Sofrimento de tantos
Morreu o Tiago. Um menino que tinha à sua espera uma vida que não viveu. Que podia ser um
dos nossos filhos, porque a Hepaturix é uma associação constituída por pais de meninos com
transplantes hepáticos. Mas os nossos filhos tiveram a sorte de terem sido transplantados nos
Hospitais da Universidade e seguidos no Hospital Pediátrico de Coimbra e, tal como eles, foram
transplantados mais cerca de centena e meia. O Tiago estava doente e só lhe foi proposto um
transplante em Espanha, com transportes (já lá tinha estado em Julho) e os inerentes riscos, num
meio desconhecido para ele e para os pais. Este vaivém foi fatal.
Todos os profissionais que, nestes últimos 17 anos, trabalharam no programa de transplantação
pediátrica continuam em Portugal, e em Coimbra. Como foi possível deixar arrastar a situação,
de tal forma que temos que recorrer ao estrangeiro para fazer transplantes hepáticos pediátricos?
Não nos conformamos enquanto todas as crianças portuguesas não tiverem o mesmo tratamento
que os nossos filhos tiveram. Tratamento de EXCELÊNCIA, embora no edifício do velhinho
Hospital Pediátrico. Agora que há um hospital com óptimas condições e todos os profissionais
de saúde (desde médicos nas diversas áreas intervenientes – hepatologia, anestesia, imagiologia,
cirurgia, cuidados intensivos – a enfermeiros) com experiência acumulada ao longo de anos,
tem de haver vontade de resolver as questões que levaram à sua suspensão.
O Dr. Emanuel Furtado saíu dos Hospitais da Universidade não porque virou as costas, mas por
ser um profissional exigente e com alto sentido ético. É certo que não é professor, nem é
doutorado, porque a sua opção foi outra, mas é, sem sombra de dúvida, um grande cirurgião,
com provas dadas. É o único em Portugal que faz bi-partição do fígado, e é o único que faz
transplantes hepáticos pediátricos (além de também fazer de adultos) e é também o único que
faz transplantes hepáticos com dador vivo. O seu mérito é reconhecido internacionalmente. E já
disse publicamente que está disponível para voltar aos transplantes desde que a estrutura dos
serviços assente em recursos humanos diferentes. Quando em 2006 os transplantes hepáticos
pediátricos também estiveram suspensos, para que o Dr. Emanuel Furtado regressasse foi
designado coordenador desse serviço e tal foi anunciado, mas não lhe foi explicado, nem a
ninguém, que tal cargo não existia!
O problema é da estrutura do serviço e das pessoas que o compõem, Portugal não é capaz de
resolver um problema destes? Vamos pagar ao estrangeiro, bem caro, um serviço que sabemos
fazer cá? E o sofrimento das famílias? Na nossa Associação, recebemos pedidos de ajuda dos
pais que foram enviados para Espanha sem terem sido acautelados os apoios sociais. Chocante!
Não só têm o sofrimento pela doença dos filhos, como têm dias de espera intermináveis
enquanto fazem exames para estudar a possibilidade de serem dadores vivos (em Portugal só em
último caso teriam de enfrentar esta situação), alguns ainda voltam para Portugal enquanto
esperam, apesar do estado debilitado das crianças, e tudo isto com dificuldades de idioma e
financeiras desde a utilização da máquina de lavar a roupa, que no hospital custa 4€, até à
alimentação e estadia para o pai ou para a mãe, pois o hospital apenas os proporciona a um
acompanhante.
Queremos acreditar que há coragem para a retoma dos transplantes hepáticos pediátricos, para
que todos os portugueses possam ter o mesmo apoio que nós tivemos para os nossos filhos, com
a mesma qualidade e no nosso país.
Maria Tereza Larisch
HEPATURIX
Presidente
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