A MASSA DE MODELAR UTILIZADA COMO RECURSO TERAPÊUTICO NO ACOMPANHAMENTO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA Letícia Aparecida Oliveira, Me. Michele Honorato Arantes INTRODUÇÃO Desde a Pré-História, a arte tem representado uma atividade fundamental do ser humano (BOSI 2003, apud MICHELETTO 2009). A possibilidade de sua realização torna a pessoa ativa sobre o mundo, dando-lhe capacidade de recriar e reinventar sua existência; e como no caso da Pré-História a arte é uma ferramenta de comunicação para com outras pessoas, é a possibilidade de ligar o mundo interior ao exterior. Nogueira (et all 2006) diz que “a concepção da oficina se situa no campo da participação no processo de produção midiática e o processo é considerado tão importante quanto o resultado obtido. É através do processo de produção que os participantes travam contato com os elementos de linguagem, necessários à construção de sentido simbólico.” Para Ciornai (1995 apud ARCURI 2004) “a atividade artística vai nos proporcionar linguagens mais afinadas à natureza de nossas experiências, internas [muitas vezes] ainda não traduzíveis em palavras”. O uso da arte como terapia implica reconhecimento da importância do processo criativo como uma forma de reconciliar conflitos emocionais, bem como facilitar a autopercepção e o desenvolvimento pessoal. As crianças freqüentemente precisam de outras formas para expressar seus sentimentos que não a verbal, para obter os ganhos que essa expressão significa para o desenvolvimento da terapia (GADELHA; MENEZE 2004). A arteterapia utiliza-se de modalidades expressivas para possibilitar que o paciente entre em contato com sua realidade interna podendo reelaborá-la e/ou até mesmo expressá-la. Dentre vários recursos utilizados por essa modalidade terapêutica, cabe citar aqui a argila por ser um processo semelhante ao da massa de modelar. Piauhy (2004), diz que a argila vai atuar no corpo físico, no nível dos órgãos internos, ativando inicialmente as glândulas endócrinas, que vão agir nos órgãos, atuando no metabolismo. Atua a nível visceral, mobilizando vivências muito primitivas. “O primeiro contato com a argila, desde a escolha até o toque propriamente dito; é o momento em que o sujeito estabelece uma relação diferenciada de contato com o mundo.” (ALLESSANDRINI 2002 apud PASSOS 2004). Gadelha e Menezes (2004) dizem que a argila ou a massa de modelar caseira favorecem a concentração da criança na conversa e na atividade e além de desenvolver um sentimento de autoconfiança na mesma, auxilia na observação de aspectos como o comportamento da criança em relação com a sujeira, com a organização e “sua relação com o errar”, afirmam também, que a massa de modelar pode 1 propiciar relaxamento corporal. Diz ainda que as crianças precisam de outras formas para expressar seus sentimentos, já que não conseguem falar sobre eles. A massa de modelar pode ser entendida também como uma brincadeira. “Mas, brincar, mais do que diversão, é uma forma de interagir com a realidade, principalmente para as crianças. É pela brincadeira que a criança recria, interpreta e estabelece relações com o mundo em que vive”. (OLIVEIRA; VARGAS 2006). As autoras afirmam também que “para Vygotsky, segundo Negrine (2002), o brincar cria uma ‘zona de desenvolvimento proximal’, fazendo com que a criança supere diariamente sua condição real, uma vez que o brincar é considerado em si só uma fonte de desenvolvimento”. Assim, massa de modelar foi utilizada neste trabalho como jogo, brinquedo e instrumento de arte e terapia para auxiliar no desenvolvimento biopsicossocial de crianças e jovens com deficiências. Além disso, buscou-se verificar a eficiência do material no tratamento e integração de pessoas com limitações físicas, emocionais, mentais, comportamentais e educacionais. METODOLOGIA A massa de modelar, como recurso terapêutico, foi utilizada em sessões semanais, no Espaço das Oficinas, que é um espaço terapêutico e educacional voltado para crianças e jovens com qualquer tipo de limitação, sendo portadores de necessidades especiais ou não. Participaram da atividade 9 pessoas (6 do sexo feminino e 3 do sexo masculino) com idades entre 11 e 27 anos, portadoras de deficiência mental e /ou física, devido a paralisia cerebral, síndromes não diagnosticadas, TDH, microcefalia e síndrome Cornelha de Langh. Foram realizadas dez sessões com massa de modelar, sendo que as atividades foram assim divididas no decorrer dessas sessões: Nas duas primeiras sessões foram realizadas com a massa de modelar comprada em papelarias, nessas, os alunos deveriam amassar e enrolar a massinha. O intuito era apenas entrar em contato com o material. Na terceira e quarta sessões, os monitores fizeram massa de modelar caseira, com 2 xícaras de chá de farinha de trigo, meia xícara de chá de água e meia xícara de chá de sal; sendo que a turma era sempre questionada sobre o material que estava sendo usado, como um incentivo para que participassem da atividade. Ajudavam a amassar quando ainda dentro da bacia. Em seguida a massa de modelar era dividida entre a turma. Pode-se dizer que o intuito dessas sessões era, entre outros, aprender a dividir. Na quinta e sexta sessões, os alunos fizeram massa de modelar individual (4 colheres de sal de cozinha, 3 colheres de farinha de trigo e água até o ponto), um de cada vez foi acompanhado/auxiliado pelos monitores. Nas sessões sétima e oitava acrescentaram-se suco em pó às massas individuais e, para explorar os sentidos, pediu-se que os participantes cheirassem a massinha que haviam feito, e dissessem de que cor havia ficado. Nas duas últimas sessões, foi acrescentada tinta guache as massinhas, sendo que cada um escolheria a cor da sua. Em todas as sessões, os participantes eram incentivados a interagir com o material, com os colegas e monitores. Ao final, eram anotados comportamentos individuais, para que no decorrer das sessões o desenvolvimento de cada um pudesse ser analisado. RESULTADOS E DISCUSSÃO 2 Ao analisar o que foi observado e anotado no decorrer das sessões, percebeu-se que o desenvolvimento biopsicossocial ocorreu de forma distinta nos participantes da pesquisa. Algumas características fizeram-se mais notáveis em uns e outros. Mas de modo geral, podese constatar que o trabalho com a massa de modelar ajuda tanto no desenvolvimento pessoal quanto na inclusão do grupo. Os sentidos foram trabalhados de forma muito eficiente. Ao amassar a massa de modelar e dar-lhe formas, a pessoa realmente entra em contato com o mundo através de suas mãos, torna-se ativa, atuando em contexto grupal. Tem-se maior possibilidade de trabalhar a resposta aos estímulos e a atenção a comandos, podendo ser igualmente um instrumento pedagógico e terapêutico. O trabalho com massa de modelar mostrou-se eficiente por ajudar no desenvolvimento da psicomotricidade, uma vez que são executadas tarefas como misturar com a colher, amassar abrindo e fechando as mãos ou ainda batendo na massinha sobre a mesa. Notou-se grande melhora na capacidade de realizar movimentos de pinça em dois dos participantes. A sensopercepção pôde ser muito bem trabalhada, já que foi possível sentir o cheiro e até mesmo o gosto dos materiais, identificando as cores e respondendo a comandos de voz como “vamos amassar?” ou “o que vamos fazer?”. A interação social foi trabalhada no sentido de reconhecer o outro e respeitar o seu espaço, e isso foi possível, pois as sessões foram realizadas em grupos. Além disso, pode-se trabalhar a tolerância ao tempo na atividade e a resistência ao material, notada em especial em um dos participantes que apresentava certo “nojo” a massinha, que foi associada a atividades que o aluno gostava de fazer, como bater palmas, cantar e contar. O fato de a atividade ter sido realizada sempre as quartas-feiras ajudou a desenvolver uma maior orientação no tempo, “quarta-feira tem oficina de massinha!”. Assim, relacionando as teorias a atividades realizadas vemos que, sendo considerada uma forma de arte terapia ou não, a massa de modelar é um interessante instrumento terapêutico que pode ajudar no desenvolvimento de habilidades sociais, motoras e psicológicas. REFERÊNCIAS ARCURI, Irene, organizadora. Arteterapia de corpo & alma. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. GADELHA, Yvanna Aires; MENEZE, Izane Nogueira. Estratégias lúdicas na relação terapêutica com crianças na terapia comportamental. Disponível em < http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/cienciasaude/article/view/523/344> Acesso em 22 de set de 2012 MICHELETTO, Franciane Sonni Martins. Ensino de arte para alunos com deficiência: relato dos professores. Disponível em < http://polo1.marilia.unesp.br/Home/PosGraduacao/Educacao/Dissertacoes/micheletto_fsm_me_mar.pdf> Acesso em 15 de set de 2012. NOGUEIRA, Maria José; BARCELOS, Samuel; BARROS, Héliton; SCHALL, Virgínia Torres. Dó, Ré, Mi, Fá... zendo arte com massinhas: Oficinas educativas com adolescentes da Vila Cafezal – Belo Horizonte/MG. Disponível em <http://www.museudavida.fiocruz.br/media/Memorias_Ciencia_e_Arte_2006.pdf>. Acesso em 21 de set 2012. 3 OLIVEIRA, Flávia Moretto de; VARGAS, Luciane Canto. Brincadeira é Jogo Sério. Disponivel em < http://websmed.portoalegre.rs.gov.br/escolas/emilio/autoria/artigos2006/7Brincadeira_jogos.p df> Acesso em 09 de set de 2012 PASSOS, Norma. A arteterapia como técnica de desenvolvimento em razão da potencialidade de pessoas especiais. Disponível em <http://www.avm.edu.br/monopdf/24/NORMA%20PASSOS.pdf> Acesso em 15 de set de 2012. PIAUHY, C; RUBIM, F. Terra, para o chão firmeza, para a mão carícia. O entrelaçamento entre o grounding e a argila no processo terapêutico. Disponível em <http://www.centroreichiano.com.br/artigos/Anais%202004/Cristina%20Piauhy%20e%20F% C3%A1tima.pdf> Acesso em 15 de set de 2012. 4