Cc/^vviíl São Paulo - Dezi Mulher e AIDS: Aborto aio Ainda Abrimos os TH*' ' Direitos Humanos: ;■■* Viena Fala com ¥01 de .■•''.lttÍ^J.'' Nossos Direitos para Cairo 94 '■ If - ' Mullier .J '*%„ ' Cultura Ensaio: Mertía<tacte o Tecnologia Mais do que Musas a V&&* a^S-.- ■*!• *m~ i. . J^i i li ■ CRôNICA DE UMA MENINA oc, toe, toe. O barulho do sapato alto eeoava no corredor frio. Entrou em easa apressada. O vento que entrava pela janela aberta fazia a cortina levantar. Atravessou a sala correndo. Chegou na cozinha: Deus! Que bagunça", pensou. Olhou no relógio e pôs-se a trabalhar. Tirou um pacote de macarrão do armário e mergulhou-o em uma panela com água já fervendo no fogão. Olhou em volta desanimada: havia pratos e panelas sujas na pia, restos de comida no fogão, e no chão havia farinha e cascas de laranja. Depois de tudo limpo foi tomar banho. Após uma boa chuveirada veio à sala. Olhou com espanto para a janela, pois sabia que nunca houvera grades nela. Mas elas estavam lá, firmes e horríveis. Chegou-se à janela e olhou para baixo. Para seu espanto, não viu a rua cheia dos habituais automóveis, e nem enxergou a costumeira poluição, e sim um rio, gramados verdes, pássaros, peixes e esquilos que vinham beber a água cristalina do rio. -Maria, que cheiro horrível é esse? Nesse instante despertou, e com um pulo de susto encontrou seu marido a gritar com ela. Só agora tinha se dado conta do horrível cheiro de queimado que enchia a sala. Correu para a cozinha e tirou do fogo o macarrão queimado. Nesse momento se perguntou: " O que eu estou fazendo casada com esse estúpido?" Voltou à sala e encontrou-o a ler jornal. Ela tirou os sapatos e quando estava saindo de casa, escutou-o perguntando: "Aonde vai?". Sem responder, desceu as escadas e encontrou, como imaginava, o rio, o gramado e tudo mais que vira da janela. Com os pés descalços, caminhava na grama quandou olhou para a janela e percebeu que não havia mais grade e sim uma pomba. E a pomba ficou olhando-a caminhar rumo à liberdade. Gabriela Muniz Barretto •' * ■ ■II mtl^mm PARA QUEM GOSTOU DA CRôNICA Em um dia de abril de 1991, Gabriela, uma menina de 12 anos, resolveu dar um presente pessoal e significativo para Benedicta Savi, sua tia, que fazia aniversário. O presente foi esta crônica, escrita por ela e guardada com carinho por Benedicta, até que a Enfoque Feminista tivesse acesso ao seu baú. Pela delicadeza e qualidade do achado, achamos que o presente de Gabriela merece ser compartilhado pelas leitoras da revista. a ^i/L «ton QUESTõES DE JUSTIçA Não dá mais prá deixar de reconhecer, no plano político, social e econômico, a necessidade de defesa dos direitos humanos das mulheres pelas Nações Unidas. Na Conferência Mundial de Viena, as mulheres mostraram como têm sido excluídas das políticas de direitos humanos nas direfentes culturas e nos mais distintos países. E se organizaram para provar à ONU que suas reivindicações são determinantes para a tão almejada paz e e o desenvolvimento mundiais. Conseguiram? Se o conceito de justiça almejado pelas mulheres não tem sensibilizado governos e estruturas de poder no planeta, então o único argumento eficaz é a força política e organizativa das humanas. Mais do que a garantia de medidas e políticas efetivas, o que as ativistas de Viena conseguiram foi demonstrar essa força crescente. E a disposição de usá-la para garantir direitos de gênero e também de raça, de credo, de classe, para dar legitimidade às políticas que se delineiam para o futuro do planeta. O conceito de justiça que buscam as mulheres é, assim, preocupação presente em vários assuntos que Enfoque Feminista traz neste número. Pra começar, a cobertura da Conferência de Viena, com opiniões e relatos de brasileiras que lá estiveram. O direito à opção do aborto é outra questão de justiça para o incontável número de mulheres que se submetem, ao mesmo tempo, às redes clandestinas e a leis que as culpabilizam. Para as católicas que defendem a legalização do aborto, a luta tem um outro componente cruel. A hierarquia da Igreja se agita para negar-lhes também o direito de expressão. E o que falar de D. Helena Greco, 77 anos, condenada pela Justiça, ** h porque andava lutando por justiça? E da costureira desempregada, condenada por não poder arcar com uma pensão alimentícia? A igualdade de direitos virou um novo pretexto para discriminar? A expansão da AIDS parece que já não escolhe vítimas. Será que não? As pesquisas para prevenção deixaram de lado alguns sintomas tipicamente femininos. E agora as mulheres se descobrem alvo crescente da epidemia. Será que também com relação à AIDS é preciso lutar para que as mulheres sejam igualmente contempladas nas políticas preventivas? Este número de Enfoque, como se vê, traz uma boa amostragem de batalhas que estão na ordem do dia das mulheres no Brasil e no mundo. Algumas, a exemplo da AIDS, são uma verdadeira corrida contra o tempo. C P v 2& JUN 1995 c^ S«tof d« Docufíisnlação íoiêmicí^i ENTRELINHAS TORTAS O papel aceita tudo. Uma grave denúncia de violência contra meninas simplesmente sumiu e foi alterada no relatório da CPI da Violência Contra a Mulher. Em seu lugar, a relatora resolveu colocar algo que fosse "mais leve", mais genérico. O papel aceitou. Mas as mulheres não! A obtenção do relatório definitivo da CPI da Violência Contra a Mulher, encerrada em novembro do ano passado, no Congresso Nacional, transformou-se em meta nQ 1 da campanha "A impunidade é cúmplice da Violência" deflagrada em março, no Ia. Encontro Nacional de Entidades Populares contra a Violência à Mulher. Nem a divulgação das conclusões, nem as providências solicitadas pela CPI puderam ter encaminhamento, simplesmente porque o relatório foi adulterado no seu texto final. Essa história começou em 6 de agosto de 1992, quando o jornalista Gilberto Dimenstein, ao depor, denunciou João Carlos Di Gênio, dono do Colégio Objetivo, de aliciar meninas para prostituição para "servir" aos políticos. A CPI, como é de praxe, acatou a denúncia para as providências cabíveis. Na primeira versão do relatório, aprovada pelos integrantes da Comissão, constava a denúncia do jornalista. Mas na redação final, a relatora Etevalda Menezes Grassi, decidiu alterar os termos da denúncia por considerá-los "pesados demais". Sua redação ficou assim:" recebeu esta comissão a denúncia de que empresários, donos de colégios, agenciaram adolescentes para a prostituição de luxo". Além de poupar o acusado, a relatora acabou ampliando o alvo da denúncia para os proprietários de colégios em geral. Com justa razão, a presidenta da CPI, Sandra Starling, se recusou a assinar o relatório mutilado. Estava criado o impasse. O RECUO DE Di GêNIO Ao mobilizar-se para exigir o relatório sem adulterações, o movimento de mulheres acabou enfrentando ataques do próprio empresário, aparentemente pouco informado sobre a capacidade de resposta das mulheres. Depois de ouvir uma entrevista sobre o assunto na Radio Jovem Pan, onde seu nome foi citado, Di Gênio abriu uma ação contra a emissora e em sua petição procurou desqualificar as entrevistadas (Maria Amélia Teles, da União de Mulheres de São Paulo e Denise Dourado, do Grupo Themis, do Rio Grande do Sul), questionando a sua representatividade e até a existência de um movimento de mulheres. O movimento feminista reagiu. A vereadora Tereza Lajolo (PT-SP) enviou carta a lideranças, de norte a sul do país, informando sobre a linha de defesa do empresário, a tentativa de descaracterização do movimento e desqualificação de suas representantes. Em resposta, dezenas de feministas independentes ou vinculadas a sindicatos, universidades, partidos políticos e movimento negro, manifestaram seu repúdio através de cartas que foram entregues ao juiz. O empresário, ao perceber a repercussão negativa de sua atitude, recuou e retirou a ação. Vitória das mulheres. A primeira neste caso. A segunda vitória acontecerá quando o relatório, com todas as denúncias e propostas, for finalmente emitido. Uma comissão de mulheres de diferentes estados brasileiros, que contou com o acompanhamento da deputada federal Sandra Starling (PT-MG) e as vereadoras Neusa Santos (PT-BH) e Tereza Lajolo (PT-SP), entregou à Presidência da Câmara, durante o Encontro Nacional "Mulher e População", ocorrido em Brasília no dia 28/09/93, um abaixo-assinado com mais de mil assinaturas. Depois disso, as negociações para obtenção de uma real versão dos fatos no relatório avançaram bastante. Concordouse que ele daria conta de todas as denúncias e propostas da CPI. Porém, no dia marcado para assinar o relatório, a deputada Etevalda Menezes Grassi não compareceu. Daí o nosso apelo à deputada para que assine a versão final do relatório, pois é preciso concluir de fato os trabalhos da CPI da Violência Contra a Mulher. Nota: As leitoras ou leitores podem reforçar o apelo para a Deputada Federal Etevalda Menezes Grassi, para que assine o relatório, pelo Fax: (061)318-2213. L/nfeiltos |—|un GUERREIRAS DE VIENA MARIA AMéLIA A Conferência de Viena teve que se render à força de suas guerreiras. Desde o Fórum Paralelo das ONG's, chegavam os alertas das mulheres em luta no mundo. Lá elas brigaram por um novo conceito de humanidade, sem adjetivos excludentes. Com elas, avançaram os direitos humanos de modo geral. E os direitos das humanas ganharam assento próprio nas recomendações que partiram da Conferência para o planeta. O termo "homem" deixou, já faz tempo, de figurar como sinônimo de humanidade no documento dos povos sobre direitos humanos: a "Declaração" de 1948. Mas quando, em 1993, se instalou a Conferência Mundial de Viena, a grande guerra travada pelas mulheres na defesa de seus direitos foi desferida contra o próprio conceito usual de humanidade. Com toda a universalidade de idéias, contradições e valores que deveria encerrar, a palavra "humanidade" que transita nos documentos oficiais do mundo é ainda excludente e autofágica. Como bem definiu uma representante brasileira na Conferência, sua adjetivação tem sido branca, masculina, heterossexual, ocidental e economicamente independente. Os excluídos desse modelo, tendo à frente as mulheres, conseguiram produzir, em junho, um "negativo" da cultura humana sobre o planeta. Jogaram luzes sobre números, histórias, estatísticas e denúncias do tratamento subhumano por razões de sexo, de raça, de credo, de exílio, de idade, de saúde, de pobreza. Revelaram seus diferentes contornos políticos, sociais, econômicos, geográficos, territoriais, e cada um deles agudizado quando a parcela de vítimas é constituída de mulheres. Depois de Viena, novas urgências em busca de um conceito universal de humanidade estão colocadas na ordem do dia das lutas internacionais, entre as quais é possível apontar algumas das mais importantes. A idéia de que desenvolvimento seja direito humano foi uma das premissas nas recomendações da Conferência, de importância mesmo revolucionária se contraposta ao conceito de desenvolvimento que tem imperado no mundo. Com ela, se reforçou, como direito humano, o acesso de todas as pessoas ao emprego, ao trabalho, aos meios de produzir, o que também é muito mais do que o poder econômico concentrado no planeta, fascinado com as exclusões da mão de obra sugeridas pelo avanço tecnológico, esteja disposto a "conceder". A terra é um direito humano. Ao reconhecê-lo, a Conferência de Viena falou alto e bom tom sobre a reforma da propriedade da terra, indicando por conseqüência algo de óbvio e fundamental sobre a miséria. Não haverá projeto conseqüente para a humanidade que seja causa ou se alicerce na produção da miséria. A miséria, mostrou Viena, é incompatível com qualquer futuro para o próprio planeta. ENTRA EM PAUTA A QUESTãO DE GêNERO Pode-se dizer que as mulheres foram as grandes guerreiras de Viena e o têm sido nesse campo, com avanços mais perceptíveis desde que conseguiram fazer corrigir-se a expressão "Direitos do Homem" para "Direitos Humanos". A universalidade da opressão ao gênero feminino permitiu que as ativistas de Viena falassem, com conhecimento de causa, em todas as frentes de batalha. Que outras vítimas poderiam melhor discorrer, por exemplo, sobre os excluídos do direito à educação? De 1975 a 1985, primeira década internacional da mulher promovida pela ONU, o número de analfabetos no mundo aumentou em 58 milhões de pessoas. Desses, 54 milhões são mulheres. Mas o que ficou claro em Viena é que não haverá perspectiva de desenvolvimento, paz e progresso para a humanidade se não forem eliminadas as violações específicas que se abatem sobre o gênero feminino. Como testemunhou Alzira Rufino, da Casa de Cultura da Mulher Negra, de Santos-SP, as cerca de mil integrantes da Conferência Paralela nos vários temas de Viena evidenciaram que as mulheres estão lutando em todos os países pela democracia, contra a tortura e a repressão política, contra a violência da fome e das guerras. "Só que agora, as mulheres lutam também para por fim à violência que as oprime em todas as culturas." Para que a Conferência de Viena incluísse as violações aos direitos das mulheres como uma questão de direitos humanos, foram dois anos de trabalho de organizações em 123 países, reunindo cerca de 300 mil subscrições para a reivindicação às Nações Unidas. Como lembra Alzira, um mero olhar de Viena para as estatísticas bastaria para justificar tal urgência: "anualmente, o número de mulheres vítimas de violência sexual e doméstica é maior do que o número de vítimas de todos os conflitos armados sobre o planeta". Tais violações não obedecem fronteiras nem condições sócio-econômicas. Nos Estados Unidos ocorre um estupro a cada seis minutos. Nove de cada 10 homicídios contra mulheres são cometidos por homens que, na metade dos casos, são parentes das vítimas. A guerra expõe as populações femininas a toda sanha de selvagerias. De 20 mil a 100 mil mulheres são estupradas por soldados sérvios (ex-Iugoslávia), em campos de concentração. Em nome da tradição e cultura, já chegam a 100 milhões as mulheres de 26 países africanos com órgãos sexuais mutilados, para eliminação do desejo e prazer femininos. A cada ano, mais dois milhões de mulheres sofrem mutilações nesses países. A Anistia Internacional tem denunciado que os homens responsáveis pela distribuição de alimentos nos campos de refugiados exigem sexo em troca de comida para as mulheres. E quase 80% dos refugiados no mundo são mulheres. UM GRANDE LOBBY E, AFINAL, AVANçOS Com tudo que tenham avançado, os princípios gerais consagrados na Conferência de 1993 não conseguiram levá-la a acordo sobre a criação de mecanismos internacionais mais efetivos de defesa dos direitos universalmente reconhecidos. Assim, prossegue também a mobilização das mulheres para assegurar mecanismos capazes de gerar garantias aos direitos específicos de gênero recomendados em Viena. As brasileiras que estiveram em Viena, apesar disso, e em que pese o contato impactante com a tragédia das violações às mulheres de todo o mundo, voltaram otimistas com o resultado da Conferência. Alzira conta que o lobby das mulheres foi considerado o maior, o mais organizado e o que obteve mais avanços políticos. Luiza Nagib Eluf, assessora da cidadania e dos direitos humanos da Secretaria da Justiça do Estado de São Paulo, participou da Comissão de Redação que elaborou o documento oficial de Viena, presidida pelo embaixador brasileiro, Gilberto Saboya. Ficou evidente, segundo ela, que a movimentação das mulheres que ocorria paralela à Conferência, repercutiu fortemente no espaço oficial. As falas dos representantes dos países (cerca de 164 com assento na ONU) abordavam com veemência a condição feminina. "Mesmo em países onde as mulheres se encontram bastante discriminadas, como é o caso da índia e outros, seus representantes insistiam em destacar a questão feminina como fator de desenvolvimento e progresso."- lembra Luiza. Todo o capítulo "c" do documento oficial de Viena (que transcrevemos nesta edição), dedicado às reivindicações das mulheres, reflete o lobby feminista, com recomendações aos governos e à ONU para priorizar a igualdade de direitos e a ampla integração da mulher. Ao afirmar que se deve dar importância especial para "erradicar quaisquer conflitos que possam surgir entre direitos da mulher e certas práticas tradicionais ou costumes, preconceitos culturais e religiosos, o documento final, assevera Luiza Eluf, "condena defininitivamente o uso das amputações sexuais." Com essa condenação, foram contempladas também mulheres da índia, onde existe a tradição da morte da mulher quando o marido morre, observa Alzira Rufino. Na próxima Assembléia Geral das Nações Unidas, as recomendações da Conferência serão estudadas e as mulheres esperam que sejam dados os primeiros passos para implementar as medidas propostas. Alzira comemora também o fato de que as discussões sobre a opressão à mulher negra tenham igualmente avançado. A Rede Internacional de Mulheres Negras condenou a opressão mundial à mulher negra, o sexismo e racismo que causam a marginalização, repressão, exploração e degradação da mulher negra em todas as nações onde ela se encontra. A Casa da Cultura da Mulher Negra e o Coletivo de Mulheres Negras da Baixada Santista levaram para a (p & (& Conferência o Documento "Pelos Direitos Humanos das Mulheres Negras", que reivindicava um maior apoio da ONU à promoção dos direitos da mulher negra, e esforços internacionais para pôr fim ao tráfico sexual de mulheres e meninas, à esterilização em massa no Terceiro Mundo e o combate à impunidade da violência racial, sexual e doméstica. conta Leila- "mulheres vítimas de violência estiveram juntas, trocando experiências, falando de seus sofrimentos, socializando suas formas de luta. E no dia 15, dia do evento formal do Tribunal, elas falaram para o mundo". Cerca de 40 mulheres de diferentes países fizeram seus depoimentos-testemunho sobre histórias pessoais de estupro, espancamento, tortura e discrimi- m No FóRUM TRIBUNAL DAS As manifestações de xenofobia, conflitos étnicos e o crescimento do racismo foram denunciados por diversas organizações internacionais de diretos humanos. A Declaração de Quito, subscrita pelas ONGs latino-americanas, reivindicou a criação de um Alto Comissariado para averiguar a intensificação do racismo e apoiar ações contra a discriminação racial. No dia 15 de junho, instalou-se o "Tribunal sobre as Violações aos Direitos Humanos das Mulheres, organizado pelo Centerfor Women's Global Leadershiper e apoiado por diversas instituições internacionais, ONGs e Grupos Feministas. Foi, segundo Leila Linhares, diretora do CEP1A, um dos eventos mais importantes do Fórum de ONGs em Viena, atestado pela presença maciça de mulheres organizadas de diversos países, da imprensa internacional e de muitos observadores membros da Conferência Oficial. "Durante três dias,"- "...ELA ESQUECEU AS VIRTUDES PRóPRIAS DE SEU SEXO" PARALELO, UM VIOLAçõES V" % v. I V 4^ A Revolução Francesa, que representou avanços dos ideais democráticos, proclamou a Declaração dos Direitos "do Homem", desconsiderando a participação expressiva das mulheres francesas que comandaram rebeliões, como Louise Michel, que se tornou famosa por estar a frente de um batalhão com 10 mil mulheres. E quando Olympe de Gouges liderou o movimento em defesa da Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, foi condenada à morte e guilhotinada a 3 de novembro de 1793, "por ter querido ser um homem de Estado e ter esquecido as virtudes próprias de seu sexo". Historicamente, as mulheres têm sido excluídas dos direitos estabelecidos pelas sociedades patriarcais. Até hoje, quando se fala em Direitos Humanos, se fala em direitos civis e políticos dos quais as mulheres são" uma parte", e não "aparte" interessada. Há políticas ou campanhas de direitos humanos contra as violações que resultam, ou da ação repressiva do Estado, expressa na forma de prisões, torturas e seqüestras, ou do controle ostensivo dos meios de comunicação ou das ações criminosas de grupos de extermínio de crianças. Os direitos humanos também se aplicam no combate aos assassinatos de religiosos, sindicalistas, ou trabalhadores rurais que defendem direitos inalienáveis do ser humano, a moradia, o trabalho, a alimentação. Mas não há por parte das políticas de Direitos Humanos, iniciativas solidárias às famílias das mulheres que morrem de aborto 8 clandestinos e partos desassistidos, ou daquelas que são assassinadas por seus maridos, companheiros ou namorados, ou ainda, às mulheres estupradas e ás abusadas sexualmente, muitas delas pelos seus próprios pais. A ONU ou OEA têm se guiado por concepções machistas e quando criam "espaços femininos " os mantêm sob controle e sem poder de decisão. Assim tem funcionado a Comissão da Condição Jurídica e Social da Mulher (criada em 1946, como uma comissão subsidiária da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas) ou o Comitê para Eliminar Toda a Forma de Discriminação Contra a Mulher. Não têm o mesmo poder dos outros organismos de defesa dos direitos humanos, embora estes também sejam limitados e pouco façam pelos direitos humanos dos homens. O fato é que os mecanismos instalados para defender as mulheres só atuam no campo jurídico ou assistencialista e são ausentes no plano de efetivas decisões políticas. Fica evidente que a ONU não tem se empenhado em enfrentar a problemática da mulher. A simplificação está em enxergar a mulher apenas como "ser igual aos homens"- modelo paradigma do humano. Mas na medida em que se diferencia do homem, a mulher é desconsiderada. A Declaração dos Direitos Humanos foi promulgada em 10 de dezembro de 1948 pelas Nações Unidas. Hoje, passados quase 50 anos de sua existência, e dois séculos depois da morte de Olympe de Gouges, as mulheres continuam sua luta em defesa dos direitos das humanas. ■• i nação, na família, na guerra e contra seus corpos, na área de saúde e na vida política. Entre elas, estava Maria Celsa da Conceição, que falou pelo Brasil. Terrivelmente queimada por um exnamorado, ela era mais uma das vítimas do sexismo da sociedade e da impunidade dos governos. Seu quase assassino foi absolvido pela Justiça do Estado de Rondônia, e Maria Celsa aparece nos autos processuais como uma espécie de autora de seu próprio sofrimento. É uma história terrível, mas que segundo Leila Linhares, estava longe de ser um caso isolado. "A maioria das mulheres relatavam no tribunal histórias muito próximas à de Maria Celsa". Coordenado pela diretora do Leadership, Charlotte Bunch, o Tribunal discutiu, por blocos, os diferentes crimes contra as mulheres no mundo: Direitos Humanos na Família, incluindo a violência doméstica; Crimes de Guerra, incluindo o incesto em regiões de conflitos; Violações à integridade física, incluindo a mutilação genital; Direitos SocioEconômicos, incluindo a violação aos direitos das mulheres indígenas e os efeitos das políticas de ajuste estrutural sobre as mulheres; e, finalmente. Perseguição Política e Discriminação, incluindo o abuso econômico contra as mulheres imigrantes e a perseguição contra as ativistas anti-apartheid. Um Júri, de peso internacional, se pronunciou sobre os crimes. Estavam entre os jurados, por exemplo, Gertrude Mongella, nomeada pelas Nações Unidas para ser a secretária geral para a Conferência sobre a Mulher, em Pequim, em 1995; Ed Broadbent, presidente do Centro Internacional de Direitos Humanos e Desenvolvimento Democrático de Montreal, Canadá; RN. Bhagwati, chefe da Suprema Corte de Justiça da índia e Elizabeth Ódio, Ministra da Justiça de Costa Rica e membro do Comitê das Nações Unidas contra Torturas. Também participou do Tribunal a Ministra dos Assuntos das Mulheres, da Áustria, Johanna Dohnal. Ao final, o Júri se reuniu para exortar as Nações Unidas, através de documento, a considerar os direitos das mu- lheres como direitos humanos e manter um Tribunal permanente para acompanhar as denúncias de violações. A leitura desse documento, segundo Leila Linhares, foi marcada pela emoção, indignação e pela solidariedade com as mulheres do mundo. Em pronunciamento forte e emocionado, Gertrude Mongella constatou que não há país no mundo onde não haja violações contra os direitos humanos das mulheres. Várias outras recomendações foram feitas pelo Tribunal à Conferência. Alzira Rufino destaca algumas bem importantes: que a ONU nomeie um Relator Especial para investigar as violações aos direitos humanos das mulheres; o fortalecimento da Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação à Mulher e integração da perspectiva da Mulher em todos os níveis de operação da ONU; expansão do trabalho das agências da ONU na prevenção e combate à violência contra a mulher; o reconhecimento de que muitas formas de violência contra a mulher ocorrem dentro da família; a adoção da Declaração sobre a Proibição de Violência contra a Mulher e a criação de uma Corte Internacional da Mulher, para proteger e promover seus direitos humanos. UMA NOVA "DECLARAçãO" ACENA PARA A CHINA Em 1994, Ano Internacional da Família e da Conferência Mundial da ONU sobre População e Desenvolvimento, haverá mais manifestações do lobby internacional de mulheres, voltadas a denunciar a violência contra a mulher no âmbito da família e a violência contra o corpo da mulher e sua saúde, impetradas em nome de políticas de controle populacional e da má distribuição de renda dos modelos de desenvolvimento, particularmente no chamado Terceiro Mundo. Até lá, aposta-se em um crescimento ainda maior das pressões das mulheres para alterar as políticas do mundo, já que a capacidade, revelada pelas mulheres, de se articular e dar visibilidade às suas reivindicações em Viena, não deixa dúvidas. As humanas provaram em Viena que a violência sexual, o estupro, a gravidez forçada, a escravidão sexual e as mutilações genitais devem ser incluídas no conceito de tortura e repudiadas igualmente por todas as nações. Uma cobrança que continuará a ser enfatizada nos próximos anos. Aposta-se também em novidades para 1995, na Conferência Internacional da Mulher, que será realizada na China. De olhos nela, já começa a se articular a luta por uma nova Declaração Universal dos Direitos Humanos, proposta pelo CLADEM- Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher. O novo documento universal, de acordo com a proposta, deverá ter uma perspectiva de gênero, refletindo que a consideração plena dos direitos da mulher para controlar e melhorar suas vidas exige uma nova postura e organização da sociedade como um todo. Exige também uma reformulação dos direitos dos homens e de suas vidas. A construção de novas referências do que seja "humano", e do que deva ser valorizado no conceito de "humanidade" diz respeito, diretamente, à questão do gênero feminino. Como disse a presidente do Cladem, a brasileira Silvia Pimentel, em Viena, "não basta referir-se à humanidade apenas como masculina, branca, heterossexual, ocidental e de situação econômica independente. O paradigma masculino expressa a hegemonia do poder patriarcal, não só na linguagem formal como também nas idéias, valores, costumes e hábitos. Isso não só toma a mulher invisível nos documentos internacionais, mas também exclui outros grupos sociais como indígenas, negros, crianças, homossexuais, deficientes e idosos". Uma nova Declaração Universal dos Direitos Humanos, conforme a proposta do CLADEM, aprovada na Conferência, deve ser desde já estudada, analisada e revisada pelas entidades feministas de todo o mundo para, em 1995, passar pelo crivo das mulheres do planeta, na Conferência da China e encaminhada para aprovação no 50s. aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, em 1998. r Ljnpeitos |—lu maríos As RESOLUçõES 0 capítulo "C" do documento oficial da Conferência de Viena é todo destinado à questão da mulher A igualdade de condição e dos direitos das humanas são objeto das exigências e recomendações dessa parte da Carta de Viena, que reproduzimos a seguir. IA Conferência Mundial pede encarecidamente que se conceda à mulher o pleno usufruto em condições de igualdade de todos os direitos humanos e que esta seja uma prioridade para os governos e para as Nações Unidas. A Conferência destaca também a importância da integração e a plena participação da mulher, como agente e beneficiária, no processo de desenvolvimento e reitera os objetivos fixados sobre a adoção de medidas globais a favor da mulher, com vistas a alcançar o desevolvimento sustentável e equitativo previsto na Declaração do Rio. 2 A igualdade da mulher e seus direitos humanos devem se integrar nas principais atividades de todo o sistema das Nações Unidas. Todos os órgãos e mecanismos, pertinentes às Nações Unidas, devem tratar destas questões de forma pew riódica e sistemática. Em particular, devem ser tomadas medidas para aumentar a cooperação entre a Comissão sobre a Condição Jurídica e Social da Mulher, a Comissão de Direitos Humanos, o Comitê para eliminar a discriminação contra a Mulher, o Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento para a Mulher, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e outras instituições das Nações Unidas, para promover uma maior integração de seus objetivos e finalidades. Neste contexto, devem ser fortalecidas a cooperação e a coordenação entre o Centro de Direitos Humanos e a Divisão para o Progresso da Mulher. 3 A Conferência Mundial coloca, em destaque especial, a importância do trabalho destinado a eliminar: a violência contra a mulher na vida pública e privada, todas as formas de abusos sexuais, a exploração e o tráfico de mulheres, os preconceitos sexistas na administração da justiça e a erradicar quaisquer conflitos que possam surgir entre os direitos da mulher e as conseqüências preconceituosas de certas práticas tradicionais ou costumes, de preconceitos culturais e do extremismo religioso. A Conferência Mundial pede à Assembléia Geral que aprove o projeto de Declaração sobre a Violência contra a Mulher e apela aos Estados para que combatam a violência contra a mulher, conforme as disposições da declaração. As violações dos direitos humanos da mulher em situações de conflito armado constituem violações dos princípios fundamentais dos direitos humanos e do direito humanitário internacional. Todos os delitos desse tipo, em particular os assassinatos, as violações sistemáticas, a 10 escravidão sexual, e a gravidez forçada, requerem uma resposta especialmente eficaz. 4 A Conferência Mundial recomenda, com ênfase, a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, dissimuladas ou visíveis. As Nações Unidas devem promover uma meta para alcançar a ratificação universal até o ano 2000 da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher por todos os Estados. Devem ser estimulados para resolver o número, bastante elevado, de reservas quanto à Convenção ou que sejam incompatíveis com o direito internacional convencional. Os organismos de vigilância criados em virtude de tratados, devem difundir a informação necessária para que ••■Bfewí' as mulheres possam fazer uso, de maneira eficiente, dos procedimentos de execução existentes com vista a alcançar não a discriminação mas a plena igualdade no usufruto dos direitos humanos. Devem também adotar novos procedimentos para garantir que se coloque em prática o compromisso relativo à igualdade e aos direitos humanos da mulher. A Comissão da Condição Jurídica e Social da Mulher e o Comitê para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher devem examinar rapidamente a possibilidade de introduzir o direito de recurso, preparando um protocolo facultativo da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. A Conferência Mundial acolhe com satis- N ■ Cr facão a decisão da Comissão de Direitos Humanos de considerar a designação de um relator especial sobre a violência contra a mulher em seu 5S período de sessões. A Conferência Mundial reconhece a importância do usufruto pela mulher do mais alto nível de saúde física e mental durante toda a sua vida. No contexto da Conferência Mundial sobre a Mulher e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, assim como da Proclamação de Teheran de 1968, a Conferência Mundial reafirma, sobre a base da igualdade entre homens e mulheres, o direito da mulher a uma atenção à saúde, acessível e adequada, e a mais ampla gama de serviços de planejamento familiar, assim como o acesso à educação em todos os níveis. Os organismos de vigilância, criados em virtude de tratados, devem incluir a condição da mulher e os direitos humanos da mulher em suas deliberações e conclusões, servindo-se de dados concretos aplicáveis a ela. Os Estados devem ser incentivados a fornecer informes a estes organismos que contenham informações sobre a situação das mulheres, de direito e de fato. A Conferência Mundial observa com satisfação que a Comissão de Direitos Humanos adotou, em seu 49° período de sessões, uma resolução na qual declarava também que deveria incentivar a fazerem o mesmo, os relatores e grupos de trabalho na esfera dos direitos humanos (resolução 1993/46). A Divisão para o Progresso da Mulher deve, também, tomar medidas em cooperação com outros organismos das Nações Unidas, concretamente, o Centro de Direitos Humanos das Nações Unidas, para garantir que nas atividades de direitos humanos das Nações Unidas sejam tratados periodicamente violações dos direitos humanos da mulher, em particular dos abusos concretos devido a sua condição feminina. Deve-se incentivar a capacitação de pessoal das Nações Unidas, especializado em direitos humanos e em ajuda humanitária, com o objetivo de ajudar estes 7 11 profissionais a reconhecer e combater os abusos dos direitos humanos de que é vítima a mulher para desenvolver seu trabalho sem preconceitos sexistas. 8A Conferência Mundial apela aos governos e organizações regionais e M internacionais CLlò J" para que facilitem o acesso da mulher a postos de direção e lhe permitam maior participação na adoção de decisões. Recomenda que se tomem novas medidas na Secretaria das Nações Unidas, e apela aos principais organismos e subsidiários das Nações Unidas que garantam a participação da mulher em condições de igualdade. 9 A Conferência Mundial acolhe, com satisfação, a celebração da Conferência Mundial sobre a Mulher em Beijing, em 1995, e estima que os direitos humanos da mulher devem ocupar um lugar importante em suas deliberações, de conformidade com os temas prioritário da Conferência: igualdade, desenvolvimento e paz. „/ lumen» e (^ uemp® EM TERRITóRIO MINADO Para o SOS-Vítimas da Violência, que atua na ex-lugoslávia, não há como distinguir bons e maus nas facções que se digladiam. Como mostra Stasa Zajovic, todos usam a guerra para agredir de maneira brutal suas mulheres Hoje, o território da exlugoslávia é palco de uma sangrenta guerra conduzida pelos sérvios contra os povos da Bósnia, Croácia e muçulmanos. Uma guerra que consiste em eliminar os homens e engravidar as mulheres, com vistas a fazer uma limpeza étnica, semelhante às ações de Hitler e dos fascistas durante a 2! Guerra Mundial. Segundo as Nações Unidas, milhares de mulheres (estima-se de 20 a 100 mil) foram estupradas por soldados sérvios nos campos de concentração construídos para este fim. As situações de violação e humilhação das mulheres têm oferecido farta ilustração para os horrores da Iugoslávia. Recentemente, a imprensa revelou que quando se trata de exploração sexual, até mesmo as chamadas forças de paz se associam à violência: soldados da ONU estariam usando mulheres dos territórios em conflito para prostituição. Exemplo da barbaridade é o caso de Alia, 30 anos, dois filhos, relatado pelo jornal francês Liberación e que abre um livro lançado em agosto no Brasil sobre a "Tragédia na Iugoslávia - Guerra e Nacionalismo no Leste Europeu", do jornalista Jayme Brener: "Maio de 1992. Um grupo de milicianos de origem servia, que acabava de expulsar as forças muçulmanas da cidade de Gorazde, na Bósnia-Herzegovina, invade a casa de Alia. O marido fugiu junto com os outros combatentes muçulmanos. Um rapaz alto, hálito forte de slivovich, aguardente típica feita de ameixas, encosta uma faca no pescoço de Alia. Ou ela, ou as crianças. A mulher não tem alternativa. Um a um, os milicianos sérvios a violentam. Entre eles. Alia reconhece um antigo vizinho". UM RAPAZ ALTO, HáLITO DE SLIVOVICH, ENCOSTA UMA FACA NO PESCOçO DE ALIA. OU ELA OU AS CRIANçAS. UM A UM, OS MILICIANOS SéRVIOS A VIOLENTAM. ENTRE ELES, AüA RECONHECE UM ANTIGO VIZINHO. O jornalista se mostra impressionado pela violência com que ex-vizinhos se lançaram ao combate e aos massacres mútuos. Mas como relatou Stasa Zajovic, militante do Grupo-SOS para Mulheres e Crianças Vítimas da Violência, em Belgrado, essa violência já se instalou dentro da casa das mulheres, na relação com seus maridos e filhos. "Todas as que tiveram seus maridos nos campos de batalha contaram ao SOS que foram 12 estupradas por eles mesmos"- conta Stasa. Mesmo assim, segundo ela, as mulheres vítimas da guerra não gostam de falar sobre a violência sexual que sofrem em seus lares, mas se preocupam bastante com os espancamentos e torturas sofridos por elas e seus filhos. Mostram-se aterrorizadas pelo fato de que os homens levam para dentro de casa equipamentos bélicos (bombas, metralhadoras e fuzis) e os utilizam nas relações domésticas, ameçando mulheres, filhos, chegando a machucá-los e, em alguns casos até a assassiná-los. "Há também muitos casos de mães que preferem que seus filhos sigam para o front a ficarem em suas casas tentando matá-las." O SOS na Iugoslávia já se acostumou com um fenômeno diário chamado "A Síndrome do Telejomal". Todos os dias, assim que a TV apresenta o principal noticiário da região, o aumento da violência sexual e doméstica cresce de uma tal forma que os chamados ao SOS não param de pedir socorro. São os efeitos da propaganda do regime político, calcada no acirramento das diferenças étnicas e raciais. Os casamentos de etnias diferentes, conforme conta Stasa, são o grande alvo da ideologia e das ações racistas dessa propaganda. Os filhos desses casamentos vivem de maneira conflituosa o problema da identidade. São famílias que estão em grave crise. A propaganda insiste em que. ' de um lado, estão os defensores da pátria, homens dignos e, de outro, os agressores, indignos. "Mas para nós do SOS, que atendemos as mulheres violentadas, essa diferença não existe. Ambos agridem de maneira brutal suas mulheres." Atualmente, os números da luta pela sobrevivência na Sérvia mostram que as discriminações contra as mulheres, produzidas pela guerra também são maiores nos planos econômico, político e social. Dos mais de 800 mil refugiados da Sérvia, 95% são mulheres e crianças. Entre os desempregados, o contingente majoritário é o de mulheres, atingindo 70%. A pobreza se feminiza com a crise econômica. SÍNDROME DO TELEJORNAL. TODOS OS DIAS, APÓS O PRINCIPAL NOTICIÁRIO DA REGIÃO, OS CHAMADOS AO SOS NÃO PARAM DE PEDIR SOCORRO. SÃO OS EFEITOS DA PROPAGANDA DO REGIME. Enquanto isso, diz Stasa, as diferenças entre as mulheres também se acentuam. As que estão em territórios ocupados sofrem muito mais todas as formas de violência. Mas as outras se sentem culpadas diante da guerra. O SOS busca conscientizá-las para a solidariedade e para que se libertem dos sentimentos de culpa. Na busca de estratégias para ampliar as ações de socorro e solidariedade, mulheres de etnias diferentes juntam-se, no meio de territórios em conflito, em reuniões promovidas pelo SOS. Participam, num apoio corajoso, grupos de mulheres da Itália. Ao subverter a lógica dos confrontos raciais e "impingir" gestos de solidariedade e rebeldia no cotidiano dos terrenos minados pela violência, essas sérvias, croatas, muçulmanas, exiugoslavas enfim, fazem de seus encontros uma forma de desafiar e combater a própria guerra. ^ ABORTO NãO é ,., CRIME ENTREVISTA COM NORMA KYRIAROS* POR REGINA RODRIGUES DE MORAIS No dia 28 de setembro foi deflagrada a campanha "Aborto não é crime", envolvendo movimentos de mulheres de todo o Brasil. Uma campanha que deve aprofundar o debate sobre a reforma necessária da lei e das políticas públicas sobre aborto e direitos procriativos. Esta entrevista com Norma Kyriakos traz uma análise alentadora e polêmica sobre o aborto à luz da Constituição. Enfoque: Você defende a interpretação da Constituição brasileira segundo a qual o aborto não é crime. Como o aborto deve ser entendido segundo o seu ponto de vista? Norma: Em primeiro lugar, o aborto é um direito. Eu acho que ele se enquadra nos Direitos Reprodutivos. E o que são eles? São o direito à maternidade digna e assistida, ao atendimento prénatal, à creche, como um direito universal da criança à educação, e ao planejamento familiar. Quer dizer, o direito a decisão de ter ou não ter filhos, quantos filhos e o espaçamento entre esses filhos. O aborto é um direito no caso da gravidez indesejada e mesmo quando todos os métodos contraceptivos falharam anteriormente. Enfoque: Mas que garantias a Constituição oferece com relação a esses direitos, incluindo o aborto? Norma: A Constituição veio atender uma luta antiga das mulheres no Brasil e estabeleceu não só a igualdade formal entre o homem e a mulher, quando diz que homens e mulheres são iguais, sem preconceito de idade, raça, cor, sexo ou estado civil. Mas também em 28 dispositivos constitucionais. Boa parte desses dispositivos estabelecem concretamente: a proteção ao trabalho da mulher, a proteção à maternidade, à assistência pré-parto, durante o parto, após o parto. Mas, finalmente, o parágrafo 7 do artigo 226 da Constituição toma efetivo, real, concreto, o planejamento familiar, com fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, tomando livre a decisão do casal no planejamento familiar. O direito ao aborto é um dos meios pelos quais essa decisão se toma efetivamente livre. Enfoque: Não é pouco preciso esse princípio, quando temos o aborto criminalizado em outras leis? Norma: Não. Porque o mesmo parágrafo 7 do artigo 226 veda qualquer forma intervencionista ou controlista do 14 próprio Estado ou mesmo de instituições privadas. Rechaça, por exemplo, com isso, as esterilizações em massa que se vê aí pelo Brasil, até bem pouco tempo em proporções assustadoras. Esse parágrafo permite apenas a interferência do Estado no sentido de fomecer métodos educacionais e científicos para esse planejamento familiar. Quer dizer: cabe ao Estado fomecer o máximo possível de informações à mulher, atendendo-a na sua saúde integral, fornecendo a ela, ao homem e ao casal, educação desde a mais tenra infância, de forma que as pessoas saibam se utilizar do próprio corpo e usem essa liberdade com a maior amplitude possível, sabendo como fazê-lo. Cabe também ao Estado fomecer as informações sobre métodos contraceptivos. E, enfim, os métodos científicos. * Norma Kyriakos - Procuradora Geral do Estado de São Paulo, feminista, Coordenadora do Centro de Estudos da PGE. onde se insere a prática de abortamento por médico habilitado e na rede de saúde pública. Mas a intervenção do Estado se limita a isso. Como diz a constitucionalista Flávia Piovezan, o Estado não pode sequer intervir pela via legislativa para classificar o aborto como crime, já que esta seria uma intervenção vedada expressamente pela Constituição. Enfoque: Há, entre os que condenam o direito ao aborto, argumentos de que o conceito de que a mulher é titular de seu próprio corpo, quando a gravidez já existe, é um conceito superado. Como você vê isso, a luz da Constituição? Norma: Se a mulher não pode ter esse direito mínimo de liberdade quanto ao uso de seu corpo, ela não goza do direito de cidadania ou, pelo menos, não goza em sua totalidade e, portanto, ela não é igual. Mas a Constituição garante a isonomia entre homens e mulheres, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a liberdade de decisão. Mas principalmente a isonomia. Cidadania é sinônimo de isonomia. As pessoas são cidadãs enquanto são iguais. Não de forma que sejam a mesma pessoa, mas no sentido de prestigiar as diferenças a tal ponto que tenham igualdade de oportunidades. A igualdade existe, por exemplo, quando o homem pode tomar as suas decisões e a mulher pode tomar as suas decisões, o que, para ela inclui o aborto. Esta é a interpretação sistemática da Constituição e que cabe conservar na Revisão Constitucional e, se possível, aperfeiçoar esta conceituação. Enfoque: Mas existe o Código Penal, onde o aborto é expressamente classificado como crime... Norma: A lei penal é tida, por algumas pessoas, como se fosse a própria Constituição. Como se fosse reguladora da vida em sociedade. Não é. O Código Penal regula a parte marginal da sociedade. Aquelas situações que estão fora do comportamento médio das pessoas, e portanto, que a sociedade não conseguiu regulamentar dentro da Lei Civil e do Direito Administrativo, serão reguladas pelo Direito Penal. São situações graves, que prejudicam a vida em sociedade, e que portanto são classifi- cadas como crimes, com penas para esses crimes. Isso é o que faz o Código Penal, uma lei subsidiária e não reguladora da vida em sociedade. Mas o nosso Código Penal data de 1940 e tem inspiração no código fascista, onde a mulher aparece como propriedade do homem, que a ele cabe preservar. Assim como o patrimônio deve ser preservado nas mãos de algumas poucas famílias. É por isso que o próprio Código Penal, que primeiro estabelece que o aborto é crime, estabelece também aquelas exceções em que não deve ser punido como Norma Kyriakos crime: o aborto resultante de estupro e em caso de perigo, que não possa ser evitado, para a vida da mulher. Eu lembro que agora, muito recentemente, a Senadora Eva Blay apresentou projeto de lei no Senado, que tira do Código Penal os artigos que criminalizam o aborto, permanecendo apenas aquele aborto praticado sem o consentimento da mulher, e estabelece algumas regras para a prática do aborto, regras estas que, entendo eu, não mais fariam parte do Código Penal. Enfoque: Como, na sua opinião, a questão do aborto deve ser tratada pelo Direito? Norma: Não só eu, mas o Movimento de Mulheres e os órgãos institucionais que trabalham com a mulher entendem que o aborto não é crime e sim uma questão de saúde pública e, como tal, deve ser tratado. E, por isso, tem que sair do Código Penal. A gravidez não pode ser uma imposição à mulher. Só ela é responsabilizada pela sua gravidez, pelo seu parto, pelos seus filhos. E não recebe apoio dos órgãos institucionais, nem mesmo a solidariedade da sociedade. O aborto é muito mais uma ação inevitável. Não é uma ação criminosa. A primeira ação deve ser a de regulamentar a prática do aborto, o que pode ocorrer na área do Direito Público, da Saúde Pública, do Direito Administrativo, do 15 Direito Sanitário, jamais do Direito Penal. É preciso também considerar a situação econômica de pobreza que atravessa o nosso país e, normalmente, o auto-abortamento é praticado por mulheres pobres, o que toma o problema grave. Tenho certeza de que, se o planejamento familiar for garantido, incluindo o direito de livre decisão sobre a procriação e as condições econômicas mínimas para esse fim, o número de abortos será reduzido significativamente. Enfoque: Esse drama tão específico das mulheres afeta a sociedade como um todo, de forma que se possa sensibilizá-la para a necessidade de proteção do direito ao aborto? Norma: No Brasil, tudo funciona bem para aqueles que se locupletam ou se sustentam economicamente com a clandestinidade. Mas não para as vítimas dessa clandestinidade que, no caso do aborto, são as mulheres. São seres humanos que sofrem e morrem, quando o primeiro dever do Estado brasileiro, através da Constituição, é o direito à vida. Outra garantia é a proibição da tortura. Mas a mulher que é obrigada à pratica do aborto clandestino é levada à tortura física, mental e psicológica, além de carregar uma culpa que a ela não cabe. Mas a sociedade inteira também é prejudicada. Primeiro porque não tem estatísticas reais do número de abortos praticados e, por aí, não se pode estabelecer um planejamento adequado aos direitos reprodutivos e aos próprios casos de abortamento. Depois, porque as seqüelas desses abortos são extremamente graves, sendo causa de invalidez permanente para a mulher, quando não da morte. Isso significa que filhos e famílias ficam sem as suas mães, maridos sem suas mulheres, companheiros sem as suas companheiras, pais sem as suas filhas, e a sociedade sem as suas mulheres, que são o equilíbrio dessa mesma sociedade, a partir do ambiente doméstico. Enfim, o prejuízo, na verdade, é geral. Enfoque: Se à luz da Constituição é possível exigir a descriminaiízação do aborto, como o assunto está sendo tratado pelos movimentos de mulheres? Norma: Eu venho acompanhando a reflexão e a luta das mulheres contra o fato de o aborto ser considerado crime e, para certa surpresa minha, quando apresentei a minha tese no Congresso sobre ética na legislação e na saúde em Toronto, no Canadá, verifiquei que as mulheres não são unânimes sobre essa questão. Por exemplo, não há sequer unanimidade sobre a exclusão do aborto do Código Penal. A discussão não foi aprofundada sobre os casos em que o aborto deve ser praticado, o tempo para o aborto e outras questões. O que me parece, na verdade, é que um ponto que mereceria unanimidade é o seguinte: o aborto não é crime. Convicções religiosas, cada um tem as suas, e elas devem ser respeitadas. Quem é contra o aborto, não o pratica. Mas quem é contra o aborto tem o dever de respeitar as convicções daquelas que são a favor do aborto. Enfim, as mulheres não são unânimes em relação a esse assunto. A questão merece e precisa ser melhor aprofundada. Enfoque: Com relação ao Código Penal já há avanços? Norma: Estamos em fase de reforma de parte do Código Penal. Coube à Subcomissão de São Paulo o estudo dos artigos relacionados aos crimes pratica- dos por mulheres, onde está o aborto. Ainda não tive acesso ao anteprojeto, mas sei que a tese adotada para a reforma é a da descriminaiízação parcial, mantendo o crime, se não me engano, em relação ao aborto praticado após doze semanas. O argumento é que esta seria a única forma de viabilizar a descriminaiízação na proposta de reforma. Agora, uma coisa é a estratégia que as/os integrantes das comissões e legisladores estejam usando para buscar a descriminalização. Outra coisa é a luta das mulheres que prossegue e tem que continuar com toda a sua amplitude. As mulheres ainda não estão traçando estratégias. Nós estamos numa luta antiga e cruenta para atender ao direito da mulher à prática do aborto. Essa luta tem que ser ampla, porque se a mulher não pode decidir, ela não é um ser humano por inteiro, falta-lhe a liberdade. O que nós defendemos é o direito da mulher à livre decisão sobre o seu corpo, sobre os seus direitos reprodutivos, sobre a sua sexualidade e sobre a gravidez indesejada. Ar^LEMICA NO LEGISLATIVO No final dos anos 40, o abot-ofoi debatido no Congresso Nacional. 0 motivo foi a apresentação do projeto de lei do Monsenhor Arruda Câmara (da Igreja Católica) contrário aos artigos do Código Penal de 1940 que permitia o aborto em dois casos: gravidez resultante de estupro e risco de vida materna. Nas décadas seguintes, de 50 e 60, o aborto foi tratado de maneira lenta. Dois projetos de lei foram apresentados. Nos anos 70, ampliou-se para 12 projetos. E, nos anos 80, chegou-se ao número de 15 projetos de lei no Congresso Nacional. Na última legislatura (Pós-Constituinte), foram encaminhados 16 projetos de lei, que estão em tramitação. Destes, 14 são favoráveis à ampliação das possibilidades de interrupção da gravidez. Há projetos explicitamente favoráveis à legalização e à descriminalização do aborto e há alguns bastante específicos, que visam ampliar a possibilidade do aborto apenas para as mulheres portadoras do vírus HIV. A necessidade de legislar sobre o tema no Parlamento se deve principalmente à pressão do movimento de mulheres na defesa da descriminalização. Mas não só. A compreensão de legisladores e de diferentes segmentos da sociedade é de que o aborto é uma questão de saúde pública. E o próprio processo de democratização do país exige uma nova postura frente à cidadania das mulheres. 16 Por outro lado, o debate tem se acirrado com a presença bastante ativa dos representantes religiosos das igrejas católica e evangélica e das federações espíritas. que se opõem radicalmente a qualquer possibilidade de realização do aborto sob o pretexto de defesa da vida. (Estes dados foram enviados à EF pelo CFEMEA - Centro Feminista de Estudos e Âssessoria, baseados na pesquisa feita por Maria Isabel Baltazer da UNICAMP) ABORTO NãO ^ é PECADO Cresce, dentro da religião católica, o número de mulheres dispostas a iluminar as discussões sobre o aborto e a interpretar a sua descriminalização como forma de "defender a vida" e não de violá-la. Mas para a hierarquia da Igreja é pecado, inclusive, pensar assim. Por isso, a freira Ivone Gebara está ameaçada de expulsão. A freira brasileira Ivone Gebara, que escandalizou setores hierárquicos da Igreja ao defender publicamente a legalização do aborto, pode ser expulsa da Congregação em que atua em Camaragibe- PE (Irmãs de Nossa Senhora, que educa menores carentes) e enfrentar outras punições do Vaticano. O que pôs em movimento algumas autoridades católicas, dispostas a frear idéias pró-aborto no interior da Igreja, foi a matéria publicada pela Revista Veja, em 6 de outubro último, intitulada "Aborto não é pecado", apresentando entrevista com a religiosa. Em carta enviada logo após a edição, a várias entidades do país, Ivone Gebara reafirma sua posição. A matéria, feita a partir de entrevistas informais, em momentos diferentes, e envolvendo mais de um jornalista, tem, segundo a freira, seus "limites e distorções quase inevitáveis". Mas não há erro quanto à proposta básica que defende. "Sou hoje a favor da descriminalização e legalização do aborto como uma forma de diminuição da violência contra a vida.", diz Ivone em sua carta." Sou também consciente dos limites inerentes a esta posição e das dificuldades legais e outras, decorrentes, particularmente, do estágio atual da quase falência de nossas instituições públicas." SEM RETRATAçãO As mulheres, como observa a freira, nem sempre participaram da diversidade de argumentos filosóficos, religiosos, psicológicos, políticos e jurídicos que a questão da legalização do aborto suscita. Ela prefere, para posicionar-se, a ótica das mulheres empobrecidas, "que são as vítimas maiores desta trágica situação": "A vida num bairro de periferia, o contato com o sofrimento de centenas de mulheres, sobretudo pobres, vivendo dilaceradas diante dos seus problemas pessoais e de sobrevivência, me dá o respaldo suficiente para algumas afirmações que, em consciência, assumo.". Fica assim incabível a recomendação feita à religiosa pelo presidente da CNBB- Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Dom Luciano Mendes de Almeida, para que faça uma retratação pública. O mesmo já havia sido exigido pelo Arcebispo de Olinda e Recife -PE, Dom José Cardoso Sobrinho, que abriu processo interno para apurar o caso e deu prazo máximo de uma semana para a reparação. Ouvida, a irmã Ivone Gebara apenas reafirmou o que pensa. 17 O Conselho Presbítero da Arquidiocese de Olinda e Recife decidiu enviar um dossiê sobre o caso para o Vaticano. No Brasil, o presidente da CNBB divulgou uma nota onde diz que "é necessário proclamar, com firmeza, a doutrina da Igreja em defesa do direito à vida, desde o primeiro momento da concepção." SEM HIPOCRISIA Ivone Gebara afirma que sua postura diante da questão do aborto, como cidadã, cristã e membro de uma comunidade religiosa, é uma aposta pela vida: "é uma forma de denunciar o mal, a violência institucionalizada, os abusos e a hipocrisia que nos envolvem". Ela reconhece que, independentemente de leis e princípios religiosos, "o aborto tem sido praticado. É, portanto, um fato clandestino e notório". As cifras do aborto no país, com 10% de mortalidade materna, são, para ela, indicadoras de uma problemática social grave, que precisa ser regulamentada. Negar a necessidade da descriminalização é vista, por ela, como " uma maneira de não denunciar a morte de milhares de mulheres, vítimas inocentes de um sistema que aliena seus corpos e as pune impiedosamente, culpabilizando-as e impedindo-as de tomar uma decisão ajustada às suas reais condições. A concentração da culpa do aborto na mulher e a criminalização deste ato são formas de velar nossa responsabilidade coletiva e o nosso medo de assumi-la publicamente." Ivone afirma, também, que sua postura não significa negar os tradicionais ensinamentos do Evangelho de Jesus e da Igreja, mas sim "acolhê-los diante do paradoxo de nossa história humana". Hoje, a descriminalização é, segundo ela, uma forma de diminuir a violência contra a vida. "Nem sempre os princípios cristãos e outros resistem diante dos imperativos da vida concreta, imperativos que nos tomam mais maleáveis, mais misericordiosos (as), mais compreensivos (as) e convencidos (as) de que a lei é para nós humanos e não nós humanos para a lei; que a lei deve ajudar a nossa fraqueza, sobretudo quando a nossa liberdade é esmagada por estruturas injustas, que mal permitem a realização de atos livres e plenamente humanos" Hoje, segundo a freira, é "necessária e urgente a discussão aberta, plural, a busca de consenso a partir do bem comum, a busca ética de caminhos em defesa de todas as vidas humanas. E, nesse diálogo plural, é responsabilidade do Estado, na sua inalienável autonomia, chegar a um consenso em vista de uma ordem justa que garanta, através de leis, a vida de suas cidadãs e cidadãos e ponha limites a uma situação caótica provocada pela prática do aborto clandestino." Católicas pelo Direito a Decidir Em um debate sobre o aborto promovido pelo jornal Folha de S. Paulo no final de outubro, Maria José Rosado defendeu a legalização e desmascarou um pouco da hipocrisia que sustenta o aüvismo anti-aborto. "A sra., podendo decidir, mandaria uma mãe de família sem recursos, que interrompe uma nova gravidez indesejada, para a cadeia?", perguntou Maria José a uma das defensoras das leis que mantêm o aborto como crime. Uma coisa é a lei. Outra coisa é o problema dessa mãe, pareceu querer explicar a ativista anti-aborto. Ou seja, não lhe foi possível dar uma resposta. E, com isso, ficava evidente o cinismo da criminalização, que só funciona para negar assistência pública aos milhares de abortamentos clandestinos. "A sra. quer que a lei exista mas não seja cumprida?" - alfinetou Maria José. Essa defensora da legalização representa, no Brasil, um segmento de mulheres que começa a quebrar o silêncio diante do discurso oficial de sua religião. São as "Católicas pelo direito a decidir", uma organização que nasceu nos Estados Unidos, na década de 70 e que, depois de vários anos, estendeu-se à América Latina através de um escritório em Montevidéo - Uruguai. No Brasil, durante muito tempo, a proposta existiu na figura de Rose Marie Muraro. A partir do ano passado, um grupo de brasileiras entendeu ser o momento de implementar a organização no país. Católicas Pelo Direito a Decidir defende a legalização do aborto, mas não existe só para isso. A idéia é criar e garantir um espaço de autonomia para que as mulheres se expressem e sejam ouvidas, numa instituição onde, historicamente, os homens é que dominam o poder da palavra e do acesso ao saber. Esse movimento não rompe com a Igreja, que hoje assume posições claramente contrárias à legalização do aborto e ao uso de métodos contraceptivos, mas se reivindica o.direito de atuar "dentro dela" e questionar o seu discurso oficial em questões como aborto, sexualidade, e assuntos que dizem de perto à realidade da mulher. "A própria Igreja, nos últimos anos, tem dito que a Igreja são todos aqueles que a constituem. Portanto, 'Católicas' é de dentro da Igreja, não é? - argumenta Maria José. "O conflito entre pensamentos divergentes que surgem também faz parte da maneira como a Igreja se organiza." observa. Uma preocupação que, no início, deixou as "Católicas" reticentes quanto à validade de buscar uma organização própria no Brasil não veio propriamente de dentro, mas da atuação para além da Igreja. "Há quase trinta anos, nos acostumamos a viver ecu- menicamente. A distinção entre mulheres católicas e de outras religiões se diluiu muito na luta comum." É um intercâmbio que tende a continuar, não só com outras religiões, mas com leigas também. Dois encontros recentes de mulheres de Igreja com feministas serviram para indicar caminhos comuns de solidariedade. Maria José confia que muitos preconceitos recíprocos venham a superarse." Algumas feministas acham que todas as católicas fecham com o discurso oficial da Igreja. Da parte das católicas, muitas acham que todas as feministas são mulheres anti-religiosas ou prá quem a única luta é a do aborto. De repente, a gente consegue criar um espaço com tanta coisa em comum. Eu acho que a gente se descobriu mutuamente." Maria José observa que nos Estados Unidos as idéias feministas já perpassavam a cultura de uma forma muito mais ampla do que ocorre no Brasil. "Entre as americanas você encontra católicas e teólogas feministas, cujas mães foram feministas, que estiveram na rua lutando. Então, quando elas decidem fazer teologia, elas já são feministas, um caminho que é muito diferente do nosso." Aqui, segundo ela, muito da descoberta do feminismo por mulheres católicas passou pela opção pelos pobres: "Foi indo prá periferia que algumas perceberam que as questões postas pelas feministas diziam respeito, com muita força, às mulheres pobres. Efoi possível percebê-las não como questões burguesas, do pensamento liberal, mas como preocupações de quem pensa uma sociedade diferente, com novas relações sociais sendo construídas." Quanto às feministas brasileiras, Maria José diz ter a impressão de que "elas ficaram contentes de, de repente, encantar companheiras no campo do inimigo". Ainda inicial, o movimento em São Paulo deverá ser uma referência para o crescimento da organização no resto do país, valorizando o trabalho ecumênico e popular, introduzindo informação, impressos e debates sobre a liberdade necessária frente à sexualidade e decisões relativas à anticoncepção e ao aborto. "O ideal seria que o acesso das mulheres à anticoncepção funcionasse. Que elas só tivessem os filhos que desejam. Mas, a realidade é outra. O acesso à anticoncepção é difícil, e as mulheres, de repente, se encontram diante dessa situação real, concreta e, na maioria das vezes, dolorosa, de ter que decidir por um aborto. Nesse momento" reconhecem as católicas - "essas mulheres devem ter o recurso de um pensamento religioso que as sustentem na sua decisão." 18 AINDA NãO ABRIMOS au.AlDS os OLHOS Como já é histórico nas pesquisas científicas, as mulheres ficaram secundarizadas nos estudos médicos sobre AIDS e suas manifestações. É trágico descobrir, de repente, que as mulheres têm sido alvos certeiros na proliferação do vírus. Um pouco dessa corrida contra o tempo foi testemunhado por Regina Barbosa, uma das representantes brasileiras na Conferência de Berlim sobre AIDS. Enfoque: 0 que se viu, antes da Conferência, foi toda uma preparação - salas, auditórios, equipamentos e uma intensa programação, garantindo um amplo debate entre as 10 mil pessoas presentes. A questão da mulher foi bem discutida? Regina: A temática saúde da mulher foi bastante tratada, ocupando, quase que diariamente, um período de 2 horas, entre mesas redondas, grupos de trabalho, workshops etc. Vários aspectos foram abordados, tais como a amamentação, a transmissão vertical através da amamen- tação ou do parto e, sobretudo, o lugar dos serviços na questão das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e a AIDS. Infelizmente, muito mais discutido do ponto de vista feminino do que masculino, como se os homens não tivessem nada a ver com isso. Enfoque: Frente à Aids, enquanto epidemia que vem atingindo seriamente as mulheres, que caminhos e orientação foram discutidos para a prevenção ou eliminação do risco? Regina: A questão do modelo de risco é muito séria... Pela Conferência, percebeu-se que, cada vez menos, procu- 19 ram-se modelos de risco nulo, até porque isso não é factível. Uma mesa muito interessante tratou dos "métodos de prevenção da AIDS controlados pela mulher", incluindo o condon feminino, os métodos de barreira. Eu falei sobre o diafragma, e outras duas sobre os espermicidas e os métodos contraceptivos que poderiam evitar ou diminuir a transmissão através do risco. Tratamos, o tempo todo, das formas de redução de risco, através da prevenção da AIDS, das DSTs, da gravidez, tentando juntar contracepção e prevenção num programa vertical de AIDS. Na medida em que se estima que a presença de uma DST aumenta em 50% o coito interrompido, que não é estudado, sendo encaminhados, e não se tem resulrisco de uma mulher, em contato com um por não ser considerado um método cientados conclusivos. Isso causou grande homem contaminado, estar contraindo a tífico, entrou na discussão. Foi apresentapolêmica: uma mulher, que trabalhava no AIDS, a redução de sua incidência, dendo um estudo clínico com dois grupos, programa de AIDS na OMS, disse, tro do modelo de redução do risco, onde o parceiro estava soro-positivo e a enfurecida, que jamais usaria um espercausaria impacto frente à epidemia. mulher soro-negativo, sendo que um dos micida pois ele é inflamatório e não exisEnfoque: O DIU e a pílutem estudos suficientes. Ela falou la estão mesmo associados a a mesma coisa do condon femiCADA VEZ MENOS SE PROCURA um aumento da susceptibilinino. dade da mulher à infecção pelo Enfoque: Além dos MODELOS DE RISCO NULO. vírus? métodos já conhecidos, há Regina: Até hoje não alguma novidade em termos de A IDéIA é JUNTAR TODAS AS FORMAS existem dados que confirmem prevenção? isso. Mas há uma discussão: DE PREVENçãO NUM PROGRAAAA VERTICAL. Regina: Foram trazidas como os hormônios da pílula algumas informações interesprovocam lesão no ectrópio, a santes sobre os recentes estudos mucosa da parte interna do colo do útero, grupos havia optado pelo coito intercom os novos cremes vaginais viruscidas, muito sensível, pensa-se que isso funrompido como forma de prevenção. O que matam o vírus mas não o espermacionaria como uma porta de entrada para acompanhamento mostrou que esse grupo tozóide. É o grande "tchã" que está sendo o vírus. Para o DIU é a mesma coisa: ele se infectou 23% menos do que o outro. esperado, no caso das mulheres que é contra-indicado a toda pessoa em risco Na verdade, são estudos que não comproquerem engravidar sem correr o risco. Os de contrair DSTs, porque muitas delas vam nada, porque não são controlados do cremes que existem hoje em dia impedem têm localização vaginal e outras uterina, ponto de vista das variáveis. Mas são ou diminuem, em muito, a infecção pelo como a gonorréia, e podem facilitar a indicativos de algumas possibilidades que HIV e as DSTs, mas impedem a gravidez, ascenção do vírus. Dentro dessa perspecdeveriam ser melhor estudadas. É claro pois imobilizam o espermatozóide. Por tiva de associar a prevenção das DSTs e que aí se esbarra em uma questão ética: enquanto, o inconveniente desses cremes da AIDS, ou seja, de que as DSTs aumenpara se fazer um estudo científico, clínié que provocam forte potencial inflatam o risco, o papel de outros métodos co, tem que se propor que 50 pessoas matório vaginal. Os novos estudos estão tais como o diafragma, o espermicida, o façam coito interrompido e 50 não o trabalhando a possível diminuição dessa condon,é façam. Como se pode propor isso, sabentoxicidade, para que as mulheres possam essecial. do-se, de antemão, que ele não é o métoengravidar sem correr risco. Por exemplo, Até o do mais eficaz? o "dinoxinal 9" já mostrou, "in vitro", Enfoque: Essa preocupação ética que bloqueia o vírus da AIDS, diminão vale para os outros métodos? nuindo não só a transmissão das Regina: Claro. Por exemplo, DSTs, como também a do HIV. O apareceram muitas controvérsias quanto que não se sabe é, "in vivo", i& ao espermicida, estudado, basicamente, como isso acontece. Ou para a prevenção da AIDS em prostitutas, seja, percebe-se que os que, em média, o utilizam 10 vezes por espermicidas estão dia, provocando irritação na mucosa diminuindo as m%% vaginal. Ou seja, ao invés de proteocorrências de ger, ele estaria abrindo porta de transmisentrada para o vírus. Então, essa sões, questão carece de estudos com tanto ^ «r jr pessoas que lidam com a sexualidade de uma 20 das DSTs como da AIDS. mentaram. Uma pesquisa, portanto, leite materno. O que pode estar agravando Outra questão importante e que, até pouco sólida, que não associava o a situação da criança, por uma chance que então, não tinha visto ninguém com comomento da infecção da mãe, sobretudo. é de 50% dela estar contaminada ou não, ragem de falar, foi sendo que a amamentação aumenta esse sobre o que fazer risco num valor ainda não definido. ATé O COITO INTERROMPIDO ENTROU NA frente a um compaEnfoque: Não é verdade que não nheiro que está soro se pode precisar, até dezoito meses, se a DISCUSSãO, MéTODO QUE NãO é ESTUDADO positivo, a mulher criança está soro-positiva? POR NãO SER CONSIDERADO CIENTíFICO. soro-negativo e eles Regina: Por esse exame é possídesejam um filho. vel, pois ele identifica o vírus e não o EU NUNCA VI NENHUM ARTIGO QUE TRATASSE Algumas falas anticorpo. O PCR que chegou ao Brasil é explicitaram que, muito caro, de difícil acesso. AtualSERIAMENTE ESSA QUESTãO. nesse caso, a orienmente, até onde eu sei, somente o tação seria a de Hospital Einstein e o Emílio Ribas trapraticar "sexo seguro" em todas as quando se sabe que a eficácia de transbalham com esse teste. relações, usando o método da temperatumissão do vírus do HIV muda em função Enfoque: E as discussões sobre o ra, para localizar o dia exato da ovulação. do momento da infecção: ela é mais eficondon feminino? Nesse dia, praticar "sexo desprotegido". caz nos primeiros meses da infecção e Regina: Sobre isso, teve uma apreAcho que os que têm coragem de defendepois que aparecem os sintomas, quando sentação que, do meu ponto de vista, não der essa postura, que tem a ver com a a pessoa não estaria mais soro-positiva mostrou grandes resultados. A Denise, da realidade, estão procurando assumir mais mas já teria a AIDS. A pesquisa sobre a África, disse que as mulheres africanas o real. transmissão vertical, via leite, via parto, topam usar o condon, mas isso dentro de Enfoque: Como fica a polêmica tem que, necessariamente, vir associada uma perspectiva em que se discute a em torno do risco de contaminação dos ao momento da infecção. Novamente, questão do gênero, da opressão. Bom, até bebês através do leite? estamos diante de estudos que não aí, tudo bem... Mas, quem já trabalhou Regina: A OMS recomenda o fornecem dados suficientes para que os com métodos de barreira sabe que, em seguinte: em países do terceiro mundo, organismos governamentais, que ditam as geral, as pessoas topam experimentar, onde a desnutrição é muito grave, o risco políticas e normatizam as regras, possam mas não passam dos primeiros três meses de transmissão do HIV pelo leite é menos tomar posições a respeito. de uso. Além disso, o "tom" sobre o conimportante do que a desnutrição. Nesses Enfoque: É de se supor que essa don é: ele não é legal, não funciona, faz casos, não existe recomendação para que recomendação tenha muitas oposibarulho, o aro sai, é feio, é grande... mulheres soro-positivas parem de amatoras... Enfoque: Qual seria a vantagem mentar. Regina: Sem dúvida. A Marinela, do condon feminino sobre o masculino? Enfoque: Mas, pela amamenaqui de São Paulo, identificada com a Regina: O condon feminino é um tação não se transmite o HIV? transmissão de AIDS pediátrica, dizia saquinho plástico que tem um arinho de Regina: Que transmite, isso é fato! categoricamente: não é para amamentar, o borracha nas duas extremidades, bem Mas como essa criança correria um risco leite transmite, isso é loucura! Outros disflexível. Um é preso, o outro não. O que de desnutrição... o desmame aparece alianão é preso, está no do à desnutrição, à diarréia, ao fato fundo. Você faz um 0 GRANDE "TCHÃ" QUE ESTÁ SENDO daquela mãe não ter o leite adequado etc. oito, e o coloca denEntão a recomendação é: não faça nenhutro da vagina. Ele se ESPERADO SÃO OS CREMES VIRUSCIDAS, ma campanha contra a amamentação para abre e fica localizado mulheres que estão soro-positivas... O como o diafragma, QUE MATAM O VÍRUS que se esperava em Berlim era que novos por trás, em frente da AAAS NÃO O ESPERMATOZÓIDE. estudos trouxessem alguma luz a essa púbis. O outro aro questão, para que a recomendação da fica por fora. As vanOMS fosse mudada ou reafirmada. E isso cordavam, argumentando que é tagens do condon, para quem já usou e continua polêmico. Um dos estudos aprenecessário lidar com a realidade da defende, é que ele permite uma relação sentado, comparava bebês de mães sorodesnutrição. No que se refere ao Brasil: sexual com múltiplas penetrações, sem positivas que foram amamentados e bebês existe uma chance, de 30 a 50%, da ejaculação, ao contrário do condon masque não o foram, associando risco maior criança estar efetivamente contaminada. culino, que tem que ser trocado a cada para os que foram amamentados. A Mas como o PCR, exame que confirma nova penetração. Parece que o condon questão é que o número pesquisado de ou não a contaminação, não é feito feminino é bom para quem gosta de pôrmulheres que amamentaram era muito porque é muito caro, acaba-se privando a tirar, pôr-tirar, pôr-tirar, antes de uma pequeno, comparado ao das que não amacriança, geralmente de baixa renda, do ejaculação. 21 Enfoque: Onde ele está sendo risco. Não é porque você é lésbica, que feminismo não está, ainda, diretamente está livre de risco. Mas esse estudo nos mais usado? envolvido. O pior é que, para as muRegina: Na Europa, em geral, já pareceu totalmente enviezado. lheres, a situação está se agravando: a existe livre acesso nas farmácias. Já foi Enfoque: Parece que entre os proporção de mulheres se infectando está aprovado nos EUA. Existe o condon feusuários de drogas, as mulheres contatriplicando... De repente, temos que abrir minino brasileiro, que eu nunca vi, feito minadas morrem muito mais rápido os olhos para isso! no Paraná, que vem acoplado a uma calque os homens. Parece, também, que as Acho que o problema da AIDS cinha. Acho que deveríamos experimentádoenças femininas, relativas ao HIV ou pegou as mulheres pela porta de trás. Na lo, montando, para isso, algumas oficinas. AIDS, não estão incluídas nas verdade, o que se tem é a militância femiA Secretaria de Saúde está autorizando a definições de controle. Por exemplo, os nista na área da saúde ligada basicamente importação, que viria através da "Family corrimentos ou mesmo outras manifesao planejamento, à contracepção, aos Elsin International". Minha preocupação tações acabam sendo diagnosticados direitos reprodutivos. Mas isso não aconé que ele não seja introduzido aqui de como AIDS muito mais tarde. O que tece somente em relação à AIDS. maneira leviana, dissociado de um proacontece? As mulheres não estão Estamos completamente apartadas da grama educativo sério e de uma avaliação incluídas nas pesquisas? questão do câncer, da questão da saúde sobre o que, realmente, as muintegral... as mulheres estão lheres pensam dele. E, tamA caindo duras, morrendo de RECOMENDAÇÃO DA OMS É: NÃO FAÇA bém, que não se queime esse qualquer coisa, não só de AIDS método, sem saber realmente o nem câncer. Por exemplo, o Dia CAMPANHA CONTRA A que ele permite. As entidades Internacional da Saúde da que trabalham com saúde da Mulher, em 28 de maio, foi AMAMENTAÇÃO. NOS PAÍSES ONDE A mulher poderiam estar se movicentrado na questão do aborto. mentando quanto a isso... DESNUTRIÇÃO É GRAVE, Por que isso, se em 28 de Enfoque: As possibilisetembro teríamos o Dia do O RISCO DE TRANSMISSÃO dades de transmissão do Aborto? Por que não fazemos vírus nas mulheres lésbicas uma coisa um pouco mais É CONSIDERADO MENOS IMPORTANTE foram discutidas? ampla, discutindo outros probRegina: Essa questão foi lemas que também comprometratada, pelo que eu sei, em um único tem seriamente a saúde da mulher? workshop. O que deu para perceber é que Regina: É tudo uma questão de Temos que ir além do útero, da barriga... ela preocupa muito mais as americanas decisão política e que tem a ver, também, a gente também tem cabeça, tronco, do que as asiáticas, as africanas, as latinocom a cultura sexual, com o machismo, membros... americanas. Existem muitas lésbicas com as chamadas "prioridades". Eu acho necessário, e fundamenamericanas contaminadas ou porque Realmente, as doenças femininas, que tal, que as feministas se organizem para tiveram relações com homens ou porque permitiriam um diagnóstico precoce, não atuar na próxima Conferência. Uma atuasão usuárias de drogas. Não se sabe como estão incluídas no controle. Existe pouca ção que seja conseqüência de um forlidar com essa questão da transmissão pesquisa associando câncer e AIDS ou talecimento e de uma estruturação de uma homossexual. Ninguém dá resposta para mesmo outras DSTs. Por exemplo, hoje rede Mulher e AIDS. Do ponto de vista isso... Um pesquisador apresentou um no Brasil, fala-se do aumento da tubercuda AIDS, a única rede estruturada é a das estudo feito com mulheres bissexuais, léslose, mais ainda entre as mulheres. Será mulheres soro-positivas. O feminismo bicas e heterossexuais, e também com que por trás disso está a AIDS? Não é não teve uma forte atuação, ficamos absoalgumas mulheres que usavam drogas, porque somos mulheres que vamos ter lutamente apagadas lá na Conferência. concluindo que as bissexuais corriam os mais tuberculose. Aí entra a questão das Enfoque: Não existe nada que maiores riscos. Isso deu um rebu na "prioridades" que faz com que haja possa ser chamado como representação platéia. Uma mulher levantou e falou menos pesquisas, menos diagnósticos etc. do movimento feminista? "Seu filho da puta, são vocês que nos Enfoque: Como você vê o moviRegina: Atualmente existe uma infectam. Vocês são os culpados. Antes mento de mulheres enfrentando essa proposta de se montar uma "Rede Mundial de mais nada, eu não quero ser consideraausência de pesquisa médica? Mulher e AIDS", que estaria ligada à da bissexual, porque eu sou lésbica...". Regina: Pelo que sei, existem "International AIDS Society" e teria uma Mais uma vez, estávamos diante de uma muitas feministas envolvidas em projetos representação dividida em função das pesquisa inconsistente, que não separou "Mulher e AIDS", mas com um envolvigrandes regiões: Canadá, EUA, Europa, mulheres que tomavam drogas das que mento muito mais profissional do que Ásia, África, Pacífico e América Latina. não tomavam, juntando bissexuais e lésmilitante. Parece que nem o feminismo, e Foram indicadas, a Alma Aldano, do bicas. Não que eu acredite que ninguém nem os grupos de mulheres, fizeram México e a Mabel Bianco, da Argentina, esteja correndo risco. Todo mundo corre ainda uma reflexão sobre essa questão. O da Rede Latinoamericana de Saúde da 22 cional, ONGs e Governo. Já acertamos, Mais ainda se disser que é prostituta. Mulher. No Brasil, ficamos de ver se a para a próxima, um stand da "Rede Imagine que nessa Conferência tinha Rede Nacional Feminista de Direitos 2000 pessoas portadoras de AIDS. Então, Reprodutivos assume a tarefa de articuLatinoamericana de Saúde da Mulher", deu o maior rolo, muitos lação nacional dessa Rede. A idéia não é se montar nenhuma protestos, passeatas... ONG, mas aproveitar e fortalecer Enfoque: E as próximas, AS DOENÇAS QUE PERMITIRIAM, onde serão? o que já existe, mesmo porque isso se chocaria com nossa proRegina: Cada NAS MULHERES, UM DIAGNÓSTICO PRECOCE, Conferência confirma o local posta de saúde integral da mulher. Essa Rede Mundial coordenaria a das duas próximas. Depois do NÃO ESTÃO INCLUÍDAS Japão, será Vancouver e depois, nossa atuação na próxima pelas propostas apresentadas, Conferência, negociando particiNO CONTROLE. AUMENTA A TUBERCULOSE existem grandes chances de ser pação no seu "Comitê Organizador" e também nos gruo Brasil. Dentro da perspectiva ENTRE AS MULHERES. SERÁ QUE POR TRÁS pos temáticos como pesquisa de que a Conferência deve ir básica, imunologia, comportapara o Terceiro Mundo, para DISSO NÃO TEM A AIDS? mento sexual etc, pois são essas permitir alguns rompimentos, instâncias que decidem os trabatirou-se o nome de 3 países pobres para sediá-la: México, lhos que serão apresentados e Brasil ou índia. Além desses, nenhum divulgados. um outro de ONGs brasileiras... outro teria infra e condições de sediar Enfoque: Afinal, esta Enfoque: Onde será sediada a a Conferência, que vem contando com Conferência apresentou grandes novipróxima Conferência? Regina: Apesar dos protestos, no a presença de, no mínimo, 10.000 pesdades na área da pesquisa? Regina: Não muitas. A qualidade Japão. soas. das pesquisas deixou a desejar... Na verEnfoque: Por que os protestos? dade, o processo de escolha dos estudos Regina: No Japão, se você disser * Regina Maria Barbosa, médica, pesquisadora do Instituto de Saúde apresentados transita entre o político, a que é HIV positivo, tua entrada é barrada. de S. Paulo Pessoas com AIDS, então, nem pensar! influência, as pessoas que fazem parte do comitê de escolha, a composição das áreas temáticas, se a pesquisa assina o nome de tal universidade etc. Claro que existem trabalhos que entram em função do seu brilhantismo, mas, no geral, as coisas passam por aí. Sendo assim, muita gente voltou de-cepcionada e constatando: bem, esse é um lugar de articulação política, onde as pessoas vão para ter legitimidade, para ter o seu trabalho publicado, além de uma grande negociação de recursos, de financiamentos... Aliás, uma crítica que fizemos ao Brasil e à América Latina em geral, é que tem um lugar reservado a stands, onde as ONGs e os Governos demonstram e vendem seus produtos, mas que é, antes de mais nada, um grande lugar de atuação política, onde se pode trabalhar com recursos de multi mídia, vídeo, provocando discussões, promovendo reflexões etc... e não tinha um stand do Brasil, nem de ONGs, nem das mulheres, somente um stand das prostitutas, aliás, sempre vazio. Então, na próxima Conferência, temos O Condon Feminino que ir com propostas de atuação política, Wisconsin Pharmacal Co. - Network en Espanol - Agosto 1993 a nível de cada instituição, inter-institu23 Uma visão feminista sobre a incorporação tecnológica ao contexto da sexualidade e saúde reprodutiva implica em politizar esta relação e considerá-la necessariamente a partir da perspectiva das relações de gênero. Ao longo dos últimos 15 anos isto tem sido feito de forma intensiva no campo da sexualidade, contravenção e aborto, com significativo impacto, principalmente no campo das formulações de políticas públicas. Na área de saúde chegou-se até ao PAISM - Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, uma proposta que atualmente precisa ser resgatada entre os escombros do sistema público de saúde deste país. Porém, um dos temas que dá seus primeiros passos no debate feminista nacional é a intersecção entre concepção e tecnologia como uma opção para os que desejam ter filhos e que são inférteis. A priorização de outras demandas do campo da saúde reprodutiva, tais como o atendimento pré-natal, informações e acesso a métodos contraceptivos, a crítica ao abuso no campo das cesarianas e das esterilizações, aos riscos dos abortos clandestinos, e às altas taxas de mortalidade materna, sempre foram justas em função de serem demandas de praticamente toda a população feminina em idade e condição fértil. No entanto, é tempo de observar que no terreno dos direitos reprodutivos a concepção também deve estar garantida. Esta discussão é complexa porque ao recortarmos a infertilidade e a reprodução assistida enquanto temas do campo da saúde reprodutiva, não podemos desconhecer suas inter-relações com pesquisas e manipulações genéticas, e todas as implicações éticas que elas nos trazem. -nsano INFERTILIDADE E TECNOLOGIA MARGARETH ARILHA* A concepção, como direito reprodutivo, justifica que se busquem avanços tecnológicos para os casos indesejados de infertilidade. Mas como olhar a pesquisa genética? De que forma prevenir-se contra a manipulação do corpo da mulher? Como pensar políticas públicas para oferta e controle dessas cegonhas de laboratório? Este ensaio procura trazer elementos para reflexão e debate. 24 i Estiveram em cartaz dois filmes americanos lançados recentemente e que ilustram diferentes formas de utilização da tecnologia disponível neste campo, ambas exigindo reflexões sobre as condições e conseqüências de sua aplicação à reprodução de espécies animais. Um destes filmes é o famoso' "Parque dos Dinossauros" ou "Jurassic Park", uma superprodução de Steven Spielberg, esperado ansiosamente pela crítica e pelo público em geral. A história trata da recriação de dinossauros em laboratório e da construção de um parque automatizado com os animais. Esta ficção colocou em cena uma "obra" de engenharia genética - a recuperação de moléculas de DNA de dinossauros através de gotas de sangue fossilizadas em um mosquito que atacava os animais há milhões de anos atrás. Como a reconstrução total do DNA não foi possível, complementou-se a molécula com um exercício de clonagem1, usando DNA de um certo tipo de sapo. Embora não seja salientado no filme, um dos problemas do funcionamento do parque e que contribuiu com sua falência foi a transgressão de um de seus princípios básicos: a reprodução artificial só poderia ser de animais de um mesmo sexo, evitando assim a reprodução natural e permitindo que todos os nascimentos pudessem ser previstos e controlados pelos humanos. Os cientistas desconsideraram, porém, que o sapo utilizado na clonagem, poderia se reproduzir de forma hermafrodita. E foi o que aconteceu. Surgiram então dinossauros que se reproduziram naturalmente, e que não se encontravam sob o controle absoluto dos mecanismos computadorizados, passando a ter comportamentos imprevisíveis e, portanto, perigosos. O segundo filme é o "Feito por Encomenda", com Whoopi Goldberg, a famosa atriz negra que tem encantado as platéias nos últimos anos. Ela agora interpreta uma mulher que deseja ter um filho por inseminação artificial. Sendo bem sucedida em seu intento, começa a ter problemas quando sua filha adolescente quer conhecer o pai. Encontrado, surpreende mãe e filha: era alto e branco, e não correspondia totalmente à descrição pedida no banco de espermas - um homem negro, inteligente e alto. A 25 comédia se desenvolve por aí. É curioso observar que, de certa maneira, ambos os filmes refletem a falência da iniciativa tecnológica e criticam mais especificamente, a previsibilidade pretendida pela tecnologia. São, sobretudo, bons motivos para reflexão. UM POUCO DE HISTóRIA Tudo isto parece "coisa do século XXI", mas não é. As primeiras iniciativas científicas no campo da reprodução artificial datam da segunda metade do século XIX. Em 1870 um embriologista vienense fez a primeira tentativa de fertilização fora do corpo de um animal, usando óvulos de coelha e, em 1890, ocorria a primeira transferência de embriões em animais. 50 anos depois, em 1940, algumas inseminações artificiais em humanos foram feitas na Europa e nos Estados Unidos. Nesta década também, iniciaramse as tentativas de congelamento de embriões de animais. Na década seguinte, em 1959, o esperma humano congelado é utilizado pela primeira vez, produzindo um bebê por inseminação artificial. No entanto, são da década de 60 as grandes experimentações feitas, principalmente na Austrália, em torno da fertilização in-vitro (FIV)2, a grande 'vedete' da reprodução artificial. Na Inglaterra, Robert Edwards, fisiologista, e Patrick Steptoe, ginecologista e obstetra, começam a desenvolver trabalhos comuns que, em 1978, farão nascer Louise Brown, o primeiro bebê de proveta do mundo. A partir do nascimento de Louise houve uma grande expansão de clínicas de FIV pelo mundo todo, inclusive no Brasil. Além disso, começaram a crescer os serviços correlates. Nos EUA, por exemplo, surge um banco de esperma restrito a homens supostamente "superdotados" em inteligência, além de agências que intermediam a contratação de mãesde-aluguel. Enquanto isso, em 1982 ocorre um fato dramático na história da introdução das tecnologias reprodutivas conceptivas no Brasil: morre Zenaide Maria Bernardo durante um procedimento de aprendizagem coletiva, organizado em São Paulo pelo Dr. Milton Nakamura, com o apoio de equipes médicas australianas. Dois anos depois, nasce Anna Paula, o primeiro bebê de proveta brasileiro registrado publicamente no Brasil, fazendo com que, de certa forma, o episódio anterior fosse "esquecido". O NASCIMENTO TECNOLóGICO: DISCUSSãO E ÉTICA O crescimento mundial de serviços que oferecem o nascimento tecnológico trouxe também complexas implicações éticas, que começaram a ser apontadas tanto por profissionais do campo da saúde, quanto pelo feminismo. Durante a década de 80, intensas discussões ocorreram, no campo da ética, em países como o Canadá, Inglaterra, Austrália, Espanha, França, Alemanha, Dinamarca, Estados Unidos etc. Comitês especiais foram instituídos, medidas limitantes foram tomadas para controlar pesquisas e demais procedimentos, novas leis foram criadas, sempre com o objetivo de coibir abusos e injustiças. Nestes anos, concluiu-se que uma das questões mais sérias do uso da reprodução assistida está no fato de que ela ainda deve ser considerada como um procedimento experimental e, portanto, ser conduzida como uma pesquisa. Esta foi uma das recomendações de 1989 da Organização Mundial de Saúde (OMS). Em 1990, o Escritório Regional Europeu da OMS promoveu um encontro com ginelk cologistas, grupos de mulheres, epidemiologistas, sociólogos, economistas, administradores de saúde e jornalistas da Europa, América do Norte e Austrália, para discutir, especificamente, o lugar da fertilização in-vitro, no contexto dos cuidados com a infertilidade. O documento aponta para a necessidade de cada país determinar a sua própria prevalência da infertilidade, estimada em 10% para os países industrializados, avaliando-a por gênero e causas. A proliferação de novos centros de FIV estaria condicionada a esta avaliação. Sugere-se também que seja considerada a viabilidade de opções sociais, tais como a adoção. Especial atenção deveria ser dada às barreiras e desigualdades no acesso de mulheres e homens de todas as classes sociais a essas opções, bem como oferecer todas as informações necessárias sobre riscos e eficácia, tanto das opções médicas quanto das sociais. Como ainda não há elementos suficientes para compreender os efeitos dos procedimentos de FIV sobre o corpo feminino, recomenda-se uma atitude cautelosa dos países, estabelecendo prazos para a limitação da exposição das mulheres à indução hormonal e, inclusive, para o número de ciclos em que se vai trabalhar com reprodução assistida. Dentre outros aspectos, o Escritório ^^ Regional Europeu da OMS recomenda que todos os países deveriam l desenvolver um sistema adequado de garantia de qualidade para os serviços de FIV, o que incluiria registro de todos os provedores, relatório obrigatório dos dados, constante monitoramento dos serviços e sanções obrigatórias para o não-cumprimento das normas estabelecidas. Lembra-se que as considerações éticas em infertilidade devem ser focalizadas inicialmente nos provedores de serviços, que são aqueles que estabelecem suas relações diretas com as mulheres, e não somente nos ovos, embriões e fetos. O QUE OCORRE NO BRASIL? Não há aqui nenhum tipo de controle sobre os serviços que estão espalhados pelo país e que oferecem a possibilidade de reprodução assistida, em especial a fertilização in-vitro. Sequer sabemos quantos são atualmente os serviços (públicos e privados), com que materiais e equipes trabalham, se estas estão adequadamente preparadas, e que critérios éticos nhpHprpm Até há pouco tempo, o vazio era ainda maior. Em novembro de 1992, o Conselho Federal de Medicina (CFM) ocupou o vácuo existente até então e instituiu uma regulamentação própria que, infelizmente, só foi debatida entre membros da categoria médica. Nesta regulamentação adotam-se alguns princípios básicos como os de colocar as técnicas de reprodução assistida como auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, e não como terapêutica principal, passíveis de serem utilizadas com o consentimento informado dos envolvidos quando realmente houver alguma possibilidade de sucesso, não se incorrendo em risco grave de saúde para a paciente ou feto. Não se permite a utilização das técnicas com a finalidade de seleção do sexo ou outras características biológicas. Limita-se a 4 o número de embriões a serem transferidos, porém, proíbe-se a redução de gravidez (aborto) em casos de gravidez múltipla. Todas as mulheres maiores de 21 anos podem se jf * . 27 26 candidatar às técnicas de reprodução assistida, e, se estiverem casadas ou em união estável, necessitarão da aprovação do cônjuge ou companheiro para se submeterem às técnicas. Há alguns outros aspectos polêmicos na regulamentação como, por exemplo, a escolha médica da compatibilidade fenotípica entre doadores e receptores, o prazo de três anos como o tempo máximo de manutenção de embriões congelados e a doação temporária de útero, estabelecida como possível entre pessoas com relação de parentesco até o segundo grau, e sem caráter lucrativo. A regulamentação do CFM não sugere nenhum tipo de instância como responsável pela fiscalização dos serviços, e este é um de seus grandes vácuos. Na Espanha, 5 anos após ter sido promulgada a lei que regula a reprodução assistida, ainda não existem mecanismos de vigilância que garantam o uso correto das novas técnicas. O controle continua sendo a principal carência da FIV na Espanha. Este fato impede, por exemplo, o registro nacional sobre o número de crianças nascidas no país com a FIV, bem como a avaliação de quantas mulheres são submetidas a tratamentos sucessivos com ínfimas probabilidades de engravidar etc. No nosso caso, o vazio do CFM não foi preenchido, até o momento, pelo Estado. O Poder Executivo continua formalmente ausente, tanto no que diz respeito à sua posição oficial sobre a infertilidade e o atendimento concreto para a população infértil no contexto do PAISM, como na fiscalização da atuação do setor privado. No Legislativo Federal há seis projetos-de-lei em tramitação, que versam sobre a proibição de implantação de embriões em mães não-genéticas: a penalização de raães-de-aluguel. Estes projetos mereceriam uma ampla discussão, até porque contrariam, algumas vezes, as disposições atuais do Conselho Federal de Medicina. Outro projeto versa sobre a proibição da exploração ideológica ou comercial do genoma humano. Recentemente, o projeto-de-lei 824 que regula "Direitos e Obrigações relativas à Propriedade Industrial" no Brasil, gerou polêmicas na sociedade. Grupos ligados ao movimento de mulheres e ecológicos opuseram-se à sua aprovação pelo fato da lei prever o patenteamento de seres vivos, que por serem manipulados através da engenharia genética poderiam ser considerados "invenções" e portanto patenteados. Apesar de todas as pressões contrárias, em maio deste ano o projeto foi aprovado. No Estado de São Paulo tramita o projeto de lei 877, do deputado Afanázio Jazadji, que exige autorização expressa do Governo do Estado para que empresas nacionais e internacionais realizem trabalhos de pesquisa, testes, experiências ou outras atividades na área de biotecnologia e engenharia genética. Concomitantemente a essas iniciativas do Legislativo, a atual Comissão de Reforma do Código Penal do Ministério da Justiça vem debatendo o assunto. Se as propostas se mantiverem, esta será a primeira vez em que alguns abusos no campo da reprodução assistida estarão criminalizados e penalizados. São para estes casos as propostas de ausência do consentimento da mulher na utilização da reprodução assistida; experimentos e comercialização de gametas e de embriões; alterações de estruturas genéticas humanas que não sejam feitas com a finalidade terapêutica; hibridação de humanos com cargas genéticas de outras espécies; clonagem e matemidade-dealuguel com finalidade comercial. É interessante observar que, corretamente, não estão incluídas nesta proposta de alteração do Código Penal, a utilização tecnológica com a finalidade de resolução dos problemas associados à infertilidade, excetuando-se a utilização comercial de barrigas-de-aluguel. UM TEMA A SER PENSADO PELAS FEMINISTAS Ainda que o tema infertilidade/tecnologia seja de difícil apreensão entre os grupos feministas, a meu ver, ele deve estar incluído na agenda dos grupos que trabalham com saúde. É preciso desnudar nos sistemas de saúde públicos e privados este processo da incorporação tecnológica para a "resolução" dos problemas de infertilidade, criticá-lo, monitorá-lo. Ele deve ser visto com cautela, mas não deve ser negado enquanto alternativa para mulheres e homens que mesmo informados de suas pequenas chances e das características extenuantes do processo, decidam a ele recorrer. Quanto aos nossos serviços públicos, é necessário avaliar se, de fato, eles conseguem atingir uma clientela com pouca escolaridade, com vários outros problemas de saúde, com uma renda pessoal e/ou familiar mínima, e que necessita de seu trabalho cotidiano para sobreviver. Por outro lado, é necessário avaliar também que lugar os serviços de reprodução assistida devem ocupar nos serviços de saúde. Num país em que os médicos do setor , > público relatam sua tragédia cotidiana, vendo-se obrigados a / decidir quem deve viver ou morrer por falta de condições 28 materiais de atendimento para todos, é difícil contemplar discussões éticas sobre o congelamento ou a eliminação de embriões. Mas, não é impossível. Notas ' Clonagem é a introdução de um fragmento do material genético de uma célula em outra célula que passa a possuir e multiplicar a informação genética contida no fragmento introduzido. 2 Procedimento no qual óvulos e espermatozóides são coletados e fecundados em laboratórios para, posteriormente, serem introduzidos no ütero feminino. Para tanto pode-se utilizar esperma de bancos de congelamento, anônimos ou não. Este procedimento pode implicar na eliminação ou congelamento de embriões excedentes. Margareth Arilha, pesquisadora da ECOS, Estudos e Comunicação 1U em Sexualidade e Reprodução Humana. 1 BIBLIOGRAFIA DE REFERêNCIA A vida que sai do tubo. Revista Veja. São Paulo, 17/10/84. ARILHA, M. Mulheres, Tecnologia e Direitos Reprodutivos. Mulher e Meio Ambiente. CEDI-CIM, março 1992. AZEREDO, S., STOLCKE, V. (org.) Direitos Reprodutivos. São Paulo, Fundação Carlos Chagas, 1990. BARUCH, E. et allii. Embryos, ethics ando women's rights: exploring the new reproductive technologies. New York, Harrington Park Press, 1988. CONSEIL du Statut de Ia Femme. Gouvemement du Quebec. Sortir Ia matemité du laboratoire. Actes du fórum International sur les nouvelles technologies de ia reproduction, Conseil du Statut de Ia Femme, Montreal, 1988. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM n21358/92. Normas Éticas para a Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida. Brasília, 1992. CONSELHO Regional de Medicina do Estado de SÃo Paulo. Código de Ética Médica, 1988. COREA, Cena. 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Em 1991 teve lugar, em Florença, o redescobrimento de Artemisia Gentileschi, pintora do barroco italiano que, em sua época, foi considerada uma puta ao não conseguir provar que havia sido violentada por um amigo de seu pai, o pintor Agostinho Tassi. Este fato terrível não impediu que Artemisia seguisse com sua vocação de pintora, a tal ponto que é colocada ao lado de gênios do barroco, desde a exposição de uma parte de sua obra no Palácio Buonaroti, lugar de residência do neto de Miquelângelo, que foi um dos clientes da pintora durante sua estada em Florença. A vida de Artemisia Gentileschi, como a de tantas outras mulheres que nasceram com genialidade e talento, demonstra claramente os limites traçados pela sociedade para impedir o desenvolvimento de suas potencialidades artísticas. Este é o caso de Marietta Tintoreto, filha do célebre pintor, e que acompanhava seu pai a todas as cortes da Europa vestida de homem. Ao que parece, tinha muito talento para pintar retratos, motivo pelo qual o imperador Maximillano e Felipe 11 pediram a seu pai para que ela trabalhasse na corte da Espanha. Tintoreto considerou que era hora de Marietta casar-se, ter um marido e que este se encarregaria de vigiá-la. Marietta morreu de parto, quatro anos A Coluna Quebrada, Óleo sobre tela, Frida Kahlo, 1944, 40 x 30,7 cm. Cidade do México 30 depois de seu casamento. Os casos de Constance Mayer e Gabriele Munter são os de mulheres que se auto anulam por amor. A primeira enamorou-se do pintor Pierre-Paul Proudhon e, ao mesmo tempo que tinha aulas de pintura ao seu lado, dedicou-se a cuidar da casa e dos filhos dele, já que a esposa do pintor estava reclusa em um asilo. Quando esta morreu, Proudhon nada fez para regularizar sua situação com Constance, que entrou em uma profunda depressão, a ponto de acabar com a própria vida, degolando-se. Gabriele Munter, por sua vez, abandonou a pintura para dedicar-se, por inteiro, a Kandinsky que, mais tarde, a abandonou por outra mulher. MASCOTES SURREALISTAS Se o campo da pintura aparece hoje como um espaço amplamente ganho pelas mulheres, é porque houve persistência, paixão e convicção por parte delas. Apesar disso, sua invisibilidade nos momentos chaves da história da arte, como no surrealismo, por exemplo, demonstra que nem sempre os obstáculos foram derrubados. Essa ausência se explica não só pelo lado da desigualdade de gênero. Permeia a visão de que os surrealistas teriam a mulher como um ser "diferente", "sensual", "exótico". De tal sorte que eles não podiam acolher em igualdade de condições aos artistas que se atreveram a incursionar em seus espaços. Em geral, elas eram vistas como "musas" ou "mascotes", isto é, colocadas em um lugar distinto. No segundo manifesto surrealista de 1919, se lê o seguinte: "O problema da mulher é o mais maravilhoso e perturbador que existe no mundo. As "mascotes"do grupo, segundo Laura Freixas, "incluem a sedutora Gala, a jovem anarquista Germaine Breton, famosa por ter disparado um tiro contra um jornalista de direita, e Nadja, inspiradora da novela homônima de Breton, e cuja história de amor com este terminou quando ela foi presa por escândalo público e internada em um manicômio. "A mulher" dos surrealistas é, Frida Kahlo e Diego Rivera, Óleo sobre tela, Frida Kahlo, 1931, 100 x 78,7 cm, Cidade do México enfim, uma versão atualizada da Musa romântica; não é artista por si mesma, mas inspiradora entre este e os outros mundos, dos quais falava Eluard, ("há outros mundos, mas estão neste"). E, como disse Gimenez-Frontin, em seu excelente ensaio, "o papel de mediadora é simplesmente passivo, e esta pode ser a chave da ausência de membros femininos criativos no movimento, se bem que, como veremos, mais do que ausência, deveria falar de um ramo secundário, tardio e mal conhecido." Surrealistas tardias? Frida Kahlo, Leonora Carinton, Remédios Varo, Leonor Fini, Valentine Hugo, Meret Oppenheim, Kay Sage, Dorothea Tanning? Para começar, nenhuma delas 31 aparece na relação de signatárias dos manifestos e suas ausências são evidentes na primeira exposição de Paris (1925). Os vínculos com o surrealismo se revelarão pelo lado sentimental. Remédios Varo, nascida na Espanha, casou-se com Benjamim Perret e assim pôde acessar o grupo; o mesmo aconteceu com Leonora Carrington, casada com Max Emst. Na verdade, esta é uma característica que se repete no tempo, como mostraram as historiadoras Roziska Parker e Griselda Pollock, ao constatar que a maioria das pintoras, do século XVI ao XIX, foram filhas de pintores. De tal sorte, puderam chegar em melhores condições ao mundo das artes, ainda que, como já vimos, nem sempre isso facilitou um caminho mais autônomo. É pertinente, sobre isso, o que disse a feminista Germaine Greer: "...qualquer estudioso ou estudiosa de pintoras vai descobrir que está estudando as parentes dos pintores. E este estudo vai dar conta da capacidade dos homens de reprimir as mulheres da família, de cercá-las, de imprimir-lhes uma auto imagem capaz de não ajudar o desenvolvimento da personalidade artística. No exercício de uma conduta obediente, dirigida a comprazer aos demais, há um autêntico abismo que silencia o ego, paralisa e impede de chegar a fontes da criatividade. Além disso, consideremos que se um artista chegasse a ter uma filha com talento, é provável que ela nao fosse uma boa colaboradora, na medida em que perseguiria seus próprios impulsos e inspirações. E a independência em relação a esse pai dominador significava a perda de toda possibilidade de adestramento futuro. mento deste tipo no qual os êxitos das mulheres eram indubitavelmente iguais aos de seus colegas varões.." Surge a interrogação: por que, naquele momento histórico, muitas mulheres estavam na ponta do "avant-garde", e por que não ocorreu o mesmo no Ocidente? Parker e Pollock assinalam que, no século XIX, na Inglaterra e no resto da Europa, com a consolidação de uma bur- # cuja antítese era o alienante trabalho proletário, cujo oposto direto, sugere Pollock, "...é o trabalho monótono, invisível e repetitivo do que se chama as trabalhadoras do sexo..." Através desse tipo de construções, aos artistas e às mulheres, foram assinaladas regras marginais dentro da cultura burguesa ocidental. Esse tipo de bifurcação histórica entre mulher e artista, por um lado, e entre artista e membro participativo da sociedade, por outro, não ocorreu na Rússia, porque ali não existia o tipo de burguesia que impusera, no ocidente, uma ideologia da domesticidade. Diferente da classe média européia e americana, que se encontravam em pleno processo de industrialização, e que haviam começado a idealizar a vida familiar, a maioria dos russos progressistas consideravam tal idéia egocêntrica demais. A NOVELISTA NADEZHDA AS RUSSAS DE VANGUARDA Khvoshchinkaia escreveu que a felicidade familiar é "...a Se, no Ocidente, as artistas felicidade vulgar de casas tiveram toda sorte de obstáculos fechadas com chave, com tudo para dedicar-se a sua vocação, em ordem e, em seu lugar, isto não parece ter ocorrido com aparentam dar um sorriso de as pintoras russas de vanguarda. boas vindas ao forasteiro, mas O Suicídio de Dorothy Hale, Óleo sobre painel de mansonite 0 que mais supreende os obseroferecem somente o mesmo sorcom quadro pintado, Frida Kahlo, 1938/1939, vadores ocidentais quando são riso presumido e estúpido. Estes 60,4 x 48,6 cm, Phenix Art Museum. introduzidos pela primeira vez na oásis são simplesmente o egoarte do avant-garde russo são as centrismo individual unido ao mulheres. A quantidade de trabalho proguesia patriarcal como classe dominante, egocentrismo familiar. São ordenados, duzido por elas dentro deste movimento, a feminilidade foi construída em termos moderados e complacentes, e totalmente entre 1910 e 1920, é extraordinária. Essa exclusivamente domésticos e matemais, preocupados consigo mesmos..." Este foi uma época em que as mulheres pudeainda que mais e mais mulheres sentimento anti-família era bastante geram contribuir livremente como criadoras, estivessem, por necessidade, incorporanneralizado, e muitas mulheres russas teóricas e educadoras de arte, e o fizeram do-se à força de trabalho. Ao mesmo começavam a buscar a maneira de particiem grande número, produzindo obras de tempo, a evolução de noções burguesas par da vida pública. mérito excepcional. As críticas da do artista associava a criatividade com Nos finais do século XIX, muitos imprensa sobre a coleção Costakis, exibitudo que era anti-doméstico, e o modelo doutores, professores, artistas e outros da no Museu Guggenhelm em 1981, enfoboêmio do "gênio" de vida livre, sexualmembros da inteligência - centenas deles caram o que era um fenômeno novo para mente agressivo, chegou a ser o eram mulheres - dirigiram-se ao campo os críticos ocidentais: os êxitos das muestereótipo de um artista, que era por para trabalhar ao lado dos camponeses. lheres artistas. Hilton Kramer escreveu definição masculino. A arte era represenAs mulheres, em particular, assumi"O avant-garde russo foi o único movitada como o ideal da atividade criativa. ram esse trabalho com o altruísmo carac- 32 terístico de uma campanha religiosa. Ao mesmo tempo, várias colônias de artistas e escolas de arte, algumas criadas por mulheres, se basearam em uma combinação similar de esforços filantrópicos e democráticos. Muito antes da revolução, existia uma tradição bem desenvolvida de compromisso social de parte dos artistas, tanto homens como mulheres. Uma grande quantidade de obras criadas por artistas nestas colônias eram baseadas na arte folclórica e no artesanato, com o intuito de que seriam úteis para a população local. Uma das integrantes mais destacadas do "Avantgarde", em seus começos, foi Natalya Goncharova (18811962). Sua obra está muito influenciada pelo folclore russo, como a popular gravura no boj (Lubok), motivos semiabstratos de bordado, escultura da Escita antiga, entalhes em madeira e pintura icônica. Ao contrário das apropriações culturais dos artistas franceses, que nesta época estavam explorando a arte primitiva importada das colônias francesas, o interesse na arte primitiva na Rússia foi alimentado por um sentimento nacionalista. Tais atitudes tinham uma influência considerável sobre o início da arte abstrata, que seguiria na Rússia uma trajetória bem distinta daquela do Ocidente. deram gradualmente às mulheres acesso à educação artística. Em 1842, abriu-se a primeira escola de arte para mulheres, a seção feminina da Escola de Desenho de São Peterburgo e, mais tarde, criaram-se seções similares na Escola Stleglitz e na Escola de Stroganov, em Moscou. Um quadro coletivo, pintado por alunos de Ilya Repin, representando suas aulas de Estes fatos significam que as mulheres que fizeram parte do "avant-garde" pertenciam a uma segunda ou terceira geração de artistas com formação profissional. Vera Miturich-Khlebnikova (1954) se refere a sua vocação artística como parte de uma tradição familiar. "No enorme estúdio de meu pai, o artista Mai Miturich, havia um lugar especial para mim. Assim, comecei a pintar há trinta anos e, desta maneira também meu pai havia começado, quando o estúdio pertencia a seu pai, Petr Miturich, um artista e inventor". Vera é a neta de Petr Miturich e de Vera Khlebnikova (irmã de Victor Khlebnikov), todos artistas do "avant-garde". Irina Starzenyetskaya(1943) é filha da conhecida cenógrafa Tamara Stamyetskaya(1912). Por muitos anos, mãe e filha foram colaboradoras no teatro. Os trajes e cortinas desenhadas por Irina para acompanhar a cenografia de sua mãe tem uma influência sobre as paisagens que ela pinta, particularmente em sua capacidade de expressar espaços côncavos profundos. De um extremo ao outro do tempo, a marca deixada pelas mulheres nas artes plásticas não pode ser apagada nem pelo peso de uma história falocêntrica com pretensões de universalidade, nem pelos mitos que se obstinaram em outorgar às mulheres um lugar de secundaridade na repartição APOIANDO-SE de talentos e genialidades. A ressurreição de uma Artemísia MUTUAMENTE dura, Frida Geltileschi, a revalorização de Autoretrato dedicado ao Dr. Eloesser, Óleo sobre tela uma Remédios Varo, de uma Outra das caracteríticas Kahlo, 1940, 59,5 x 40 cm, EUA, Coleção Particular Frida Kahlo, ou de uma do movimento das mulheres Leonora Carrington, significa nas artes plásticas na Rússia recuperar uma visão da história da arte e, foi a tendência em se formar agrupamen estúdio, mostra homens e mulheres tratos. Em 1882, setenta e três pintoras em balhando juntos frente a um modelo nu. afinal, da história da humanidade. São Petersburgo formaram sua própria Nesta época (1870), já havia um número associação para apoiar as mulheres artismuito grande de médicas, razão porque tas. E importante notar que, desde 1840, não era incomum a presença de mulheres Fonte: Mulheres em Ação 3/93 Isis uma série de reformas administrativas nas aulas de anatomia. Internacional (40/45) 33 P^f;l BRANDA, SUAVE, BRIGUENTA. DONA HELENA GRECO, CONDENADA PELA JUSTIÇA Dona Helena Greco, uma senhora de 77 anos, acaba de ser condenada pela Justiça brasileira. Motivo: foi acusada de calúnia e difamação por médicos legistas suspeitos de terem assinado laudos falsos de presos políticos, mortos na época da ditadura militar. A condenação de Dona Helena surpreendeu e motivou diversas entidades, lideranças e ativistas dos direitos humanos, em todo país a se manifestarem. Protestou-se contra a manipulação que persiste nos aparatos judiciais brasileiros, que promovem a discriminação e a impunidade em lugar de promover Justiça. Demonstrou-se solidariedade à figura querida e digna de Dona Helena. Mas ela, convidada pela Enfoque Feminista a falar um pouco de sua história pessoal, sequer tocou no assunto da condenação (mas o que é isso, dona Helena?). Com um "q" de romantismo e bem orgulhosa do que tem feito de sua vida. Dona Helena prefere falar de uma história de amores com o feminismo de outras pelejas que rechearam seu currículo com atividades militantes: nos movimentos e comitês pela Anistia, no Comitê de Apoio e Solidariedade aos Movimentos Operários e Populares, no Partido dos Trabalhadores, na Câmara Municipal de Belo Horizonte (vereadora por duas vezes), nos movimentos de solidariedade aos povos palestino e libanês, à Nicarágua e El Salvador, na Coordenadoria de Direitos Humanos e Cidadania em Belo Horizonte, e por aí vá. TALCO NAS AXILAS Pelas histórias que conta, é possível desconfiar porque a violência de uma condenação nem pareceu deixar Dona Helena abalada. Não é que ela acha graça de críticas públicas que recebeu na vida por insubordinar-se a valores conservadores da sociedade mineira? A história a seguir ela chama de "fato pitoresco". "Foi a primeira vez que meu nome saiu no jornal. Na época, 1956, eu trabalhava na Biblioteca Thomas Jefferson, em Belo Horizonte, e aceitei o pedido de uma professora para lecionar inglês na Penitenciária Dutra Ladeira. No dia seguinte, a imprensa deu essa manchete: "Os ladrões agora vão roubar em inglês". Sobre o episódio. Dona Helena comenta apenas que "de fato, o Orlandinho, que foi meu aluno, hoje é professor de inglês". Naquela época ela também se ocupava em ensinar, em sua casa, francês, inglês, italiano e português para crianças carentes. Na Câmara Municipal de Belo Horizonte, a disposição em atuar no campo dos direitos humanos também lhe deu algum trabalho e lhe rendeu "condenações" pelos jornais. A isto ela chama de "investidas maliciosas da imprensa" que, junto com " vereadores da pesada" a acusavam de "querer passar talco nas axilas dos bandidos". O que importa, segundo ela, foi que "tivemos um bom trabalho, reconhecido pela população, com a expressiva votação que recebemos nas duas vezes que concorremos à Câmara." Esse tirar de letra parece história de quem sempre conviveu com a política e se formou enfrentando o fogo cerrado da 34 briga com as instituições conservadoras. Não é o caso de dona Helena. Sua vida de ativista começou em 1977. Com 77 anos hoje, isso quer dizer que foi caloura na militância aos 60 anos de idade. E foi durante um protesto estudantil. "Geisel, o presidente imposto pelos militares da época, proibiu a realização do 3S Encontro Nacional dos Estudantes, que seria na Escola de Medicina da UFMG. Contra a proibição, alguns dias depois, várias entidades organizaram um ato público." Dona Helena tinha três filhos estudando e que participavam do movimento estudantil. Eles ficavam muito tempo fora de casa. Os estudantes no país estavam sendo reprimidos e aquilo preocupava e revoltava a mãe. Foi assim que, no ato público, dona Helena conta ter sentido "uma vontade impetuosa de falar". Sentia-se representando "uma geração inerte, que não tinha feito nada para mudar o país, e que ainda estava mandando reprimir". Foi sobre isso que dona Helena falou em público e logo revelou sua verve de líder. "Falei e as mulheres que estavam interessadas em organizar o movimento pela anistia me convidaram. Saí daquele ato público decidida a participar da política". Com a ajuda de dona Helena na organização, a lã assembléia do Movimento Feminino pela Anistia, em Belo Horizonte, teve a participação de 107 mulheres. ORIGEM DA LUTA A luta pela anistia foi para Dona nossa cidade". A luta pelos direitos humanos, na sua opinião, também é uma luta contra o machismo e a violência contra as mulheres. Ao lembrar que no movimento da anistia se lutava pela participação da mulher, ela conclui que "ainda estamos engatinhando" mas cita Rose Marie Muraro para concordar que " apesar de sermos pequenos e pulverizados, nada aconteceu que não tenha passado pelos EXERCíCIO DE CIDADANIA movimentos feministas". E, de fato, sua recente condenação não é um problema particular dela. É Hoje dona Helena está a frente da Coordenadoria de Direitos Humanos da muito mais um problema para os movimentos de direitos humanos e para as Prefeitura de Belo Horizonte. A vitória da feministas assumirem. Frente Brasil Popular (PT, PC do B, PCB e PV), que hoje administra a cidade, foi, É claro que não falta a ela a consciência da gravidade do assunto, que não segundo ela, resultado do trabalho de é outra coisa senão a urgência em se modificar o modelo político, econômico, social e jurídico do Brasil, briga que assumiu há muito tempo. Ocorre que, ultimamente. Dona Helena tem se ocupado mais em organizar protestos, em praça pública, contra a chacina da Candelária. Como diz: "é para tentar interromper o ciclo de silêncio de uma sociedade que teima em assistir, impassível, ao enterro de seus meninos, como o Gambazinho, da Candelária, enterrado no Rio de Janeiro, sem que a apuração do crime e punição dos culpados não tenha passado de declaPedimos a D. Helena uma foto sua. Veio esta. Tivemos Ique ampliar para achá-la em meio à mani rações de intenção e festação contra a chacina da Cinelândia. Esta foto, na verdade, é a cara de D. Helena. manchetes do noticiário". Dona Helena tamépoca, as feministas apoiavam os movianos dos movimentos populares locais, bém tem sido vista na televisão, falando e mentos de oposição e davam assistência movimentos cora os quais ela pretende exigindo Justiça para os chacinados, aos presos políticos e seus familiares, tocar a Coordenadoria, já aprovada pela crianças, índios, detentos ou favelados divulgando a situação dos presos, acomCâmara Municipal, mas em fase inicial de deste país. Com aquela segurança de panhando processos com advogados, implantação. quem aposta ter a seu favor alguma forma apoiando greves de fome nas prisões e as Um projeto piloto junto à periferia branda, suave e obstinada de solimanifestações de estudantes e trabaindicará os próximos passos para "instrudariedade das mulheres que sabem de sua lhadores contra a ditadura, atividades que mentalizar a comunidade para o exercício condenação. a envolveram. da cidadania. Nosso objetivo é criar uma Entre 78 e 79 aconteceu, com cultura de defesa de direitos humanos em (R.F.) Helena o ponto de convergência de todas as oposições, "um esforço para por fim àquilo que sufocava o povo brasileiro, e a primeira tentativa de se dar forma orgânica à nossa luta foi o Movimento Feminista pela Anistia". Em 1979, foi a representante do movimento pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita do Brasil no Congresso Mundial de Anistia, em Roma. Num dos trechos do seu discurso, disse que se tratava do "movimento feminista pela Anistia que, de uma forma suave e branda, se espalhou por todo o Brasil". Eu queria, lembra ela, revelar aos representantes da luta em defesa dos direitos humanos em todo mundo a origem da luta pela anistia em nosso país. Dona Helena se recorda que, na grande repercussão, a campanha pela libertação da brasileira Flávia Schilling, presa no Uruguai. 1978 foi também o ano em que surgiu a seção Minas Gerais do Comitê Brasileiro pela Anistia que propunha unir a luta de homens e mulheres. São passagens da história de Helena Greco que se misturam com a história do país. 35 vjlustiiçai UM NOVO PRETEXTO PARA DISCRIMINAR? MARIA AMéLIA DE ALMEIDA TELES Dois fatos inéditos ocorreram na Grande São Paulo: a costureira Antônia Inácio dos Santos foi presa por não pagar a pensão alimentícia ao ex-marido, e as duas operárias químicas, Elzenira e Izaura, foram demitidas por justa causa. Alegação: assédio sexual. São dois fatos que revelam a capacidade dos homens de, em nome da igualdade de direitos, tergiversar a lei. O CASO DE AGONIA Antônia, moradora da Zona Leste e desempregada, há quase um ano, foi condenada a 30 dias de prisão por não pagar a pensão alimentícia. Conforme havia sido acertado, na separação do casal, o ex-marido ficaria com a guarda dos seis filhos e ela, que estava empregada na ocasião, ajudaria com a pensão alimentícia. A pensão consistia em 40% do seu salário enquanto estivesse trabalhando e um salário mínimo quando estivesse desempregada. O acerto não respondia à seguinte pergunta: Como a Justiça imagina que uma mulher desempregada possa dispor de um salário mínimo por mês? O fato é que a Justiça costuma dispensar os homens desempregados de arcarem com a pensão alimentícia; o que não ocorreu com Antônia. Um pouco depois desse acerto, ela perdeu o emprego. Sem advogado, sem conhecimento da lei e sem nenhuma orientação, não conseguiu saber o que estava rolando na Justiça. Até que no dia 22 de setembro último, foi presa. Nunca uma mulher havia sido presa antes, em decorrência da pensão alimentícia. O juiz, Marcelo de Souza Dias, responsável pela ordem de prisão, apenas afirmou que o processo foi conduzido rigorosamente dentro da lei. Segundo ele, a Constituição equiparou direitos e deveres entre os cônjuges e está sendo rigorosamente respeitada. Além do mais, a decisão da justiça está "amparada na Lei de alimentos contida no Código Civil". E ainda completou: "ela (Antônia) não levou a sério a legislação, tratou a lei com desdém e descumpriu a Constituição Federal". É o caso de se perguntar ao Sr. Juiz: a quantos empresários deu ordem de prisão por não cumprir a lei, ou melhor, a Constituição, que diz que todos os filhos de trabalhadores até seis anos de idade terão garantido seu direito à creche? Ou quantos empresários foram punidos pela Justiça por obrigarem as mulheres a fazerem laqueadura, descumprindo, despudoradamente, a Constituição? Mas isto são conjecturas ou meras especulações. Voltemos às questões objetivas, tão seriamente levadas em consideração pela Justiça. No caso de Antônia, é estranho também que ela não tenha recebido assistência de um advogado. A criminalista Angélica Maria de Mello Almeida afirma que "faz parte dos requisitos formais previstos no Código e o juiz não poderia decretar a prisão sem a presença de um advogado". A Constituição determina, enfaticamente, no seu artigo 133, que " o advogado é indispensável na administração da justiça...". Mas quanto a isto, parece que a Constituição não foi lembrada. A advogada da área de família, Maria Graça Pereira de Mello, acha que a igualdade de direitos serve quando convém ao homem. "Por que a mesma Justiça que decretou a prisão da constureira, e conseguiu prendê-la, não consegue prender os homens que sonegam a pensão alimentícia?"- pergunta. Na verdade, a Constituição garante direitos e deveres iguais entre os cônjuges, mas o Código Civil ainda é incompatível com os princípios constitucionais, pois preserva a superioridade masculina em relação aos direitos de família. A Justiça tem lançado mão da Constituição ou do Código Civil conforme as conveniências dos homens. O segundo fato é a demissão das operárias, Elzenira de Aguiar Silva, 22 36 anos, e Izaura Souza Cordeiro, 24 anos, acusadas de assédio sexual e atentado ao pudor. Embasados no artigo 482 da CLTConsolidação das Leis do Trabalho, que prevê a punição de trabalhadores com "mau procedimento e incontinência de conduta", os donos da Itamaraty Dominó Indústrias Químicas Ltda., em São Bernardo, demitiram sumariamente as duas operárias, por cometerem "obscenidades" e se vestirem "inadequadamente". O CASO DA MINI-SA1A Uma das mulheres, Elzenira, declarou à imprensa que "ia trabalhar de short e miniblusa e não sabia que isso era motivo para justa causa". A outra, Izaura, disse que o trabalho que faz, rebarbadora de plástico, não permite que se saia de perto da máquina "nem para ir ao banheiro, quanto mais para fazer sexo." Por que a Justiça não pune a empresa que é obrigada a fornecer uniformes e não o faz? Os patrões não quiseram falar com a imprensa, e o advogado da empresa insiste em afirmar que as operárias foram demitidas por problemas de disciplina. Os 150 funcionários da empresa, reagindo contra a demissão das colegas de trabalho, decidiram paralisar as atividades e chamar o sindicato da categoria. As duas trabalhadores registraram Boletim de Ocorrência na Delegacia da Mulher, em São Bernardo do Campo, e estão dispostas a abrir processo contra a firma, por calúnia e difamação. No caso da costureira, houve uma reação imediata de solidariedade: um deputado, que não quis revelar seu nome, pagou os 50 mil cruzeiros reais referentes ao valor devido da pensão alimentícia, e um empresário lhe arrumou um emprego. Um ato isolado de solidariedade, que não elimina o desafio que as mulheres têm pela frente: impedir que, em nome da igualdade de direitos, se invente uma nova forma de discriminação. lualdlade DISCRIMINAçãO TAMBéM é PRECISO ZULEIKA ÀLAMBERT * Os princípios e leis que garantem as mesmas oportunidades para homens e mulheres não são igualmente aplicáveis, uma vez que as mulheres carregam sobre suas costas os anos de atraso representados pela discriminação. Zuleika Alambert discute esse descompasso e propõe, para uma igualdade de fato, medidas discriminatórias de transição. A história da mulher é uma história de discriminações contínuas, que começam na antigüidade. Diferenças biológicas entre ambos os sexos, transformadas em diferenças sócioculturais, estão na origem dessas discriminações. Graças a isso, os homens sempre puderam oprimir as mulheres culturalmente e explorá-las socialmente. E em nome disso, se ocultou o papel das mulheres na história da civilização humana, reduzida ao enfoque sobre a existência dos homens. No século XX, principalmente em sua segunda metade, a vigência da justiça e dos direitos fundamentais na conquista da democracia, tomou-se objetivo comum às correntes ideológicas tidas como "modernas". Surge o desejo de garantia de "igualdade para todos". Com as conquistas das mulheres nas últimas décadas, muitas legislações nacionais e internacionais estabeleceram que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". A Constituição brasileira de 1988 foi além disso. Deu ao artigo 5S, que garante a igualdade de todos perante à lei, o parágrafo I que estabelece que "homens e mulheres são iguais, em direitos e obrigações, nos termos da legislação." Infelizmente, tal avanço não saiu da teoria. A "práxis" ainda não se transformou de forma radical. Ou seja, continuam vigentes as raízes das desigualdades. As dificuldades das mulheres em fazer reconhecer seus direitos sociais e políticos baseiam-se na relação insuficientemente refletida entre biologia e cultura. É fato que a biologia tem, paradoxalmente. servido para exploração e opressão das mulheres. Mas recusar toda explicação de tipo "biológico" é recusar a chave da interpretação dessa exploração-opressão. Para obter um estatuto equivalente ao dos homens, as mulheres devem fazer reconhecer suas diferenças. "Iguais, na diferença", eis a maneira correta de colocar hoje a igualdade. E para buscá-la, são necessárias ações positivas, de caráter discriminatório em relação ao homem, que garantam de fato uma igualdade de oportunidades. Estas seriam medidas especiais, temporárias, para apressar a eliminação das discriminações, nascidas das diferenças biológicas entre os sexos. Estariam voltadas a superar as desvantagens que afetam as mulheres, enquanto grupo, ao longo da história. Não é verdade que tais medidas viriam ferir o princípio da igualdade, favorecendo a mulher em detrimento do homem. As mulheres trazem em suas costas milhares de anos de atraso e, para atingir o patamar atual ocupado pelos homens, uma discriminação positiva se faz necessária. Ao lutar por medidas especiais (ver quadro) voltadas a estabelecer um equilíbrio entre os sexos, o movimento de mulheres e o movimento feminista, em especial, constróem na prática a igualdade homem-mulher. Uma política favorável à igualdade de oportunidade para as mulheres, maioria da população, é condição sine qm non para o aprofundamento e consolidação da democracia no país. * Zuleika Alambert é escritora, feminista e ex-presidente da CECF. 37 MEDIDAS DIFERENTES, OPORTUNIDADES IGUAIS Entre as propostas de discriminação positiva que estão sendo assumidas pelas mulheres, Zuleika Alambert destaca as mais importantes, propondo a sua transformação em bandeiras visíveis voltadas a acelerar a conquista de uma igualdade de oportunidades para as mulheres. 1. Introduzir a variável sexo nas estatísticas sobre salários etc; 2. Aperfeiçoar o desenvolvimento normativo do princípio constitucional de igualdade sem discriminação por razão de sexo e alcançar uma melhor aplicação da legislação vigente a favor das mulheres; 3. Conseguir o acesso de todas as mulheres a níveis mais altos de informação, formação e cultura; 4. Criar as condições para estimular uma divisão mais equilibrada das responsabilidades no âmbito do público e do privado entre homens e mulheres; 5. Tornar possível o livre exercício e responsabilidade maternidadelpaternidade, não só como direito individual e, sim, como função social, que deve contar com suficiente proteção para torná-la compatível com o direito das pessoas (homens e mulheres) ao livre desenvolvimento de sua personalidade; 6. Melhorar a aplicação do programa de assistência integral à saúde da mulher; 7. Diversificar as opções escolares e profissionais das moças e ampliar sua participação nas atividades culturais; 8. Reduzir a taxa de desemprego feminino e a segregação no trabalho por" razão de sexo e melhorar as condições de trabalho das mulheres ocupadas; 9. Estimular programas de cooperação internacional que tenham como objetivo beneficiar grupos concretos de mulheres, formação de mão de obra rural qualificada, planejamento familiar etc. 10. Melhorar a participação política da mulher, estimulando o estabelecimento de cotas de participação nas direções partidárias, nas listas para postos eletivos etc. v^onstituiçâo A REVISãO CONSTITUCIONAL TEM LIMITES CONSTITUCIONAIS ADRIANA GRAGNANI' A discussão sobre a Revisão Constitucional ganha corpo na grande imprensa. Destacam-se, nesse debate, as divergências não só quanto à oportunidade ou não de sua ocorrência, mas também quanto à amplitude de sua alteração. Apesar do registro bastante claro de diversas entidades nacionais, como OAB, ABI, IAB, e de pronunciamentos contundentes de personalidades jurídicas do país, esse debate está longe de integrar o cotidiano dos atores sociais, particularmente dos segmentos organizados, que tantas contribuições trouxeram à Carta de 1988. Estando a Revisão Constitucional distante do centro das preocupações da maioria absoluta de seus destinatários e titulares do poder revisional - mulheres, homens, jovens, idosos, negros componentes da nação brasileira - são preocupantes os rumos que vêm tomando. Importa reafirmar que, se concretizada, a Revisão Constitucional deverá respeitar os limites que a própria Constituição impõe. Dispõe o artigo 3Q. do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: "A revisão constitucional será realizada após 5 anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral". Entretanto, observamos apenas que, sob o ponto de vista jurídico, revisão " é o exame ou o estudo de alguma coisa para expurgar dela o que não estiver de acordo ou em harmonia com o Direito ou a verdade" (de Plácido e Silva). Ao examinarmos a Constituição da República, identificamos prontamente duas questões fundamentais, sendo uma decorrência da outra. A primeira delas é a opção político-jurídica da sociedade brasileira, consagrada no texto constitucional. A segunda, e como conseqüência da primeira, compreende os mecanismos adotados pela Constituição para sua própria concretização. Numa retrospectiva histórica ao período que antecedeu à promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, temos que o grande anseio da população brasileira, então expresso de variadas formas, foi a consolidação de um Estado democrático e pluralista. Priorizando os direitos fundamentais dos cidadãos e da coletividade, a Carta Magna consagrou inovadoramente questões de gênero e raça, tendo como porta-vozes inquestionáveis diversas entidades da sociedade civil. Foram estas as grandes impulsionadoras do discurso da diversidade, hoje incorporado constitucionalmente. O Estado brasileiro tem essa característica concreta. O querer feminino exerceu nessa definição um destacado papel. Enunciados como o da licença maternidade e paternidade, a proteção do mercado de trabalho da mulher, o direito à creche, o combate à violência doméstica, as relações de paridade entre o casal, o reconhecimento da união estável, o combate ao sexismo e ao racismo, entre outros, são alguns atestados que dão conteúdo ao princípio da igualdade, que deve ser entendido dentro de relações concretas e diversificadas entre as pessoas. Os brasileiros escolheram, optaram e viram promulgada, no texto constitucional como um todo, a sua vontade de viver no Estado do Bem Estar Social, "destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade. 38 a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos" (Preâmbulo da CR.) Esta opção político-jurídica, o poder revisional não dispõe de poderes para mudar. O Congresso Nacional não pode alterar a Constituição e transformar o Estado brasileiro em outro tipo que seja diferente do Estado do bem estar social. E não somente isso. A Constituição também consagra mecanismos internos para o seu próprio aperfeiçoamento. É o caso do mandado de injunção (art. 55, LXXI), da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103), do mandado de segurança coletivo (art. 5Q, LXX), das medidas provisórias (art. 62) - estas últimas desde que adequadamente utilizadas -, da ação popular (art. 5S, LXXIII), da emenda constitucional (art. 60). O que se pede é que a discussão sobre a Revisão Constitucional afaste de imediato a possibilidade de transformar em outra opção aquela já definida constitucionalmente. Revisão, como vimos, significa aperfeiçoamento. E este pode e deve-se dar dentro dos limites dos instrumentos legais vigentes, previstos no texto constitucional. Reforça essa idéia, o distanciamento dos atores sociais do processo revisional. O que deve ocorrer - e isso permanentemente, sem data determinada, é o aperfeiçoamento da Constituição da República, sem a ruptura da sua opção político-jurídica, com a efetivação dos direitos individuais e sociais nela consagrados. * Adriana Gragnani, socióloga, da União de Mulheres de São Paulo. Nossos DIREITOS PARA CAIRO 94 r ■i # |W|M% A Conferência Internacional Sobre População e t Desenvolvimento vem aí. Mulheres do mundo inteiro se preparam. ms • No Brasil, diversos grupos reuniram-se no Encontro Nacional de Mulheres e População e aprovaram a Carta de Brasília, chamada "Nossos Direitos para o Cairo 94", que publicamos na íntegra. . opulação são los povos da Terra, homens e mulheres, de diferentes raças, classes, etnias e culturas, que nascem, vivem, amam, trabalham, se reproduzem, envelhecem e morrem. População não é um objeto inerte de estudo, é um conjunto de sujeitos que têm o direito de escolher seu próprio destino. Desenvolvimento significa a satisfação das necessidades humanas básicas e a garantia, para todos, das condições de uma vida digna. Portanto, o desenvolvimento deve ser pensado em função da população e não a população em função do desenvolvimento. Políticas populacionais como instrumentos para atingir metas demográficas, pró ou anti-natalistas, devem ser substituídas por políticas de desenvolvimento humano, capazes de responder às necessidades sociais básicas. Políticas públicas voltadas para a educação de base, para o combate à mortalidade pela alimentação e pela saúde, para o exercício pleno dos direitos reprodutivos, são a condição sine qua non de uma qualidade de vida que, esta sim, será fator de equilíbrio da população mundial. Essas políticas representam um investimento social que só será possível em escala global mediante uma repartição mais justa e equitativa dos recursos mundiais. 0 ponto de partida, no entanto, há de ser a decisão, por parte de cada sociedade, de combater a fome, a pobreza e a exclusão como prioridade nacional. No plano internacional, a aceitação do princípio do nosso futuro comum, enunciado na ECO 92, deve ser acompanhada do princípio de responsabilidade compartilhada por todas nações no enfrentamento da miséria e da desigualdade em escala mundial. Um bilhão e trezentos milhões de seres - humanos vivem em estado de absoluta pobreza. Trinta e dois milhões de brasileiros morrem um pouco de fome a cada dia. Fome e pobreza são a grande catástrofe ecológica brasileira. Este estado de coisas é uma negação radical da dignidade humana, da democracia e dos direitos de cidadania. Os desastres do crescimento sem emprego implicam em uma revisão dos critérios do progresso tecnológico para que a economia não seja fator de desagregação da sociedade. Dentro de cada país e a nível global, por toda parte, os pobres migram em direção aos centros de prosperidade. As migrações internacionais reproduzem e ampliam o fenômeno das migrações nacionais. Em resposta, as fronteiras se fecham, o medo do outro se instala, reforçando xenofobia e racismo. 0 apartheid social e racial é incompatível 39 com a democracia, tanto no plano nacional quanto mundial e, em escala global, é uma violência que, ao engendrar outras violências, ameaça a paz e a civilização. E direito inalienável das pessoas, era especial das mulheres, a livre escolha era matéria de sexualidade e fecundidade. Este direito a dispor do corpo, que inclui, tanto o direito à procriação, quanto o direito ao aborto, vem sendo duplamente ameaçado: pela prescrição a ter filhos, inerente à proibição ou limitação do direito ao aborto e pela prescrição a não os ter, via práticas forçadas ou induzidas de esterilização. Os direitos reprodutivos das mulheres só estarão assegurados quando estiverem reunidas as condições para escolhas efetivamente livres e conscientes. Embora o Estado ocupe ura lugar central na definição e implementação destas medidas, outros agentes sociais devem assumir sua responsabilidade enquanto promotores de políticas sociais. As mulheres, por tanto tempo vítimas de opressão e invisibilidade, se sentem no dever de denunciar e declarar inaceitável esta lógica de exclusão e desumanização. E sua obrigação enfrentar as opções civilizatórias que o debate sobre o tema da população recobre. A Conferência Mundial sobre População e Desenvolvimento (Cairo-94) será um momento privilegiado para as mulheres, cidadãs do planeta, intervirem na equação população/recursos mundiais, hoje regida por uma lógica iníqua e insustentável. Cabe às mulheres, na ocasião da Conferência Mundial X ÍR . sobre 09 População e Desenvolvimento, exigir que as políticas públicas reconheçam os seus direitos, sobre o controle da fecundidade. Cabe a elas recusar o lugar de vítimas de políticas que as atingem em seus corpos e almas. Cabe-lhes, também, assumir no plano mundial o papel de protagonistas em defesa de princípios que impeçam a descartabilidade dos seres humanos e que assegurem um verdadeiro futuro comum para toda a Humanidade. No contexto brasileiro, registram-se mudanças radicais na dis"^F* ^itinbuição da população, sendo a urbanização o efeito mais evi\ dente, assim como uma rápida e surpreendente transição demográfica, » que não acarretou meí», lhoria na qualidade de ;í*^\ vida da população brasileira, nem tampouco reduziu o processo de degradação ambiental. Os efeitos negativos deste processo se revelam nas estatísticas sobre a pobreza e na ' crescente viof lência social. Como sabemos, / estas circunstâncias afetam mais diretamente as mulheres, a população negra e grupos indígenas. A situação de concentração da propriedade da terra no campo, de exclusão das trabalhadoras rurais e de trabalhadoras urbanas, como as empregadas domésticas, de direi-. tos sociais já assegurados a outras categorias, constitui um quadro que acentua a precariedade e vulnerabilidade social destas mulheres. A acentuada queda da fecundidade no país foi realizada no marco de deterioração dos serviços públicos de saúde, de 40 violenta medicalização e desumanização da gravidez e do parto, refletidas sobretudo na prática abusiva das cesáreas e esterilizações, o que agravou o quadro de desrespeito aos direitos reprodutivos da mulher, incidindo, especialmente, sobre as mulheres de baixa renda e as mulheres negras. No campo das novas tecnologias reprodutivas e da pesquisa contraceptiva em geral, é urgente reconhecer a necessidade do respeito à ética e aos direitos humanos. Por outro lado, as pesquisas na área da contracepção masculina, que tem recebido pouca atenção, está a exigir avanços inadiáveis. Dentre as várias desigualdades que permeiam a sociedade brasileira, destacam-se as relações desiguais de gênero, por seus efeitos diretos sobre a sexualidade, e as práticas reprodutivas e a saúde. Neste sentido, a crescente expansão da epidemia de AIDS entre mulheres demonstra a desigualdade de poder entre homens e mulheres, que afeta a capacidade das mulheres para negociar relações sexuais saudáveis. 0 problema do aumento crescente da prostituição feminina, em especial das meninas e adolescentes, é uma agravante deste quadro e decorre da falta de oportunidades educacionais e trabalho. A interrupção da gravidez indesejada é um fenômeno de caráter global, com elevados custos para as mulheres nos contextos em que o aborto é criminalizado; e particularmente no Brasil, onde as mulheres morrem em conseqüência de abortos clandestinos. No processo preparatório para o Cairo tem se evidenciado uma controvérsia com relação ao papel da família. No contexto brasileiro, observa-se uma radical reestruturação das formas de organização da família, onde emergem novos tipos de conjugalidade e cresce o número de famílias chefiadas por mulheres. A sociedade civil e, em particular, o movimento de mulheres, tem contribuído, efetiva e positivamente, nos debates nacionais de preparação para o Cairo, e este processo tem desdobramento no plano regional latino-americano. PROPOSTAS 1 - As políticas globais de desenvolvimento devem ser pautadas pelas necessidades e aspirações humanas e regidas pelo respeito aos direitos humanos fundamentais. 2. As chamadas políticas de população devem ser substituídas por políticas de desenvolvimento humano capazes de responder às necessidades sociais básicas, e que as mulheres sejam consideradas como sujeitos das mesmas. 3. As propostas do governo brasileiro para o Cairo devem ser conformadas numa perspectiva de assegurar o bem estar da população e qualidade de vida, de maneira a promover a superação das desigualdades de classe, raça e gênero, bem como a criação de mecanismos globais de financiamento. 4.0 governo brasileiro deve propor a criação de mecanismos globais de financiamento das políticas de desenvolvimento humano dentro da concepção de responsabilidade compartilhada. 5. Manutenção do compromisso do governo com a sociedade civil, em particular com o movimento de mulheres, no sentido de garantir a interlocução no processo que leva à Prepcom(Comitê Preparatório) 111 e à própria CPD(Conferência População e Desenvolvimento), assegurando condições efetivas de diálogo e participação na Delegação Oficial. No mesmo contexto é também fundamental a intervenção do movimento de mulheres na formulação do Programa de Ação Regional para População que está sendo elaborado pela CEPAL. 6. Implementação de políticas sociais capazes de promover os direitos básicos das mulheres nas áreas do trabalho, tanto no campo quanto na cidade, da educação, de saneamento básico e especialmente os programas voltados para eliminação da violência específica. Embora o Estado ocupe um lugar central na definição e implementação destas medidas, outros agentes sociais devem assumir sua responsabilidade enquanto promotores de políticas sociais. 7. Que os direitos sexuais e reprodutivos de todas as pessoas heterosse- dessas distorções. xuais, lésbicas e gays sejam integrados à Brasília, 28 de Setembro de 1993. agenda internacional dos Direitos Humanos. Adesões a esta Carta com CFEMEA 8. Reconhecimento do aborto como Fone (061) 3475004 - Fax um direito das mulheres e um problema (061)2739419. de saúde pública e que sua descriminalização integre a agenda dos direitos reprodutivos fundamentais, assim como seja considerada uma condição primeira para redução efetiva da morbi-mortalidade reprodutiva. 9. A implementação imediata do PAISM(Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher), como política que responde às necessidades das mulheres no campo da ■4 Jft- -^ saúde reprodutiva e pos sibilita o efetivo exercício dos direitos reprodutivos. 10.0 posicionamento brasileiro deve -' refletir a multipli- j cidade das formas • de família que são f •'"' hoje identificadas K'i na sociedade brasileira e que a todas elas sejam i * assegurados di• ,* * reitos e o apoio social necessário. 11. Mecanismos efetivos de acompanhamento e monitoramento devem ser assegurados, com participação das organizações de mulheres brasileiras, nos planos internacional e nacional, das políticas por nós defendidas que venham a ser definidas pela Conferência \ Internacional População e Desenvolvimento de 1994. 12. Dado o papel social e político da informação e o fato de que os meios de comunicação no país reproduzem os estereótipos de gênero, raça, classe e orientação sexual, faz-se urgente a democratização do conhecimento e dos meios de comunicação no sentido da correção ii a w ^é*^: I ■ 41 CONHEçA OS TEMAS PARA A CONFERêNCIA AIII Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento acontecerá em setembro de 1994, no Cairo. Seu papel será o de estabelecer um novo plano de ação quanto à população, ao crescimento econômico sustentado e ao desenvolvimento sustentável, com recomendações e estratégias para a próxima década, abordando inclusive questões como "empowerment" e direitos reprodutivos das mulheres, meio ambiente e migração. São temas da maior importância, que dão seguimento à ECO-92 e à Conferência dos Direitos Humanos deste ano. Dois documentos principais serão submetidos à aprovação da Conferência: uma avaliação do Plano de Ação para a Popubção Mundial, aprovado na Conferência de 1974, em Bucareste, e um novo Plano de Ação, identificando formas e meios para sua implementação. Na segunda sessão do Comitê Preparatório (PrepCom II), ocorrida em maio, em Nova York, elaborou-se uma proposta das linhas mestras a serem apresentadas à Conferência. 0 documento pede que o Comitê seja tornado corpo subsidiário da Assembléia Geral, e que a secretária geral da Conferência, Nafis Sadik, submeta um esquema do documento final à próxima Assembléia Geral, e prepare, até fevereiro de 1994, um documento provisório para o Cairo.Um esquema conceituai de recomendações provisórias foi decidido e inclui entre suas "Escolhas e Responsabilidades" capítulos sobre "As Interrelações entre População, Crescimento Econômico Sustentado e Desenvolvimento Sustentável", "Gênero, Igualdade e "Empowerment" das Mulheres", "Crescimento e Estrutura Popubcional", "A Famãia, seu Papel e Composição", "Saúde e Mortalidade", Distribuição Populacional, Urbanização e Migração Interna" e "Migração Internacional". Entre as formas de implementação, as recomendações falam da "promoção de informação pública, edu- cação e comunicação", "capacitação", "tecnologia, pesquisa e desenvolvimento". Também levanta possibilidades de parceria nas questões de população, a níveis de ação local, cooperação internacional e parcerias com organizações não-governamentais. MESAS REDONDAS Algumas das questões levantadas ainda são potencialmente controversas, como, por exemplo, a definição de família, as referências ao aborto e aos direitos reprodutivos e a relevância das preocupações ecológicas. A Conferência, porém, girará basicamente em torno desses temas propostos pelo PrepCom. Até dezembrol93, Nafis Sadik deverá preparar uma primeira versão do documento final. Ela já deixou claro que todas as contribuições de governos e ONGs serão benvindas. Os países participantes devem enviar um relatório nacional para a Secretaria Geral da Conferência. Outra fonte de contribuições prévias à Conferência serão as mesas redondas de discussão anteriores ao próximo PrepCom, que reunirão especialistas e representantes de governo. Algumas já aconteceram, como "As Perspectivas das Mulheres sobre Planejamento Familiar, Saúde Reprodutiva e Direitos Reprodutivos" (26 e 27 de agosto, Ottawa, Canadá), "A Demografia da AIDS" (28 de agosto ai de setembro, Berlim), "População, Crescimento e Desenvolvimento Econômico" (2 de setembro, Nova York), e outras estão programadas, como "População e Planos e Estratégias de Desenvolvimento", (Bangkok) "Relação entre População e Desenvolvimento Sustentável" (Genebra) e "População e Comunicação", Viena. Entre as conferências regionais que antecederam o PrepCom II, destacase a da América Latina e Caribe, realizada no México entre 29 de abril e4de 42 maio. No consenso, aprovado ao final deste encontro, todas as delegações presentes afirmaram que são decrescentes as taxas demográficas de seus países, e reforçaram a intenção de seus governos em melhorar a qualidade dos serviços de saúde oferecidos às mulheres. Resta ver em que medida as "boas intenções" vão influenciar não só a tomada de decisões no Cairo, como também a implementação de medidas efetivas nos países latinoamericanos e caribenhos. CHAMADO AS ONGS Em seus documentos, a ONU vem reforçando a importância da participação das ONGs, responsáveis por pressionar os governos de seus países, especialmente no que diz respeito aos prazos. 0 calendário de eventos da ONU relativos a esta Conferência inclui, ainda, além do PrepCom III (II a 22 de abril de 1994, Nova York), os Encontros das Comissões Regionais para discutir os resultados das Conferências Regionais e também os relatórios dos PrepComsjá realizados. Para as ONGs que quiserem entrar em contato com a Secretaria Geral da CIPD, há um "NGO Liaison Adviser" especialmente encarregado de fornecer informações sobre a Conferência e seus procedimentos preparatórios, que pode ser contatado através do fax (00-1-212) 370-0201.0 boletim informativo da Conferência, publicado a cada dois meses, aceita comentários e contribuições epode ser pedido pelo fax (00-1-212) 2974915. 0 endereço é: ICPD Secretariai I Cio United Nations Population Fund I 220 E. 42 Street I New York, New York 10017. Extraído do "Boletim Planeta Fêmea n21, COMBATON (Coalizão de Mulheres Brasileiras de ONGs para Meio Ambiente, a População e o Desenvolvimento)" A CIDADE CRESCE E POR ELA CRESCEM, TAMBÉM, AS ANDANÇAS DAS MULHERES SôNIA ALVES CALIó' Transportes e mobilidade são exemplos significativos quando se pretende diagnosticar as condições de vida das mulheres na cidade. O processo de urbanização, que especializou a cidade em espaços estritamente residenciais, comerciais ou industriais, veio multiplicar e diversificar os deslocamentos das mulheres. De que maneira os transportes, como uma forma de apropriação do espaço urbano, influenciam no processo de apropriação desse espaço pelas mulheres? O grande desenvolvimento espacial das metrópoles e a divisão espacial do trabalho têm levado a um importante crescimento das distâncias e dos deslocamentos diversos, significando, para as mulheres, toda uma série de andanças pela cidade, numerosas e obrigatórias, visto que são elas, ainda, as principais responsáveis pela gestão da vida cotidiana. Os centros metropolitanos, essencialmente terciários (bancos, agências de seguro, serviços, administração, comércio) concentram a maior parte das atividades femininas. Como a taxa de motorização das mulheres ainda é muito baixa, para conciliar vida profissional/vida doméstica, elas são bastante dependentes dos transportes coletivos. Além disso, o tempo de transporte domicílio-trabalho aparece como o fator mais importante tanto no processo de decisão de trabalhar como no da escolha ou mudança de emprego. Por exemplo, em uma pesquisa feita na metrópole parisiense1, constatou-se que, entre as mulheres que mudaram do centro da cidade para a periferia, mais de 40% mudou também de emprego para poder reduzir o tempo gasto nos transportes. O prolongamento dos trajetos cotidianos significa, sobretudo para as trabalhadoras, a transferência de grande parte de suas atividades domésticas para os dias de descanso, reduzindo o tempo disponível para as atividades sociais. E o carro? Qual a sua função? O grande número de mulheres que atualmente possuem carro, não deve esconder o fato de que elas tiveram acesso à motorização bem mais tarde que os homens, a partir do momento que o carro se tomou o "grande utilitário prático da vida moderna". Será que, para elas, a motorização representa a expansão do seu campo de atividades extra-familiares e, mesmo, maior autonomia? Uma resposta ambivalente. Por um lado, é certo que a motorização permite maior autonomia de deslocamentos e aumenta o campo espacial de atividades das mulheres. Mas, por outro, presta enormes serviços à perpetuação de suas funções tradicionais na família. Graças a ele, as mulheres continuam assumindo o essencial das tarefas familiares, otimizando e aumentando a capacidade produtiva do trabalho doméstico no sentido de responder "racionalizadamente" à forma como a sociedade se utiliza do seu tempo. Modificando muito mais a organização temporal do que a geografia dos deslocamentos, o carro permite muito mais acesso ao tempo do que ao espaço. "O carro é, freqüentemente, o meio de adaptar as modalidades tradicionais da divisão sexual do trabalho no seio da família às novas características da organização espacial no meio urbano." A forma de utilização do carro familiar revela as diferenças de mobilidade entre os sexos. Na família, os homens não só se apropriam do carro como são mestres da mobilidade dos outros membros da família. O que reforça a 43 dependência das mulheres: ou elas se deslocam em transporte comum ou esperam que eles as levem. Se a família tem um segundo carro, servirá a ela para que otimize a gestão do seu tempo. Na verdade, o carro permite uma redução do tempo que não significa "tempo livre" mas leva a um outro tempo: o do trabalho doméstico. Essa é a natureza do tempo recuperado! E certo que, para cada mulher, do ponto de vista de classe, muda a forma dos deslocamentos e a sua periodicidade. Por exemplo: para as mulheres das classes populares, os deslocamentos ficam circunscritos sobretudo ao trajeto casaemprego-casa (para as que trabalham) e ao bairro, com parte deles sendo efetuados, na maioria das vezes, à pé. Para as das classes média e alta, como é maior a possibilidade de usarem um carro, a mobilidade fica mais estendida e a freqüência dos deslocamentos maior. No entanto, todos os deslocamentos feitos pelas mulheres, não importa a que classe pertençam, revelam a lógica de continuidade e superposição de suas atividades de reprodutora da vida. Com os transportes (coletivos ou não), organizam o emprego do seu tempo, pensam no que vão fazer de comida, na ida ao supermercado (ou ao sapateiro, ou à farmácia, ou à lojinha) antes de pegar as crianças na escola (ou antes de trocar aquele sapato que ela comprou errado, ou antes de pagar a conta de luz). São os efeitos da divisão social do espaço se justapondo aos da desigualdade entre os sexos. JVotós; 1 FAGNANI,J.op.cit.p.738 * Sônia A. Calió épós-doutoranda em Geografia Urbana, pesquisadora do NEMGE-USP e presidente do CM. ACONTECEU... □ 0 1Q. Seminário "Amamentar e Trabalhar Fora de Casa: é Possível?", promovido pelo Inst. de Saúde (Sec. Estadual de Saúde de SP)e o IBFAN (International Baby Food Action Network), durante a Semana Mundial Pró-Amamentação, em 5 de agosto. Concluiu-se que é possível amamentar e trabalhar fora de casa, desde que as leis trabalhistas sejam cumpridas e se garanta a implantação de políticas públicas voltadas às mulheres e seus bebês. □ De 1 a 3 setembro, em Natal, o "V Seminário Nacional Mulher e Literatura", promovido pelo Depto. de Letras da Univ. Federal do Rio Grande do Norte e que contou com a presença de estudiosas(os) de diferentes instituições e regiões do pais e do exterior. Tel: Profa. Constância Lima Duarte - (084 - 231 9782). □ O 10s aniversário do CECF (Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo). Criado em 12/09/83, foi o primeiro espaço governamental voltado para elaborar e implementar políticas públicas para combater a discriminação contra as mulheres. história que leve em conta as relações sociais de gênero, o evento abordou a questão do conceito de gênero e história assim como a historiografia das mulheres no Brasil. Inf: tel (011) 437 3098 - Fax (011)437 4343. U Também sob iniciativa do CIM, aconteceu, no dia 13 de setembro, o debate "Perspectivas Políticas Feministas para a Nação Brasileira", uma proposta de discussão feminista em tomo das perspectivas políticas para o país, tendo a presença de Luiza Erundina (PT), Eva Blay (PSDB), Jalila Achkar (PV) e Maria Teresa Augusti (PMDB). □ De 8 a 10 e de 16 a 18 de novembro, o Curso "Epistemologia e Gênero", promovido pelo Núcleo de Estudos em Saúde da Mulher e relações de Gênero juntamente com a pós-graduação do Depto. de Enfermagem da Escola Paulista de Medicina. O programa do curso foi dividido em dois módulos: epistemologia e teorias feministas / gênero, poder e saber. Inf: tel (011)549 7522. □ O "Encontro Nacional Mulher e População - nossos direitos para Cairo'94", realizado em 28 de setembro, no Auditório Nereu Ramos, do Congresso Nacional, em Brasília de várias entidades do movimento de mulheres a nível nacional. □ O VII Encontro da União de Mulheres de São Paulo, dia 5 de Dezembro de 1993, das 10 às 17 horas, no Auditório do Sindicato dos Motoristas. Infs.: União de Mulheres - Fone (011)362367 e Fax (011)284-2862. WmV SEMINÁRIO NACIONAL ■M U L H E R & ■ LITERATURA ■ GILK A MACHADO (1893 - 1993) H □ O 7Q. Encontro Brasileiro das Lésbicas e Homossexuais, de 4 a 7 de setembro, no Instituto Cajamar. O nome do Encontro causou polêmicas, mas valeu a pena incluir a palavra "lésbicas", cresceu a participação das mulheres! □ De 18 de outubro a 6 de novembro, o "II Programa de Estudos em Saúde Reprodutiva e Sexualidade", promovido pelo Núcleo de Estudos da População da Universidade de Campinas/SP. O curso, estruturado em vários módulos - sexualidade; gravidez e aleitamento; concepção e contracepção; aborto; doenças sexualmente transmissíveis e AIDS - focalizará conceitos teóricos sobre gênero e direitos reprodutivos. Inf: NEPO/UNICAMP - CP 6166 - CEP 13081-970, Campinas, tel: (0192) 39 8576, fax: (0192) 39 4000. □ Nos dias 6 e 7 de novembro, o seminário "Gênero e História", promovido pelo Instituto Cajamar. Com o objetivo de estudar uma nova abordagem sobre 44 □ Nos dias 19 e 20 de outubro o Seminário "Descriminalizar o Aborto?", em Brasília, promovido pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal e que discutiu o Projeto de Lei 078/93, de autoria da Senadora Eva Blay. Estiveram presentes, como debatedores, vários grupos de mulheres (SOS Corpo, Geledés, União de Mulheres de SP, CFEMEA, Católicas pelo Direito a Decidir), centrais sindicais (CUT e Força Sindical), além de algumas entidades e instituições públicas (Procuradoria do Estado de SP, Justiça Federal do RJ, CNBB, GAB-DF, Assoc. Brasileira de Médicas, Escola de Enfermagem da USP, Assoc. Médica de Brasília, Hospital Municipal do Jabaquara e a Federação Nacional dos Jornalistas). ACONTECE... □ A articulação "SOSCRECHE", da qual participam, entre outros, a União das Mulheres de SP, o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais, a Associação de Creches Conveniadas e a ABRINQ. Com o objetivo de garantir e ampliar a rede pública de creches na cidade de São Paulo, já foram organizadas as seguintes: elaboração de um "dossiê" sobre a atual situação das creches, a realização de uma Tribuna Popular, na Câmara Municipal de SP, para encaminhar reivindicações aos vereadores. Informações.: União de Mulheres de SP. Tel.: (011)36 2367. □ A Campanha "ABORTO NÃO É CRIME" levada, em âmbito nacional, pelas entidades feministas. □ A Videoteca do SOF (Sempre Viva Organização Feminista), organizada com base nos seguintes temas: mulher, saúde, racismo, moradia, meio ambiente, adolescentes, crianças, movimento sindical, AIDS, direitos humanos. O empréstimo pode ser feito de segunda a sexta, das 9 às 17hs. Tel: (011-521 9822). U O CIM - Centro Informação Mulher continua agitando o seu CAFÉ FEMINISTA (e boteco, com preços sem crise), todas as quartas feiras, a partir das 19:30h. A Programação de agosto e setembro passado girou em volta dos seguintes temas: ética feminista, direitos humanos, bruxarias e transcendências, lesbianismo, AIDS, saúde, além de lançamentos de livros feministas. Não hesite em telefonar para o CIM dando sugestões de temas para os próximos Cafés (256 0003), elas te atenderão com o maior prazer... que tenta "transmitir um pouco do clima e das reflexões presentes nestes 3 dias de Encontro e outros tantos de preparação". Inf: SOF - Unidade Sul - Tel (011) 521 9822-Fax (011) 522 5287. Saúde" do SOF (Sempre Viva Organização Feminista), que trata, entre outros temas, da questão Mulher e AIDS. Tel: (011)521 9822. □ O ns. 2 do Boletim "Vida Vivida" editado pelo grupo MUSA Mulher e Saúde, de Belo Horizonte, abordando questões sobre sexualidade e saúde reprodutiva. Inf: (031) 467 5875. Mulher e Saúde □ O ns. especial do Boletim Informativo CDHIS (Centro de Documentação e Pesquisa em História da Univ. Federal de Uberlândia) que anuncia a criação do seu Núcleo de Estudos de Gênero e Pesquisa sobre a Mulher. Inf: (034) 234 7744. •—-.-i... feriHj □ O ns. 8 do Boletim Informativo da Rede Mulher "Cunhary, o rio das mulheres", com diversas informações sobre atividades do movimento de mulheres. Pedidos: Tel (011) 873 2803 - Fax (011) 62 7050. □ O Boletim n. Ida rede COMBATON (Coalizão Brasileira de Mulheres para População, Meio Ambiente e Desenvolvimento), chamado "Planeta Fêmea". Solicitações: CIM (OU) 2560003 eoIDAC (021)5110142). □ Duas publicações do CEAP (Centro de Articulação de Populações Marginalizadas): "DELAS - Trabalhando com Mulheres Negras" e "As meninas e a Rua". Tel: (021 - 224 6771/ 252 2302). TÜ?IZ7 Aborto não è crime ■*"*'■"*■■ ^tatAff!?]^ ifti s™ ■;; 1 rrííwfcss xie ••..Hir.ilM nu ■■ , □ A cartilha "Jeito de Mulher Saúde e Sexualidade", lançada pelo CAMP (Centro de Assessoria Multiprofissional) e pelo MMTR/RS (Mov. de Mulheres Trabalhadoras Rurais do RS), que orienta e informa sobre o funcionamento do corpo, sexualidade, adolescência, gravidez, parto, métodos anticoncepcionais, doenças da mulher e políticas de saúde. Tel: CAMP (051) 233 4101 /MMTR (051) 313 2305. LI A brochura "Projetos Feministas", publicada pelo Dep. Estadual Marcos Rolim (PT-RS), que relata todos os seus projetos, apresentados na Assembléia Legislativa, sobre a questão da mulher. ACABA DE SAIR... □ O Relatório do l5. Encontro Feminista da Zona Leste, ocorrido de 27 a 29 de novembro de 1992, em Peruíbe, onde estiveram presentes mais de 30 grupos de mulheres. Um relatório detalhado □ O nQ. 2 do boletim "Mulher e 45 □ O dossiê "A Tripla Ameaça Mulheres e AIDS", publicado por: Panes Institute, ABIA (Assoc. Brasileira Interdisciplinar de AIDS) e SOS-Corpo. mm maio, em São Paulo. Tel: (011)223 7999. □ O boletim "Palavra de Mulher", da União Popular de Mulheres do Estado de SP, voltado aos temas: aborto, direitos reprodutivos, revisão constitucional e ao próximo Congresso da entidade. Tel: (011)37 7905. o V|*r JVã ÍSJUMMMZMm Qu«m luta náo canta -i» i' FNUAP (Fundo das Nações Unidas para a População) que aborda o tema população mundial, migração e desenvolvimento, com importantes dados estatísticos. Pedidos para: FNUAP, 220 Easth 42nd Street, New York, NY 10017, USA. □ O ns. 5 do Jornal da Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos. Inf: SOS Corpo (081) 221 3018. JO^niiLDil^EDE =^~s.~mm Wm U A brochura "Population Danger - sex, lies and misconceptions", publicado por: IDAC (Inst. de Ação Cultural), REDEH (Rede de Defesa da Espécie Humana) e IBASE (Inst. Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), que analisa o tema "população e desenvolvimento" . Foi publicada em inglês para ser enviada, sobretudo, aos movimentos sociais de outros países. Tel: IDAC (021) 5110142 /REDEH (021) 285 7510 /IBASE (021) 286 0541. □ O boletim n.9 "Gente - Mulher, Procriação, Ecologia", da REDEH (Rede de Defesa da Espécie Humana) que fala sobre: Conferência do Cairo, Norplant, experiências ecológicas na África etc. Tel: REDEH (021) 285 7510. Mulher Procriação Ecologia =33==p= =—--- w ms~~msm ~. :=.L^rjLr=r. □ O boletim "Lilith", da Casa Lilith da Mulher, que analisa, entre outros assuntos, a Campanha contra a Fome e pela Vida. End: R.Costa Barros,785-sl.l0,V.Alpina,CEP 03210, SP. □ O último boletim do VI Encontro Feminista Latinoamericano e do Caribe intitulado "Suenos, Deseos, Locuras...". O Encontro ocorreu em Costa dei Sol, El Salvador, de 30 de outubro a 5 de novembro de 1993. Inf: Miriam Botassi, CIM, tel e fax (011) 256 0003 e Schuma Schumaher, REDEH, tel (021) 285 7510, fax (021) 556 3383. A sirnuao §s —.-_.. DA POPULAÇÃO MUNDIAL C 1^-'^ -72 -ü-i-r—■" tsMiSH yE~~r rrr zr.^B ^B^i: "r-.r r^-.^r ,_„.■ -—:-—"-r; =i~=~SBpm. ~~ -=-—•■■ " U O livro "Mulheres Latinoamericanas em Dados", publicado pelo Inst. de Ia Mujer (Espanha) e pela Flacso (Fac. Latinoamericana de Ciências Sociais), que constitui um primeiro esforço de sistematização dos principais indicadores sócio-econômicos sobre a realidade e especificidades das mulheres em 19 países do continente. Pedidos: (021)2267081. □ O Relatório do 1e Encontro da Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, realizado em Recife, outubro de 1993. Informações: SOS-Corpo - Tel.: (081) 221-3018 - Fax (081)21-3947 DOI J O livro 'A quem interessar possa", da feminista Bebete do Amaral Gurgel, pela Editora Brasiliense. Nosso aporte para a Conferência de População do Cairo □ O Vídeo "Aborto Não É Crime", realizado por Rita Moreira. Pedidos com NEMGE - Tel.: (OU) 8184180. ü O Boletim Informativo da Secretaria de Mulheres do PT, que traz as decisões do V Encontro Estadual de Mulheres do PT, ocorrido no dia 8 de □ O Livro "Saga Cigana" de Maria Escolástica, pela Editora Sidharta. U A publicação "A Situação da População Mundial" lançada pelo 46 □ A Agenda de Mulheres-94, pela Editora Brasiliense. : Sumário Editorial 3 Entrelinhas Tortas 4 Guerreiras de Viena Em Território Minado 5 12 Aborto Não É Crime Aborto Não É Pecado 14 17 Ainda Não Abrimos os Olhos Infertilidade e Tecnologia 19 24 Mais do Que Musas Branda, Suave, Briguenta 30 Dona Helena Greco 34 Um Novo Pretexto para Discriminar? Discriminação Também É Preciso 37 A Revisão Constitucional Tem Limites Constitucionais Nossos Direitos para Cairo 94 38 39 36 A Cidade Cresce e Por Ela Crescem, Também, as Andanças das Mulheres Aconteceu..., Acontece..., Acaba de Sair Crônica de Uma Menina 43 44 47 ^f.Mg0im- mm;^* ^^^i*Tf"*;-mm 0 *^^ ^■~"* *■*■-' '.■.... ■'■-■ «^ .,u *..■** j**^''*' IMPRESSÃO: GRÁFICA ÁGUIA LTDA. -TEL 815-1255 Enfoque Feminista - Ano III - N- 6 Dezembro de 1993. Publicação Semestral. Distribuição Gratuita, jornalista Responsável: Rita Freire - Mtb ns 22948. Conselho Editorial: Casa da Mulher do Grajaú, Casa da Mulher Lilith, CIM - Centro Informação Mulher, Coletivo Feminista Sexualidade Saúde, Pró-Mulher e União de Mulheres de São Paulo. Coordenação Editorial: Regina Rodrigues de Morais, Sônia Alves Calió e Maria Amélia de Almeida Teles. Revisão: Luiza Esmeralda Faustinoni. Ilustrações e Capas; Marta Baião. Diagramação Eletrônica: César A. Teles. Composição e Montagem: TD Laser, Editoração Eletrônica. Fone: 362367. Fotolitos: Lasergraph, Assessoria Gráfica: Paulo Augusto Macedo. Secretaria: R. Bartolomeu Zunega, 44 - Pinheiros - SP CEP05426-020 -Tel.; (011) 212.8681 - Fax: (011) 813-8578. Apoio Financeiro: MacArthur Foundation.