Considerações sobre a Morte de um paciente Brasília, 30 de maio de 2014 www.paulomargotto.com.br Eduardo Hecht Médico Pediatra Emergência/HMIB “Ficar ao lado da família e de um paciente que morreu ou está morrendo não deve ser assustador ou doloroso, mas acompanhar um cessar em paz do funcionamento do corpo. Devemos conscientizar-nos da singularidade de cada indivíduo dentro da humanidade. É uma tomada de consciência da nossa finitude, do nosso limitado período de vida. Ainda assim neste curto espaço de tempo muitos dentre nós criam e vivem uma biografia única e nós mesmos tecemos a trama da história humana.” Médica psiquiatra Elizabeth Kubler Ross (Sobre a morte e o morrer) Considerações sobre a morte MORTE (Dicionário Houaiss) Fim da vida, interrupção definitiva da vida humana, animal ou vegetal. Fim da existência de qualquer ser ou ente da natureza MORTE CLÍNICA Cardíaca: Insuficiência das contrações cardíacas devido a falência ventricular, após o fracasso de todas as manobras de RCP. Diagnosticada eletrocardiograficamente por assistolia. Cerebral(Encefálica): Parada definitiva de toda a atividade cerebral com a cessação de toda a atividade respiratória espontânea e presença de exames complementares e testes físico-químicos confirmando esta falta de atividade, o que vai definir a morte para fins da lei Considerações sobre a morte A morte constitui ainda um medo universal, um acontecimento inexorável, um tabu, onde se evita debater Do ponto de vista psiquiátrico oEm nosso inconsciente a morte nunca é possível quando se trata de nós mesmos. oÉ inconcebível para o nosso inconsciente imaginar um fim real para a nossa vida na terra. oDurante boa parte de nossa vida acreditamos em nossa imortalidade. Podemos até aceitar a morte do próximo, o que só reforça a confirmação inconsciente da nossa imortalidade. (“ainda bem que não fui eu”) Elizabeth K Ross Sobre a morte e o morrer O que mudou no mundo? Diminuição considerável da mortalidade e aumento da expectativa de vida Mortes passaram a ocorrer mais nos hospitais Maior aparato tecnológico. Menos contato físico e mais distanciamento Mudou o nosso modo de conviver e lidar com a morte, com o morrer e com os pacientes moribundos O que mais mudou ? Hoje em dia morrer pode se tornar triste demais, tornando-se um ato mecânico, solitário e desumano. O paciente não raro é deslocado de seu ambiente familiar e levado às pressas para uma UTI O que mudou com os médicos? Em era de alta tecnologia estamos encarando cada vez menos os pacientes como seres humanos, não sabemos seu nome, chamamos pela sua patologia Tendemos a nos afastar dos pacientes “condenados”. “Não há mais nada a fazer”. Prestamos mais atenção aos equipamentos e exames do que na expressão facial do paciente Impedimos que familiares e filhos permaneçam ao lado daquele que está morrendo dentro de um hospital Sustentamos longas discussões sobre dizer ou não a verdade ao paciente Buscamos alta eficiência, correndo atrás de exames complementares, ficamos em computadores digitando e esquecemos de conversar com a criança, segurar a sua mão, sorrir e prestar atenção em uma pergunta Estamos nos tornando mais ou menos humanos ? MÉDICOS PROFISSIONAL DE ENFERMAGEM INFUSÕES VENOSAS Criança na Sala de Reanimação PROCEDIMENTOS DOLOROSOS SEDATIVOS APARELHOS Nós Médicos Fomos formados e preparados para salvar vidas. Devemos: Detectar e tratar condições pré-PCR Ressuscitar e salvar vidas das crianças Estamos preparados ?? Até que ponto a faculdade nos prepara: Para confrontar com a morte do seu paciente Dar suporte aos membros da família Para lidar com este nosso “fracasso” Nossa realidade Emergência: Morte por quadro agudo (doenças respiratórias, cardíacas, sepse, convulsões, Intoxicações) Enfermarias: Pacientes oncológicos, neuropatas, doenças metabólicas, nefropatias, hepatopatias Morte aguda Contato foi menos íntimo e o envolvimento foi mais superficial. Fica mais fácil? A maioria relata que a família principalmente deseja do profissional médico empatia e franqueza O ideal é que o médico que assistiu a morte seja a pessoa a iniciar o suporte para a família Decisões de iniciar e interromper manobras de RCP Inicie sempre RCP até vir à tona prova em contrário de que esta não é necessária; Não iniciar se já existe declaração legal para não ressuscitar O paciente tem sinais de morte irreversível como “rigor mortis” Tentativas de RCP podem colocar em risco a vida do médico A decisão de suspender as manobras de RCP em ambiente hospitalar é sempre da competência do médico Timerman, Sérgio Suporte Básico e Avançado de Vida em Emergências Quando interromper? Dentre os vários critérios, o mais significativo é o tempo de duração dos esforços de RCP Se uma criança falha às manobras de RCP após o mínimo de 3 doses de Epinefrina, sem o retorno da circulação espontânea é improvável a sobrevivência da mesma, o que leva a um espaço de tempo de 20-30 minutos NÃO INTERROMPER AINDA SE FV e TV sem pulso ainda não tratada com eletroterapia Intoxicação por drogas de longo tempo de absorção e metabolismo Hipotermia No RN estima-se que a não resposta em 15 minutos de uma RCP bem administrada permite a decisão da interrupção da mesma Suporte para a família SUPORTE EMOCIONAL Privacidade: sala em que não haja riscos de interrupções, tenha se possível lenços de papel, copo de água e telefone Comunicação imediata: palavras claras, precisas, sem termos técnicos. Diga morte, morreu. Evite expressões faleceu, foi a óbito Número mínimo de profissionais e consistência dos mesmos Identifique-se, assim como qualquer outro profissional que ficar no recinto junto com você. Pergunte ou já previamente saiba o nome dos pais Sempre utilize o nome da criança Sente-se junto com a família. Nunca fique de pé. Olhar nos olhos Coping with death and dying - PALS Instructor Manual 2005 Evitar pedidos de desculpas. Expresse solidariedade Disponibilidade Escutar em silêncio Empatia Respeito Copíng with death and dying- PALS Instructor Manual - AHA 2005 Suporte para a família ESPERE O INESPERADO Reações inesperadas podem ocorrer como raiva, negação, surtos psicóticos ou mesmo estado de choque Após todas comunicações, assegure que alguém ficará disponível, mas permita a privacidade da família para ela lidar com a dor da perda neste momento. Evite fornecimento de sedativos: prejudicam a memória e a compreensão das informações Intervenção psiquiátrica: surtos psicóticos agudos ou ideação suicida Coping with death and dying- PALS Provider Manual AHA 2005 Suporte para a família SUPORTE TÉCNICO Planejamento: Atestado de óbito, necropsia, funerária, preservação do corpo, informação para outros familiares Orientar priorização de tarefas Discutir sobre doação de órgãos Frases que são micos “Vocês têm outros filhos. Pense neles” “Você tem que ser forte” “Vocês ainda são jovens e podem ter outros filhos” “Descansou” Do profissional médico Não encarar a morte como uma falha pessoal e profissional. Não ter sentimentos de culpa e remorso Evitar comportamentos defensivos Se você se sente à vontade não tema expressar seu pesar, choro, mas nunca inverta o papel de que a família passe a te dar suporte na intenção de você se sentir menos culpado pela sua “falha” Do profissional médico Necessidades emocionais: Podemos sentir tristeza, raiva, ansiedade, irritabilidade e exaustão. Dividir com outros profissionais ou a família Necessidades físicas: alimentação, sono, repouso e um tempo sem envolvimento com tarefas estressantes diárias Do profissional médico Saber reconhecer o quanto seus próprios sentimentos comprometem na sua habilidade de conduzir a situação Se necessário dispense alguns minutos para você se recompor (sala isolada, lanchonete, amigos) Doação de órgãos Pode ser difícil colocar inicialmente este tema no meio da crise separar discussões sobre a doença da criança e o seu prognóstico e a discussão sobre a doação de órgãos. Dê tempo para a família para absorver a informação sobre o prognóstico da criança antes de mencionar o tema doação de órgãos Existem profissionais capacitados da Central de captação para conversarem com os familiares sobre doação de órgãos. Quero que você sinta que me importo pelo fato de você ser você, que me importo até o último momento da sua vida e faremos tudo que estiver ao nosso alcance, não somente para ajudá-lo a morrer em paz, mas também para você viver até o dia da sua morte”. (Dra Cecily Saunders- Mestre em cuidados paliativos) Referências Bibliográficas • Kubler-Ross, Elizabeth- Sobre a morte e o morrer, Editora Martins • • • • • • Fontes 7ª Edição 1996 Kubler-Ross, Elizabeth – A roda da vida, Editora Sextante1ª Edição 1998 Duda, Deborah – Voltar para casa. Editora Nova Fronteira PALS Provider Manual- Capítulo Coping with death and dying – American Heart Association 2005 Timerman, Sergio Suporte Basico e Avançado de Vida em Emergências. Editora Câmara dos Deputados- Brasilia-DF Fotos: Henri Cartier Bresson e Robert Doisneau Pessini, Leo e Bertachini, Luciana- Humanização e Cuidados Paliativos- Sociedade Brasileira de Bioética, Edições Loyola São Paulo 2006