XV Governo Constitucional LINHAS DE ORIENTAÇÃO PARA A REFORMA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 1. Justificação e Enquadramento da Reforma. A reforma da Administração Pública tem constituído, ao longo dos últimos anos, um tema central de debate político. A razão é simples: todos a reclamaram, muitos a prometeram, mas a verdade é que nunca se concretizou. E, todavia, uma nova sociedade e uma nova economia exigem uma Administração Pública mais competitiva, eficiente e transparente. Tradicionalmente assente numa estrutura pesada, burocrática e centralista, a Administração Pública portuguesa tem demonstrado dificuldades para corresponder, enquanto organização, aos desafios da modernidade. Os resultados estão à vista: • Incapacidade de satisfazer, de forma eficaz e atempada, as necessidades dos cidadãos • Modo de funcionamento que prejudica a concorrência e a competitividade internacional do País e das empresas • Falta de coerência do modelo de organização global • Processos de decisão demasiado longos e complexos, que impedem a resolução, em tempo útil, dos problemas dos cidadãos e que criam desconfiança em matéria de transparência e de legalidade • Desmotivação dos funcionários e desvalorização do próprio conceito de missão de serviço público. Impõe-se, portanto, uma conclusão: o modelo de gestão actual está esgotado. Portugal sofre todos os dias com este estado de coisas. O País não pode continuar, no dealbar do século XXI, com uma Administração Pública que assenta basicamente na mesma estrutura do século XIX e de que todos – cidadãos, empresas e funcionários – têm legitimas razões de queixa. Ao longo dos anos muitos estudos foram feitos, muitos diagnósticos realizados, muitas propostas formuladas. Ensaiaram-se mesmo várias tentativas de reforma e chegaram a ser tomadas algumas decisões, mas sempre pontuais, parcelares e casuísticas. O que faltou foi o enquadramento geral de uma reforma, articulada e coerente, e sobretudo a coragem para decidir e agir. Adiar mais seria agravar a situação. Em cada dia que passa a situação tende a piorar, com desvantagens óbvias para o cidadão, para a economia, para a competitividade do País e para a motivação dos próprios funcionários públicos. 2 Acresce uma outra realidade singular: esta reforma tem uma influência, directa ou indirecta – mas sempre muito relevante – no sucesso de várias outras reformas sectoriais que o País está a realizar ou vai ainda realizar. Desta reforma, e do seu sucesso, depende o êxito de muitas outras. Sem esquecer que, não sendo a vertente financeira a razão primeira e fundamental desta reforma, sempre convirá recordar que Portugal é dos Países da União Europeia que mais recursos aplica na sua Administração Pública, sem que sejam visíveis, em termos de eficiência e eficácia, os resultados correspondentes. Impõe-se, pois, mudar. E, neste caso, mudar é reformar, com coerência e com sentido de urgência. Este documento é o ponto de partida para a reforma que tem de ser feita. Ele condensa, por isso mesmo, o conjunto das grandes orientações que presidirão à reforma da Administração Pública. Esta será pois, a partir de agora, a grande prioridade da acção reformadora do Governo e nortear-se-á pelos seguintes princípios essenciais: • Promover a reforma da Administração Pública como meio de proteger e garantir os direitos dos cidadãos • Promover a reforma da Administração Pública como condição indispensável para a prossecução do primado da igualdade de oportunidades e da igualdade dos cidadãos perante a lei 3 • Promover a reforma da Administração Pública como instrumento importante de prevenção da corrupção • Promover a reforma da Administração Pública como meio eficaz de combate ao desperdício de recursos públicos • Promover a reforma da Administração Pública como estímulo à introdução ou renovação das noções de disciplina e de responsabilidade na vida pública • Promover a reforma da Administração Pública como meio privilegiado de assegurar a transparência e um maior acesso dos cidadãos à informação de que carecem • Promover a reforma da Administração Pública como condição indispensável ao estímulo ao investimento nacional e estrangeiro. 2. Objectivos Gerais. Para decidir reformar é preciso saber o que se pretende da Administração Pública do futuro. Temos que ser claros. O País precisa de uma nova Administração Pública – com qualidade e em condições de gerar competitividade . O País precisa de um novo modelo de Administração Pública – este novo modelo deve representar a aposta não tanto em mais Estado, mas sobretudo em menos Estado e melhor Estado. 4 O País precisa de uma Administração Pública orientada pelo primado da cidadania – uma Administração capaz de servir o cidadão, de apresentar resultados, de mobilizar energias e capacidades. O País precisa de uma nova cultura de Administração Pública – uma cultura fundada na ética e no aprofundamento dos valores do serviço público, apostando no mérito, no incentivo ao desempenho individual e colectivo, na responsabilidade e na responsabilização, na definição de objectivos e na subsequente avaliação dos seus resultados. A reforma que vai ser empreendida visa, por isso mesmo: • Prestigiar a missão da Administração Pública e os seus agentes, na busca da exigência e da excelência • Delimitar as funções que o Estado deve assumir directamente daquelas que, com vantagem para o cidadão, melhor podem ser prosseguidas de forma diferente • Promover a modernização dos organismos, qualificando e estimulando os funcionários, inovando processos e introduzindo novas práticas de gestão • Introduzir uma nova ideia de avaliação dos desempenhos, seja dos serviços, seja dos funcionários • Apostar na formação e na valorização dos nossos funcionários públicos. Numa palavra: o que se pretende é uma Administração ao serviço do cidadão, uma administração amiga da economia, Administração motivadora de todos quantos nela trabalham. 5 uma 3. Objectivos Específicos. Definidos os princípios que informam esta reforma e os objectivos gerais que visa prosseguir, impõe-se partir para a sua concretização prática. Também aqui há objectivos específicos que enquadram este processo reformador. São sobretudo três: • Organização – do Estado e da Administração • Liderança e Responsabilidade • Mérito e Qualificação 4. Organização do Estado. A capacidade de realização de um organismo depende, em larga medida, do modo como se encontra estruturado. Também ao nível mais geral da Administração Pública a organização é um dos vectores fundamentais e deverá ter como referência a missão e funções que a justificam, as aptidões e recursos de que carece. Mas organizar implica definir, antes de mais e com rigor, o papel do Estado, a sua dimensão, as funções que ao Estado, e só a ele, compete desempenhar. Um Estado excessivamente grande não é, normalmente, um Estado forte e muito menos um Estado eficiente. 6 Um Estado que, directamente, quer fazer tudo e intervir em todas as áreas corre o risco de não fazer bem coisa nenhuma. Um Estado moderno é aquele que sabe distinguir entre funções essenciais – que só ao Estado directamente compete desenvolver – funções acessórias – que por outras entidades, ainda que sob a supervisão do Estado, podem mais cabalmente ser exercidas – e funções inúteis que, como tal, não fazem sentido nem têm razão de ser. Trata-se de uma nova filosofia, própria de um Estado moderno, no qual as funções de regulação assumem uma importância crescente e em que os imperativos da descentralização, da desconcentração e da gestão por parte de entidades não estatais são cada vez mais um factor de progresso e de melhoria da qualidade dos serviços a prestar. Um Estado central mais pequeno pode ser mais eficaz e prosseguir melhor as suas funções essenciais de serviço público. Sobretudo se acautelar, sempre, a sua missão reguladora e fiscalizadora – normalmente a mais esquecida – e os naturais direitos adquiridos por parte dos funcionários públicos, eles próprios vítimas de uma Administração menos eficiente. Torna -se, pois, indispensável, concluir a avaliação já em curso sobre quais as tarefas e actividades de que o Estado não pode abdicar e aquelas que outras entidades são capazes de desempenhar de modo mais adequado e eficaz. 7 Esta orientação, própria de um Estado moderno, está também inscrita no Programa do Governo e teve já, de resto, aplicações práticas nalguns domínios do Estado. São os casos, designadamente, das parcerias público-privadas estabelecidas no domínio da Saúde e da decisão relativa à privatização dos Notários, no âmbito da Justiça. Importa prosseguir esta orientação segundo a qual certas actividades do Estado – que não integram o seu núcleo essencial de atribuições – podem, com vantagem para todos, ser melhor geridas por entidades de natureza privada ou social, ainda que sob o controle e a fiscalização do poder público. Neste quadro de referências, o Governo, até ao final do corrente ano, apresentará publicamente as suas primeiras propostas tendentes à concretização deste objectivo. Mais de que uma alteração quantitativa, o que está em causa é um novo modelo de Estado e uma nova filosofia para a nossa Administração. 5. Organização da Administração. Um novo modelo de organização da Administração Pública é absolutamente essencial. O modelo actual é confuso, rígido, burocrático, centralista, excessivamente hierarquizado, não promove a busca de economias de escala nem a partilha de informação entre os vários serviços. 8 A conclusão é clara: desta forma não se promove a eficiência, a simplicidade e a rapidez da resposta. Nem os funcionários públicos têm condições de motivação, nem o cidadão vê a sua vida facilitada. Há, pois, que estabelecer um novo quadro legal para a organização administrativa. O novo modelo organizacional deverá traduzir-se na redução dos níveis hierárquicos, promovendo a desburocratização dos circuitos de decisão, a melhoria dos processos, a colaboração entre serviços, a partilha de conhecimentos e uma correcta gestão da informação. Na prossecução desse objectivo, serão adoptadas as seguintes linhas de actuação: • Simplicação dos formalismos legais relativos à criação e alteração das estruturas dos serviços, por forma a tornar mais fácil e ágil a organização interna de cada serviço • Definição de normas objectivas que disciplinem a criação de institutos e entidades independentes, por forma a evitar a proliferação de organismos, a duplicação de competências e a criação de regimes de excepção • Aprovação dos diplomas legais que delimitem os três tipos de modelo organizacional e de funcionamento: - O dos serviços directos, aproximando-os, tanto quanto possível, da filosofia do modelo empresarial - O dos institutos públicos, definindo graus de autonomia, mecanismos de tutela e regras de funcionamento e controlo 9 - O dos organismos independentes, cujo desempenho é essencial à afirmação clara e transparente do Estado regulador. 5.1. Contrato Individual de Trabalho. A questão do contrato individual de trabalho é outra pedra de toque essencial. Actualmente coexistem na Administração Pública dois regimes laborais: o regime da função pública e o regime do contrato individual de trabalho. Esta introdução, há alguns anos atrás, do regime do contrato individual de trabalho, veio suscitar, porém, dois efeitos profundamente negativos: - o primeiro, decorrente do facto de que a sua introdução não se fez na base de qualquer enquadramento prévio. Assentou, antes, numa lógica casuística e aleatória. O objectivo foi mais a vontade de criar organismos e serviços novos em clara duplicação com outros serviços já existentes, fugindo aos controlos legais vigentes na Administração Pública, e menos o desejo de verdadeiramente reformar a Administração. Em consequência, o Estado não teve qualquer vantagem e a Administração não beneficiou de melhorias. - o segundo, resultante da conclusão, constatada na prática, de que as regras do direito privado não são directamente transponíveis para o funcionamento da Administração Pública, carecendo de naturais adaptações. 10 Importa não esquecer que se trata de conciliar empregador público com regime laboral privado. Torna-se necessário mudar esta situação. O problema não está na ideia do contrato individual de trabalho. Essa é, em si mesma, uma ideia positiva, que interessa aprofundar. O problema está, sim, no enquadramento geral que tem de ser feito. Temos que partir do geral para o particular, nunca o contrário. A orientação desta reforma é, também neste plano, muito clara: • Enquadrar as situações existentes em que as duplicações de serviços – com regimes laborais distintos – proliferam. Esta duplicação não beneficia nada nem ninguém • Aprovar legislação relativa ao enquadramento legal do regime do contrato individual de trabalho na Administração Pública, por forma a adaptá-lo às particularidades existentes • Definir, com rigor, a natureza específica desse contrato, designadamente a sua amplitude, a delimitação das entidades públicas responsáveis e os respectivos poderes na utilização desta figura jurídica • Incentivar o recurso ao contrato individual de trabalho, como instrumento essencial de uma nova Administração, que se pretende mais moderna, ágil e competitiva. Esta orientação será concretizada, após a definição do seu enquadramento geral, de forma gradual e selectiva, tendo em 11 atenção, designadamente, as prioridades da reforma, as especificidades das várias áreas da Administração e as necessidades mais prementes que importa satisfazer. 6. Liderança e Responsabilidade. A moderna gestão pública terá que assentar na capacidade de liderança dos seus dirigentes, na definição das responsabilidades e funções a cada nível hierárquico e nos mecanismos de prestação de contas e avaliação de resultados. Os dirigentes são, assim, o elemento de ligação entre os objectivos estabelecidos e o envolvimento dos serviços, competindo-lhes, em larga medida, a coordenação do processo de mudança. Da sua capacidade para motivar, para comunicar e para gerir dependerá, em grande medida, a preparação e a capacidade de resposta dos serviços. O desenvolvimento de boas práticas de gestão só pode ser conseguido se for impulsionado, planeado e articulado por cada dirigente. O modelo actual não dá satisfação a estas preocupações. As funções dirigentes estão burocratizadas, esvaziadas de reais competências de gestão e o sistema está concebido para nunca responder por objectivos. Impõe-se, pois, mudar. E a gestão dos serviços por objectivos é a grande matriz desta mudança. 12 Ela introduzirá clareza, ambição e responsabilidade na gestão dos serviços e organismos públicos. É a aposta na ética da responsabilidade. A revisão do Estatuto dos Dirigentes obedecerá, assim, às seguintes linhas de orientação: • Redefinição das funções dos dirigentes. O objectivo passará a ser o da gestão por objectivos • Consagração legal de reais competências de gestão aos dirigentes dos serviços • Criação de Cursos de Formação específica para dirigentes, condição obrigatória para o exercício do cargo • Eliminação dos concursos burocratizados – tal como hoje existem – promovendo, em alternativa, um processo de selecção simples, mas que assegure a isenção e a transparência na escolha • Avaliação do desempenho dos dirigentes em função dos resultados obtidos, disso dependendo a renovação das respectivas comissões de serviço • Aproximação do Estatuto dos Dirigentes ao Estatuto do Gestor Público • Estabelecimento Direcções-Gerais, de níveis em diferenciados razão responsabilidade. 13 da sua entre as várias complexidade e 7. Mérito e Qualificação. 7.1. Criação de mecanismos de avaliação do desempenho e de estímulo ao mérito. Um dos aspectos mais sensíveis da reforma da Administração Pública é, certamente, aquele que se liga com a instituição de mecanismos credíveis de avaliação. De facto, o sistema actualmente vigente é rotineiro, burocrático e distorcido no que toca à avaliação dos funcionários. Acresce que não envolve a avaliação dos serviços. Não pode sustentar-se a necessidade de introdução de critérios de rigor e de exigência ou preocupações de reconhecimento do mérito se não se introduzirem radicais mudanças no plano da avaliação. Assim, os resultados da avaliação terão de ser associados ao desenvolvimento das carreiras, de modo a impedir a prática, hoje generalizada, de promoções automáticas. Porém, a avaliação não se esgota na apreciação do desempenho individual. É indispensável introduzir mecanismos de avaliação do desempenho global do serviço. A avaliação é, por isso mesmo, neste segmento da reforma, outra mudança fundamental. Sem avaliação não é verdadeiramente possível premiar o mérito e buscar a excelência. 14 Na prossecução desses objectivos, a reforma prosseguirá as seguintes linhas de orientação: • Criação de um Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho, que envolva a avaliação individual dos funcionários, a avaliação dos dirigentes e a avaliação dos organismos e serviços • Consagração de que a avaliação dos funcionários passará a levar em conta, para além dos seus méritos individuais, o grau de realização dos objectivos da sua função • Combate ao absentismo, à indisciplina e à falta de rigor no cumprimento dos respectivos deveres profissionais • Fim das promoções e progressões automáticas. A progressão e promoção na carreira far-se-ão em função do mérito individual e do contributo para o bom funcionamento do serviço • Promover a diferenciação pelo mérito, pondo termo à injustiça que consiste na atribuição generalizada e sistemática de notas máximas de desempenho • Fixação de quotas de mérito para as classificações resultantes das avaliações, por forma a reforçar a exigência • Introdução de organismos e um novo serviços, mecanismo por recurso, de avaliação dos designadamente, a entidades externas, nacionais ou internacionais • Incentivo à competição entre serviços, de modo a promover a qualidade, a rentabilidade e a excelência • Definição de regras e critérios de avaliação que garantam coerência e equidade na gestão do sistema • Controle do sistema de avaliação. 15 7.2. Valorização e Formação dos Recursos Humanos. A reforma da Administração Pública tem de contar com a participação empenhada dos funcionários. Estes devem assumir-se como intervenientes activos das mudanças e não como destinatários passivos de tarefas que lhes são hierarquicamente impostas. O País só tem a ganhar com funcionários públicos competentes, motivados e orgulhosos do exercício da sua missão de interesse público. O sucesso desta reforma passa, em grande medida, pelo empenho, capacidade e espírito de ambição dos nossos funcionários públicos. Para tanto, a formação profissional é essencial. Daí advêm motivação pessoal para o funcionário e ganhos de produtividade para os serviços. Esta é, portanto, uma tarefa indeclinável do Estado. Uma tarefa à qual o Estado passará a atribuir uma particular prioridade. Mais do que alterações legislativas, este desiderato reclama, sobretudo, vontade política e definição de regras claras na sua aplicação. Impõe-se, portanto: • Dinamizar fortemente a área da formação dos funcionários públicos • Consagrar o princípio de que os Planos de Actividades dos serviços devem prever, obrigatoriamente, os seus próprios 16 planos de acção em matéria de formação dos respectivos funcionários • Valorizar a polivalência e a disponibilidade para a mobilidade profissional • Privilegiar a oferta de cursos de formação de carácter transversal e de cursos específicos que correspondam às necessidades dos serviços. A aposta na formação é, assim, outro elemento relevante da reforma. Ela é essencial à valorização dos nossos recursos humanos e um contributo inestimável para a melhoria da qualidade da nossa Administração. Na concretização destes objectivos o INA (Instituto Nacional de Administração) assumirá um papel de particular relevo assegurando, quando necessário, a cooperação por parte das universidades e entidades credenciadas nas áreas de formação. 8. Garantias dos Cidadãos e Transparência da Administração. Uma reforma desta natureza tem de, necessariamente, servir de instrumento para reforçar os direitos e as garantias do cidadão face à Administração. É um princípio sagrado de toda a doutrina e um postulado constitucional de inegável importância. Este desiderato afirma-se e promove-se por via não legislativa e por via legislativa. 17 Impõe-se, no primeiro caso, uma nova cultura e uma nova atitude da Administração perante o cidadão. A Administração existe para servir e ser útil às pessoas. Estas, por sua vez, têm de sentir que podem confiar na sua Administração. Há uma nova cultura gestionária a desenvolver, que implica uma nova cultura de cidadania, uma cultura de serviço às pessoas. Impõe-se, no segundo caso, a adopção de um conjunto de medidas legislativas que consolidem este princípio, que coloquem o poder de decisão mais próximo dos cidadãos, que simplifiquem procedimentos e formalidades, que obriguem à prestação pública de contas por parte da Administração, que assegurem o princípio da responsabilidade do Estado e da sua Administração perante os cidadãos. Neste particular, serão orientações da reforma: • Aprovação de um novo conjunto de medidas de descentralização, por forma a aproximar o poder de decisão das pessoas • Aprovação de um programa de desburocratização e simplificação legislativa que, designadamente, concretize a eliminação de formalidades inúteis e de exigências desproporcionadas, encurte tempos de resposta e imponha o cumprimento dos prazos legalmente previstos, expectativa legítima do cidadão • Aprovação de uma nova Lei de Responsabilidade Civil ExtraContratual do Estado – revogando a actual lei já com décadas de existência e manifestamente desajustada da realidade de hoje 18 – de modo a reforçar os direitos dos cidadãos e os deveres da Administração, corporizando, em última instância, um direito à indemnização por danos causados por acção ou omissão • Revisão do Código do Procedimento Administrativo, simplificando, actualizando e reforçando, também nesta sede, a relação da Administração com os cidadãos • Obrigação de os serviços divulgarem publicamente, de preferência nos órgãos de comunicação social, os relatórios e contas da sua actividade e bem assim os relatórios de avaliação do seu desempenho. 9. Governo Electrónico. Transversal a todo o processo da reforma é, sem dúvida, uma ampla e racional utilização das tecnologias de informação. A visão do Governo Electrónico (e-Government) para Portugal consiste em colocar o sector público entre os melhores prestadores de serviços no nosso País, com suporte em soluções tecnológicas racionalizadas. Queremos usar as tecnologias de informação e comunicação para transformar o modelo típico de uma Administração, de um sistema tradicionalmente organizado em silos, num sistema organizado em rede, que permita a partilha do conhecimento, a utilização das melhores práticas e uma Administração Pública orientada para “tarefas” e resultados e não para processos ou rotinas. 19 O Governo Electrónico tem por missão proporcionar serviços públicos integrados, de qualidade, centrados no cidadão e com ganhos de eficiência, de transparência e de racionalização de custos. Não se trata da actual Administração Pública em versão “online”, mas de uma nova Administração Pública, em que o Cidadão é tratado como Cliente. “O Cidadão, em Primeiro Lugar” – A Sociedade de informação torna esta ideia uma realidade e constitui o choque externo capaz provocar a mudança necessária. Para o desenvolvimento da estratégia de Governo Electrónico foram definidos acções e projectos calendarizados. Os projectos emblemáticos a desenvolver no domínio do Governo Electrónico são o Portal do Cidadão, a definição do sistema de interoperabilidade, a racionalização de custos de comunicação, as compras electrónicas, a criação do Portal da Administração e do Funcionário Público. O Portal do Cidadão será a face mais visível do Governo Electrónico. Verdadeira “via verde” de acesso à Administração Pública, o Portal do Cidadão irá disponibilizar o acesso aos serviços públicos interactivos em qualquer momento, em qualquer local, de forma simples e segura. O Portal do Cidadão será lançado em Dezembro de 2003, disponibilizando, 24 horas por dia e 7 dias por semana, pelo menos 50 serviços, organizados em função dos interesses do cidadão ou da empresa. Através da definição do sistema de interoperabilidade, a Administração Pública vai inverter a tendência para gestão dispersa e sem os critérios normalizados das tecnologias de informação e comunicação. Este sistema de interoperabilidade será composto por normas e mecanismos que permitam a 20 comunicação entre os vários agentes envolvidos na utilização e prestação dos serviços públicos (Cidadãos, empresas, funcionários públicos e entidades da Administração Pública). Através da racionalização de custos de comunicação, o programa do Governo Electrónico irá contribuir para o objectivo nacional de redução estrutural da despesa pública. A Administração Pública tem um potencial de 25% de redução de custos de comunicação, para o mesmo nível de serviço. Para combater os efeitos negativos da gestão dispersa e sem uma estratégia global, será definido, ainda este ano, um modelo para as comunicações na Administração Pública e renegociar-se-ão as condições contratuais com os operadores de telecomunicações. O Programa Nacional das Compras Electrónicas visa a utilização de procedimentos electrónicos no processo aquisitivo público, de modo a gerar poupanças estruturais e ganhos de eficiência nas compras do Estado, aumentando, simultaneamente, a transparência e a qualidade do serviço prestado. Este programa será desenvolvido em projectos piloto. Com o Portal da Administração e do Funcionário Público pretende-se criar o ponto de prestação de serviços internos. Este Portal servirá como um portal interno e pretende dar início a uma abordagem colaborativa dos serviços da Administração Pública com os seus funcionários. Esta abordagem vai consolidar o acesso à informação e proporcionar a standardização de processos em alguns dos serviços prestados aos funcionários 21 públicos (por exemplo, programas de formação, marcação de férias, reporte de despesas com deslocações, apresentação de baixas), possibilitando uma centralização nas actividades geradoras de valor. 10. Calendário de Execução. Com esta proposta concretiza-se a primeira fase da reforma da Administração Pública. Esta é uma reforma de natureza continuada, nunca uma reforma de carácter definitivo. Numa segunda fase, muitas outras matérias serão alvo de avaliação, reflexão e decisão. Mas importa não perder mais tempo, avançar com segurança e garantir que esta reforma é mesmo para realizar. O gradualismo não significa tibieza; significa, antes, sobretudo em matéria desta magnitude, que a reforma é mesmo para executar. Por isso, o Governo não se limita a apresentar as linhas gerais da reforma da Administração Pública. Assume, também, o compromisso de um calendário concreto de execução. Assim: a) Até 15 de Setembro, serão apresentadas à Assembleia da República as Propostas de Lei relativas à organização da Administração Directa do 22 Estado, aos Institutos Públicos, ao Estatuto dos Dirigentes e à Responsabilidade Civil Extra-Contratual do Estado; b) Até 15 de Outubro, serão apresentadas à Assembleia da República as propostas de Lei relativas à Avaliação do Desempenho e ao contrato individual de trabalho; c) Até 31 de Dezembro, o Governo aprovará, por Decreto Lei, as matérias que são da sua competência. As iniciativas relativas às demais matérias, designadamente a revisão do Código do Procedimento Administrativo e os programas de descentralização e de desburocratização, serão desencadeadas até ao final do ano. 11. Estrutura de Acompanhamento da Reforma. Definidas as orientações e o calendário de execução da reforma, é importante, face à envergadura da tarefa, definir também uma estrutura de acompanhamento. Assim, será criado, na directa dependência da Ministra de Estado e das Finanças, o cargo de Encarregado de Missão, a ser desempenhado por personalidade de reconhecida competência a qual acompanhará, a par e passo, a aplicação prática desta reforma. Simultaneamente será criado, na directa dependência do Primeiro Ministro, o Conselho Consultivo da Reforma, integrando várias personalidades de comprovado mérito e prestígio, ao qual incumbirá, designadamente, formular sugestões, recomendações ou propostas visando aperfeiçoar e aprofundar a reforma a empreender. 23 12. Considerações Finais. O Governo comprometeu-se, no seu Programa, a fazer a reforma da Administração Pública. Com a apresentação pública deste documento dá-se início ao cumprimento desse compromisso. Compete ao Governo definir os objectivos a prosseguir, o caminho a percorrer e os instrumentos a utilizar. É a responsabilidade que assumimos com a aprovação destas Linhas Gerais da Reforma. Mas incumbe também ao Governo promover um amplo debate público sobre esta matéria e a subsequente negociação, que legalmente se impõe, com as estruturas sindicais da Administração Pública. É o que faremos, na convicção de que o debate se faça de forma livre e construtiva, com o espírito de abertura que se impõe, mas também com o sentido de responsabilidade que a matéria reclama. Esta é uma reforma pela positiva. A favor da qualidade e contra a ineficiência. Em prol do cidadão e das empresas. Em benefício, ainda, de milhares de funcionários públicos que dão o seu melhor à Administração Pública e que são, eles próprios, quantas vezes, as primeiras vítimas da desorganização, da ineficiência ou do mal funcionamento dos serviços. Esta é uma reforma inadiável. Dela depende, também, em grande medida, a melhoria da nossa competitividade como País, no confronto com outros países 24 europeus dotados, já hoje, de Administrações mais competitivas, mais flexíveis e mais eficazes. O sucesso desta reforma é essencial. Para o alcançar é decisivo o contributo de todos – do Governo que tem a responsabilidade de decidir, da sociedade a quem a reforma se destina, dos trabalhadores da função pública, cuja participação, empenho e dedicação são absolutamente indispensáveis. Lisboa, 24 de Junho de 2003 25