Detecção de resistência antimicrobiana em bactérias
isoladas de animais será tema de palestra
O uso indiscriminado de antimicrobianos na produção animal tem
favorecido a disseminação da resistência antimicrobiana entre humanos,
um problema com sérias consequências para a saúde pública. Por essa
razão, é grande o interesse no desenvolvimento de métodos que
permitam detectar a resistência antimicrobiana em bactérias isoladas de
animais. A professora Miliane Moreira Soares de Souza, da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), falará sobre esse assunto durante
uma palestra no XXVIII Congresso Brasileiro de Microbiologia, que será
realizado em Florianópolis entre 18 e 22 de outubro. Nesta entrevista à
Micro in foco, a professora falou sobre os desafios metodológicos à
identificação da resistência antimicrobiana em micro-organismos oriundos
do gado e das aves de granja.
Um levantamento recente de pesquisadores da Universidade de
Princeton detectou que 80% dos antibióticos consumidos a cada ano nos
Estados Unidos são empregados na pecuária. Quais os perigos dessa
prática?
A utilização de antimicrobianos como promotores de crescimento em
produção animal tem o objetivo de controlar doenças infecciosas que
poderiam comprometer a conversão alimentar e o índice de
produtividade. Esta prática acarreta a concentração de resíduos desses
fármacos no ambiente, na carne e derivados desses animais, como o leite,
levando a um aumento da pressão de seleção positiva o que contribui
para a expressão da denominada resistência antimicrobiana ativa, e
consequente dispersão de genes de resistência. Por esse motivo, a União
Europeia promove embargo a produtos que apresentem resíduos de
determinados antimicrobianos.
Quais as alternativas para tornar a criação de gado e as granjas menos
dependentes do uso de antibióticos?
Essa é uma pergunta com inúmeros vieses, porque depende do tipo de
produção e da realidade local. Mas, de modo geral, é preciso atuar de
modo permanente na capacitação profissional das pessoas diretamente
envolvidas no manejo dos animais, para que a adoção de boas práticas
seja inerente ao trabalho e não apenas um conjunto de ações registradas,
mas que não são observadas no cotidiano da produção. Além disso,
envolve aspectos como qualidade da água, limpeza do ambiente do
entorno, controle de dípteros e outros possíveis agentes carreadores de
agentes patogênicos, entre outros.
O que as pesquisas mais recentes têm revelado sobre a disseminação da
resistência antimicrobiana nos diferentes ambientes de produção
animal?
Em linhas gerais, o que os estudos apontam é que, em decorrência dos
diferentes tipos de criação e modelos de produção, da circulação de
espécies que se inter-relacionam, dos distintos agravos e desafios
enfrentados, esses ambientes promovem intensa circulação de agentes
bacterianos e, consequentemente, elevada circulação de genes de
resistência. Ao agregar a esse conjunto o uso indiscriminado de
antimicrobianos, gerando aumento da pressão de seleção no meio,
estabelece-se um ambiente propício à recombinação gênica e à
propagação dessas informações de resistência. Exemplos desse modelo de
propagação foram o surgimento das cepas VRE em ambiente de
suinocultura e das cepas MARSA-LA.
Quais são os principais desafios envolvidos na detecção de resistência
antimicrobiana em bactérias isoladas de animais?
Em primeiro lugar, é necessária a identificação precisa das espécies. Se
consideramos um gênero como Staphylococcus spp, extremamente
abundante no cotidiano da produção animal, temos um maior número de
espécies coagulase-positivas e perfis de resistência distintos –
diferentemente do que ocorre na medicina humana. Outro aspecto que
foi observado é que alguns testes baseados em resistência que funcionam
para diferenciação de bactérias provenientes de humanos não
necessariamente serão eficientes para aquelqs provenientes de animais. É
o caso, por exemplo, da resistência à bacitracina, de baixo uso no
ambiente de produção e mesmo na clínica veterinária de animais de
companhia. Quanto à detecção gênica de resistência, um estudo reporta
que mudanças pontuais na região de anelamento do gene mecA em
bactérias oriundas de hospedeiros bovinos impediam o anelamento do
iniciador desenvolvido com base na seqüência gênica de bactéria de
hospedeiro humano, gerando resultado falso-negativo. Esse gene é
correlacionado com a predição de resistência a beta-lactâmicos.
Atualmente, trabalhamos na construção de um iniciador universal, para
sua ampliação. Além disso, foram descobertos genes homólogos ao mecA
em animais. Essas observações revelam que a transposição direta de
metodologias da microbiologia clínica humana não permite a acurácia e a
especificidade necessárias.
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