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Introdução
As informações que, neste trabalho, serão avançadas justificam-se por vários
motivos, os mais importantes dos quais remetem para o facto de, em primeiro lugar,
podermos contribuir para melhorar as leituras dos textos de Fernando Pessoa, Mário de
Sá-Carneiro e Almada Negreiros, contemplados pelos programas de Literatura
Portuguesa das nossas Escolas e, em segundo lugar, podermos ajudar a sistematizar
alguns dos fundamentos estético-literários dos autores em questão. Nesse sentido, e no
que diz respeito a Fernando Pessoa, conferiremos realce aos seus ismos, assim como ao
seu processo de produção estético-literária; privilegiaremos, seguidamente, os
fundamentos estético-literários subjacentes à heteronímia, propriamente dita, e, depois,
o universo estético-literário dos seus heterónimos (universo esse que, revestindo-se de
uma enorme importância nos estudos pessoanos, confere à sua obra um significado
profundamente polifónico). A partir daí, e seguindo sempre que possível uma
metodologia próxima da abordagem didáctico-pedagógica, procederemos à leitura de
alguns dos fundamentos artísticos, estéticos e literários das outras duas personalidades
de proa do primeiro Modernismo português: Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros
— o que significa que, também nesta fase, as reflexões teóricas, epistolares e
programáticas destes dois autores deverão ser encaradas como um contributo importante
para melhor compreendermos a sua obra estético-literária.
Torna-se, assim, evidente que a metodologia e o objectivo geral inerentes a este
trabalho explicam não só os termos por vezes esquemáticos, mas também o método
expositivo com que serão apresentados determinados assuntos, tendo em vista, em
última instância, quer a eficácia interpretativa, quer a cristalização do gosto pelo poeta
fingidor, pelo inquieto poeta do “Quase” e pelo fremente autor do Manifesto AntiDantas. Deste modo, atentos a esta última problemática, procuraremos abordar — de
forma tanto quanto possível coerente e sistemática — problemas que nos parecem
nucleares para uma realização do ensino satisfatória, onde todos deverão sentir-se
preenchidos pelo prazer da leitura de Pessoa, Sá-Carneiro e Almada.
Registe-se, finalmente, que a leitura dos autores em questão, assim como do seu
contributo para a formação do período literário que fundamentalmente representam — o
primeiro Modernismo português —, adquire um relevo ainda maior quando as suas
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obras remetem, variavelmente, para as noções de desassossego e de crise: crise da
civilização europeia, crise nacional, crise do sujeito…
Na esteira deste raciocínio, torna-se, portanto, necessário ter em conta que as
considerações que se façam sobre estes representantes do Modernismo devem nortear-se
pela noção de que qualquer discurso tem inerente a si uma orientação social, já que se
configura sempre como prática que não pode ser equacionada à margem de um diálogo
com o espaço e o tempo históricos. Parece-nos assim importante, antes de tudo,
sublinhar a impossibilidade de ler o texto literário como mensagem fechada em si
mesma e a necessidade de o encarar no âmbito mais geral das relações dialógicas com o
contexto. Ora, se assim insistimos nesta questão é porque nos parece necessário vincar,
em função do que se disse, que Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada
Negreiros não podem ser vistos fora de uma relação com os parâmetros estéticos e
ideológico-literários e com o cenário cultural que os precedeu e/ou os rodeou. Por isso
se justifica, quanto a nós, concedermos, antes de tudo, alguma importância ao contexto
sócio-cultural e estético-literário dos finais do século XIX e dos inícios do século XX.
Disse Mikhaïl Bakhtine que um enunciado «deve ser considerado, antes de tudo,
como uma resposta a enunciados anteriores […]», pretendendo com isso vincar o cariz
intertextual da obra literária, que assim deve ser sempre escrita (ou lida) dentro de uma
historicidade que marca inevitavelmente o escritor (ou o leitor). E se é verdade que
Pessoa, Sá-Carneiro e Almada imprimiram, cada um a seu modo, uma grande dinâmica
ao tratamento conferido a alguns temas consagrados por uma já longa tradição (o acto
de produção literária, o eu, a loucura, a morte, a crise interior, a relação entre o sujeito e
a colectividade), também não deixa de ser verdade a noção segundo a qual se ligaram
dialogicamente a um tempo que os precedeu e/ou que os rodeou: um tempo de
triunfalismo, sim, mas também de crise — que a Literatura procurou denunciar e
ultrapassar.
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