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CRôNICA DE UMA MENINA
oc, toe, toe. O barulho do sapato alto eeoava no corredor frio.
Entrou em easa apressada. O vento que entrava pela janela aberta fazia a cortina levantar. Atravessou a sala correndo. Chegou
na cozinha: Deus! Que bagunça", pensou. Olhou no relógio e
pôs-se a trabalhar. Tirou um pacote de macarrão do armário e
mergulhou-o em uma panela com água já fervendo no fogão. Olhou em
volta desanimada: havia pratos e panelas sujas na pia, restos de comida no
fogão, e no chão havia farinha e cascas de laranja. Depois de tudo limpo
foi tomar banho. Após uma boa chuveirada veio à sala. Olhou com espanto para a janela, pois sabia que nunca houvera grades nela. Mas elas
estavam lá, firmes e horríveis. Chegou-se à janela e olhou para baixo. Para
seu espanto, não viu a rua cheia dos habituais automóveis, e nem enxergou
a costumeira poluição, e sim um rio, gramados verdes, pássaros, peixes e
esquilos que vinham beber a água cristalina do rio.
-Maria, que cheiro horrível é esse?
Nesse instante despertou, e com um pulo de susto encontrou seu
marido a gritar com ela. Só agora tinha se dado conta do horrível cheiro de
queimado que enchia a sala. Correu para a cozinha e tirou do fogo o
macarrão queimado. Nesse momento se perguntou: " O que eu estou
fazendo casada com esse estúpido?" Voltou à sala e encontrou-o a ler jornal. Ela tirou os sapatos e quando estava saindo de casa, escutou-o perguntando: "Aonde vai?". Sem responder, desceu as escadas e encontrou, como
imaginava, o rio, o gramado e tudo mais que vira da janela. Com os pés
descalços, caminhava na grama quandou olhou para a janela e percebeu
que não havia mais grade e sim uma pomba. E a pomba ficou olhando-a
caminhar rumo à liberdade.
Gabriela Muniz Barretto
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PARA QUEM GOSTOU DA CRôNICA
Em um dia de abril de 1991, Gabriela, uma menina de 12 anos,
resolveu dar um presente pessoal e significativo para Benedicta Savi,
sua tia, que fazia aniversário. O presente foi esta crônica, escrita por ela
e guardada com carinho por Benedicta, até que a Enfoque Feminista
tivesse acesso ao seu baú. Pela delicadeza e qualidade do achado,
achamos que o presente de Gabriela merece ser compartilhado pelas
leitoras da revista.
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QUESTõES DE JUSTIçA
Não dá mais prá deixar de reconhecer, no plano político, social e econômico, a
necessidade de defesa dos direitos humanos das mulheres pelas Nações Unidas. Na
Conferência Mundial de Viena, as mulheres mostraram como têm sido excluídas
das políticas de direitos humanos nas direfentes culturas e nos mais distintos países. E se
organizaram para provar à ONU que suas reivindicações são determinantes para a tão
almejada paz e e o desenvolvimento mundiais. Conseguiram?
Se o conceito de justiça almejado pelas mulheres não tem sensibilizado
governos e estruturas de poder no planeta, então o único argumento eficaz
é a força política e organizativa das humanas. Mais do que a
garantia de medidas e políticas efetivas, o que as ativistas
de Viena conseguiram foi demonstrar essa força crescente. E a
disposição de usá-la para garantir direitos de gênero e também de
raça, de credo, de classe, para dar legitimidade às políticas
que se delineiam para o futuro do planeta.
O conceito de justiça que buscam as mulheres é, assim,
preocupação presente em vários assuntos que
Enfoque Feminista traz neste número. Pra
começar, a cobertura da Conferência de Viena,
com opiniões e relatos de brasileiras que lá
estiveram.
O direito à opção do aborto é outra questão de justiça
para o incontável número de mulheres que se submetem,
ao mesmo tempo, às redes clandestinas e a leis que as culpabilizam. Para as católicas que defendem a legalização do
aborto, a luta tem um outro componente cruel. A hierarquia da
Igreja se agita para negar-lhes também o direito de expressão.
E o que falar de D. Helena Greco, 77 anos, condenada pela Justiça,
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porque andava lutando por justiça? E da costureira desempregada, condenada por não poder arcar com uma pensão alimentícia? A igualdade de direitos virou um novo pretexto para discriminar?
A expansão da AIDS parece que já não escolhe vítimas. Será que não? As
pesquisas para prevenção deixaram de lado alguns sintomas tipicamente femininos. E
agora as mulheres se descobrem alvo crescente da epidemia. Será que também com
relação à AIDS é preciso lutar para que as mulheres sejam igualmente contempladas nas
políticas preventivas?
Este número de Enfoque, como se vê, traz uma boa amostragem de batalhas que estão na ordem
do dia das mulheres no Brasil e no mundo. Algumas, a exemplo da AIDS, são uma verdadeira corrida contra o tempo.
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2& JUN 1995
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S«tof d« Docufíisnlação
íoiêmicí^i
ENTRELINHAS TORTAS
O papel aceita tudo. Uma grave denúncia de violência contra
meninas simplesmente sumiu e foi alterada no relatório da CPI da
Violência Contra a Mulher. Em seu lugar, a relatora resolveu colocar
algo que fosse "mais leve",
mais genérico. O papel aceitou. Mas as mulheres não!
A obtenção do relatório definitivo da CPI da Violência
Contra a Mulher, encerrada
em novembro do ano passado, no Congresso Nacional,
transformou-se em meta nQ 1 da campanha "A impunidade é cúmplice da
Violência" deflagrada em março, no Ia.
Encontro Nacional de Entidades
Populares contra a Violência à Mulher.
Nem a divulgação das conclusões,
nem as providências solicitadas pela CPI
puderam ter encaminhamento, simplesmente porque o relatório foi adulterado
no seu texto final.
Essa história começou em 6 de
agosto de 1992, quando o jornalista
Gilberto Dimenstein, ao depor, denunciou
João Carlos Di Gênio, dono do Colégio
Objetivo, de aliciar meninas para prostituição para "servir" aos políticos.
A CPI, como é de praxe, acatou a
denúncia para as providências cabíveis.
Na primeira versão do relatório, aprovada
pelos integrantes da Comissão, constava a
denúncia do jornalista. Mas na redação
final, a relatora Etevalda Menezes Grassi,
decidiu alterar os termos da denúncia por
considerá-los "pesados demais".
Sua redação ficou assim:" recebeu
esta comissão a denúncia de que empresários, donos de colégios, agenciaram
adolescentes para a prostituição de luxo".
Além de poupar o acusado, a relatora acabou ampliando o alvo da denúncia
para os proprietários de colégios em
geral. Com justa razão, a presidenta da
CPI, Sandra Starling, se recusou a assinar
o relatório mutilado. Estava criado o
impasse.
O
RECUO DE
Di
GêNIO
Ao mobilizar-se para exigir o
relatório sem adulterações, o movimento
de mulheres acabou enfrentando ataques
do próprio empresário, aparentemente
pouco informado sobre a capacidade de
resposta das mulheres.
Depois de ouvir uma entrevista
sobre o assunto na Radio Jovem Pan,
onde seu nome foi citado, Di Gênio abriu
uma ação contra a emissora e em sua
petição procurou desqualificar as entrevistadas (Maria Amélia Teles, da União
de Mulheres de São Paulo e Denise
Dourado, do Grupo Themis, do Rio
Grande do Sul), questionando a sua representatividade e até a existência de um
movimento de mulheres.
O movimento feminista reagiu. A
vereadora Tereza Lajolo (PT-SP) enviou
carta a lideranças, de norte a sul do país,
informando sobre a linha de defesa do
empresário, a tentativa de descaracterização do movimento e desqualificação de
suas representantes. Em resposta, dezenas
de feministas independentes ou vinculadas a sindicatos, universidades, partidos
políticos e movimento negro, manifestaram seu repúdio através de cartas que
foram entregues ao juiz. O empresário, ao
perceber a repercussão negativa de sua
atitude, recuou e retirou a ação. Vitória
das mulheres. A primeira neste caso.
A segunda vitória acontecerá quando o relatório, com todas as denúncias e
propostas, for finalmente emitido.
Uma comissão de mulheres de
diferentes estados brasileiros, que contou
com o acompanhamento da deputada federal Sandra Starling (PT-MG) e as vereadoras Neusa Santos (PT-BH) e Tereza
Lajolo (PT-SP), entregou à Presidência da
Câmara, durante o Encontro Nacional
"Mulher e População", ocorrido em Brasília no dia 28/09/93, um abaixo-assinado
com mais de mil assinaturas.
Depois disso, as negociações para
obtenção de uma real versão dos fatos no
relatório avançaram bastante. Concordouse que ele daria conta de todas as denúncias e propostas da CPI. Porém, no dia
marcado para assinar o relatório, a deputada Etevalda Menezes Grassi não compareceu. Daí o nosso apelo à deputada
para que assine a versão final do relatório,
pois é preciso concluir de fato os trabalhos da CPI da Violência Contra a
Mulher.
Nota: As leitoras ou leitores podem
reforçar o apelo para a Deputada
Federal Etevalda Menezes Grassi, para
que assine o relatório, pelo Fax:
(061)318-2213.
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GUERREIRAS
DE VIENA
MARIA AMéLIA
A Conferência de Viena teve que se render à força de suas
guerreiras. Desde o Fórum Paralelo das ONG's, chegavam os
alertas das mulheres em luta no mundo. Lá elas brigaram por um
novo conceito de humanidade, sem adjetivos excludentes.
Com elas, avançaram os direitos humanos de modo geral.
E os direitos das humanas ganharam assento próprio nas
recomendações que partiram da Conferência para o planeta.
O termo "homem" deixou, já
faz tempo, de figurar como
sinônimo de humanidade no
documento dos povos sobre
direitos humanos: a
"Declaração" de 1948. Mas quando, em
1993, se instalou a Conferência Mundial
de Viena, a grande guerra travada pelas
mulheres na defesa de seus direitos foi
desferida contra o próprio conceito usual
de humanidade.
Com toda a universalidade de
idéias, contradições e valores que deveria
encerrar, a palavra "humanidade" que
transita nos documentos oficiais do
mundo é ainda excludente e autofágica.
Como bem definiu uma representante
brasileira na Conferência, sua adjetivação
tem sido branca, masculina, heterossexual, ocidental e economicamente independente.
Os excluídos desse modelo, tendo
à frente as mulheres, conseguiram produzir, em junho, um "negativo" da cultura humana sobre o planeta. Jogaram
luzes sobre números, histórias, estatísticas e denúncias do tratamento subhumano por razões de sexo, de raça, de
credo, de exílio, de idade, de saúde, de
pobreza. Revelaram seus diferentes contornos políticos, sociais, econômicos,
geográficos, territoriais, e cada um deles
agudizado quando a parcela de vítimas é
constituída de mulheres.
Depois de Viena, novas urgências
em busca de um conceito universal de
humanidade estão colocadas na ordem do
dia das lutas internacionais, entre as
quais é possível apontar algumas das
mais importantes.
A idéia de que desenvolvimento
seja direito humano foi uma das premissas nas recomendações da Conferência,
de importância mesmo revolucionária se
contraposta ao conceito de desenvolvimento que tem imperado no mundo.
Com ela, se reforçou, como direito
humano, o acesso de todas as pessoas ao
emprego, ao trabalho, aos meios de produzir, o que também é muito mais do que
o poder econômico concentrado no planeta, fascinado com as exclusões da mão
de obra sugeridas pelo avanço tecnológico, esteja disposto a "conceder".
A terra é um direito humano. Ao
reconhecê-lo, a Conferência de Viena
falou alto e bom tom sobre a reforma da
propriedade da terra, indicando por conseqüência algo de óbvio e fundamental
sobre a miséria. Não haverá projeto conseqüente para a humanidade que seja
causa ou se alicerce na produção da miséria. A miséria, mostrou Viena, é
incompatível com qualquer futuro para o
próprio planeta.
ENTRA EM PAUTA A
QUESTãO DE GêNERO
Pode-se dizer que as mulheres
foram as grandes guerreiras de Viena e o
têm sido nesse campo, com avanços mais
perceptíveis desde que conseguiram fazer
corrigir-se a expressão "Direitos do
Homem" para "Direitos Humanos". A
universalidade da opressão ao gênero
feminino permitiu que as ativistas de
Viena falassem, com conhecimento de
causa, em todas as frentes de batalha.
Que outras vítimas poderiam melhor discorrer, por exemplo, sobre os excluídos
do direito à educação? De 1975 a 1985,
primeira década internacional da mulher
promovida pela ONU, o número de analfabetos no mundo aumentou em 58 milhões de pessoas. Desses, 54 milhões são
mulheres.
Mas o que ficou claro em Viena é
que não haverá perspectiva de desenvolvimento, paz e progresso para a
humanidade se não forem eliminadas as
violações específicas que se abatem
sobre o gênero feminino.
Como testemunhou Alzira Rufino,
da Casa de Cultura da Mulher Negra, de
Santos-SP, as cerca de mil integrantes da
Conferência Paralela nos vários temas de
Viena evidenciaram que as mulheres
estão lutando em todos os países pela
democracia, contra a tortura e a repressão
política, contra a violência da fome e das
guerras. "Só que agora, as mulheres
lutam também para por fim à violência
que as oprime em todas as culturas."
Para que a Conferência de Viena
incluísse as violações aos direitos das
mulheres como uma questão de direitos
humanos, foram dois anos de trabalho de
organizações em 123 países, reunindo
cerca de 300 mil subscrições para a
reivindicação às Nações Unidas. Como
lembra Alzira, um mero olhar de Viena
para as estatísticas bastaria para justificar
tal urgência: "anualmente, o número de
mulheres vítimas de violência sexual e
doméstica é maior do que o número de
vítimas de todos os conflitos armados
sobre o planeta".
Tais violações não obedecem fronteiras nem condições sócio-econômicas.
Nos Estados Unidos ocorre um estupro a
cada seis minutos. Nove de cada 10
homicídios contra mulheres são cometidos por homens que, na metade dos
casos, são parentes das vítimas.
A guerra expõe as populações
femininas a toda sanha de selvagerias. De
20 mil a 100 mil mulheres são estupradas
por soldados sérvios (ex-Iugoslávia), em
campos de concentração.
Em nome da tradição e cultura, já
chegam a 100 milhões as mulheres de 26
países africanos com órgãos sexuais
mutilados, para eliminação do desejo e
prazer femininos. A cada ano, mais dois
milhões de mulheres sofrem mutilações
nesses países.
A Anistia Internacional tem
denunciado que os homens responsáveis
pela distribuição de alimentos nos campos de refugiados exigem sexo em troca
de comida para as mulheres. E quase
80% dos refugiados no mundo são mulheres.
UM GRANDE LOBBY E,
AFINAL, AVANçOS
Com tudo que tenham avançado,
os princípios gerais consagrados na
Conferência de 1993 não conseguiram
levá-la a acordo sobre a criação de
mecanismos internacionais mais efetivos
de defesa dos direitos universalmente
reconhecidos. Assim, prossegue também
a mobilização das mulheres para assegurar mecanismos capazes de gerar garantias aos direitos específicos de gênero
recomendados em Viena.
As brasileiras que estiveram em
Viena, apesar disso, e em que pese o contato impactante com a tragédia das violações às mulheres de todo o mundo,
voltaram otimistas com o resultado da
Conferência. Alzira conta que o lobby
das mulheres foi considerado o maior, o
mais organizado e o que obteve mais
avanços políticos.
Luiza Nagib Eluf, assessora da
cidadania e dos direitos humanos da
Secretaria da Justiça do Estado de São
Paulo, participou da Comissão de
Redação que elaborou o documento oficial de Viena, presidida pelo embaixador
brasileiro, Gilberto Saboya. Ficou evidente, segundo ela, que a movimentação
das mulheres que ocorria paralela à
Conferência, repercutiu fortemente no
espaço oficial. As falas dos representantes dos países (cerca de 164 com
assento na ONU) abordavam com
veemência a condição feminina. "Mesmo
em países onde as mulheres se encontram
bastante discriminadas, como é o caso da
índia e outros, seus representantes insistiam em destacar a questão feminina
como fator de desenvolvimento e progresso."- lembra Luiza.
Todo o capítulo "c" do documento
oficial de Viena (que transcrevemos nesta
edição), dedicado às reivindicações das
mulheres, reflete o lobby feminista, com
recomendações aos governos e à ONU
para priorizar a igualdade de direitos e a
ampla integração da mulher. Ao afirmar
que se deve dar importância especial para
"erradicar quaisquer conflitos que possam surgir entre direitos da mulher e certas práticas tradicionais ou costumes,
preconceitos culturais e religiosos, o documento final, assevera Luiza Eluf, "condena defininitivamente o uso das
amputações sexuais."
Com essa condenação, foram contempladas também mulheres da índia,
onde existe a tradição da morte da mulher quando o marido morre, observa
Alzira Rufino. Na próxima Assembléia
Geral das Nações Unidas, as recomendações da Conferência serão estudadas e
as mulheres esperam que sejam dados os
primeiros passos para implementar as
medidas propostas.
Alzira comemora também o fato
de que as discussões sobre a opressão à
mulher negra tenham igualmente avançado.
A Rede Internacional de Mulheres
Negras condenou a opressão mundial à
mulher negra, o sexismo e racismo que
causam a marginalização, repressão,
exploração e degradação da mulher negra
em todas as nações onde ela se encontra.
A Casa da Cultura da Mulher
Negra e o Coletivo de Mulheres Negras
da Baixada Santista levaram para a
(p & (&
Conferência o Documento "Pelos
Direitos Humanos das Mulheres Negras",
que reivindicava um maior apoio da ONU
à promoção dos direitos da mulher negra,
e esforços internacionais para pôr fim ao
tráfico sexual de mulheres e
meninas, à esterilização em
massa no Terceiro Mundo e
o combate à impunidade da
violência racial, sexual e
doméstica.
conta Leila- "mulheres vítimas de violência estiveram juntas, trocando experiências, falando de seus sofrimentos, socializando suas formas de luta. E no dia 15,
dia do evento formal do Tribunal, elas
falaram para o mundo".
Cerca de 40 mulheres de diferentes
países fizeram seus depoimentos-testemunho sobre histórias pessoais de
estupro, espancamento, tortura e discrimi-
m
No
FóRUM
TRIBUNAL DAS
As manifestações de
xenofobia, conflitos étnicos
e o crescimento do racismo
foram denunciados por
diversas organizações internacionais de diretos
humanos. A Declaração de
Quito, subscrita pelas ONGs
latino-americanas, reivindicou a criação de um Alto
Comissariado para averiguar
a intensificação do racismo
e apoiar ações contra a discriminação racial.
No dia 15 de junho,
instalou-se o "Tribunal
sobre as Violações aos
Direitos Humanos das
Mulheres, organizado pelo
Centerfor Women's Global
Leadershiper e apoiado por
diversas instituições internacionais, ONGs e Grupos
Feministas. Foi, segundo
Leila Linhares, diretora do
CEP1A, um dos eventos
mais importantes do Fórum
de ONGs em Viena, atestado pela presença maciça de
mulheres organizadas de
diversos países, da imprensa
internacional e de muitos
observadores membros da
Conferência Oficial.
"Durante três dias,"-
"...ELA ESQUECEU AS VIRTUDES
PRóPRIAS DE SEU SEXO"
PARALELO, UM
VIOLAçõES
V" %
v.
I
V
4^
A Revolução Francesa, que representou avanços dos ideais democráticos,
proclamou a Declaração dos Direitos "do
Homem", desconsiderando a participação
expressiva das mulheres francesas que
comandaram rebeliões, como Louise Michel,
que se tornou famosa por estar a frente de um
batalhão com 10 mil mulheres.
E quando Olympe de Gouges liderou o
movimento em defesa da Declaração dos
Direitos da Mulher e da Cidadã, foi condenada à morte e guilhotinada a 3 de novembro de
1793, "por ter querido ser um homem de
Estado e ter esquecido as virtudes próprias de
seu sexo".
Historicamente, as mulheres têm sido
excluídas dos direitos estabelecidos pelas
sociedades patriarcais. Até hoje, quando se
fala em Direitos Humanos, se fala em direitos
civis e políticos dos quais as mulheres
são" uma parte", e não "aparte" interessada.
Há políticas ou campanhas de direitos
humanos contra as violações que resultam, ou
da ação repressiva do Estado, expressa na
forma de prisões, torturas e seqüestras, ou do
controle ostensivo dos meios de comunicação
ou das ações criminosas de grupos de extermínio de crianças. Os direitos humanos também se aplicam no combate aos assassinatos
de religiosos, sindicalistas, ou trabalhadores
rurais que defendem direitos inalienáveis do
ser humano, a moradia, o trabalho, a alimentação.
Mas não há por parte das políticas de
Direitos Humanos, iniciativas solidárias às
famílias das mulheres que morrem de aborto
8
clandestinos e partos desassistidos, ou daquelas que são assassinadas por seus maridos,
companheiros ou namorados, ou ainda, às
mulheres estupradas e ás abusadas sexualmente, muitas delas pelos seus próprios pais.
A ONU ou OEA têm se guiado por concepções machistas e quando criam "espaços
femininos " os mantêm sob controle e sem
poder de decisão. Assim tem funcionado a
Comissão da Condição Jurídica e Social da
Mulher (criada em 1946, como uma comissão
subsidiária da Comissão de Direitos Humanos
das Nações Unidas) ou o Comitê para Eliminar
Toda a Forma de Discriminação Contra a
Mulher. Não têm o mesmo poder dos outros
organismos de defesa dos direitos humanos,
embora estes também sejam limitados e pouco
façam pelos direitos humanos dos homens. O
fato é que os mecanismos instalados para
defender as mulheres só atuam no campo
jurídico ou assistencialista e são ausentes no
plano de efetivas decisões políticas.
Fica evidente que a ONU não tem se
empenhado em enfrentar a problemática da
mulher. A simplificação está em enxergar a
mulher apenas como "ser igual aos homens"- modelo paradigma do humano. Mas
na medida em que se diferencia do homem,
a mulher é desconsiderada.
A Declaração dos Direitos Humanos
foi promulgada em 10 de dezembro de 1948
pelas Nações Unidas. Hoje, passados quase
50 anos de sua existência, e dois séculos
depois da morte de Olympe de Gouges, as
mulheres continuam sua luta em defesa dos
direitos das humanas.
■•
i
nação, na família, na guerra e contra seus
corpos, na área de saúde e na vida política.
Entre elas, estava Maria Celsa da
Conceição, que falou pelo Brasil.
Terrivelmente queimada por um exnamorado, ela era mais uma das vítimas
do sexismo da sociedade e da impunidade
dos governos. Seu quase assassino foi
absolvido pela Justiça do Estado de
Rondônia, e Maria Celsa aparece nos
autos processuais como uma espécie de
autora de seu próprio sofrimento. É uma
história terrível, mas que segundo Leila
Linhares, estava longe de ser um caso isolado. "A maioria das mulheres relatavam
no tribunal histórias muito próximas à de
Maria Celsa".
Coordenado pela diretora do
Leadership, Charlotte Bunch, o Tribunal
discutiu, por blocos, os diferentes crimes
contra as mulheres no mundo: Direitos
Humanos na Família, incluindo a violência doméstica; Crimes de Guerra, incluindo o incesto em regiões de conflitos;
Violações à integridade física, incluindo a
mutilação genital; Direitos SocioEconômicos, incluindo a violação aos
direitos das mulheres indígenas e os
efeitos das políticas de ajuste estrutural
sobre as mulheres; e, finalmente.
Perseguição Política e Discriminação,
incluindo o abuso econômico contra as
mulheres imigrantes e a perseguição contra as ativistas anti-apartheid.
Um Júri, de peso internacional, se
pronunciou sobre os crimes. Estavam
entre os jurados, por exemplo, Gertrude
Mongella, nomeada pelas Nações Unidas
para ser a secretária geral para a
Conferência sobre a Mulher, em Pequim,
em 1995; Ed Broadbent, presidente do
Centro Internacional de Direitos
Humanos e Desenvolvimento
Democrático de Montreal, Canadá; RN.
Bhagwati, chefe da Suprema Corte de
Justiça da índia e Elizabeth Ódio,
Ministra da Justiça de Costa Rica e membro do Comitê das Nações Unidas contra
Torturas. Também participou do Tribunal
a Ministra dos Assuntos das Mulheres, da
Áustria, Johanna Dohnal.
Ao final, o Júri se reuniu para exortar as Nações Unidas, através de documento, a considerar os direitos das mu-
lheres como direitos humanos e manter
um Tribunal permanente para acompanhar as denúncias de violações. A leitura
desse documento, segundo Leila
Linhares, foi marcada pela emoção,
indignação e pela solidariedade com as
mulheres do mundo. Em pronunciamento
forte e emocionado, Gertrude Mongella
constatou que não há país no mundo onde
não haja violações contra os direitos
humanos das mulheres.
Várias outras recomendações
foram feitas pelo Tribunal à Conferência.
Alzira Rufino destaca algumas bem
importantes: que a ONU nomeie um
Relator Especial para investigar as violações aos direitos humanos das mulheres; o fortalecimento da Convenção
pela Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação à Mulher e integração da
perspectiva da Mulher em todos os níveis
de operação da ONU; expansão do trabalho das agências da ONU na prevenção e
combate à violência contra a mulher; o
reconhecimento de que muitas formas de
violência contra a mulher ocorrem dentro
da família; a adoção da Declaração sobre
a Proibição de Violência contra a Mulher
e a criação de uma Corte Internacional da
Mulher, para proteger e promover seus
direitos humanos.
UMA NOVA "DECLARAçãO"
ACENA PARA A CHINA
Em 1994, Ano Internacional da
Família e da Conferência Mundial da
ONU sobre População e
Desenvolvimento, haverá mais manifestações do lobby internacional de mulheres, voltadas a denunciar a violência
contra a mulher no âmbito da família e a
violência contra o corpo da mulher e sua
saúde, impetradas em nome de políticas
de controle populacional e da má distribuição de renda dos modelos de desenvolvimento, particularmente no chamado
Terceiro Mundo.
Até lá, aposta-se em um crescimento ainda maior das pressões das mulheres
para alterar as políticas do mundo, já que
a capacidade, revelada pelas mulheres, de
se articular e dar visibilidade às suas
reivindicações em Viena, não deixa dúvidas. As humanas provaram em Viena que
a violência sexual, o estupro, a gravidez
forçada, a escravidão sexual e as mutilações genitais devem ser incluídas no
conceito de tortura e repudiadas igualmente por todas as nações. Uma cobrança
que continuará a ser enfatizada nos próximos anos.
Aposta-se também em novidades
para 1995, na Conferência Internacional da
Mulher, que será realizada na China. De
olhos nela, já começa a se articular a luta
por uma nova Declaração Universal dos
Direitos Humanos, proposta pelo CLADEM- Comitê Latino-Americano de
Defesa dos Direitos da Mulher. O novo
documento universal, de acordo com a
proposta, deverá ter uma perspectiva de
gênero, refletindo que a consideração
plena dos direitos da mulher para controlar
e melhorar suas vidas exige uma nova postura e organização da sociedade como um
todo. Exige também uma reformulação
dos direitos dos homens e de suas vidas.
A construção de novas referências
do que seja "humano", e do que deva ser
valorizado no conceito de "humanidade"
diz respeito, diretamente, à questão do
gênero feminino. Como disse a presidente
do Cladem, a brasileira Silvia Pimentel,
em Viena, "não basta referir-se à
humanidade apenas como masculina,
branca, heterossexual, ocidental e de situação econômica independente. O paradigma masculino expressa a hegemonia
do poder patriarcal, não só na linguagem
formal como também nas idéias, valores,
costumes e hábitos. Isso não só toma a
mulher invisível nos documentos internacionais, mas também exclui outros grupos
sociais como indígenas, negros, crianças,
homossexuais, deficientes e idosos".
Uma nova Declaração Universal
dos Direitos Humanos, conforme a proposta do CLADEM, aprovada na
Conferência, deve ser desde já estudada,
analisada e revisada pelas entidades feministas de todo o mundo para, em 1995,
passar pelo crivo das mulheres do planeta,
na Conferência da China e encaminhada
para aprovação no 50s. aniversário da
Declaração dos Direitos Humanos, em
1998.
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Ljnpeitos |—lu maríos
As
RESOLUçõES
0 capítulo "C" do documento oficial
da Conferência de Viena é todo destinado à questão da mulher
A igualdade de condição
e dos direitos das humanas são objeto das exigências
e recomendações dessa parte da Carta de Viena,
que reproduzimos a seguir.
IA Conferência Mundial pede
encarecidamente que se conceda à
mulher o pleno usufruto em
condições de igualdade de todos
os direitos humanos e que esta
seja uma prioridade para os governos e
para as Nações Unidas.
A Conferência destaca também a
importância da integração e a plena participação da mulher, como agente e beneficiária, no processo de desenvolvimento
e reitera os objetivos fixados sobre a adoção de medidas globais a favor da mulher,
com vistas a alcançar o desevolvimento
sustentável e equitativo previsto na
Declaração do Rio.
2 A igualdade da mulher e seus
direitos humanos devem se
integrar nas principais atividades de todo o sistema das
Nações Unidas. Todos os
órgãos e mecanismos, pertinentes às
Nações Unidas, devem tratar
destas questões de forma pew
riódica e sistemática. Em
particular, devem ser
tomadas medidas para
aumentar a cooperação entre a
Comissão
sobre a
Condição
Jurídica e
Social da Mulher,
a Comissão de
Direitos Humanos, o
Comitê para eliminar a discriminação contra a Mulher, o
Fundo das Nações Unidas para o
Desenvolvimento para a Mulher, o
Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento e outras instituições das
Nações Unidas, para promover uma
maior integração de seus objetivos e finalidades. Neste contexto, devem ser fortalecidas a cooperação e a coordenação
entre o Centro de Direitos Humanos e a
Divisão para o Progresso da Mulher.
3 A Conferência Mundial coloca,
em destaque especial, a
importância do trabalho destinado a eliminar: a violência contra
a mulher na vida pública e privada, todas as formas de abusos sexuais, a
exploração e o tráfico de mulheres, os
preconceitos sexistas na administração da
justiça e a erradicar quaisquer conflitos
que possam surgir entre os direitos da
mulher e as conseqüências preconceituosas de certas práticas tradicionais ou
costumes, de preconceitos culturais e do
extremismo religioso. A Conferência
Mundial pede à Assembléia Geral que
aprove o projeto de Declaração sobre a
Violência contra a Mulher e apela aos
Estados para que combatam a violência
contra a mulher, conforme as disposições
da declaração. As violações dos direitos
humanos da mulher em situações de conflito armado constituem violações dos
princípios fundamentais dos direitos
humanos e do direito humanitário
internacional. Todos os delitos
desse tipo, em particular os
assassinatos, as violações sistemáticas, a
10
escravidão sexual, e a gravidez forçada,
requerem uma resposta especialmente eficaz.
4 A Conferência Mundial
recomenda, com ênfase, a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, dissimuladas ou visíveis. As
Nações Unidas devem promover uma
meta para alcançar a ratificação universal
até o ano 2000 da Convenção sobre a
eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher por todos os
Estados. Devem ser estimulados para
resolver o número, bastante elevado, de
reservas quanto à Convenção ou que
sejam incompatíveis com o direito
internacional convencional.
Os organismos de vigilância criados
em virtude de
tratados,
devem difundir
a informação
necessária
para
que
••■Bfewí'
as
mulheres
possam
fazer uso, de
maneira eficiente,
dos procedimentos
de execução existentes
com vista a alcançar não a
discriminação mas a plena
igualdade no usufruto dos direitos humanos.
Devem também adotar novos
procedimentos para garantir que se
coloque em prática o compromisso relativo à igualdade e aos direitos humanos da
mulher. A Comissão da Condição Jurídica e Social da Mulher e o Comitê para
Eliminação de todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher devem
examinar rapidamente a possibilidade de
introduzir o direito de recurso, preparando um protocolo facultativo da Convenção sobre a eliminação de todas as
formas de discriminação contra a mulher.
A Conferência Mundial acolhe com satis-
N
■
Cr
facão
a decisão da
Comissão de
Direitos Humanos de
considerar a designação
de um relator especial sobre
a violência contra a mulher em
seu 5S período de sessões.
A Conferência Mundial
reconhece a importância do usufruto pela
mulher do mais alto
nível de saúde física e
mental durante toda a sua vida. No contexto da Conferência Mundial sobre a
Mulher e a Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher, assim
como da Proclamação de Teheran de
1968, a Conferência Mundial reafirma,
sobre a base da igualdade entre homens e
mulheres, o direito da mulher a uma
atenção à saúde, acessível e adequada, e a
mais ampla gama de serviços de planejamento familiar, assim como o acesso à
educação em todos os níveis.
Os organismos de vigilância, criados em virtude
de tratados, devem incluir
a condição da mulher e
os direitos humanos da mulher
em suas deliberações e conclusões, servindo-se de dados concretos aplicáveis a
ela. Os Estados devem ser incentivados a
fornecer informes a estes organismos que
contenham informações sobre a situação
das mulheres, de direito e de fato. A
Conferência Mundial observa com satisfação que a Comissão de Direitos
Humanos adotou, em seu 49° período de
sessões, uma resolução na qual declarava
também que deveria
incentivar a fazerem o
mesmo, os relatores e grupos de trabalho na esfera dos
direitos humanos (resolução
1993/46).
A Divisão para o Progresso da
Mulher deve, também, tomar medidas em
cooperação com outros organismos das
Nações Unidas, concretamente, o Centro
de Direitos Humanos das Nações Unidas,
para garantir que nas atividades de direitos humanos das Nações Unidas sejam
tratados periodicamente violações dos
direitos humanos da mulher, em particular dos abusos concretos devido a sua
condição feminina. Deve-se incentivar a
capacitação de pessoal das Nações
Unidas, especializado em direitos
humanos e em ajuda humanitária,
com o objetivo de ajudar estes
7
11
profissionais a reconhecer e combater os
abusos dos direitos humanos de que é
vítima a mulher para desenvolver seu
trabalho sem preconceitos sexistas.
8A
Conferência
Mundial apela
aos governos e
organizações regionais e
M
internacionais
CLlò
J"
para que
facilitem o acesso da mulher a postos de
direção e lhe permitam maior participação na adoção de decisões. Recomenda que se tomem novas medidas na
Secretaria das Nações Unidas, e apela aos
principais organismos e subsidiários das
Nações Unidas que garantam a participação da mulher em condições de igualdade.
9 A Conferência Mundial acolhe, com satisfação, a celebração
da Conferência Mundial sobre a
Mulher em Beijing, em 1995, e
estima que os direitos
humanos da mulher devem ocupar
um lugar importante em suas
deliberações, de conformidade com os temas prioritário da Conferência: igualdade,
desenvolvimento e
paz.
„/
lumen» e (^ uemp®
EM TERRITóRIO MINADO
Para o SOS-Vítimas da Violência, que atua na ex-lugoslávia, não há
como distinguir bons e maus nas facções que se digladiam.
Como mostra Stasa Zajovic, todos usam a guerra para agredir
de maneira brutal suas mulheres
Hoje, o território da exlugoslávia é palco de uma
sangrenta guerra conduzida
pelos sérvios contra os
povos da Bósnia, Croácia e
muçulmanos. Uma guerra que consiste
em eliminar os homens e engravidar as
mulheres, com vistas a fazer uma limpeza
étnica, semelhante às ações de Hitler e
dos fascistas durante a 2! Guerra
Mundial.
Segundo as Nações Unidas, milhares de mulheres (estima-se de 20 a 100
mil) foram estupradas por soldados
sérvios nos campos de concentração
construídos para este fim.
As situações de violação e humilhação das mulheres têm oferecido farta
ilustração para os horrores da Iugoslávia.
Recentemente, a imprensa revelou que
quando se trata de exploração sexual, até
mesmo as chamadas forças de paz se
associam à violência: soldados da ONU
estariam usando mulheres dos territórios
em conflito para prostituição.
Exemplo da barbaridade é o caso
de Alia, 30 anos, dois filhos, relatado
pelo jornal francês Liberación e que abre
um livro lançado em agosto no Brasil
sobre a "Tragédia na Iugoslávia - Guerra
e Nacionalismo no Leste Europeu", do
jornalista Jayme Brener:
"Maio de 1992. Um grupo de milicianos de origem servia, que acabava de
expulsar as forças muçulmanas da cidade
de Gorazde, na Bósnia-Herzegovina,
invade a casa de Alia. O marido fugiu
junto com os outros combatentes muçulmanos. Um rapaz alto, hálito forte de
slivovich, aguardente típica feita de
ameixas, encosta uma faca no pescoço de
Alia. Ou ela, ou as crianças. A mulher
não tem alternativa. Um a um, os milicianos sérvios a violentam. Entre eles.
Alia reconhece um antigo vizinho".
UM RAPAZ ALTO, HáLITO DE
SLIVOVICH, ENCOSTA UMA FACA NO
PESCOçO DE ALIA.
OU ELA OU AS CRIANçAS.
UM A UM, OS MILICIANOS SéRVIOS
A VIOLENTAM. ENTRE ELES, AüA
RECONHECE UM ANTIGO VIZINHO.
O jornalista se mostra impressionado pela violência com que ex-vizinhos se
lançaram ao combate e aos massacres
mútuos. Mas como relatou Stasa Zajovic,
militante do Grupo-SOS para Mulheres e
Crianças Vítimas da Violência, em
Belgrado, essa violência já se instalou
dentro da casa das mulheres, na relação
com seus maridos e filhos. "Todas as que
tiveram seus maridos nos campos de
batalha contaram ao SOS que foram
12
estupradas por eles mesmos"- conta
Stasa. Mesmo assim, segundo ela, as mulheres vítimas da guerra não gostam de
falar sobre a violência sexual que sofrem
em seus lares, mas se preocupam bastante
com os espancamentos e torturas sofridos
por elas e seus filhos. Mostram-se aterrorizadas pelo fato de que os homens levam
para dentro de casa equipamentos bélicos
(bombas, metralhadoras e fuzis) e os utilizam nas relações domésticas, ameçando
mulheres, filhos, chegando a machucá-los
e, em alguns casos até a assassiná-los.
"Há também muitos casos de mães que
preferem que seus filhos sigam para o
front a ficarem em suas casas tentando
matá-las."
O SOS na Iugoslávia já se acostumou com um fenômeno diário chamado
"A Síndrome do Telejomal". Todos os
dias, assim que a TV apresenta o principal noticiário da região, o aumento da
violência sexual e doméstica cresce de
uma tal forma que os chamados ao SOS
não param de pedir socorro. São os
efeitos da propaganda do regime político,
calcada no acirramento das diferenças
étnicas e raciais.
Os casamentos de etnias diferentes,
conforme conta Stasa, são o grande alvo
da ideologia e das ações racistas dessa
propaganda. Os filhos desses casamentos
vivem de maneira conflituosa o problema
da identidade. São famílias que estão em
grave crise. A propaganda insiste em que.
'
de um lado, estão os defensores da pátria,
homens dignos e, de outro, os agressores,
indignos. "Mas para nós do SOS, que
atendemos as mulheres violentadas, essa
diferença não existe. Ambos agridem de
maneira brutal suas mulheres."
Atualmente, os números da luta
pela sobrevivência na Sérvia mostram
que as discriminações contra as mulheres, produzidas pela guerra também
são maiores nos planos econômico,
político e social. Dos mais de 800 mil
refugiados da Sérvia, 95% são mulheres
e crianças. Entre os desempregados, o
contingente majoritário é o de mulheres,
atingindo 70%. A pobreza se feminiza
com a crise econômica.
SÍNDROME DO TELEJORNAL. TODOS
OS DIAS, APÓS O PRINCIPAL
NOTICIÁRIO DA REGIÃO, OS
CHAMADOS AO SOS NÃO PARAM
DE PEDIR SOCORRO. SÃO OS EFEITOS
DA PROPAGANDA DO REGIME.
Enquanto isso, diz Stasa, as diferenças entre as mulheres também se
acentuam. As que estão em territórios
ocupados sofrem muito mais todas as formas de violência. Mas as outras se sentem culpadas diante da guerra. O SOS
busca conscientizá-las para a solidariedade e para que se libertem dos sentimentos de culpa.
Na busca de estratégias para ampliar as ações de socorro e solidariedade,
mulheres de etnias diferentes juntam-se,
no meio de territórios em conflito, em
reuniões promovidas pelo SOS.
Participam, num apoio corajoso,
grupos de mulheres da Itália.
Ao subverter a lógica dos confrontos raciais e "impingir" gestos de solidariedade e rebeldia no cotidiano dos terrenos minados pela violência, essas
sérvias, croatas, muçulmanas, exiugoslavas enfim, fazem de seus encontros uma forma de desafiar e combater a
própria guerra.
^
ABORTO NãO
é
,.,
CRIME
ENTREVISTA COM NORMA KYRIAROS*
POR REGINA RODRIGUES DE MORAIS
No dia 28 de setembro foi deflagrada a campanha
"Aborto não é crime", envolvendo movimentos de mulheres de
todo o Brasil. Uma campanha que deve aprofundar o debate sobre
a reforma necessária da lei e das políticas públicas
sobre aborto e direitos procriativos.
Esta entrevista com Norma Kyriakos traz uma análise alentadora e
polêmica sobre o aborto à luz da Constituição.
Enfoque: Você defende a
interpretação da
Constituição brasileira
segundo a qual o aborto não
é crime. Como o aborto deve
ser entendido segundo o seu ponto de
vista?
Norma: Em primeiro lugar, o aborto é um direito. Eu acho que ele se
enquadra nos Direitos Reprodutivos. E o
que são eles? São o direito à maternidade
digna e assistida, ao atendimento prénatal, à creche, como um direito universal
da criança à educação, e ao planejamento
familiar. Quer dizer, o direito a decisão de
ter ou não ter filhos, quantos filhos e o
espaçamento entre esses filhos. O aborto
é um direito no caso da gravidez indesejada e mesmo quando todos os métodos
contraceptivos falharam anteriormente.
Enfoque: Mas que garantias a
Constituição oferece com relação a
esses direitos, incluindo o aborto?
Norma: A Constituição veio atender uma luta antiga das mulheres no
Brasil e estabeleceu não só a igualdade
formal entre o homem e a mulher, quando
diz que homens e mulheres são iguais,
sem preconceito de idade, raça, cor, sexo
ou estado civil. Mas também em 28 dispositivos constitucionais. Boa parte desses dispositivos estabelecem concretamente: a proteção ao trabalho da mulher,
a proteção à maternidade, à assistência
pré-parto, durante o parto, após o parto.
Mas, finalmente, o parágrafo 7 do artigo
226 da Constituição toma efetivo, real,
concreto, o planejamento familiar, com
fundamento nos princípios da dignidade
da pessoa humana e da paternidade
responsável, tomando livre a decisão do
casal no planejamento familiar. O direito
ao aborto é um dos meios pelos quais
essa decisão se toma efetivamente livre.
Enfoque: Não é pouco preciso
esse princípio, quando temos o aborto
criminalizado em outras leis?
Norma: Não. Porque o mesmo
parágrafo 7 do artigo 226 veda qualquer
forma intervencionista ou controlista do
14
próprio Estado ou mesmo de instituições
privadas. Rechaça, por exemplo, com
isso, as esterilizações em massa que se vê
aí pelo Brasil, até bem pouco tempo em
proporções assustadoras. Esse parágrafo
permite apenas a interferência do Estado
no sentido de fomecer métodos educacionais e científicos para esse planejamento familiar. Quer dizer: cabe ao
Estado fomecer o máximo possível de
informações à mulher, atendendo-a na sua
saúde integral, fornecendo a ela, ao
homem e ao casal, educação desde a mais
tenra infância, de forma que as pessoas
saibam se utilizar do próprio corpo e
usem essa liberdade com a maior amplitude possível, sabendo como fazê-lo.
Cabe também ao Estado fomecer as
informações sobre métodos contraceptivos. E, enfim, os métodos científicos.
* Norma Kyriakos - Procuradora Geral
do Estado de São Paulo, feminista,
Coordenadora do Centro de Estudos
da PGE.
onde se insere a prática de abortamento
por médico habilitado e na rede de saúde
pública. Mas a intervenção do Estado se
limita a isso. Como diz a constitucionalista Flávia Piovezan, o Estado não pode
sequer intervir pela via legislativa para
classificar o aborto como crime, já que
esta seria uma intervenção vedada expressamente pela Constituição.
Enfoque: Há, entre os que condenam o direito ao aborto, argumentos de
que o conceito de que a mulher é titular de seu próprio corpo, quando a
gravidez já existe, é um conceito superado. Como você vê isso, a luz da
Constituição?
Norma: Se a mulher não pode ter
esse direito mínimo de liberdade quanto
ao uso de seu corpo, ela não goza do direito de cidadania ou, pelo menos, não
goza em sua totalidade e, portanto, ela
não é igual. Mas a Constituição garante a
isonomia entre homens e mulheres, a
cidadania, a dignidade da pessoa humana,
a liberdade de decisão. Mas principalmente a isonomia. Cidadania é sinônimo
de isonomia. As pessoas são cidadãs
enquanto são iguais. Não de forma que
sejam a mesma pessoa, mas no sentido de
prestigiar as diferenças a tal ponto que
tenham igualdade de oportunidades. A
igualdade existe, por exemplo, quando o
homem pode tomar as suas decisões e a
mulher pode tomar as suas decisões, o
que, para ela inclui o aborto. Esta é a
interpretação sistemática da Constituição
e que cabe conservar na Revisão
Constitucional e, se possível, aperfeiçoar
esta conceituação.
Enfoque: Mas existe o Código
Penal, onde o aborto é expressamente
classificado como crime...
Norma: A lei penal é tida, por
algumas pessoas, como se fosse a própria
Constituição. Como se fosse reguladora
da vida em sociedade. Não é. O Código
Penal regula a parte marginal da
sociedade. Aquelas situações que estão
fora do comportamento médio das pessoas, e portanto, que a sociedade não conseguiu regulamentar dentro da Lei Civil e
do Direito Administrativo, serão reguladas pelo Direito Penal. São situações
graves, que prejudicam a vida em
sociedade, e que portanto são classifi-
cadas como crimes, com
penas para esses crimes.
Isso é o que faz o Código
Penal, uma lei subsidiária e
não reguladora da vida em
sociedade. Mas o nosso
Código Penal data de 1940
e tem inspiração no código
fascista, onde a mulher
aparece como propriedade
do homem, que a ele cabe
preservar. Assim como o
patrimônio deve ser preservado nas mãos de algumas
poucas famílias. É por isso
que o próprio Código
Penal, que primeiro estabelece que o aborto é
crime, estabelece também
aquelas exceções em que
não deve ser punido como Norma Kyriakos
crime: o aborto resultante
de estupro e em caso de perigo, que não
possa ser evitado, para a vida da mulher.
Eu lembro que agora, muito recentemente, a Senadora Eva Blay apresentou
projeto de lei no Senado, que tira do
Código Penal os artigos que criminalizam
o aborto, permanecendo apenas aquele
aborto praticado sem o consentimento da
mulher, e estabelece algumas regras para
a prática do aborto, regras estas que,
entendo eu, não mais fariam parte do
Código Penal.
Enfoque: Como, na sua opinião,
a questão do aborto deve ser tratada
pelo Direito?
Norma: Não só eu, mas o
Movimento de Mulheres e os órgãos
institucionais que trabalham com a mulher entendem que o aborto não é crime e
sim uma questão de saúde pública e,
como tal, deve ser tratado. E, por isso,
tem que sair do Código Penal. A gravidez
não pode ser uma imposição à mulher. Só
ela é responsabilizada pela sua gravidez,
pelo seu parto, pelos seus filhos. E não
recebe apoio dos órgãos institucionais,
nem mesmo a solidariedade da sociedade.
O aborto é muito mais uma ação inevitável. Não é uma ação criminosa. A
primeira ação deve ser a de regulamentar
a prática do aborto, o que pode ocorrer na
área do Direito Público, da Saúde
Pública, do Direito Administrativo, do
15
Direito Sanitário, jamais do Direito Penal.
É preciso também considerar a situação
econômica de pobreza que atravessa o
nosso país e, normalmente, o auto-abortamento é praticado por mulheres pobres, o
que toma o problema grave. Tenho
certeza de que, se o planejamento familiar
for garantido, incluindo o direito de livre
decisão sobre a procriação e as condições
econômicas mínimas para esse fim, o
número de abortos será reduzido significativamente.
Enfoque: Esse drama tão específico das mulheres afeta a sociedade
como um todo, de forma que se possa
sensibilizá-la para a necessidade de
proteção do direito ao aborto?
Norma: No Brasil, tudo funciona
bem para aqueles que se locupletam ou se
sustentam economicamente com a clandestinidade. Mas não para as vítimas
dessa clandestinidade que, no caso do
aborto, são as mulheres.
São seres humanos que sofrem e
morrem, quando o primeiro dever do
Estado brasileiro, através da Constituição,
é o direito à vida. Outra garantia é a
proibição da tortura. Mas a mulher que é
obrigada à pratica do aborto clandestino é
levada à tortura física, mental e psicológica, além de carregar uma culpa que a ela
não cabe. Mas a sociedade inteira também é prejudicada. Primeiro porque não
tem estatísticas reais do número de abortos praticados e, por aí, não se pode estabelecer um planejamento adequado aos
direitos reprodutivos e aos próprios casos
de abortamento. Depois, porque as seqüelas desses abortos são extremamente
graves, sendo causa de invalidez permanente para a mulher, quando não da
morte. Isso significa que filhos e famílias
ficam sem as suas mães, maridos sem
suas mulheres, companheiros sem as suas
companheiras, pais sem as suas filhas, e a
sociedade sem as suas mulheres, que são
o equilíbrio dessa mesma sociedade, a
partir do ambiente doméstico. Enfim, o
prejuízo, na verdade, é geral.
Enfoque: Se à luz da
Constituição é possível exigir a
descriminaiízação do aborto, como o
assunto está sendo tratado pelos movimentos de mulheres?
Norma: Eu venho acompanhando
a reflexão e a luta das mulheres contra o
fato de o aborto ser considerado crime e,
para certa surpresa minha, quando apresentei a minha tese no Congresso sobre
ética na legislação e na saúde em Toronto,
no Canadá, verifiquei que as mulheres
não são unânimes sobre essa questão. Por
exemplo, não há sequer unanimidade
sobre a exclusão do aborto do Código
Penal. A discussão não foi aprofundada
sobre os casos em que o aborto deve ser
praticado, o tempo para o aborto e outras
questões. O que me parece, na verdade, é
que um ponto que mereceria unanimidade
é o seguinte: o aborto não é crime.
Convicções religiosas, cada um tem as
suas, e elas devem ser respeitadas. Quem
é contra o aborto, não o pratica. Mas
quem é contra o aborto tem o dever de
respeitar as convicções daquelas que são
a favor do aborto. Enfim, as mulheres não
são unânimes em relação a esse assunto.
A questão merece e precisa ser melhor
aprofundada.
Enfoque: Com relação ao Código
Penal já há avanços?
Norma: Estamos em fase de reforma de parte do Código Penal. Coube à
Subcomissão de São Paulo o estudo dos
artigos relacionados aos crimes pratica-
dos por mulheres, onde está o aborto.
Ainda não tive acesso ao anteprojeto, mas
sei que a tese adotada para a reforma é a
da descriminaiízação parcial, mantendo o
crime, se não me engano, em relação ao
aborto praticado após doze semanas. O
argumento é que esta seria a única forma
de viabilizar a descriminaiízação na proposta de reforma. Agora, uma coisa é a
estratégia que as/os integrantes das
comissões e legisladores estejam usando
para buscar a descriminalização. Outra
coisa é a luta das mulheres que prossegue
e tem que continuar com toda a sua
amplitude. As mulheres ainda não estão
traçando estratégias. Nós estamos numa
luta antiga e cruenta para atender ao direito da mulher à prática do aborto. Essa
luta tem que ser ampla, porque se a mulher não pode decidir, ela não é um ser
humano por inteiro, falta-lhe a liberdade.
O que nós defendemos é o direito da mulher à livre decisão sobre o seu corpo,
sobre os seus direitos reprodutivos, sobre
a sua sexualidade e sobre a gravidez indesejada.
Ar^LEMICA NO LEGISLATIVO
No final dos anos
40, o abot-ofoi debatido
no Congresso Nacional.
0 motivo foi a apresentação do projeto de lei do
Monsenhor Arruda
Câmara (da Igreja
Católica) contrário aos
artigos do Código Penal
de 1940 que permitia o
aborto em dois casos:
gravidez resultante de
estupro e risco de vida
materna.
Nas décadas
seguintes, de 50 e 60, o
aborto foi tratado de
maneira lenta. Dois projetos de lei foram apresentados. Nos anos 70,
ampliou-se para 12 projetos. E, nos anos 80,
chegou-se ao número de
15 projetos de lei no
Congresso Nacional.
Na última legislatura (Pós-Constituinte),
foram encaminhados 16
projetos de lei, que estão
em tramitação. Destes, 14
são favoráveis à ampliação das possibilidades
de interrupção da
gravidez. Há projetos
explicitamente favoráveis
à legalização e à descriminalização do aborto e há
alguns bastante específicos, que visam ampliar a
possibilidade do aborto
apenas para as mulheres
portadoras do vírus HIV.
A necessidade de
legislar sobre o tema no
Parlamento se deve principalmente à pressão do
movimento de mulheres
na defesa da descriminalização. Mas não só. A
compreensão de legisladores e de diferentes
segmentos da sociedade é
de que o aborto é uma
questão de saúde pública.
E o próprio processo de
democratização do país
exige uma nova postura
frente à cidadania das
mulheres.
16
Por outro lado, o
debate tem se acirrado
com a presença bastante
ativa dos representantes
religiosos das igrejas
católica e evangélica e
das federações espíritas.
que se opõem radicalmente a qualquer possibilidade de realização do
aborto sob o pretexto de
defesa da vida.
(Estes dados
foram enviados à EF
pelo CFEMEA - Centro
Feminista de Estudos e
Âssessoria, baseados na
pesquisa feita por Maria
Isabel Baltazer da UNICAMP)
ABORTO NãO
^
é PECADO
Cresce, dentro da religião católica, o número de mulheres dispostas a iluminar as
discussões sobre o aborto e a interpretar a sua descriminalização como forma de "defender
a vida" e não de violá-la. Mas para a hierarquia da Igreja é pecado, inclusive, pensar assim.
Por isso, a freira Ivone Gebara está ameaçada de expulsão.
A freira brasileira Ivone
Gebara, que escandalizou
setores hierárquicos da
Igreja ao defender publicamente a legalização do aborto, pode ser expulsa da Congregação em
que atua em Camaragibe- PE (Irmãs de
Nossa Senhora, que educa menores carentes) e enfrentar outras punições do
Vaticano.
O que pôs em movimento algumas
autoridades católicas, dispostas a frear
idéias pró-aborto no interior da Igreja, foi
a matéria publicada pela Revista Veja, em
6 de outubro último, intitulada "Aborto
não é pecado", apresentando entrevista
com a religiosa.
Em carta enviada logo após a
edição, a várias entidades do país, Ivone
Gebara reafirma sua posição. A matéria,
feita a partir de entrevistas informais, em
momentos diferentes, e envolvendo mais
de um jornalista, tem, segundo a freira,
seus "limites e distorções quase
inevitáveis". Mas não há erro quanto à
proposta básica que defende.
"Sou hoje a favor da descriminalização e legalização do aborto como uma
forma de diminuição da violência contra
a vida.", diz Ivone em sua carta." Sou
também consciente dos limites inerentes a
esta posição e das dificuldades legais e
outras, decorrentes, particularmente, do
estágio atual da quase falência de nossas
instituições públicas."
SEM RETRATAçãO
As mulheres, como observa a
freira, nem sempre participaram da diversidade de argumentos filosóficos, religiosos, psicológicos, políticos e jurídicos
que a questão da legalização do aborto
suscita. Ela prefere, para posicionar-se, a
ótica das mulheres empobrecidas, "que
são as vítimas maiores desta trágica situação": "A vida num bairro de periferia, o
contato com o sofrimento de centenas de
mulheres, sobretudo pobres, vivendo
dilaceradas diante dos seus problemas
pessoais e de sobrevivência, me dá o
respaldo suficiente para algumas afirmações que, em consciência, assumo.".
Fica assim incabível a recomendação feita à religiosa pelo presidente da
CNBB- Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil, Dom Luciano Mendes de
Almeida, para que faça uma retratação
pública. O mesmo já havia sido exigido
pelo Arcebispo de Olinda e Recife -PE,
Dom José Cardoso Sobrinho, que abriu
processo interno para apurar o caso e deu
prazo máximo de uma semana para a
reparação. Ouvida, a irmã Ivone Gebara
apenas reafirmou o que pensa.
17
O Conselho Presbítero da
Arquidiocese de Olinda e Recife decidiu
enviar um dossiê sobre o caso para o
Vaticano. No Brasil, o presidente da
CNBB divulgou uma nota onde diz que
"é necessário proclamar, com firmeza, a
doutrina da Igreja em defesa do direito à
vida, desde o primeiro momento da concepção."
SEM HIPOCRISIA
Ivone Gebara afirma que sua postura diante da questão do aborto, como
cidadã, cristã e membro de uma comunidade religiosa, é uma aposta pela vida:
"é uma forma de denunciar o mal, a violência institucionalizada, os abusos e a
hipocrisia que nos envolvem". Ela reconhece que, independentemente de leis e
princípios religiosos, "o aborto tem sido
praticado. É, portanto, um fato clandestino e notório". As cifras do aborto no país,
com 10% de mortalidade materna, são,
para ela, indicadoras de uma problemática social grave, que precisa ser regulamentada.
Negar a necessidade da descriminalização é vista, por ela, como " uma
maneira de não denunciar a morte de milhares de mulheres, vítimas inocentes de
um sistema que aliena seus corpos e as
pune impiedosamente, culpabilizando-as e
impedindo-as de tomar uma decisão ajustada às suas reais condições. A concentração da culpa do aborto na mulher e a
criminalização deste ato são formas de
velar nossa responsabilidade coletiva e o
nosso medo de assumi-la publicamente."
Ivone afirma, também, que sua postura não significa negar os tradicionais ensinamentos do Evangelho de Jesus e da Igreja,
mas sim "acolhê-los diante do paradoxo de
nossa história humana". Hoje, a descriminalização é, segundo ela, uma forma de
diminuir a violência contra a vida.
"Nem sempre os princípios cristãos
e outros resistem diante dos imperativos da
vida concreta, imperativos que nos tomam
mais maleáveis, mais misericordiosos (as),
mais compreensivos (as) e convencidos
(as) de que a lei é para nós humanos e não
nós humanos para a lei; que a lei deve ajudar a nossa fraqueza, sobretudo quando a
nossa liberdade é esmagada por estruturas
injustas, que mal permitem a realização de
atos livres e plenamente humanos"
Hoje, segundo a freira, é
"necessária e urgente a discussão aberta,
plural, a busca de consenso a partir do
bem comum, a busca ética de caminhos
em defesa de todas as vidas humanas. E,
nesse diálogo plural, é responsabilidade
do Estado, na sua inalienável autonomia,
chegar a um consenso em vista de uma
ordem justa que garanta, através de leis, a
vida de suas cidadãs e cidadãos e ponha
limites a uma situação caótica provocada
pela prática do aborto clandestino."
Católicas pelo Direito a Decidir
Em um debate sobre o aborto promovido pelo jornal Folha de S.
Paulo no final de outubro, Maria José Rosado defendeu a legalização e desmascarou um pouco da hipocrisia que sustenta o aüvismo
anti-aborto.
"A sra., podendo decidir, mandaria uma mãe de família sem
recursos, que interrompe uma nova gravidez indesejada, para a
cadeia?", perguntou Maria José a uma das defensoras das leis que
mantêm o aborto como crime. Uma coisa é a lei. Outra coisa é o
problema dessa mãe, pareceu querer explicar a ativista anti-aborto.
Ou seja, não lhe foi possível dar uma resposta. E, com isso, ficava
evidente o cinismo da criminalização, que só funciona para negar
assistência pública aos milhares de abortamentos clandestinos. "A
sra. quer que a lei exista mas não seja cumprida?" - alfinetou
Maria José.
Essa defensora da legalização representa, no Brasil, um segmento de mulheres que começa a quebrar o silêncio diante do discurso oficial de sua religião. São as "Católicas pelo direito a
decidir", uma organização que nasceu nos Estados Unidos, na
década de 70 e que, depois de vários anos, estendeu-se à América
Latina através de um escritório em Montevidéo - Uruguai. No
Brasil, durante muito tempo, a proposta existiu na figura de Rose
Marie Muraro. A partir do ano passado, um grupo de brasileiras
entendeu ser o momento de implementar a organização no país.
Católicas Pelo Direito a Decidir defende a legalização do
aborto, mas não existe só para isso. A idéia é criar e garantir um
espaço de autonomia para que as mulheres se expressem e sejam
ouvidas, numa instituição onde, historicamente, os homens é que
dominam o poder da palavra e do acesso ao saber. Esse movimento
não rompe com a Igreja, que hoje assume posições claramente
contrárias à legalização do aborto e ao uso de métodos contraceptivos, mas se reivindica o.direito de atuar "dentro dela" e questionar o seu discurso oficial em questões como aborto, sexualidade,
e assuntos que dizem de perto à realidade da mulher. "A própria
Igreja, nos últimos anos, tem dito que a Igreja são todos aqueles
que a constituem. Portanto, 'Católicas' é de dentro da Igreja, não
é? - argumenta Maria José. "O conflito entre pensamentos divergentes que surgem também faz parte da maneira como a Igreja se
organiza." observa.
Uma preocupação que, no início, deixou as "Católicas" reticentes quanto à validade de buscar uma organização própria no
Brasil não veio propriamente de dentro, mas da atuação para além
da Igreja. "Há quase trinta anos, nos acostumamos a viver ecu-
menicamente. A distinção entre mulheres católicas e de outras
religiões se diluiu muito na luta comum." É um intercâmbio que
tende a continuar, não só com outras religiões, mas com leigas
também.
Dois encontros recentes de mulheres de Igreja com feministas
serviram para indicar caminhos comuns de solidariedade. Maria
José confia que muitos preconceitos recíprocos venham a superarse." Algumas feministas acham que todas as católicas fecham com
o discurso oficial da Igreja. Da parte das católicas, muitas acham
que todas as feministas são mulheres anti-religiosas ou prá quem a
única luta é a do aborto. De repente, a gente consegue criar um
espaço com tanta coisa em comum. Eu acho que a gente se descobriu mutuamente."
Maria José observa que nos Estados Unidos as idéias feministas já perpassavam a cultura de uma forma muito mais ampla
do que ocorre no Brasil. "Entre as americanas você encontra
católicas e teólogas feministas, cujas mães foram feministas, que
estiveram na rua lutando. Então, quando elas decidem fazer teologia, elas já são feministas, um caminho que é muito diferente do
nosso."
Aqui, segundo ela, muito da descoberta do feminismo por mulheres católicas passou pela opção pelos pobres: "Foi indo prá periferia que algumas perceberam que as questões postas pelas feministas diziam respeito, com muita força, às mulheres pobres. Efoi
possível percebê-las não como questões burguesas, do pensamento
liberal, mas como preocupações de quem pensa uma sociedade
diferente, com novas relações sociais sendo construídas."
Quanto às feministas brasileiras, Maria José diz ter a
impressão de que "elas ficaram contentes de, de repente, encantar
companheiras no campo do inimigo".
Ainda inicial, o movimento em São Paulo deverá ser uma referência para o crescimento da organização no resto do país, valorizando o trabalho ecumênico e popular, introduzindo informação, impressos e debates sobre a liberdade necessária frente à
sexualidade e decisões relativas à anticoncepção e ao aborto. "O
ideal seria que o acesso das mulheres à anticoncepção funcionasse.
Que elas só tivessem os filhos que desejam. Mas, a realidade é
outra. O acesso à anticoncepção é difícil, e as mulheres, de repente,
se encontram diante dessa situação real, concreta e, na maioria das
vezes, dolorosa, de ter que decidir por um aborto. Nesse momento" reconhecem as católicas - "essas mulheres devem ter o recurso de
um pensamento religioso que as sustentem na sua decisão."
18
AINDA NãO ABRIMOS
au.AlDS
os OLHOS
Como já é histórico nas pesquisas científicas, as mulheres ficaram secundarizadas nos estudos médicos
sobre AIDS e suas manifestações. É trágico descobrir, de repente, que as mulheres têm
sido alvos certeiros na proliferação do vírus.
Um pouco dessa corrida contra o tempo foi testemunhado por Regina Barbosa,
uma das representantes brasileiras na Conferência de Berlim sobre AIDS.
Enfoque: 0 que se viu, antes
da Conferência, foi toda
uma preparação - salas,
auditórios, equipamentos e uma intensa programação, garantindo um amplo debate
entre as 10 mil pessoas presentes. A
questão da mulher foi bem discutida?
Regina: A temática saúde da mulher foi bastante tratada, ocupando, quase
que diariamente, um período de 2 horas,
entre mesas redondas, grupos de trabalho,
workshops etc. Vários aspectos foram
abordados, tais como a amamentação, a
transmissão vertical através da amamen-
tação ou do parto e, sobretudo, o lugar
dos serviços na questão das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e a
AIDS. Infelizmente, muito mais discutido
do ponto de vista feminino do que masculino, como se os homens não tivessem
nada a ver com isso.
Enfoque: Frente à Aids, enquanto epidemia que vem atingindo seriamente as mulheres, que caminhos e orientação foram discutidos para a prevenção ou eliminação do risco?
Regina: A questão do modelo de
risco é muito séria... Pela Conferência,
percebeu-se que, cada vez menos, procu-
19
ram-se modelos de risco nulo, até porque
isso não é factível. Uma mesa muito
interessante tratou dos "métodos de prevenção da AIDS controlados pela mulher", incluindo o condon feminino, os
métodos de barreira. Eu falei sobre o
diafragma, e outras duas sobre os espermicidas e os métodos contraceptivos que
poderiam evitar ou diminuir a transmissão através do risco. Tratamos, o tempo
todo, das formas de redução de risco,
através da prevenção da AIDS, das DSTs,
da gravidez, tentando juntar contracepção
e prevenção num programa vertical de
AIDS. Na medida em que se estima que a
presença de uma DST aumenta em 50% o
coito interrompido, que não é estudado,
sendo encaminhados, e não se tem resulrisco de uma mulher, em contato com um
por não ser considerado um método cientados conclusivos. Isso causou grande
homem contaminado, estar contraindo a
tífico, entrou na discussão. Foi apresentapolêmica: uma mulher, que trabalhava no
AIDS, a redução de sua incidência, dendo um estudo clínico com dois grupos,
programa de AIDS na OMS, disse,
tro do modelo de redução do risco,
onde o parceiro estava soro-positivo e a
enfurecida, que jamais usaria um espercausaria impacto frente à epidemia.
mulher soro-negativo, sendo que um dos
micida pois ele é inflamatório e não exisEnfoque: O DIU e a pílutem estudos suficientes. Ela falou
la estão mesmo associados a
a mesma coisa do condon femiCADA VEZ MENOS SE PROCURA
um aumento da susceptibilinino.
dade da mulher à infecção pelo
Enfoque: Além dos
MODELOS DE RISCO NULO.
vírus?
métodos já conhecidos, há
Regina: Até hoje não
alguma novidade em termos de
A IDéIA é JUNTAR TODAS AS FORMAS
existem dados que confirmem
prevenção?
isso. Mas há uma discussão:
DE PREVENçãO NUM PROGRAAAA VERTICAL.
Regina: Foram trazidas
como os hormônios da pílula
algumas informações interesprovocam lesão no ectrópio, a
santes sobre os recentes estudos
mucosa da parte interna do colo do útero,
grupos havia optado pelo coito intercom os novos cremes vaginais viruscidas,
muito sensível, pensa-se que isso funrompido como forma de prevenção. O
que matam o vírus mas não o espermacionaria como uma porta de entrada para
acompanhamento mostrou que esse grupo
tozóide. É o grande "tchã" que está sendo
o vírus. Para o DIU é a mesma coisa: ele
se infectou 23% menos do que o outro.
esperado, no caso das mulheres que
é contra-indicado a toda pessoa em risco
Na verdade, são estudos que não comproquerem engravidar sem correr o risco. Os
de contrair DSTs, porque muitas delas
vam nada, porque não são controlados do
cremes que existem hoje em dia impedem
têm localização vaginal e outras uterina,
ponto de vista das variáveis. Mas são
ou diminuem, em muito, a infecção pelo
como a gonorréia, e podem facilitar a
indicativos de algumas possibilidades que
HIV e as DSTs, mas impedem a gravidez,
ascenção do vírus. Dentro dessa perspecdeveriam ser melhor estudadas. É claro
pois imobilizam o espermatozóide. Por
tiva de associar a prevenção das DSTs e
que aí se esbarra em uma questão ética:
enquanto, o inconveniente desses cremes
da AIDS, ou seja, de que as DSTs aumenpara se fazer um estudo científico, clínié que provocam forte potencial inflatam o risco, o papel de outros métodos
co, tem que se propor que 50 pessoas
matório vaginal. Os novos estudos estão
tais como o diafragma, o espermicida, o
façam coito interrompido e 50 não o
trabalhando a possível diminuição dessa
condon,é
façam. Como se pode propor isso, sabentoxicidade, para que as mulheres possam
essecial.
do-se, de antemão, que ele não é o métoengravidar sem correr risco. Por exemplo,
Até o
do mais eficaz?
o "dinoxinal 9" já mostrou, "in vitro",
Enfoque: Essa preocupação ética
que bloqueia o vírus da AIDS, diminão vale para os outros métodos?
nuindo não só a transmissão das
Regina: Claro. Por exemplo,
DSTs, como também a do HIV. O
apareceram muitas controvérsias quanto
que não se sabe é, "in vivo",
i&
ao espermicida, estudado, basicamente,
como isso acontece. Ou
para a prevenção da AIDS em prostitutas,
seja, percebe-se que os
que, em média, o utilizam 10 vezes por
espermicidas estão
dia, provocando irritação na mucosa
diminuindo as
m%%
vaginal. Ou seja, ao invés de proteocorrências de
ger, ele estaria abrindo porta de
transmisentrada para o vírus. Então, essa
sões,
questão carece de estudos com
tanto
^ «r jr
pessoas que lidam com a
sexualidade de uma
20
das DSTs como da AIDS.
mentaram. Uma pesquisa, portanto,
leite materno. O que pode estar agravando
Outra questão importante e que, até
pouco sólida, que não associava o
a situação da criança, por uma chance que
então, não tinha visto ninguém com comomento da infecção da mãe, sobretudo.
é de 50% dela estar contaminada ou não,
ragem de falar, foi
sendo que a amamentação aumenta esse
sobre o que fazer
risco
num valor ainda não definido.
ATé O COITO INTERROMPIDO ENTROU NA
frente a um compaEnfoque: Não é verdade que não
nheiro que está soro
se pode precisar, até dezoito meses, se a
DISCUSSãO, MéTODO QUE NãO é ESTUDADO
positivo, a mulher
criança está soro-positiva?
POR NãO SER CONSIDERADO CIENTíFICO.
soro-negativo e eles
Regina: Por esse exame é possídesejam um filho.
vel, pois ele identifica o vírus e não o
EU NUNCA VI NENHUM ARTIGO QUE TRATASSE
Algumas falas
anticorpo. O PCR que chegou ao Brasil é
explicitaram que,
muito caro, de difícil acesso. AtualSERIAMENTE ESSA QUESTãO.
nesse caso, a orienmente, até onde eu sei, somente o
tação seria a de
Hospital Einstein e o Emílio Ribas trapraticar "sexo seguro" em todas as
quando se sabe que a eficácia de transbalham com esse teste.
relações, usando o método da temperatumissão do vírus do HIV muda em função
Enfoque: E as discussões sobre o
ra, para localizar o dia exato da ovulação.
do momento da infecção: ela é mais eficondon feminino?
Nesse dia, praticar "sexo desprotegido".
caz nos primeiros meses da infecção e
Regina: Sobre isso, teve uma apreAcho que os que têm coragem de defendepois que aparecem os sintomas, quando
sentação que, do meu ponto de vista, não
der essa postura, que tem a ver com a
a pessoa não estaria mais soro-positiva
mostrou grandes resultados. A Denise, da
realidade, estão procurando assumir mais
mas já teria a AIDS. A pesquisa sobre a
África, disse que as mulheres africanas
o real.
transmissão vertical, via leite, via parto,
topam usar o condon, mas isso dentro de
Enfoque: Como fica a polêmica
tem que, necessariamente, vir associada
uma perspectiva em que se discute a
em torno do risco de contaminação dos
ao momento da infecção. Novamente,
questão do gênero, da opressão. Bom, até
bebês através do leite?
estamos diante de estudos que não
aí, tudo bem... Mas, quem já trabalhou
Regina: A OMS recomenda o
fornecem dados suficientes para que os
com métodos de barreira sabe que, em
seguinte: em países do terceiro mundo,
organismos governamentais, que ditam as
geral, as pessoas topam experimentar,
onde a desnutrição é muito grave, o risco
políticas e normatizam as regras, possam
mas não passam dos primeiros três meses
de transmissão do HIV pelo leite é menos
tomar posições a respeito.
de uso. Além disso, o "tom" sobre o conimportante do que a desnutrição. Nesses
Enfoque: É de se supor que essa
don é: ele não é legal, não funciona, faz
casos, não existe recomendação para que
recomendação tenha muitas oposibarulho, o aro sai, é feio, é grande...
mulheres soro-positivas parem de amatoras...
Enfoque: Qual seria a vantagem
mentar.
Regina: Sem dúvida. A Marinela,
do condon feminino sobre o masculino?
Enfoque: Mas, pela amamenaqui de São Paulo, identificada com a
Regina: O condon feminino é um
tação não se transmite o HIV?
transmissão de AIDS pediátrica, dizia
saquinho plástico que tem um arinho de
Regina: Que transmite, isso é fato!
categoricamente: não é para amamentar, o
borracha nas duas extremidades, bem
Mas como essa criança correria um risco
leite transmite, isso é loucura! Outros disflexível. Um é preso, o outro não. O que
de desnutrição... o desmame aparece alianão é preso, está no
do à desnutrição, à diarréia, ao fato
fundo. Você faz um
0 GRANDE "TCHÃ" QUE ESTÁ SENDO
daquela mãe não ter o leite adequado etc.
oito, e o coloca denEntão a recomendação é: não faça nenhutro da vagina. Ele se
ESPERADO SÃO OS CREMES VIRUSCIDAS,
ma campanha contra a amamentação para
abre e fica localizado
mulheres que estão soro-positivas... O
como o diafragma,
QUE MATAM O VÍRUS
que se esperava em Berlim era que novos
por trás, em frente da
AAAS NÃO O ESPERMATOZÓIDE.
estudos trouxessem alguma luz a essa
púbis. O outro aro
questão, para que a recomendação da
fica por fora. As vanOMS fosse mudada ou reafirmada. E isso
cordavam, argumentando que é
tagens do condon, para quem já usou e
continua polêmico. Um dos estudos aprenecessário lidar com a realidade da
defende, é que ele permite uma relação
sentado, comparava bebês de mães sorodesnutrição. No que se refere ao Brasil:
sexual com múltiplas penetrações, sem
positivas que foram amamentados e bebês
existe uma chance, de 30 a 50%, da
ejaculação, ao contrário do condon masque não o foram, associando risco maior
criança estar efetivamente contaminada.
culino, que tem que ser trocado a cada
para os que foram amamentados. A
Mas como o PCR, exame que confirma
nova penetração. Parece que o condon
questão é que o número pesquisado de
ou não a contaminação, não é feito
feminino é bom para quem gosta de pôrmulheres que amamentaram era muito
porque é muito caro, acaba-se privando a
tirar, pôr-tirar, pôr-tirar, antes de uma
pequeno, comparado ao das que não amacriança, geralmente de baixa renda, do
ejaculação.
21
Enfoque: Onde ele está sendo
risco. Não é porque você é lésbica, que
feminismo não está, ainda, diretamente
está livre de risco. Mas esse estudo nos
mais usado?
envolvido. O pior é que, para as muRegina: Na Europa, em geral, já
pareceu totalmente enviezado.
lheres, a situação está se agravando: a
existe livre acesso nas farmácias. Já foi
Enfoque: Parece que entre os
proporção de mulheres se infectando está
aprovado nos EUA. Existe o condon feusuários de drogas, as mulheres contatriplicando... De repente, temos que abrir
minino brasileiro, que eu nunca vi, feito
minadas morrem muito mais rápido
os olhos para isso!
no Paraná, que vem acoplado a uma calque os homens. Parece, também, que as
Acho que o problema da AIDS
cinha. Acho que deveríamos experimentádoenças femininas, relativas ao HIV ou
pegou as mulheres pela porta de trás. Na
lo, montando, para isso, algumas oficinas.
AIDS, não estão incluídas nas
verdade, o que se tem é a militância femiA Secretaria de Saúde está autorizando a
definições de controle. Por exemplo, os
nista na área da saúde ligada basicamente
importação, que viria através da "Family
corrimentos ou mesmo outras manifesao planejamento, à contracepção, aos
Elsin International". Minha preocupação
tações acabam sendo diagnosticados
direitos reprodutivos. Mas isso não aconé que ele não seja introduzido aqui de
como AIDS muito mais tarde. O que
tece somente em relação à AIDS.
maneira leviana, dissociado de um proacontece? As mulheres não estão
Estamos completamente apartadas da
grama educativo sério e de uma avaliação
incluídas nas pesquisas?
questão do câncer, da questão da saúde
sobre o que, realmente, as muintegral... as mulheres estão
lheres pensam dele. E, tamA
caindo duras, morrendo de
RECOMENDAÇÃO DA OMS É: NÃO FAÇA
bém, que não se queime esse
qualquer coisa, não só de AIDS
método, sem saber realmente o
nem câncer. Por exemplo, o Dia
CAMPANHA CONTRA A
que ele permite. As entidades
Internacional da Saúde da
que trabalham com saúde da
Mulher, em 28 de maio, foi
AMAMENTAÇÃO. NOS PAÍSES ONDE A
mulher poderiam estar se movicentrado na questão do aborto.
mentando quanto a isso...
DESNUTRIÇÃO É GRAVE,
Por que isso, se em 28 de
Enfoque: As possibilisetembro teríamos o Dia do
O RISCO DE TRANSMISSÃO
dades de transmissão do
Aborto? Por que não fazemos
vírus nas mulheres lésbicas
uma coisa um pouco mais
É CONSIDERADO MENOS IMPORTANTE
foram discutidas?
ampla, discutindo outros probRegina: Essa questão foi
lemas que também comprometratada, pelo que eu sei, em um único
tem seriamente a saúde da mulher?
workshop. O que deu para perceber é que
Regina: É tudo uma questão de
Temos que ir além do útero, da barriga...
ela preocupa muito mais as americanas
decisão política e que tem a ver, também,
a gente também tem cabeça, tronco,
do que as asiáticas, as africanas, as latinocom a cultura sexual, com o machismo,
membros...
americanas. Existem muitas lésbicas
com as chamadas "prioridades".
Eu acho necessário, e fundamenamericanas contaminadas ou porque
Realmente, as doenças femininas, que
tal, que as feministas se organizem para
tiveram relações com homens ou porque
permitiriam um diagnóstico precoce, não
atuar na próxima Conferência. Uma atuasão usuárias de drogas. Não se sabe como
estão incluídas no controle. Existe pouca
ção que seja conseqüência de um forlidar com essa questão da transmissão
pesquisa associando câncer e AIDS ou
talecimento e de uma estruturação de uma
homossexual. Ninguém dá resposta para
mesmo outras DSTs. Por exemplo, hoje
rede Mulher e AIDS. Do ponto de vista
isso... Um pesquisador apresentou um
no Brasil, fala-se do aumento da tubercuda AIDS, a única rede estruturada é a das
estudo feito com mulheres bissexuais, léslose, mais ainda entre as mulheres. Será
mulheres soro-positivas. O feminismo
bicas e heterossexuais, e também com
que por trás disso está a AIDS? Não é
não teve uma forte atuação, ficamos absoalgumas mulheres que usavam drogas,
porque somos mulheres que vamos ter
lutamente apagadas lá na Conferência.
concluindo que as bissexuais corriam os
mais tuberculose. Aí entra a questão das
Enfoque: Não existe nada que
maiores riscos. Isso deu um rebu na
"prioridades" que faz com que haja
possa ser chamado como representação
platéia. Uma mulher levantou e falou
menos pesquisas, menos diagnósticos etc.
do movimento feminista?
"Seu filho da puta, são vocês que nos
Enfoque: Como você vê o moviRegina: Atualmente existe uma
infectam. Vocês são os culpados. Antes
mento de mulheres enfrentando essa
proposta de se montar uma "Rede Mundial
de mais nada, eu não quero ser consideraausência de pesquisa médica?
Mulher e AIDS", que estaria ligada à
da bissexual, porque eu sou lésbica...".
Regina: Pelo que sei, existem
"International AIDS Society" e teria uma
Mais uma vez, estávamos diante de uma
muitas feministas envolvidas em projetos
representação dividida em função das
pesquisa inconsistente, que não separou
"Mulher e AIDS", mas com um envolvigrandes regiões: Canadá, EUA, Europa,
mulheres que tomavam drogas das que
mento muito mais profissional do que
Ásia, África, Pacífico e América Latina.
não tomavam, juntando bissexuais e lésmilitante. Parece que nem o feminismo, e
Foram indicadas, a Alma Aldano, do
bicas. Não que eu acredite que ninguém
nem os grupos de mulheres, fizeram
México e a Mabel Bianco, da Argentina,
esteja correndo risco. Todo mundo corre
ainda uma reflexão sobre essa questão. O
da Rede Latinoamericana de Saúde da
22
cional, ONGs e Governo. Já acertamos,
Mais ainda se disser que é prostituta.
Mulher. No Brasil, ficamos de ver se a
para a próxima, um stand da "Rede
Imagine que nessa Conferência tinha
Rede Nacional Feminista de Direitos
2000 pessoas portadoras de AIDS. Então,
Reprodutivos assume a tarefa de articuLatinoamericana de Saúde da Mulher",
deu o maior rolo, muitos
lação nacional dessa Rede. A
idéia não é se montar nenhuma
protestos, passeatas...
ONG, mas aproveitar e fortalecer
Enfoque: E as próximas,
AS DOENÇAS QUE PERMITIRIAM,
onde serão?
o que já existe, mesmo porque
isso se chocaria com nossa proRegina: Cada
NAS MULHERES, UM DIAGNÓSTICO PRECOCE, Conferência confirma o local
posta de saúde integral da mulher.
Essa Rede Mundial coordenaria a
das duas próximas. Depois do
NÃO ESTÃO INCLUÍDAS
Japão, será Vancouver e depois,
nossa atuação na próxima
pelas propostas apresentadas,
Conferência, negociando particiNO CONTROLE. AUMENTA A TUBERCULOSE
existem grandes chances de ser
pação no seu "Comitê
Organizador" e também nos gruo Brasil. Dentro da perspectiva
ENTRE AS MULHERES. SERÁ QUE POR TRÁS
pos temáticos como pesquisa
de que a Conferência deve ir
básica, imunologia, comportapara o Terceiro Mundo, para
DISSO NÃO TEM A AIDS?
mento sexual etc, pois são essas
permitir alguns rompimentos,
instâncias que decidem os trabatirou-se o nome de 3 países
pobres para sediá-la: México,
lhos que serão apresentados e
Brasil ou índia. Além desses, nenhum
divulgados.
um outro de ONGs brasileiras...
outro teria infra e condições de sediar
Enfoque: Afinal, esta
Enfoque: Onde será sediada a
a Conferência, que vem contando com
Conferência apresentou grandes novipróxima Conferência?
Regina: Apesar dos protestos, no
a presença de, no mínimo, 10.000 pesdades na área da pesquisa?
Regina: Não muitas. A qualidade
Japão.
soas.
das pesquisas deixou a desejar... Na verEnfoque: Por que os protestos?
dade, o processo de escolha dos estudos
Regina: No Japão, se você disser
* Regina Maria Barbosa, médica,
pesquisadora do Instituto de Saúde
apresentados transita entre o político, a
que é HIV positivo, tua entrada é barrada.
de S. Paulo
Pessoas com AIDS, então, nem pensar!
influência, as pessoas que fazem parte do
comitê de escolha, a composição das áreas
temáticas, se a pesquisa assina o nome de
tal universidade etc. Claro que existem
trabalhos que entram em função do seu
brilhantismo, mas, no geral, as coisas passam por aí. Sendo assim, muita gente
voltou de-cepcionada e constatando: bem,
esse é um lugar de articulação política,
onde as pessoas vão para ter legitimidade,
para ter o seu trabalho publicado, além de
uma grande negociação de recursos, de
financiamentos...
Aliás, uma crítica que fizemos ao
Brasil e à América Latina em geral, é que
tem um lugar reservado a stands, onde as
ONGs e os Governos demonstram e vendem seus produtos, mas que é, antes de
mais nada, um grande lugar de atuação
política, onde se pode trabalhar com
recursos de multi mídia, vídeo, provocando discussões, promovendo reflexões
etc... e não tinha um stand do Brasil, nem
de ONGs, nem das mulheres, somente um
stand das prostitutas, aliás, sempre vazio.
Então, na próxima Conferência, temos
O Condon Feminino
que ir com propostas de atuação política,
Wisconsin Pharmacal Co. - Network en Espanol - Agosto 1993
a nível de cada instituição, inter-institu23
Uma visão feminista sobre a incorporação tecnológica ao contexto da sexualidade e saúde reprodutiva implica
em politizar esta relação e considerá-la necessariamente a partir da perspectiva das relações
de gênero. Ao longo dos últimos 15 anos isto
tem sido feito de forma intensiva no campo da
sexualidade, contravenção e aborto, com significativo impacto, principalmente no campo
das formulações de políticas públicas.
Na área de saúde chegou-se até ao
PAISM - Programa de Assistência Integral à
Saúde da Mulher, uma proposta que atualmente precisa ser resgatada entre os escombros do sistema público de saúde deste país.
Porém, um dos temas que dá seus primeiros
passos no debate feminista nacional é a intersecção entre concepção e tecnologia como
uma opção para os que desejam ter filhos e
que são inférteis.
A priorização de outras demandas do
campo da saúde reprodutiva, tais como o
atendimento pré-natal, informações e acesso a
métodos contraceptivos, a crítica ao abuso no
campo das cesarianas e das esterilizações, aos
riscos dos abortos clandestinos, e às altas taxas
de mortalidade materna, sempre foram justas
em função de serem demandas de praticamente toda a população feminina em idade e
condição fértil. No entanto, é tempo de observar que no terreno dos direitos reprodutivos a
concepção também deve estar garantida.
Esta discussão é complexa porque ao
recortarmos a infertilidade e a reprodução
assistida enquanto temas do campo da saúde
reprodutiva, não podemos desconhecer suas
inter-relações com pesquisas e manipulações
genéticas, e todas as implicações éticas que
elas nos trazem.
-nsano
INFERTILIDADE E
TECNOLOGIA
MARGARETH ARILHA*
A concepção, como direito reprodutivo,
justifica que se busquem avanços tecnológicos para
os casos indesejados de infertilidade.
Mas como olhar a pesquisa genética?
De que forma prevenir-se contra a manipulação do
corpo da mulher? Como pensar políticas públicas
para oferta e controle dessas
cegonhas de laboratório?
Este ensaio procura trazer elementos
para reflexão e debate.
24
i
Estiveram em cartaz dois
filmes americanos lançados
recentemente e que ilustram
diferentes formas de utilização
da tecnologia disponível neste
campo, ambas exigindo reflexões sobre
as condições e conseqüências de sua aplicação à reprodução de espécies animais.
Um destes filmes é o famoso'
"Parque dos Dinossauros" ou "Jurassic
Park", uma superprodução de Steven
Spielberg, esperado ansiosamente pela
crítica e pelo público em geral. A história
trata da recriação de dinossauros em laboratório e da construção de um parque
automatizado com os animais. Esta ficção
colocou em cena uma "obra" de engenharia genética - a recuperação de
moléculas de DNA de dinossauros através
de gotas de sangue fossilizadas em um
mosquito que atacava os animais há milhões de anos atrás.
Como a reconstrução total do DNA
não foi possível, complementou-se a
molécula com um exercício de clonagem1, usando DNA de um certo tipo de
sapo. Embora não seja salientado no
filme, um dos problemas do funcionamento do parque e que contribuiu com
sua falência foi a transgressão de um de
seus princípios básicos: a reprodução artificial só poderia ser de animais de um
mesmo sexo, evitando assim a reprodução
natural e permitindo que todos os nascimentos pudessem ser previstos e controlados pelos humanos. Os cientistas
desconsideraram, porém, que o sapo utilizado na clonagem, poderia se reproduzir
de forma hermafrodita. E foi o que aconteceu. Surgiram então dinossauros que se
reproduziram naturalmente, e que não se
encontravam sob o controle absoluto dos
mecanismos computadorizados, passando
a ter comportamentos imprevisíveis e,
portanto, perigosos.
O segundo filme é o "Feito por
Encomenda", com Whoopi Goldberg, a
famosa atriz negra que tem encantado as
platéias nos últimos anos. Ela agora interpreta uma mulher que deseja ter um filho
por inseminação artificial. Sendo bem
sucedida em seu intento, começa a ter
problemas quando sua filha adolescente
quer conhecer o pai. Encontrado, surpreende mãe e filha: era alto e branco, e
não correspondia totalmente à descrição
pedida no banco de espermas - um
homem negro, inteligente e alto. A
25
comédia se desenvolve por aí.
É curioso observar que, de certa
maneira, ambos os filmes refletem a
falência da iniciativa tecnológica e criticam mais especificamente, a previsibilidade pretendida pela tecnologia. São,
sobretudo, bons motivos para reflexão.
UM POUCO DE HISTóRIA
Tudo isto parece "coisa do
século XXI", mas não é. As
primeiras iniciativas científicas no campo da reprodução
artificial datam da segunda
metade do século XIX.
Em 1870 um embriologista
vienense fez a primeira tentativa de fertilização fora do corpo de um animal, usando óvulos de coelha e, em 1890, ocorria a
primeira transferência de embriões em
animais. 50 anos depois, em 1940, algumas inseminações artificiais em humanos
foram feitas na Europa e nos Estados
Unidos. Nesta década também, iniciaramse as tentativas de congelamento de
embriões de animais. Na década seguinte,
em 1959, o esperma humano congelado é
utilizado pela primeira vez, produzindo
um bebê por inseminação artificial.
No entanto, são da década de 60 as
grandes experimentações feitas, principalmente na Austrália, em torno da fertilização in-vitro (FIV)2, a grande 'vedete' da
reprodução artificial.
Na Inglaterra, Robert Edwards,
fisiologista, e Patrick Steptoe, ginecologista e obstetra, começam a desenvolver
trabalhos comuns que, em 1978, farão
nascer Louise Brown, o primeiro bebê
de proveta do mundo.
A partir do nascimento de Louise
houve uma grande expansão de clínicas
de FIV pelo mundo todo, inclusive no
Brasil. Além disso, começaram a crescer
os serviços correlates. Nos EUA, por
exemplo, surge um banco de esperma
restrito a homens supostamente "superdotados" em inteligência, além de agências
que intermediam a contratação de mãesde-aluguel.
Enquanto isso, em 1982 ocorre um
fato dramático na história da introdução
das tecnologias reprodutivas conceptivas
no Brasil: morre Zenaide Maria Bernardo
durante um procedimento de aprendizagem coletiva, organizado em São Paulo
pelo Dr. Milton Nakamura, com o apoio
de equipes médicas australianas. Dois
anos depois, nasce Anna Paula, o
primeiro bebê de proveta brasileiro registrado publicamente no Brasil,
fazendo com que, de certa
forma, o episódio anterior fosse "esquecido".
O
NASCIMENTO
TECNOLóGICO:
DISCUSSãO E ÉTICA
O crescimento mundial de
serviços que oferecem o
nascimento tecnológico
trouxe também complexas
implicações éticas, que
começaram a ser apontadas tanto por
profissionais do campo da saúde, quanto
pelo feminismo. Durante a década de 80,
intensas discussões ocorreram, no campo
da ética, em países como o Canadá,
Inglaterra, Austrália, Espanha, França,
Alemanha, Dinamarca, Estados Unidos
etc. Comitês especiais foram instituídos,
medidas limitantes foram tomadas para
controlar pesquisas e demais procedimentos, novas leis foram criadas, sempre com o objetivo de coibir abusos e
injustiças.
Nestes anos, concluiu-se que uma
das questões mais sérias do uso da reprodução assistida está no fato de que ela
ainda deve ser considerada como um
procedimento experimental e, portanto,
ser conduzida como uma pesquisa. Esta
foi uma das recomendações de 1989 da
Organização Mundial de Saúde (OMS).
Em 1990, o Escritório
Regional Europeu da OMS promoveu um encontro com ginelk cologistas, grupos de
mulheres, epidemiologistas, sociólogos,
economistas, administradores de saúde e
jornalistas da Europa, América do Norte e
Austrália, para discutir, especificamente,
o lugar da fertilização in-vitro, no contexto dos cuidados com a infertilidade.
O documento aponta para a necessidade de cada país determinar a sua
própria prevalência da infertilidade, estimada em 10% para os países industrializados, avaliando-a por gênero e causas.
A proliferação de novos centros de FIV
estaria condicionada a esta avaliação.
Sugere-se também que seja considerada a
viabilidade de opções sociais, tais como
a adoção. Especial atenção deveria ser
dada às barreiras e desigualdades no acesso de mulheres e homens de todas as
classes sociais a essas opções, bem como
oferecer todas as informações necessárias
sobre riscos e eficácia, tanto das opções
médicas quanto das sociais.
Como ainda não há elementos suficientes para compreender os efeitos dos
procedimentos de FIV sobre o corpo feminino, recomenda-se uma atitude cautelosa dos países, estabelecendo prazos para a limitação da exposição das mulheres
à indução hormonal e, inclusive, para o
número de ciclos em que se vai trabalhar
com reprodução assistida.
Dentre outros aspectos, o Escritório
^^ Regional Europeu da
OMS recomenda que
todos os países deveriam
l
desenvolver um sistema adequado de
garantia de qualidade para os serviços de
FIV, o que incluiria registro de todos os
provedores, relatório obrigatório dos
dados, constante monitoramento dos
serviços e sanções obrigatórias para o
não-cumprimento das normas estabelecidas. Lembra-se que as considerações éticas em infertilidade devem ser focalizadas inicialmente nos provedores de
serviços, que são aqueles que estabelecem suas relações diretas com as mulheres, e não somente nos ovos, embriões
e fetos.
O
QUE OCORRE NO
BRASIL?
Não há aqui nenhum tipo de
controle sobre os serviços
que estão espalhados pelo
país e que oferecem a
possibilidade de reprodução assistida, em especial a fertilização in-vitro. Sequer sabemos quantos são
atualmente os serviços (públicos e privados), com que materiais e equipes trabalham, se estas estão adequadamente
preparadas, e que critérios éticos
nhpHprpm
Até há pouco tempo, o vazio era
ainda maior. Em novembro de 1992, o
Conselho Federal de Medicina (CFM)
ocupou o vácuo existente até então e
instituiu uma regulamentação própria
que, infelizmente, só foi debatida entre
membros da categoria médica.
Nesta regulamentação adotam-se
alguns princípios básicos como os de
colocar as técnicas de reprodução assistida como auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, e não como
terapêutica principal, passíveis de serem
utilizadas com o consentimento informado dos envolvidos quando realmente houver alguma possibilidade de sucesso, não
se incorrendo em risco grave de saúde
para a paciente ou feto. Não se permite a
utilização das técnicas com a finalidade
de seleção do sexo ou outras características biológicas. Limita-se a 4 o número de
embriões a serem transferidos, porém,
proíbe-se a redução de gravidez (aborto)
em casos de gravidez múltipla.
Todas as mulheres maiores
de 21 anos
podem
se
jf
* .
27
26
candidatar às técnicas de reprodução
assistida, e, se estiverem casadas ou em
união estável, necessitarão da aprovação
do cônjuge ou companheiro para se submeterem às técnicas. Há alguns outros
aspectos polêmicos na regulamentação
como, por exemplo, a escolha médica da
compatibilidade fenotípica entre doadores
e receptores, o prazo de três anos como o
tempo máximo de manutenção de
embriões congelados e a doação temporária de útero, estabelecida como possível entre pessoas com relação de parentesco até o segundo grau, e sem caráter
lucrativo.
A regulamentação do CFM não
sugere nenhum tipo de instância como
responsável pela fiscalização dos
serviços, e este é um de seus grandes
vácuos. Na Espanha, 5 anos após ter sido
promulgada a lei que regula a reprodução
assistida, ainda não existem mecanismos
de vigilância que garantam o uso correto
das novas técnicas. O controle continua
sendo a principal carência da FIV na
Espanha. Este fato impede, por
exemplo, o registro nacional sobre
o número de crianças nascidas no
país com a FIV, bem como a
avaliação de quantas mulheres
são submetidas a tratamentos sucessivos com ínfimas
probabilidades de
engravidar etc. No nosso
caso, o vazio do CFM
não foi preenchido, até
o momento, pelo
Estado. O Poder
Executivo continua
formalmente
ausente, tanto no
que diz respeito à
sua posição oficial sobre a
infertilidade e
o atendimento
concreto para
a população
infértil no
contexto
do
PAISM,
como na
fiscalização
da atuação do setor privado.
No Legislativo Federal há seis projetos-de-lei em tramitação, que versam
sobre a proibição de implantação de
embriões em mães não-genéticas: a
penalização de raães-de-aluguel. Estes
projetos mereceriam uma ampla discussão, até porque contrariam, algumas
vezes, as disposições atuais do Conselho
Federal de Medicina. Outro projeto versa
sobre a proibição da exploração ideológica ou comercial do genoma humano.
Recentemente, o projeto-de-lei 824
que regula "Direitos e Obrigações relativas à Propriedade Industrial" no Brasil,
gerou polêmicas na sociedade. Grupos
ligados ao movimento de mulheres e
ecológicos opuseram-se à sua aprovação
pelo fato da lei prever o patenteamento de
seres vivos, que por serem manipulados
através da engenharia genética poderiam
ser considerados "invenções" e portanto
patenteados. Apesar de todas as pressões
contrárias, em maio deste ano o projeto
foi aprovado.
No Estado de São Paulo tramita o
projeto de lei 877, do deputado Afanázio
Jazadji, que exige autorização expressa
do Governo do Estado para que empresas
nacionais e internacionais realizem trabalhos de pesquisa, testes, experiências
ou outras atividades na área de biotecnologia e engenharia genética.
Concomitantemente a essas iniciativas do Legislativo, a atual Comissão de
Reforma do Código Penal do Ministério
da Justiça vem debatendo o assunto. Se as
propostas se mantiverem, esta será a
primeira vez em que alguns abusos no
campo da reprodução assistida estarão
criminalizados e penalizados. São para
estes casos as propostas de ausência do
consentimento da mulher na utilização da
reprodução assistida; experimentos e
comercialização de gametas e de
embriões; alterações de estruturas genéticas humanas que não sejam feitas com a
finalidade terapêutica; hibridação de
humanos com cargas genéticas de outras
espécies; clonagem e matemidade-dealuguel com finalidade comercial.
É interessante observar que, corretamente, não estão incluídas nesta proposta de alteração do Código Penal, a utilização tecnológica com a finalidade de
resolução dos problemas associados à
infertilidade, excetuando-se a utilização
comercial de barrigas-de-aluguel.
UM TEMA A SER PENSADO
PELAS FEMINISTAS
Ainda que o tema infertilidade/tecnologia seja de difícil apreensão entre os
grupos feministas, a meu ver, ele deve
estar incluído na agenda dos grupos que
trabalham com saúde.
É preciso desnudar nos sistemas de
saúde públicos e privados este processo
da incorporação tecnológica para a "resolução" dos problemas de infertilidade,
criticá-lo, monitorá-lo. Ele deve ser visto
com cautela, mas não deve ser negado
enquanto alternativa para mulheres e
homens que mesmo informados de suas
pequenas chances e das características
extenuantes do processo, decidam a ele
recorrer.
Quanto aos nossos serviços públicos, é necessário avaliar se, de fato, eles
conseguem atingir uma clientela com
pouca escolaridade, com vários outros
problemas de saúde, com uma renda pessoal e/ou familiar mínima, e que necessita de seu trabalho cotidiano para sobreviver.
Por outro lado, é
necessário avaliar também
que lugar os serviços de
reprodução assistida
devem ocupar nos
serviços de
saúde. Num
país em que
os médicos
do setor
,
>
público
relatam sua
tragédia
cotidiana,
vendo-se
obrigados a
/
decidir quem
deve viver ou
morrer por
falta de
condições
28
materiais de atendimento para todos, é
difícil contemplar discussões éticas sobre
o congelamento ou a eliminação de
embriões. Mas, não é impossível.
Notas
' Clonagem é a introdução de um fragmento do
material genético de uma célula em outra célula que passa a possuir e multiplicar a informação genética contida no fragmento introduzido.
2
Procedimento no qual óvulos e espermatozóides são coletados e fecundados em laboratórios para, posteriormente, serem introduzidos no ütero feminino. Para tanto pode-se utilizar esperma de bancos de congelamento,
anônimos ou não. Este procedimento pode
implicar na eliminação ou congelamento de
embriões excedentes.
Margareth Arilha, pesquisadora da
ECOS, Estudos e Comunicação
1U
em Sexualidade e
Reprodução Humana.
1
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Olt ura
MAIS DO QUE MUSAS
A história da pintura, a ocidental em particular,
só não conseguiu fechar os olhos para explosões de talento e
inventividade femininas, quando elas se deram dentro dos
domínios artísticos do homem. São mais localizáveis no tempo as
artistas que também eram irmãs, filhas, esposas de pintores,
mesmo assim acuadas por uma cultura sempre empenhada em
conferir-lhes invisibilidade.
Em 1991 teve lugar, em
Florença, o redescobrimento
de Artemisia Gentileschi, pintora do barroco italiano que,
em sua época, foi considerada
uma puta ao não conseguir provar que
havia sido violentada por um amigo de
seu pai, o pintor Agostinho Tassi.
Este fato terrível não impediu que
Artemisia seguisse com sua vocação de
pintora, a tal ponto que é colocada ao
lado de gênios do barroco, desde a
exposição de uma parte de sua obra no
Palácio Buonaroti, lugar de residência do
neto de Miquelângelo, que foi um dos
clientes da pintora durante sua estada em
Florença.
A vida de Artemisia Gentileschi,
como a de tantas outras mulheres que
nasceram com genialidade e talento,
demonstra claramente os limites traçados
pela sociedade para impedir o desenvolvimento de suas potencialidades artísticas.
Este é o caso de Marietta
Tintoreto, filha do célebre pintor, e que
acompanhava seu pai a todas as cortes da
Europa vestida de homem. Ao que
parece, tinha muito talento para pintar
retratos, motivo pelo qual o imperador
Maximillano e Felipe 11 pediram a seu pai
para que ela trabalhasse na corte da
Espanha. Tintoreto considerou que era
hora de Marietta casar-se, ter um marido
e que este se encarregaria de vigiá-la.
Marietta morreu de parto, quatro anos
A Coluna Quebrada, Óleo sobre tela, Frida Kahlo, 1944, 40 x 30,7 cm. Cidade do
México
30
depois de seu casamento.
Os casos de Constance Mayer e
Gabriele Munter são os de mulheres que
se auto anulam por amor. A primeira
enamorou-se do pintor Pierre-Paul
Proudhon e, ao mesmo tempo que tinha
aulas de pintura ao seu lado, dedicou-se a
cuidar da casa e dos filhos dele, já que a
esposa do pintor estava reclusa em um
asilo. Quando esta morreu, Proudhon
nada fez para regularizar sua situação
com Constance, que entrou em uma profunda depressão, a ponto de acabar com a
própria vida, degolando-se. Gabriele
Munter, por sua vez, abandonou a pintura
para dedicar-se, por inteiro, a Kandinsky
que, mais tarde, a abandonou por outra
mulher.
MASCOTES SURREALISTAS
Se o campo da pintura aparece hoje
como um espaço amplamente ganho pelas
mulheres, é porque houve persistência,
paixão e convicção por parte delas.
Apesar disso, sua invisibilidade nos
momentos chaves da história da arte,
como no surrealismo, por exemplo,
demonstra que nem sempre os obstáculos
foram derrubados. Essa ausência se
explica não só pelo lado da desigualdade
de gênero. Permeia a visão de que os surrealistas teriam a mulher como um ser
"diferente", "sensual", "exótico". De tal
sorte que eles não podiam acolher em
igualdade de condições aos artistas que se
atreveram a incursionar em seus espaços.
Em geral, elas eram vistas como "musas"
ou "mascotes", isto é, colocadas em um
lugar distinto.
No segundo manifesto surrealista
de 1919, se lê o seguinte: "O problema da
mulher é o mais maravilhoso
e perturbador que existe no mundo. As
"mascotes"do grupo, segundo Laura
Freixas, "incluem a sedutora
Gala, a jovem anarquista Germaine
Breton, famosa por ter disparado um
tiro contra um jornalista de direita, e
Nadja, inspiradora da novela homônima
de Breton, e cuja história de amor com
este terminou quando ela foi presa por
escândalo público e internada em um
manicômio.
"A mulher" dos surrealistas é,
Frida Kahlo e Diego Rivera, Óleo sobre tela, Frida Kahlo, 1931, 100 x 78,7 cm,
Cidade do México
enfim, uma versão atualizada da Musa
romântica; não é artista por si mesma,
mas inspiradora entre este e os outros
mundos, dos quais falava Eluard, ("há
outros mundos, mas estão neste"). E,
como disse Gimenez-Frontin, em seu
excelente ensaio, "o papel de mediadora é
simplesmente passivo, e esta pode ser a
chave da ausência de membros femininos
criativos no movimento, se bem que,
como veremos, mais do que ausência,
deveria falar de um ramo secundário, tardio e mal conhecido."
Surrealistas tardias? Frida Kahlo,
Leonora Carinton, Remédios Varo,
Leonor Fini, Valentine Hugo, Meret
Oppenheim, Kay Sage, Dorothea
Tanning? Para começar, nenhuma delas
31
aparece na relação de signatárias dos
manifestos e suas ausências são evidentes
na primeira exposição de Paris (1925). Os
vínculos com o surrealismo se revelarão
pelo lado sentimental. Remédios Varo,
nascida na Espanha, casou-se com
Benjamim Perret e assim pôde acessar o
grupo; o mesmo aconteceu com Leonora
Carrington, casada com Max Emst. Na
verdade, esta é uma característica que se
repete no tempo, como mostraram as historiadoras Roziska Parker e Griselda
Pollock, ao constatar que a maioria das
pintoras, do século XVI ao XIX, foram
filhas de pintores. De tal sorte, puderam
chegar em melhores condições ao mundo
das artes, ainda que, como já vimos, nem
sempre isso facilitou um caminho mais
autônomo.
É pertinente, sobre isso, o que disse
a feminista Germaine Greer: "...qualquer
estudioso ou estudiosa de pintoras vai
descobrir que está estudando as parentes
dos pintores. E este estudo vai dar conta
da capacidade dos homens de reprimir as
mulheres da família, de cercá-las, de
imprimir-lhes uma auto imagem capaz de
não ajudar o desenvolvimento da personalidade artística. No exercício
de uma conduta obediente,
dirigida a comprazer aos demais,
há um autêntico abismo que
silencia o ego, paralisa e impede
de chegar a fontes da criatividade. Além disso, consideremos
que se um artista chegasse a ter
uma filha com talento, é provável
que ela nao fosse uma boa colaboradora, na medida em que
perseguiria seus próprios impulsos e inspirações. E a independência em relação a esse pai
dominador significava a perda de
toda possibilidade de adestramento futuro.
mento deste tipo no qual os êxitos das
mulheres eram indubitavelmente iguais
aos de seus colegas varões.." Surge a
interrogação: por que, naquele momento
histórico, muitas mulheres estavam na
ponta do "avant-garde", e por que não
ocorreu o mesmo no Ocidente?
Parker e Pollock assinalam que, no
século XIX, na Inglaterra e no resto da
Europa, com a consolidação de uma bur-
#
cuja antítese era o alienante trabalho proletário, cujo oposto direto, sugere
Pollock, "...é o trabalho monótono,
invisível e repetitivo do que se chama as
trabalhadoras do sexo..."
Através desse tipo de construções,
aos artistas e às mulheres, foram assinaladas regras marginais dentro da cultura
burguesa ocidental. Esse tipo de bifurcação histórica entre mulher e artista, por
um lado, e entre artista e membro participativo da sociedade,
por outro, não ocorreu na
Rússia, porque ali não existia o
tipo de burguesia que impusera,
no ocidente, uma ideologia da
domesticidade. Diferente da
classe média européia e americana, que se encontravam em
pleno processo de industrialização, e que haviam começado a
idealizar a vida familiar, a maioria dos russos progressistas consideravam tal idéia egocêntrica
demais.
A NOVELISTA
NADEZHDA
AS RUSSAS
DE VANGUARDA
Khvoshchinkaia escreveu
que a felicidade familiar é "...a
Se, no Ocidente, as artistas
felicidade vulgar de casas
tiveram toda sorte de obstáculos
fechadas com chave, com tudo
para dedicar-se a sua vocação,
em ordem e, em seu lugar,
isto não parece ter ocorrido com
aparentam dar um sorriso de
as pintoras russas de vanguarda.
boas vindas ao forasteiro, mas
O Suicídio de Dorothy Hale, Óleo sobre painel de mansonite
0 que mais supreende os obseroferecem somente o mesmo sorcom quadro pintado, Frida Kahlo, 1938/1939,
vadores ocidentais quando são
riso
presumido e estúpido. Estes
60,4 x 48,6 cm, Phenix Art Museum.
introduzidos pela primeira vez na
oásis são simplesmente o egoarte do avant-garde russo são as
centrismo individual unido ao
mulheres. A quantidade de trabalho proguesia patriarcal como classe dominante,
egocentrismo familiar. São ordenados,
duzido por elas dentro deste movimento,
a feminilidade foi construída em termos
moderados e complacentes, e totalmente
entre 1910 e 1920, é extraordinária. Essa
exclusivamente domésticos e matemais,
preocupados consigo mesmos..." Este
foi uma época em que as mulheres pudeainda que mais e mais mulheres
sentimento anti-família era bastante geram contribuir livremente como criadoras,
estivessem, por necessidade, incorporanneralizado, e muitas mulheres russas
teóricas e educadoras de arte, e o fizeram
do-se à força de trabalho. Ao mesmo
começavam a buscar a maneira de particiem grande número, produzindo obras de
tempo, a evolução de noções burguesas
par da vida pública.
mérito excepcional. As críticas da
do artista associava a criatividade com
Nos finais do século XIX, muitos
imprensa sobre a coleção Costakis, exibitudo que era anti-doméstico, e o modelo
doutores, professores, artistas e outros
da no Museu Guggenhelm em 1981, enfoboêmio do "gênio" de vida livre, sexualmembros da inteligência - centenas deles
caram o que era um fenômeno novo para
mente agressivo, chegou a ser o
eram mulheres - dirigiram-se ao campo
os críticos ocidentais: os êxitos das muestereótipo de um artista, que era por
para trabalhar ao lado dos camponeses.
lheres artistas. Hilton Kramer escreveu
definição masculino. A arte era represenAs mulheres, em particular, assumi"O avant-garde russo foi o único movitada como o ideal da atividade criativa.
ram esse trabalho com o altruísmo carac-
32
terístico de uma campanha religiosa. Ao
mesmo tempo, várias colônias de artistas
e escolas de arte, algumas criadas por
mulheres, se basearam em uma combinação similar de esforços filantrópicos e
democráticos. Muito antes da revolução,
existia uma tradição bem desenvolvida de
compromisso social de parte dos artistas,
tanto homens como mulheres. Uma
grande quantidade de obras
criadas por artistas nestas
colônias eram baseadas na
arte folclórica e no artesanato,
com o intuito de que seriam
úteis para a população local.
Uma das integrantes
mais destacadas do "Avantgarde", em seus começos, foi
Natalya Goncharova (18811962). Sua obra está muito
influenciada pelo folclore
russo, como a popular gravura
no boj (Lubok), motivos semiabstratos de bordado, escultura da Escita antiga, entalhes
em madeira e pintura icônica.
Ao contrário das apropriações
culturais dos artistas franceses, que nesta época estavam
explorando a arte primitiva
importada das colônias
francesas, o interesse na arte
primitiva na Rússia foi alimentado por um sentimento
nacionalista.
Tais atitudes tinham
uma influência considerável
sobre o início da arte abstrata,
que seguiria na Rússia uma
trajetória bem distinta daquela
do Ocidente.
deram gradualmente às mulheres acesso à
educação artística. Em 1842, abriu-se a
primeira escola de arte para mulheres, a
seção feminina da Escola de Desenho de
São Peterburgo e, mais tarde, criaram-se
seções similares na Escola Stleglitz e na
Escola de Stroganov, em Moscou. Um
quadro coletivo, pintado por alunos de
Ilya Repin, representando suas aulas de
Estes fatos significam que as mulheres que fizeram parte do "avant-garde"
pertenciam a uma segunda ou terceira
geração de artistas com formação profissional. Vera Miturich-Khlebnikova (1954)
se refere a sua vocação artística como
parte de uma tradição familiar.
"No enorme estúdio de meu pai, o
artista Mai Miturich, havia um lugar
especial para mim. Assim,
comecei a pintar há trinta anos
e, desta maneira também meu
pai havia começado, quando o
estúdio pertencia a seu pai,
Petr Miturich, um artista e
inventor". Vera é a neta de Petr
Miturich e de Vera
Khlebnikova (irmã de Victor
Khlebnikov), todos artistas do
"avant-garde". Irina
Starzenyetskaya(1943) é filha
da conhecida cenógrafa
Tamara Stamyetskaya(1912).
Por muitos anos, mãe e filha
foram colaboradoras no teatro.
Os trajes e cortinas desenhadas por Irina para acompanhar a cenografia de sua
mãe tem uma influência sobre
as paisagens que ela pinta,
particularmente em sua
capacidade de expressar
espaços côncavos profundos.
De um extremo ao outro
do tempo, a marca deixada
pelas mulheres nas artes plásticas não pode ser apagada
nem pelo peso de uma história
falocêntrica com pretensões de
universalidade, nem pelos
mitos que se obstinaram em
outorgar às mulheres um lugar
de
secundaridade na repartição
APOIANDO-SE
de talentos e genialidades. A
ressurreição de uma Artemísia
MUTUAMENTE
dura,
Frida
Geltileschi, a revalorização de
Autoretrato dedicado ao Dr. Eloesser, Óleo sobre tela
uma Remédios Varo, de uma
Outra das caracteríticas
Kahlo, 1940, 59,5 x 40 cm, EUA, Coleção Particular
Frida Kahlo, ou de uma
do movimento das mulheres
Leonora Carrington, significa
nas artes plásticas na Rússia
recuperar uma visão da história da arte e,
foi a tendência em se formar agrupamen
estúdio, mostra homens e mulheres tratos. Em 1882, setenta e três pintoras em
balhando juntos frente a um modelo nu.
afinal, da história da humanidade.
São Petersburgo formaram sua própria
Nesta época (1870), já havia um número
associação para apoiar as mulheres artismuito grande de médicas, razão porque
tas. E importante notar que, desde 1840,
não era incomum a presença de mulheres
Fonte: Mulheres em Ação 3/93 Isis
uma série de reformas administrativas
nas aulas de anatomia.
Internacional (40/45)
33
P^f;l
BRANDA, SUAVE, BRIGUENTA.
DONA HELENA GRECO,
CONDENADA PELA JUSTIÇA
Dona Helena Greco, uma senhora de 77 anos, acaba de
ser condenada pela Justiça
brasileira. Motivo: foi acusada de calúnia e
difamação por médicos legistas suspeitos de terem assinado laudos falsos
de presos políticos, mortos na época da
ditadura militar.
A condenação de Dona Helena surpreendeu e motivou diversas entidades,
lideranças e ativistas dos direitos
humanos, em todo país a se manifestarem. Protestou-se contra a manipulação que persiste nos aparatos judiciais
brasileiros, que promovem a discriminação e a impunidade em lugar de promover Justiça. Demonstrou-se solidariedade à figura querida e digna de
Dona Helena.
Mas ela, convidada pela Enfoque
Feminista a falar um pouco de sua
história pessoal, sequer tocou no assunto
da condenação (mas o que é isso, dona
Helena?).
Com um "q" de romantismo e bem
orgulhosa do que tem feito de sua vida.
Dona Helena prefere falar de uma história
de amores com o feminismo de outras
pelejas que rechearam seu currículo com
atividades militantes: nos movimentos e
comitês pela Anistia, no Comitê de Apoio
e Solidariedade aos Movimentos Operários
e Populares, no Partido dos Trabalhadores,
na Câmara Municipal de Belo Horizonte
(vereadora por duas vezes), nos movimentos de solidariedade aos povos palestino e
libanês, à Nicarágua e El Salvador, na
Coordenadoria de Direitos Humanos e
Cidadania em Belo Horizonte,
e por aí vá.
TALCO NAS AXILAS
Pelas histórias que conta, é possível desconfiar porque a violência de uma
condenação nem pareceu deixar Dona
Helena abalada. Não é que ela acha graça
de críticas públicas que recebeu na vida
por insubordinar-se a valores conservadores da sociedade mineira? A história
a seguir ela chama de "fato pitoresco".
"Foi a primeira vez que meu nome
saiu no jornal. Na época, 1956, eu trabalhava na Biblioteca Thomas Jefferson, em
Belo Horizonte, e aceitei o pedido de uma
professora para lecionar inglês na
Penitenciária Dutra Ladeira. No dia
seguinte, a imprensa deu essa manchete:
"Os ladrões agora vão roubar em inglês".
Sobre o episódio. Dona Helena
comenta apenas que "de fato, o
Orlandinho, que foi meu aluno, hoje é
professor de inglês". Naquela época ela
também se ocupava em ensinar, em sua
casa, francês, inglês, italiano e português
para crianças carentes.
Na Câmara Municipal de Belo
Horizonte, a disposição em atuar no
campo dos direitos humanos também lhe
deu algum trabalho e lhe rendeu "condenações" pelos jornais. A isto ela chama
de "investidas maliciosas da imprensa"
que, junto com " vereadores da pesada" a
acusavam de "querer passar talco nas axilas dos bandidos". O que importa, segundo ela, foi que "tivemos um bom trabalho,
reconhecido pela população, com a
expressiva votação que recebemos nas
duas vezes que concorremos à Câmara."
Esse tirar de letra parece história de
quem sempre conviveu com a política e
se formou enfrentando o fogo cerrado da
34
briga com as instituições conservadoras.
Não é o caso de dona Helena.
Sua vida de ativista começou em
1977. Com 77 anos hoje, isso quer dizer
que foi caloura na militância aos 60 anos
de idade. E foi durante um protesto estudantil. "Geisel, o presidente imposto
pelos militares da época, proibiu a realização do 3S Encontro Nacional dos
Estudantes, que seria na Escola de
Medicina da UFMG. Contra a proibição,
alguns dias depois, várias entidades organizaram um ato público."
Dona Helena tinha três filhos estudando e que participavam do movimento
estudantil. Eles ficavam muito tempo fora
de casa. Os estudantes no país estavam
sendo reprimidos e aquilo preocupava e
revoltava a mãe.
Foi assim que, no ato público, dona
Helena conta ter sentido "uma vontade
impetuosa de falar". Sentia-se representando "uma geração inerte, que não tinha
feito nada para mudar o país, e que ainda
estava mandando reprimir". Foi sobre isso
que dona Helena falou em público e logo
revelou sua verve de líder.
"Falei e as mulheres que estavam
interessadas em organizar o movimento
pela anistia me convidaram. Saí daquele
ato público decidida a participar da política". Com a ajuda de dona Helena na
organização, a lã assembléia do
Movimento Feminino pela Anistia, em
Belo Horizonte, teve a participação de
107 mulheres.
ORIGEM DA LUTA
A luta pela anistia foi para Dona
nossa cidade".
A luta pelos direitos humanos, na
sua opinião, também é uma luta contra o
machismo e a violência contra as mulheres. Ao lembrar que no movimento da
anistia se lutava pela participação da mulher, ela conclui que "ainda estamos
engatinhando" mas cita Rose Marie
Muraro para concordar que " apesar de
sermos pequenos e pulverizados, nada
aconteceu que não tenha passado pelos
EXERCíCIO DE CIDADANIA
movimentos feministas".
E, de fato, sua recente condenação
não é um problema particular dela. É
Hoje dona Helena está a frente da
Coordenadoria de Direitos Humanos da
muito mais um problema para os movimentos de direitos humanos e para as
Prefeitura de Belo Horizonte. A vitória da
feministas assumirem.
Frente Brasil Popular (PT, PC do B, PCB
e PV), que hoje administra a cidade, foi,
É claro que não falta a ela a consciência da gravidade do assunto, que não
segundo ela, resultado do trabalho de
é outra coisa senão a urgência em se modificar o modelo político, econômico,
social e jurídico do Brasil,
briga que assumiu há
muito tempo. Ocorre que,
ultimamente. Dona Helena
tem se ocupado mais em
organizar protestos, em
praça pública, contra a
chacina da Candelária.
Como diz: "é para tentar
interromper o ciclo de
silêncio de uma sociedade
que teima em assistir,
impassível, ao enterro de
seus meninos, como o
Gambazinho, da
Candelária, enterrado no
Rio de Janeiro, sem que a
apuração do crime e
punição dos culpados não
tenha passado de declaPedimos a D. Helena uma foto sua. Veio esta. Tivemos Ique ampliar para achá-la em meio à mani
rações de intenção e
festação contra a chacina da Cinelândia. Esta foto, na verdade, é a cara de D. Helena.
manchetes do noticiário".
Dona Helena tamépoca, as feministas apoiavam os movianos dos movimentos populares locais,
bém tem sido vista na televisão, falando e
mentos de oposição e davam assistência
movimentos cora os quais ela pretende
exigindo Justiça para os chacinados,
aos presos políticos e seus familiares,
tocar a Coordenadoria, já aprovada pela
crianças, índios, detentos ou favelados
divulgando a situação dos presos, acomCâmara Municipal, mas em fase inicial de
deste país. Com aquela segurança de
panhando processos com advogados,
implantação.
quem aposta ter a seu favor alguma forma
apoiando greves de fome nas prisões e as
Um projeto piloto junto à periferia
branda, suave e obstinada de solimanifestações de estudantes e trabaindicará os próximos passos para "instrudariedade das mulheres que sabem de sua
lhadores contra a ditadura, atividades que
mentalizar a comunidade para o exercício
condenação.
a envolveram.
da cidadania. Nosso objetivo é criar uma
Entre 78 e 79 aconteceu, com
cultura de defesa de direitos humanos em
(R.F.)
Helena o ponto de convergência de todas
as oposições, "um esforço para por fim
àquilo que sufocava o povo brasileiro, e a
primeira tentativa de se dar forma orgânica à nossa luta foi o Movimento
Feminista pela Anistia".
Em 1979, foi a representante do
movimento pela Anistia Ampla Geral e
Irrestrita do Brasil no Congresso Mundial
de Anistia, em Roma. Num dos trechos
do seu discurso, disse que se tratava do
"movimento feminista pela Anistia que,
de uma forma suave e branda, se espalhou
por todo o Brasil".
Eu queria, lembra ela, revelar aos
representantes da luta em defesa dos direitos humanos em todo mundo a origem
da luta pela anistia em nosso país.
Dona Helena se recorda que, na
grande repercussão, a campanha pela libertação da brasileira Flávia Schilling,
presa no Uruguai. 1978 foi também o ano
em que surgiu a seção Minas Gerais do
Comitê Brasileiro pela Anistia que propunha unir a luta de homens e mulheres.
São passagens da história de Helena
Greco que se misturam com a história do
país.
35
vjlustiiçai
UM NOVO PRETEXTO PARA DISCRIMINAR?
MARIA AMéLIA DE ALMEIDA TELES
Dois fatos inéditos ocorreram na
Grande São Paulo: a costureira
Antônia Inácio dos Santos foi
presa por não pagar a pensão
alimentícia ao ex-marido, e as
duas operárias químicas, Elzenira e Izaura,
foram demitidas por justa causa. Alegação:
assédio sexual.
São dois fatos que revelam a capacidade dos homens de, em nome da igualdade de direitos, tergiversar a lei.
O CASO DE AGONIA
Antônia, moradora da Zona Leste e
desempregada, há quase um ano, foi condenada a 30 dias de prisão por não pagar
a pensão alimentícia. Conforme havia
sido acertado, na separação do casal, o
ex-marido ficaria com a guarda dos seis
filhos e ela, que estava empregada na
ocasião, ajudaria com a pensão alimentícia. A pensão consistia em 40% do seu
salário enquanto estivesse trabalhando e
um salário mínimo quando estivesse
desempregada. O acerto não respondia à
seguinte pergunta: Como a Justiça imagina que uma mulher desempregada possa
dispor de um salário mínimo por mês? O
fato é que a Justiça costuma dispensar os
homens desempregados de arcarem com a
pensão alimentícia; o que não ocorreu
com Antônia.
Um pouco depois desse acerto, ela
perdeu o emprego. Sem advogado, sem
conhecimento da lei e sem nenhuma orientação, não conseguiu saber o que estava
rolando na Justiça. Até que no dia 22 de
setembro último, foi presa.
Nunca uma mulher havia sido presa
antes, em decorrência da pensão alimentícia. O juiz, Marcelo de Souza Dias,
responsável pela ordem de prisão, apenas
afirmou que o processo foi conduzido rigorosamente dentro da lei. Segundo ele, a
Constituição equiparou direitos e deveres
entre os cônjuges e está sendo rigorosamente respeitada. Além do mais, a
decisão da justiça está "amparada na Lei
de alimentos contida no Código Civil". E
ainda completou: "ela (Antônia) não
levou a sério a legislação, tratou a lei com
desdém e descumpriu a Constituição
Federal".
É o caso de se perguntar ao Sr. Juiz: a
quantos empresários deu ordem de prisão
por não cumprir a lei, ou melhor, a
Constituição, que diz que todos os filhos
de trabalhadores até seis anos de idade
terão garantido seu direito à creche? Ou
quantos empresários foram punidos pela
Justiça por obrigarem as mulheres a fazerem laqueadura, descumprindo, despudoradamente, a Constituição?
Mas isto são conjecturas ou meras
especulações. Voltemos às questões objetivas, tão seriamente levadas em consideração pela Justiça. No caso de Antônia, é
estranho também que ela não tenha recebido assistência de um advogado.
A criminalista Angélica Maria de
Mello Almeida afirma que "faz parte dos
requisitos formais previstos no Código e
o juiz não poderia decretar a prisão sem a
presença de um advogado". A Constituição determina, enfaticamente, no seu
artigo 133, que " o advogado é indispensável na administração da justiça...". Mas
quanto a isto, parece que a Constituição
não foi lembrada.
A advogada da área de família, Maria
Graça Pereira de Mello, acha que a igualdade de direitos serve quando convém ao
homem. "Por que a mesma Justiça que
decretou a prisão da constureira, e conseguiu prendê-la, não consegue prender
os homens que sonegam a pensão alimentícia?"- pergunta.
Na verdade, a Constituição garante
direitos e deveres iguais entre os cônjuges, mas o Código Civil ainda é incompatível com os princípios constitucionais,
pois preserva a superioridade masculina
em relação aos direitos de família. A
Justiça tem lançado mão da Constituição
ou do Código Civil conforme as conveniências dos homens.
O segundo fato é a demissão das
operárias, Elzenira de Aguiar Silva, 22
36
anos, e Izaura Souza Cordeiro, 24 anos,
acusadas de assédio sexual e atentado ao
pudor. Embasados no artigo 482 da CLTConsolidação das Leis do Trabalho, que
prevê a punição de trabalhadores com
"mau procedimento e incontinência de
conduta", os donos da Itamaraty Dominó
Indústrias Químicas Ltda., em São
Bernardo, demitiram sumariamente as
duas operárias, por cometerem
"obscenidades" e se vestirem "inadequadamente".
O CASO DA MINI-SA1A
Uma das mulheres, Elzenira, declarou
à imprensa que "ia trabalhar de short e
miniblusa e não sabia que isso era motivo
para justa causa". A outra, Izaura, disse
que o trabalho que faz, rebarbadora de
plástico, não permite que se saia de perto
da máquina "nem para ir ao banheiro,
quanto mais para fazer sexo." Por que a
Justiça não pune a empresa que é obrigada a fornecer uniformes e não o faz?
Os patrões não quiseram falar com a
imprensa, e o advogado da empresa
insiste em afirmar que as operárias foram
demitidas por problemas de disciplina. Os
150 funcionários da empresa, reagindo
contra a demissão das colegas de trabalho, decidiram paralisar as atividades e
chamar o sindicato da categoria. As duas
trabalhadores registraram Boletim de
Ocorrência na Delegacia da Mulher, em
São Bernardo do Campo, e estão dispostas a abrir processo contra a firma, por
calúnia e difamação.
No caso da costureira, houve uma
reação imediata de solidariedade: um
deputado, que não quis revelar seu nome,
pagou os 50 mil cruzeiros reais referentes
ao valor devido da pensão alimentícia, e
um empresário lhe arrumou um emprego.
Um ato isolado de solidariedade, que não
elimina o desafio que as mulheres têm
pela frente: impedir que, em nome da
igualdade de direitos, se invente uma
nova forma de discriminação.
lualdlade
DISCRIMINAçãO TAMBéM é PRECISO
ZULEIKA ÀLAMBERT *
Os princípios e leis que garantem
as mesmas oportunidades para homens e mulheres não são
igualmente aplicáveis, uma vez que as mulheres carregam
sobre suas costas os anos de atraso
representados pela discriminação. Zuleika Alambert
discute esse descompasso e propõe, para uma igualdade de
fato, medidas discriminatórias de transição.
A história da mulher é uma
história de discriminações
contínuas, que começam na
antigüidade. Diferenças biológicas entre ambos os sexos, transformadas em diferenças sócioculturais, estão na origem dessas discriminações.
Graças a isso, os homens sempre
puderam oprimir as mulheres culturalmente e explorá-las socialmente. E em
nome disso, se ocultou o papel das mulheres na história da civilização humana,
reduzida ao enfoque sobre a existência
dos homens.
No século XX, principalmente em
sua segunda metade, a vigência da justiça
e dos direitos fundamentais na conquista
da democracia, tomou-se objetivo comum
às correntes ideológicas tidas como
"modernas". Surge o desejo de garantia
de "igualdade para todos".
Com as conquistas das mulheres
nas últimas décadas, muitas legislações
nacionais e internacionais estabeleceram
que "todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza".
A Constituição brasileira de 1988
foi além disso. Deu ao artigo 5S, que
garante a igualdade de todos perante à lei,
o parágrafo I que estabelece que "homens
e mulheres são iguais, em direitos e obrigações, nos termos da legislação."
Infelizmente, tal avanço não saiu da
teoria. A "práxis" ainda não se transformou de forma radical. Ou seja, continuam
vigentes as raízes das desigualdades.
As dificuldades das mulheres em
fazer reconhecer seus direitos sociais e
políticos baseiam-se na relação insuficientemente refletida entre biologia e cultura.
É fato que a biologia tem, paradoxalmente.
servido para exploração e opressão das
mulheres. Mas recusar toda explicação de
tipo "biológico" é recusar a chave da interpretação dessa exploração-opressão.
Para obter um estatuto equivalente
ao dos homens, as mulheres devem fazer
reconhecer suas diferenças. "Iguais, na
diferença", eis a maneira correta de colocar hoje a igualdade. E para buscá-la, são
necessárias ações positivas, de caráter
discriminatório em relação ao homem,
que garantam de fato uma igualdade de
oportunidades.
Estas seriam medidas especiais,
temporárias, para apressar a eliminação
das discriminações, nascidas das diferenças biológicas entre os sexos. Estariam
voltadas a superar as desvantagens que
afetam as mulheres, enquanto grupo, ao
longo da história.
Não é verdade que tais medidas
viriam ferir o princípio da igualdade, favorecendo a mulher em detrimento do
homem. As mulheres trazem em suas
costas milhares de anos de atraso e, para
atingir o patamar atual ocupado pelos
homens, uma discriminação positiva se
faz necessária.
Ao lutar por medidas especiais (ver
quadro) voltadas a estabelecer um equilíbrio entre os sexos, o movimento de
mulheres e o movimento feminista, em
especial, constróem na prática a igualdade homem-mulher.
Uma política favorável à igualdade
de oportunidade para as mulheres, maioria da população, é condição sine qm non
para o aprofundamento e consolidação da
democracia no país.
* Zuleika Alambert é escritora,
feminista e ex-presidente da CECF.
37
MEDIDAS DIFERENTES,
OPORTUNIDADES IGUAIS
Entre as propostas de discriminação positiva que estão sendo assumidas
pelas mulheres, Zuleika Alambert destaca
as mais importantes, propondo a sua
transformação em bandeiras visíveis
voltadas a acelerar a conquista de uma
igualdade de oportunidades para as mulheres.
1. Introduzir a variável sexo nas
estatísticas sobre salários etc;
2. Aperfeiçoar o desenvolvimento
normativo do princípio constitucional de
igualdade sem discriminação por razão de
sexo e alcançar uma melhor aplicação da
legislação vigente a favor das mulheres;
3. Conseguir o acesso de todas as
mulheres a níveis mais altos de informação, formação e cultura;
4. Criar as condições para estimular uma divisão mais equilibrada das
responsabilidades no âmbito do público e
do privado entre homens e mulheres;
5. Tornar possível o livre exercício
e responsabilidade maternidadelpaternidade, não só como direito individual e,
sim, como função social, que deve contar
com suficiente proteção para torná-la
compatível com o direito das pessoas
(homens e mulheres) ao livre desenvolvimento de sua personalidade;
6. Melhorar a aplicação do programa de assistência integral à saúde da mulher;
7. Diversificar as opções escolares
e profissionais das moças e ampliar sua
participação nas atividades culturais;
8. Reduzir a taxa de desemprego
feminino e a segregação no trabalho por"
razão de sexo e melhorar as condições de
trabalho das mulheres ocupadas;
9. Estimular programas de cooperação internacional que tenham como
objetivo beneficiar grupos concretos de
mulheres, formação de mão de obra rural
qualificada, planejamento familiar etc.
10. Melhorar a participação política da mulher, estimulando o estabelecimento de cotas de participação nas
direções partidárias, nas listas para postos
eletivos etc.
v^onstituiçâo
A REVISãO CONSTITUCIONAL
TEM LIMITES CONSTITUCIONAIS
ADRIANA GRAGNANI'
A discussão sobre a Revisão
Constitucional ganha corpo
na grande imprensa. Destacam-se, nesse debate, as divergências não só quanto à
oportunidade ou não de sua ocorrência,
mas também quanto à amplitude de sua
alteração.
Apesar do registro bastante claro de
diversas entidades nacionais, como OAB,
ABI, IAB, e de pronunciamentos contundentes de personalidades jurídicas do
país, esse debate está longe de integrar o
cotidiano dos atores sociais, particularmente dos segmentos organizados, que tantas
contribuições trouxeram à Carta de 1988.
Estando a Revisão Constitucional
distante do centro das preocupações da
maioria absoluta de seus destinatários e
titulares do poder revisional - mulheres,
homens, jovens, idosos, negros componentes da nação brasileira - são preocupantes os rumos que vêm tomando.
Importa reafirmar que, se concretizada, a
Revisão Constitucional deverá respeitar
os limites que a própria Constituição
impõe.
Dispõe o artigo 3Q. do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias:
"A revisão constitucional será realizada
após 5 anos, contados da promulgação da
Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso
Nacional, em sessão unicameral".
Entretanto, observamos apenas
que, sob o ponto de vista jurídico, revisão
" é o exame ou o estudo de alguma coisa
para expurgar dela o que não estiver de
acordo ou em harmonia com o Direito ou
a verdade" (de Plácido e Silva).
Ao examinarmos a Constituição da
República, identificamos prontamente
duas questões fundamentais, sendo uma
decorrência da outra. A primeira delas é a
opção político-jurídica da sociedade
brasileira, consagrada no texto constitucional. A segunda, e como conseqüência
da primeira, compreende os mecanismos
adotados pela Constituição para sua
própria concretização.
Numa retrospectiva histórica ao
período que antecedeu à promulgação da
Constituição da República Federativa do
Brasil, temos que o grande anseio da população brasileira, então expresso de variadas formas, foi a consolidação de um
Estado democrático e pluralista.
Priorizando os direitos fundamentais dos cidadãos e da coletividade, a
Carta Magna consagrou inovadoramente
questões de gênero e raça, tendo como
porta-vozes inquestionáveis diversas entidades da sociedade civil. Foram estas as
grandes impulsionadoras do discurso da
diversidade, hoje incorporado constitucionalmente. O Estado brasileiro tem essa
característica concreta. O querer feminino
exerceu nessa definição um destacado
papel.
Enunciados como o da licença
maternidade e paternidade, a proteção do
mercado de trabalho da mulher, o direito
à creche, o combate à violência doméstica, as relações de paridade entre o casal, o
reconhecimento da união estável, o combate ao sexismo e ao racismo, entre outros, são alguns atestados que dão conteúdo ao princípio da igualdade, que deve ser
entendido dentro de relações concretas e
diversificadas entre as pessoas.
Os brasileiros escolheram, optaram e viram promulgada, no texto constitucional como um todo, a sua vontade de
viver no Estado do Bem Estar Social,
"destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade.
38
a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos"
(Preâmbulo da CR.)
Esta opção político-jurídica, o
poder revisional não dispõe de poderes
para mudar. O Congresso Nacional não
pode alterar a Constituição e transformar
o Estado brasileiro em outro tipo que seja
diferente do Estado do bem estar social.
E não somente isso. A Constituição também consagra mecanismos internos para o seu próprio aperfeiçoamento. É o caso do mandado de injunção
(art. 55, LXXI), da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103),
do mandado de segurança coletivo (art.
5Q, LXX), das medidas provisórias (art.
62) - estas últimas desde que adequadamente utilizadas -, da ação popular
(art. 5S, LXXIII), da emenda constitucional (art. 60).
O que se pede é que a discussão
sobre a Revisão Constitucional afaste de
imediato a possibilidade de transformar
em outra opção aquela já definida constitucionalmente. Revisão, como vimos, significa aperfeiçoamento. E este pode e
deve-se dar dentro dos limites dos instrumentos legais vigentes, previstos no texto
constitucional.
Reforça essa idéia, o distanciamento dos atores sociais do processo revisional. O que deve ocorrer - e isso permanentemente, sem data determinada, é o aperfeiçoamento da Constituição da República, sem a ruptura da sua opção político-jurídica, com a efetivação dos direitos
individuais e sociais nela consagrados.
* Adriana Gragnani, socióloga, da
União de Mulheres de São Paulo.
Nossos
DIREITOS PARA
CAIRO
94
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■i
#
|W|M%
A Conferência Internacional Sobre População e
t
Desenvolvimento vem aí. Mulheres do mundo
inteiro se preparam.
ms •
No Brasil, diversos grupos reuniram-se no Encontro
Nacional de Mulheres e População e aprovaram a Carta
de Brasília, chamada "Nossos Direitos para o Cairo 94",
que publicamos na íntegra.
. opulação são
los povos da
Terra, homens e mulheres, de
diferentes raças, classes, etnias e culturas,
que nascem, vivem, amam, trabalham, se
reproduzem, envelhecem e morrem.
População não é um objeto inerte de estudo, é um conjunto de sujeitos que têm o
direito de escolher seu próprio destino.
Desenvolvimento significa a satisfação
das necessidades humanas básicas e a
garantia, para todos, das condições de
uma vida digna. Portanto, o desenvolvimento deve ser pensado em função da
população e não a população em função
do desenvolvimento.
Políticas populacionais como
instrumentos para atingir metas demográficas, pró ou anti-natalistas, devem ser
substituídas por políticas de desenvolvimento humano, capazes de responder às
necessidades sociais básicas.
Políticas públicas voltadas para a
educação de base, para o combate à mortalidade pela alimentação e pela saúde,
para o exercício pleno dos direitos reprodutivos, são a condição sine qua non de
uma qualidade de vida que, esta sim, será
fator de equilíbrio da população mundial.
Essas políticas representam um investimento social que só será possível em
escala global mediante uma repartição
mais justa e equitativa dos recursos
mundiais. 0 ponto de partida, no entanto,
há de ser a decisão, por parte de cada
sociedade, de combater a fome, a pobreza
e a exclusão como prioridade nacional.
No plano internacional, a aceitação do
princípio do nosso futuro comum, enunciado na ECO 92, deve ser acompanhada
do princípio de responsabilidade compartilhada por todas nações no enfrentamento da miséria e da desigualdade em escala
mundial.
Um bilhão e trezentos milhões de
seres - humanos vivem em estado de
absoluta pobreza. Trinta e dois milhões
de brasileiros morrem um pouco de fome
a cada dia. Fome e pobreza são a grande
catástrofe ecológica brasileira. Este estado de coisas é uma negação radical da
dignidade humana, da democracia e dos
direitos de cidadania.
Os desastres do crescimento sem
emprego implicam em uma revisão dos
critérios do progresso tecnológico para
que a economia não seja fator de desagregação da sociedade. Dentro de cada país
e a nível global, por toda parte, os pobres
migram em direção aos centros de prosperidade. As migrações internacionais
reproduzem e ampliam o fenômeno das
migrações nacionais. Em resposta, as
fronteiras se fecham, o medo do outro se
instala, reforçando xenofobia e racismo. 0
apartheid social e racial é incompatível
39
com a democracia, tanto no
plano nacional quanto mundial e,
em escala global, é uma violência que, ao
engendrar outras violências, ameaça a paz
e a civilização.
E direito inalienável das pessoas,
era especial das mulheres, a livre escolha
era matéria de sexualidade e fecundidade.
Este direito a dispor do corpo, que inclui,
tanto o direito à procriação, quanto o
direito ao aborto, vem sendo duplamente
ameaçado: pela prescrição a ter filhos,
inerente à proibição ou limitação do direito ao aborto e pela prescrição a não os
ter, via práticas forçadas ou induzidas de
esterilização. Os direitos reprodutivos
das mulheres só estarão assegurados
quando estiverem reunidas as condições
para escolhas efetivamente livres e conscientes. Embora o Estado ocupe ura lugar
central na definição e implementação
destas medidas, outros agentes sociais
devem assumir sua responsabilidade
enquanto promotores de políticas sociais.
As mulheres, por tanto tempo vítimas de opressão e invisibilidade, se sentem no dever de denunciar e declarar inaceitável esta lógica de exclusão e
desumanização. E sua obrigação
enfrentar as opções civilizatórias que o
debate sobre o tema da população recobre.
A Conferência Mundial sobre
População e Desenvolvimento (Cairo-94)
será um momento privilegiado para as
mulheres, cidadãs do planeta, intervirem
na equação população/recursos mundiais,
hoje regida por uma lógica iníqua e insustentável.
Cabe às mulheres, na ocasião da
Conferência Mundial
X
ÍR .
sobre
09
População e Desenvolvimento, exigir que
as políticas públicas reconheçam os seus
direitos, sobre o controle da fecundidade.
Cabe a elas recusar o lugar de vítimas de
políticas que as atingem em seus corpos e
almas. Cabe-lhes, também, assumir no
plano mundial o papel de protagonistas
em defesa de princípios que impeçam a
descartabilidade dos seres humanos e que
assegurem um verdadeiro futuro comum
para toda a Humanidade.
No contexto brasileiro, registram-se mudanças radicais na dis"^F* ^itinbuição da população, sendo a
urbanização o efeito mais evi\
dente, assim como uma
rápida e surpreendente
transição demográfica,
» que não acarretou meí», lhoria na qualidade de
;í*^\ vida da população
brasileira, nem
tampouco reduziu
o processo de
degradação
ambiental. Os
efeitos negativos deste processo se revelam nas estatísticas sobre a
pobreza e na
' crescente viof lência social.
Como sabemos,
/ estas circunstâncias afetam
mais diretamente
as mulheres, a população negra e grupos indígenas.
A situação de
concentração da propriedade da terra no
campo, de exclusão das
trabalhadoras rurais e de trabalhadoras urbanas, como as
empregadas domésticas, de direi-.
tos sociais já assegurados a outras
categorias, constitui um quadro que
acentua a precariedade e vulnerabilidade
social destas mulheres.
A acentuada queda da fecundidade
no país foi realizada no marco de deterioração dos serviços públicos de saúde, de
40
violenta medicalização e desumanização
da gravidez e do parto, refletidas sobretudo na prática abusiva das cesáreas e esterilizações, o que agravou o quadro de
desrespeito aos direitos reprodutivos da
mulher, incidindo, especialmente, sobre
as mulheres de baixa renda e as mulheres
negras.
No campo das novas tecnologias
reprodutivas e da pesquisa contraceptiva
em geral, é urgente reconhecer a necessidade do respeito à ética e aos direitos
humanos. Por outro lado, as pesquisas na
área da contracepção masculina, que tem
recebido pouca atenção, está a exigir
avanços inadiáveis.
Dentre as várias desigualdades que
permeiam a sociedade brasileira, destacam-se as relações desiguais de gênero,
por seus efeitos diretos sobre a sexualidade, e as práticas reprodutivas e a saúde.
Neste sentido, a crescente expansão
da epidemia de AIDS entre mulheres
demonstra a desigualdade de poder entre
homens e mulheres, que afeta a capacidade das mulheres para negociar relações
sexuais saudáveis.
0 problema do aumento crescente
da prostituição feminina, em especial das
meninas e adolescentes, é uma agravante
deste quadro e decorre da falta de oportunidades educacionais e trabalho.
A interrupção da gravidez indesejada é um fenômeno de caráter global, com
elevados custos para as mulheres nos contextos em que o aborto é criminalizado; e
particularmente no Brasil, onde as mulheres morrem em conseqüência de abortos clandestinos.
No processo preparatório para o
Cairo tem se evidenciado uma controvérsia com relação ao papel da família. No
contexto brasileiro, observa-se uma radical reestruturação das formas de organização da família, onde emergem novos
tipos de conjugalidade e cresce o número
de famílias chefiadas por mulheres.
A sociedade civil e, em particular,
o movimento de mulheres, tem contribuído, efetiva e positivamente, nos debates
nacionais de preparação para o Cairo, e
este processo tem desdobramento no
plano regional latino-americano.
PROPOSTAS
1 - As políticas globais de desenvolvimento devem ser pautadas pelas
necessidades e aspirações humanas e
regidas pelo respeito aos direitos
humanos fundamentais.
2. As chamadas políticas de população devem ser substituídas por políticas
de desenvolvimento humano capazes de
responder às necessidades sociais básicas,
e que as mulheres sejam consideradas
como sujeitos das mesmas.
3. As propostas do governo
brasileiro para o Cairo devem ser conformadas numa perspectiva de assegurar o
bem estar da população e qualidade de
vida, de maneira a promover a superação
das desigualdades de classe, raça e
gênero, bem como a criação de mecanismos globais de financiamento.
4.0 governo brasileiro deve propor
a criação de mecanismos globais de
financiamento das políticas de desenvolvimento humano dentro da concepção
de responsabilidade compartilhada.
5. Manutenção do compromisso do
governo com a sociedade civil, em particular com o movimento de mulheres, no
sentido de garantir a interlocução no
processo que leva à Prepcom(Comitê
Preparatório) 111 e à própria
CPD(Conferência População e
Desenvolvimento), assegurando
condições efetivas de diálogo e participação na Delegação Oficial. No mesmo
contexto é também fundamental a intervenção do movimento de mulheres na
formulação do Programa de Ação
Regional para População que está sendo
elaborado pela CEPAL.
6. Implementação de políticas sociais capazes de promover os direitos básicos das mulheres nas áreas do trabalho,
tanto no campo quanto na cidade, da educação, de saneamento básico e especialmente os programas voltados para eliminação da violência específica. Embora o
Estado ocupe um lugar central na
definição e implementação destas medidas, outros agentes sociais devem assumir
sua responsabilidade enquanto promotores de políticas sociais.
7. Que os direitos sexuais e reprodutivos de todas as pessoas heterosse-
dessas distorções.
xuais, lésbicas e gays sejam integrados à
Brasília, 28 de Setembro de 1993.
agenda internacional dos Direitos
Humanos.
Adesões a esta Carta com CFEMEA 8. Reconhecimento do aborto como
Fone (061) 3475004 - Fax
um direito das mulheres e um problema
(061)2739419.
de saúde pública e que sua descriminalização integre a agenda dos direitos
reprodutivos fundamentais, assim como
seja considerada uma condição primeira
para redução efetiva da morbi-mortalidade reprodutiva.
9. A implementação imediata
do PAISM(Programa de
Assistência Integral à Saúde da
Mulher), como política que
responde às necessidades das
mulheres no campo da
■4 Jft- -^
saúde reprodutiva e pos
sibilita o efetivo exercício dos direitos reprodutivos.
10.0 posicionamento
brasileiro deve
-'
refletir a multipli- j
cidade das formas •
de família que são f •'"'
hoje identificadas
K'i
na sociedade
brasileira e que a
todas elas sejam
i
*
assegurados di• ,* *
reitos e o apoio
social necessário.
11. Mecanismos efetivos
de acompanhamento e monitoramento
devem ser assegurados, com participação
das organizações de
mulheres brasileiras, nos
planos internacional e
nacional, das políticas por
nós defendidas que venham a
ser definidas pela Conferência \
Internacional População e
Desenvolvimento de 1994.
12. Dado o papel social e político
da informação e o fato de que os meios de
comunicação no país reproduzem os
estereótipos de gênero, raça, classe e orientação sexual, faz-se urgente a democratização do conhecimento e dos meios de
comunicação no sentido da correção
ii
a
w
^é*^:
I ■
41
CONHEçA OS TEMAS PARA A CONFERêNCIA
AIII Conferência Internacional
sobre População e Desenvolvimento acontecerá em setembro de 1994, no Cairo.
Seu papel será o de estabelecer um novo
plano de ação quanto à população, ao
crescimento econômico sustentado e ao
desenvolvimento sustentável, com
recomendações e estratégias para a próxima década, abordando inclusive questões
como "empowerment" e direitos reprodutivos das mulheres, meio ambiente e
migração. São temas da maior importância, que dão seguimento à ECO-92 e à
Conferência dos Direitos Humanos deste
ano.
Dois documentos principais serão
submetidos à aprovação da Conferência:
uma avaliação do Plano de Ação para a
Popubção Mundial, aprovado na
Conferência de 1974, em Bucareste, e um
novo Plano de Ação, identificando formas
e meios para sua implementação.
Na segunda sessão do Comitê
Preparatório (PrepCom II), ocorrida em
maio, em Nova York, elaborou-se uma
proposta das linhas mestras a serem apresentadas à Conferência. 0 documento
pede que o Comitê seja tornado corpo
subsidiário da Assembléia Geral, e que a
secretária geral da Conferência, Nafis
Sadik, submeta um esquema do documento final à próxima Assembléia Geral, e
prepare, até fevereiro de 1994, um documento provisório para o Cairo.Um esquema conceituai de recomendações provisórias foi decidido e inclui entre suas
"Escolhas e Responsabilidades" capítulos
sobre "As Interrelações entre População,
Crescimento Econômico Sustentado e
Desenvolvimento Sustentável", "Gênero,
Igualdade e "Empowerment" das
Mulheres", "Crescimento e Estrutura
Popubcional", "A Famãia, seu Papel e
Composição", "Saúde e Mortalidade",
Distribuição Populacional, Urbanização e
Migração Interna" e "Migração
Internacional". Entre as formas de implementação, as recomendações falam da
"promoção de informação pública, edu-
cação e comunicação", "capacitação",
"tecnologia, pesquisa e desenvolvimento".
Também levanta possibilidades de parceria nas questões de população, a níveis de
ação local, cooperação internacional e
parcerias com organizações não-governamentais.
MESAS REDONDAS
Algumas das questões levantadas
ainda são potencialmente controversas,
como, por exemplo, a definição de
família, as referências ao aborto e aos
direitos reprodutivos e a relevância das
preocupações ecológicas. A Conferência,
porém, girará basicamente em torno
desses temas propostos pelo PrepCom.
Até dezembrol93, Nafis Sadik deverá
preparar uma primeira versão do documento final. Ela já deixou claro que todas
as contribuições de governos e ONGs
serão benvindas.
Os países participantes devem
enviar um relatório nacional para a
Secretaria Geral da Conferência. Outra
fonte de contribuições prévias à
Conferência serão as mesas redondas de
discussão anteriores ao próximo
PrepCom, que reunirão especialistas e
representantes de governo. Algumas já
aconteceram, como "As Perspectivas das
Mulheres sobre Planejamento Familiar,
Saúde Reprodutiva e Direitos
Reprodutivos" (26 e 27 de agosto, Ottawa,
Canadá), "A Demografia da AIDS" (28
de agosto ai de setembro, Berlim),
"População, Crescimento e Desenvolvimento Econômico" (2 de setembro,
Nova York), e outras estão programadas,
como "População e Planos e Estratégias
de Desenvolvimento", (Bangkok)
"Relação entre População e Desenvolvimento Sustentável" (Genebra) e
"População e Comunicação", Viena.
Entre as conferências regionais
que antecederam o PrepCom II, destacase a da América Latina e Caribe, realizada no México entre 29 de abril e4de
42
maio. No consenso, aprovado ao final
deste encontro, todas as delegações presentes afirmaram que são decrescentes as
taxas demográficas de seus países, e
reforçaram a intenção de seus governos
em melhorar a qualidade dos serviços de
saúde oferecidos às mulheres. Resta ver
em que medida as "boas intenções" vão
influenciar não só a tomada de decisões
no Cairo, como também a implementação
de medidas efetivas nos países latinoamericanos e caribenhos.
CHAMADO AS ONGS
Em seus documentos, a ONU vem
reforçando a importância da participação
das ONGs, responsáveis por pressionar os
governos de seus países, especialmente no
que diz respeito aos prazos. 0 calendário
de eventos da ONU relativos a esta
Conferência inclui, ainda, além do
PrepCom III (II a 22 de abril de 1994,
Nova York), os Encontros das Comissões
Regionais para discutir os resultados das
Conferências Regionais e também os
relatórios dos PrepComsjá realizados.
Para as ONGs que quiserem entrar
em contato com a Secretaria Geral da
CIPD, há um "NGO Liaison Adviser"
especialmente encarregado de fornecer
informações sobre a Conferência e seus
procedimentos preparatórios, que pode
ser contatado através do fax (00-1-212)
370-0201.0 boletim informativo da
Conferência, publicado a cada dois
meses, aceita comentários e contribuições
epode ser pedido pelo fax (00-1-212) 2974915. 0 endereço é: ICPD Secretariai I
Cio United Nations Population Fund I
220 E. 42 Street I New York, New York
10017.
Extraído do "Boletim Planeta
Fêmea n21, COMBATON (Coalizão de
Mulheres Brasileiras de ONGs para
Meio Ambiente, a População e o
Desenvolvimento)"
A CIDADE CRESCE E POR ELA CRESCEM,
TAMBÉM, AS ANDANÇAS DAS MULHERES
SôNIA ALVES CALIó'
Transportes e mobilidade são
exemplos significativos quando
se pretende diagnosticar as
condições de vida das mulheres na cidade. O processo de
urbanização, que especializou a cidade em
espaços estritamente residenciais, comerciais ou industriais, veio multiplicar e diversificar os deslocamentos das mulheres.
De que maneira os transportes,
como uma forma de apropriação do
espaço urbano, influenciam no processo
de apropriação desse espaço pelas mulheres?
O grande desenvolvimento espacial
das metrópoles e a divisão espacial do
trabalho têm levado a um importante
crescimento das distâncias e dos deslocamentos diversos, significando, para as
mulheres, toda uma série de andanças
pela cidade, numerosas e obrigatórias,
visto que são elas, ainda, as principais
responsáveis pela gestão da vida cotidiana. Os centros metropolitanos, essencialmente terciários (bancos, agências de
seguro, serviços, administração, comércio) concentram a maior parte das atividades femininas. Como a taxa de motorização das mulheres ainda é muito baixa,
para conciliar vida profissional/vida
doméstica, elas são bastante dependentes
dos transportes coletivos.
Além disso, o tempo de transporte
domicílio-trabalho aparece como o fator
mais importante tanto no processo de
decisão de trabalhar como no da escolha
ou mudança de emprego. Por exemplo,
em uma pesquisa feita na metrópole
parisiense1, constatou-se que, entre as
mulheres que mudaram do centro da
cidade para a periferia, mais de 40%
mudou também de emprego para poder
reduzir o tempo gasto nos transportes. O
prolongamento dos trajetos cotidianos
significa, sobretudo para as trabalhadoras,
a transferência de grande parte de suas
atividades domésticas para os dias de descanso, reduzindo o tempo disponível para
as atividades sociais.
E o carro? Qual a sua função? O
grande número de mulheres que atualmente possuem carro, não deve esconder
o fato de que elas tiveram acesso à motorização bem mais tarde que os homens, a
partir do momento que o carro se tomou
o "grande utilitário prático da vida moderna". Será que, para elas, a motorização
representa a expansão do seu campo de
atividades extra-familiares e, mesmo,
maior autonomia?
Uma resposta ambivalente. Por um
lado, é certo que a motorização permite
maior autonomia de deslocamentos e
aumenta o campo espacial de atividades
das mulheres. Mas, por outro, presta
enormes serviços à perpetuação de suas
funções tradicionais na família. Graças a
ele, as mulheres continuam assumindo o
essencial das tarefas familiares, otimizando e aumentando a capacidade produtiva
do trabalho doméstico no sentido de
responder "racionalizadamente" à forma
como a sociedade se utiliza do seu tempo.
Modificando muito mais a organização
temporal do que a geografia dos deslocamentos, o carro permite muito mais acesso ao tempo do que ao espaço.
"O carro é, freqüentemente, o meio
de adaptar as modalidades tradicionais da
divisão sexual do trabalho no seio da
família às novas características da organização espacial no meio urbano."
A forma de utilização do carro
familiar revela as diferenças de mobilidade entre os sexos. Na família, os homens não só se apropriam do carro como
são mestres da mobilidade dos outros
membros da família. O que reforça a
43
dependência das mulheres: ou elas se
deslocam em transporte comum ou esperam que eles as levem. Se a família tem
um segundo carro, servirá a ela para que
otimize a gestão do seu tempo.
Na verdade, o carro permite uma
redução do tempo que não significa
"tempo livre" mas leva a um outro tempo:
o do trabalho doméstico. Essa é a
natureza do tempo recuperado!
E certo que, para cada mulher, do
ponto de vista de classe, muda a forma
dos deslocamentos e a sua periodicidade.
Por exemplo: para as mulheres das classes populares, os deslocamentos ficam
circunscritos sobretudo ao trajeto casaemprego-casa (para as que trabalham) e
ao bairro, com parte deles sendo efetuados, na maioria das vezes, à pé. Para as
das classes média e alta, como é maior a
possibilidade de usarem um carro, a
mobilidade fica mais estendida e a freqüência dos deslocamentos maior.
No entanto, todos os deslocamentos feitos pelas mulheres, não importa a
que classe pertençam, revelam a lógica de
continuidade e superposição de suas atividades de reprodutora da vida. Com os
transportes (coletivos ou não), organizam
o emprego do seu tempo, pensam no que
vão fazer de comida, na ida ao supermercado (ou ao sapateiro, ou à farmácia, ou à
lojinha) antes de pegar as crianças na
escola (ou antes de trocar aquele sapato
que ela comprou errado, ou antes de
pagar a conta de luz). São os efeitos da
divisão social do espaço se justapondo
aos da desigualdade entre os sexos.
JVotós;
1
FAGNANI,J.op.cit.p.738
* Sônia A. Calió épós-doutoranda em Geografia
Urbana, pesquisadora do NEMGE-USP e presidente do CM.
ACONTECEU...
□ 0 1Q. Seminário "Amamentar e
Trabalhar Fora de Casa: é Possível?",
promovido pelo Inst. de Saúde (Sec.
Estadual de Saúde de SP)e o IBFAN
(International Baby Food Action
Network), durante a Semana Mundial
Pró-Amamentação, em 5 de agosto.
Concluiu-se que é possível amamentar e
trabalhar fora de casa, desde que as leis
trabalhistas sejam cumpridas e se garanta
a implantação de políticas públicas
voltadas às mulheres e seus bebês.
□ De 1 a 3 setembro, em Natal, o
"V Seminário Nacional Mulher e
Literatura", promovido pelo Depto. de
Letras da Univ. Federal do Rio Grande do
Norte e que contou com a presença de
estudiosas(os) de diferentes instituições e
regiões do pais e do exterior. Tel: Profa.
Constância Lima Duarte - (084 - 231
9782).
□ O 10s aniversário do CECF
(Conselho Estadual da Condição
Feminina de São Paulo). Criado em
12/09/83, foi o primeiro espaço governamental voltado para elaborar e implementar políticas públicas para combater a discriminação contra as mulheres.
história que leve em conta as relações
sociais de gênero, o evento abordou a
questão do conceito de gênero e história
assim como a historiografia das mulheres
no Brasil. Inf: tel (011) 437 3098 - Fax
(011)437 4343.
U Também sob iniciativa do CIM,
aconteceu, no dia 13 de setembro, o
debate "Perspectivas Políticas Feministas
para a Nação Brasileira", uma proposta
de discussão feminista em tomo das perspectivas políticas para o país, tendo a presença de Luiza Erundina (PT), Eva Blay
(PSDB), Jalila Achkar (PV) e Maria
Teresa Augusti (PMDB).
□ De 8 a 10 e de 16 a 18 de
novembro, o Curso "Epistemologia e
Gênero", promovido pelo Núcleo de
Estudos em Saúde da Mulher e relações
de Gênero juntamente com a pós-graduação do Depto. de Enfermagem da
Escola Paulista de Medicina. O programa do curso foi dividido em dois
módulos: epistemologia e teorias feministas / gênero, poder e saber. Inf: tel
(011)549 7522.
□ O "Encontro Nacional Mulher e
População - nossos direitos para
Cairo'94", realizado em 28 de setembro,
no Auditório Nereu Ramos, do Congresso
Nacional, em Brasília de várias entidades
do movimento de mulheres a nível
nacional.
□ O VII Encontro da União de
Mulheres de São Paulo, dia 5 de
Dezembro de 1993, das 10 às 17 horas,
no Auditório do Sindicato dos Motoristas.
Infs.: União de Mulheres - Fone (011)362367 e Fax (011)284-2862.
WmV SEMINÁRIO NACIONAL
■M U L H E R &
■ LITERATURA
■ GILK A MACHADO
(1893 - 1993)
H
□ O 7Q. Encontro Brasileiro das
Lésbicas e Homossexuais, de 4 a 7 de
setembro, no Instituto Cajamar. O nome
do Encontro causou polêmicas, mas valeu
a pena incluir a palavra "lésbicas",
cresceu a participação das mulheres!
□ De 18 de outubro a 6 de novembro, o "II Programa de Estudos em Saúde
Reprodutiva e Sexualidade", promovido
pelo Núcleo de Estudos da População da
Universidade de Campinas/SP. O curso,
estruturado em vários módulos - sexualidade; gravidez e aleitamento; concepção
e contracepção; aborto; doenças sexualmente transmissíveis e AIDS - focalizará
conceitos teóricos sobre gênero e direitos
reprodutivos. Inf: NEPO/UNICAMP - CP
6166 - CEP 13081-970, Campinas, tel:
(0192) 39 8576, fax: (0192) 39 4000.
□ Nos dias 6 e 7 de novembro, o
seminário "Gênero e História", promovido pelo Instituto Cajamar. Com o objetivo
de estudar uma nova abordagem sobre
44
□ Nos dias 19 e 20 de outubro o
Seminário "Descriminalizar o Aborto?", em
Brasília, promovido pela Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania do Senado
Federal e que discutiu o Projeto de Lei
078/93, de autoria da Senadora Eva Blay.
Estiveram presentes, como debatedores,
vários grupos de mulheres (SOS Corpo,
Geledés, União de Mulheres de SP, CFEMEA, Católicas pelo Direito a Decidir),
centrais sindicais (CUT e Força Sindical),
além de algumas entidades e instituições
públicas (Procuradoria do Estado de SP,
Justiça Federal do RJ, CNBB, GAB-DF,
Assoc. Brasileira de Médicas, Escola de
Enfermagem da USP, Assoc. Médica de
Brasília, Hospital Municipal do Jabaquara e
a Federação Nacional dos Jornalistas).
ACONTECE...
□ A articulação "SOSCRECHE", da qual participam, entre
outros, a União das Mulheres de SP, o
Sindicato dos Servidores Públicos
Municipais, a Associação de Creches
Conveniadas e a ABRINQ. Com o
objetivo de garantir e ampliar a rede
pública de creches na cidade de São
Paulo, já foram organizadas as
seguintes: elaboração de um "dossiê"
sobre a atual situação das creches, a
realização de uma Tribuna Popular, na
Câmara Municipal de SP, para encaminhar reivindicações aos vereadores.
Informações.: União de Mulheres de
SP. Tel.: (011)36 2367.
□ A Campanha "ABORTO NÃO
É CRIME" levada, em âmbito nacional,
pelas entidades feministas.
□ A Videoteca do SOF (Sempre
Viva Organização Feminista), organizada
com base nos seguintes temas: mulher,
saúde, racismo, moradia, meio ambiente,
adolescentes, crianças, movimento sindical, AIDS, direitos humanos. O empréstimo pode ser feito de segunda a sexta, das
9 às 17hs. Tel: (011-521 9822).
U O CIM - Centro Informação
Mulher continua agitando o seu CAFÉ
FEMINISTA (e boteco, com preços sem
crise), todas as quartas feiras, a partir das
19:30h. A Programação de agosto e
setembro passado girou em volta dos
seguintes temas: ética feminista, direitos
humanos, bruxarias e transcendências,
lesbianismo, AIDS, saúde, além de
lançamentos de livros feministas. Não
hesite em telefonar para o CIM dando
sugestões de temas para os próximos
Cafés (256 0003), elas te atenderão com
o maior prazer...
que tenta "transmitir um pouco do clima
e das reflexões presentes nestes 3 dias de
Encontro e outros tantos de preparação".
Inf: SOF - Unidade Sul - Tel (011) 521
9822-Fax (011) 522 5287.
Saúde" do SOF (Sempre Viva
Organização Feminista), que trata, entre
outros temas, da questão Mulher e AIDS.
Tel: (011)521 9822.
□ O ns. 2 do Boletim "Vida
Vivida" editado pelo grupo MUSA Mulher e Saúde, de Belo Horizonte,
abordando questões sobre sexualidade e
saúde reprodutiva. Inf: (031) 467 5875.
Mulher e Saúde
□ O ns. especial do Boletim
Informativo CDHIS (Centro de
Documentação e Pesquisa em História da
Univ. Federal de Uberlândia) que anuncia a criação do seu Núcleo de Estudos
de Gênero e Pesquisa sobre a Mulher.
Inf: (034) 234 7744.
•—-.-i... feriHj
□ O ns. 8 do Boletim Informativo
da Rede Mulher "Cunhary, o rio das mulheres", com diversas informações sobre
atividades do movimento de mulheres.
Pedidos: Tel (011) 873 2803 - Fax (011)
62 7050.
□ O Boletim n. Ida rede COMBATON (Coalizão Brasileira de
Mulheres para População, Meio
Ambiente e Desenvolvimento), chamado
"Planeta Fêmea". Solicitações: CIM
(OU) 2560003 eoIDAC
(021)5110142).
□ Duas publicações do CEAP
(Centro de Articulação de Populações
Marginalizadas): "DELAS - Trabalhando
com Mulheres Negras" e "As meninas e a
Rua". Tel: (021 - 224 6771/ 252 2302).
TÜ?IZ7 Aborto não è crime
■*"*'■"*■■ ^tatAff!?]^ ifti
s™
■;; 1
rrííwfcss xie
••..Hir.ilM
nu
■■
,
□ A cartilha "Jeito de Mulher Saúde e Sexualidade", lançada pelo
CAMP (Centro de Assessoria
Multiprofissional) e pelo MMTR/RS
(Mov. de Mulheres Trabalhadoras Rurais
do RS), que orienta e informa sobre o
funcionamento do corpo, sexualidade,
adolescência, gravidez, parto, métodos
anticoncepcionais, doenças da mulher e
políticas de saúde.
Tel: CAMP (051) 233 4101
/MMTR (051) 313 2305.
LI A brochura "Projetos
Feministas", publicada pelo Dep.
Estadual Marcos Rolim (PT-RS), que
relata todos os seus projetos, apresentados na Assembléia Legislativa, sobre a
questão da mulher.
ACABA DE SAIR...
□ O Relatório do l5. Encontro
Feminista da Zona Leste, ocorrido de 27
a 29 de novembro de 1992, em Peruíbe,
onde estiveram presentes mais de 30 grupos de mulheres. Um relatório detalhado
□ O nQ. 2 do boletim "Mulher e
45
□ O dossiê "A Tripla Ameaça Mulheres e AIDS", publicado por: Panes
Institute, ABIA (Assoc. Brasileira
Interdisciplinar de AIDS) e SOS-Corpo.
mm
maio, em São Paulo.
Tel: (011)223 7999.
□ O boletim "Palavra de
Mulher", da União Popular de Mulheres
do Estado de SP, voltado aos temas:
aborto, direitos reprodutivos, revisão
constitucional e ao próximo Congresso
da entidade. Tel: (011)37 7905.
o
V|*r JVã ÍSJUMMMZMm
Qu«m luta náo canta -i»
i'
FNUAP (Fundo das Nações Unidas para
a População) que aborda o tema população mundial, migração e desenvolvimento, com importantes dados estatísticos. Pedidos para: FNUAP, 220 Easth
42nd Street, New York, NY 10017, USA.
□ O ns. 5 do Jornal da Rede
Nacional Feminista de Saúde e Direitos
Reprodutivos. Inf: SOS Corpo (081) 221
3018.
JO^niiLDil^EDE
=^~s.~mm Wm
U A brochura "Population Danger
- sex, lies and misconceptions", publicado por: IDAC (Inst. de Ação Cultural),
REDEH (Rede de Defesa da Espécie
Humana) e IBASE (Inst. Brasileiro de
Análises Sociais e Econômicas), que
analisa o tema "população e desenvolvimento" . Foi publicada em inglês para ser
enviada, sobretudo, aos movimentos
sociais de outros países.
Tel: IDAC (021) 5110142
/REDEH (021) 285 7510
/IBASE (021) 286 0541.
□ O boletim n.9 "Gente - Mulher,
Procriação, Ecologia", da REDEH (Rede
de Defesa da Espécie Humana) que fala
sobre: Conferência do Cairo, Norplant,
experiências ecológicas na África etc.
Tel: REDEH (021) 285 7510.
Mulher
Procriação
Ecologia
=33==p= =—---
w
ms~~msm
~.
:=.L^rjLr=r.
□ O boletim "Lilith", da Casa
Lilith da Mulher, que analisa, entre outros assuntos, a Campanha contra a
Fome e pela Vida. End: R.Costa
Barros,785-sl.l0,V.Alpina,CEP
03210, SP.
□ O último boletim do VI
Encontro Feminista Latinoamericano e
do Caribe intitulado "Suenos, Deseos,
Locuras...". O Encontro ocorreu em
Costa dei Sol, El Salvador, de 30 de outubro a 5 de novembro de 1993. Inf:
Miriam Botassi, CIM, tel e fax (011)
256 0003 e Schuma Schumaher,
REDEH, tel (021) 285 7510, fax (021)
556 3383.
A sirnuao
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DA
POPULAÇÃO MUNDIAL C
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r^-.^r ,_„.■ -—:-—"-r; =i~=~SBpm.
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"
U O livro "Mulheres
Latinoamericanas em Dados", publicado
pelo Inst. de Ia Mujer (Espanha) e pela
Flacso (Fac. Latinoamericana de
Ciências Sociais), que constitui um
primeiro esforço de sistematização dos
principais indicadores sócio-econômicos
sobre a realidade e especificidades das
mulheres em 19 países do continente.
Pedidos: (021)2267081.
□ O Relatório do 1e Encontro da
Rede Nacional Feminista de Saúde e
Direitos Reprodutivos, realizado em
Recife, outubro de 1993. Informações:
SOS-Corpo - Tel.: (081) 221-3018 - Fax
(081)21-3947
DOI
J O livro 'A quem interessar
possa", da feminista Bebete do Amaral
Gurgel, pela Editora Brasiliense.
Nosso aporte para a Conferência
de População do Cairo
□ O Vídeo "Aborto Não É
Crime", realizado por Rita Moreira.
Pedidos com NEMGE - Tel.: (OU) 8184180.
ü O Boletim Informativo da
Secretaria de Mulheres do PT, que traz as
decisões do V Encontro Estadual de
Mulheres do PT, ocorrido no dia 8 de
□ O Livro "Saga Cigana" de
Maria Escolástica, pela Editora Sidharta.
U A publicação "A Situação da
População Mundial" lançada pelo
46
□ A Agenda de Mulheres-94,
pela Editora Brasiliense.
:
Sumário
Editorial
3
Entrelinhas Tortas
4
Guerreiras de Viena
Em Território Minado
5
12
Aborto Não É Crime
Aborto Não É Pecado
14
17
Ainda Não Abrimos os Olhos
Infertilidade e Tecnologia
19
24
Mais do Que Musas
Branda, Suave, Briguenta
30
Dona Helena Greco
34
Um Novo Pretexto para
Discriminar?
Discriminação Também É
Preciso
37
A Revisão Constitucional
Tem Limites Constitucionais
Nossos Direitos para Cairo 94
38
39
36
A Cidade Cresce e Por Ela Crescem,
Também, as Andanças das
Mulheres
Aconteceu..., Acontece...,
Acaba de Sair
Crônica de Uma Menina
43
44
47
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IMPRESSÃO:
GRÁFICA ÁGUIA LTDA. -TEL 815-1255
Enfoque Feminista - Ano III - N- 6 Dezembro de 1993. Publicação Semestral.
Distribuição Gratuita, jornalista Responsável:
Rita Freire - Mtb ns 22948. Conselho
Editorial: Casa da Mulher do Grajaú, Casa da
Mulher Lilith, CIM - Centro Informação
Mulher, Coletivo Feminista Sexualidade
Saúde, Pró-Mulher e União de Mulheres de
São Paulo. Coordenação Editorial: Regina
Rodrigues de Morais, Sônia Alves Calió e
Maria Amélia de Almeida Teles. Revisão:
Luiza Esmeralda Faustinoni. Ilustrações e
Capas; Marta Baião. Diagramação Eletrônica:
César A. Teles. Composição e Montagem:
TD Laser, Editoração Eletrônica. Fone: 362367. Fotolitos: Lasergraph, Assessoria
Gráfica: Paulo Augusto Macedo. Secretaria:
R. Bartolomeu Zunega, 44 - Pinheiros - SP CEP05426-020 -Tel.; (011) 212.8681 - Fax:
(011) 813-8578. Apoio Financeiro:
MacArthur Foundation.
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