volte novamen116
te para eles e os perdoe? (Jonas 3:8-10>. Estamos diante de
Jerusalém ou de Nínive?
A resposta a estas perguntas é do testemunho que devemos dar e ao mesmo tempo o condiciona. Mas, temos nós
uma resposta? ou apenas a possibilidade de muitas respostas, todas elas derivadas da resposta última de que Deus é
Deus? Haverá guerra ou paz? E que devem os cristãos fazer
a respeito? Muitas respostas são possíveis para esta pergunta, mas nenhuma resposta será verdadeira uma vez que se
esqueça de que nem o homem, nem as nações ou as igrejas
podem escapar às conseqüências do pecado, a não ser pelo
arrependimento e mudança de vida: “Deus é Deus, e não
há outro”. “Eu sou é o meu nome. Vai, pois, fala e serei
com tua boca, e te ensinarei o que haverás de dizer”
Moisés duvidou da suficiência desta resposta para desfazer todas as suas dúvidas e foi a Aarão para que este o ajudasse - Aarão que, mais tarde, ajudaria o povo a adorar o
bezerro de ouro. Mas a resposta de Deus é suficiente, mas é
suficiente apenas quando permanece sozinha sustentando a
fé e cingindo a obediência. E’ natural clamar, “Ah, se eu
soubesse que o poderia achar! Então me chegaria ao seu tribunal” (Jó 23:3>. E no entanto basta poder dizer: “Mas ele
sabe o meu caminho” (Jó 23:10).
Assim somos capazes de ser Suas testemunhas:
- em Jerusalém, entre os que melhor nos conhecem, quer
na igreja, no escritório ou no lar, e onde o testemunho de
nossa vida pesa mais;
- na Judéia, entre aqueles cuja fidelidade ao passado
dificulta sua obediência no presente;
- em Samaria, entre os que anos de desconfiança e amargura separam de nós;
- e até os confins da terra.
Pois o testemunho cristão não conhece barreiras nem admite parcialidades. Somos testemunhas junto a brancos e
negros, às nações ocidentais, como às orientais. Somos testemunhas junto aos povos de todas as religiões e aos de ne117
nhuma religião. Somos testemunhas junto aos parias, aos
refugiados, às pessoas sem pátria, . . . testemunhas até os
confins da terra.
Assim provamos a amplitude total de sua promessa, “Eis
que estarei convosco sempre até a consumação dos séculos”; em todo o tempo e em todos os lugares, até as mais
remotas regiões da terra e até o fim, quando se estabelecerão: “SALVAÇÃO E PODER; O REINO DE NOSSO DEUS E A AUTORIDADE DO SEU CRISTO”.
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GLOSSARIO
ANATTA - Condição do que não tem alma; ausência do eu.
ANICCA - Impermanência; transitoriedade.
ATTA - Alma; o eu.
DHAMMA - Lei; doutrina; direito.
-DIDACHE - O ensino acerca do Evangelho dado aos novos
membros da primitiva Igreja cristã.
DUKKHA - Tristeza; cuidado.
EXISTENCIALISMO - Teoria filosófica, realça a responsabilidade do Individuo de ser O que e.
KAMMA - Resultado da ação; cadeia de causas e efeitos.
KENOSIS - Ato de se esvaziar (Filip. 2:71.
KERYGMA - A proclamação, a pregação do Evangelho pelos
primeiros cristãos aos não cristãos.
NIBBANA - Emancipação; estado de completa liberdade.
NICCA - Eterno; permanente; infinito.
NISHKAMYA, KARMA - Uma concepção encontrada “a
Bhagavad Gita. O sentido literal da palavra é “trabalhos sem
desejo”. A idéia é de que o serviço deve ser prestado sem
nenhum sentimento de ligação para com o próprio serviço
como finalidade máxima da vida, ou para com a pessoa a
quem se presta serviço, ou para com qualquer possível recompensa pelo serviço. A concepção ocidental mais semelhante a essa é a de Kant - “o dever pelo dever”.
SHALIACH - Mensageiro.
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Para que tenham - Igreja Metodista de Vila Isabel