DECISÃO E ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA - XX 1. Da decisão jurídica: - A busca da interpretação abre espaço à interpretação divergente, o que leva a uma outra questão, ou seja, como se obtém a decisão prevalecente? - O termo decisão está ligado aos processos deliberativos, formados pelos estados psicológicos do juízo diante de opções possíveis, onde a decisão aparece como um ato final em que uma possibilidade é acolhida, abandonando-se as demais. Modernamente, o conceito decisão tem sido visto por um processo mais complexo, o qual pode-se chamar de processo de aprendizagem, pertencendo a este processo: a) o impulso: deve ser entendido como a questão conflitiva; b) a motivação: corresponde ao conjunto de expectativas que nos forçam a encarar as incompatibilidades como conflitos; c) a reação: constitui a resposta; d) a recompensa: é o objetivo, a situação final na qual se alcança uma relação definitiva em confronto com o ponto de partida. No processo acima a decisão tem na resposta o seu momento culminante, onde a justificativa da resposta constitui a questão de sua legitimidade. Com a resposta poderemos dar uma satisfação imediata para o conflito, bem como podemos também buscar uma resposta que traga satisfação mediata (expectativas grupais; expectativas sociais, políticas, econômicas); - Decisão aparece como um termo correlato de conflito, o qual está entendido como o conjunto de alternativas que surge da diversidade de interesses, e, portanto exige decisão; - A institucionalização do conflito e do procedimento decisório confere aos conflitos jurídicos uma qualidade especial: eles terminam, ou seja, a decisão jurídica lhes impõe um fim, não no sentido de que os elimina, mas que impede sua continuação, ao contrário de outros conflitos sociais, como os religiosos, políticos e outros que podem permanecer indefinidos. Os conflitos jurídicos, uma vez decididos, não podem mais ser retomados ou levados adiante indefinitivamente; - Podemos dizer que o fenômeno jurídico constitui um sistema de controle de comportamento, sendo que a decisão e o conflito são dois termos correlatos que se centralizam na noção de controle: poder de decisão de conflitos institucionalizados pelo Estado; 1 - A decisão jurídica está relacionada à construção do juízo deliberativo do juiz, como também, do administrador, do legislador e da autoridade em geral. Esta construção está ligada à norma; a descrição do caso conflitivo; e a conclusão, como ato decisório, e, portanto, aplicável na obtenção: de sentença judicial; de decisão administrativa; e no sentido de que o legislador, ao editar leis, aplica a Constituição, para a decisão legislativa; - A aplicação do direito não se confunde com a interpretação, embora a exija. Demonstrado, por via hermenêutica, o sentido da norma, é preciso demonstrar que o caso a ser decidido nele se enquadra. Constitui o processo de subsunção. Quem decide, antes da sua conclusão deve construir algumas premissas, como a descrição da norma, a hipótese de sua incidência – a facti specie - embasadoras da conclusão, a qual poderá ser uma sanção; - Exige-se um controle do processo decisório, baseado em alguns princípios balizadores para a sua aplicação. No direito moderno o mais importante é o da legalidade, que vincula o decididor à lei e se expressa pela proibição da decisão contra legem. Para evitar uma extremada rigidez da aplicação destes princípios, aparecem outros, como o da discricionariedade, permitindo a quem decide a escolha de meios, conforme um juízo valorativo de oportunidade, quando, por exemplo, este tem de aplicar cláusulas gerais do tipo “no cumprimento das obrigações ou no exercício dos direitos correspondentes, deve-se proceder de boa-fé”, esta exige um juízo de oportunidade. O decididor, também, pode invocar alteração imprevisível das condições de fato, fazendo menção à cláusula rebus sic stantibus, que permite ao aplicador conformar o direito à realidade, quando a celeridade social e econômica altera as circunstâncias, tornando, por exemplo, as cláusulas de um contrato incompatíveis com o sentido da obrigação. Conquanto se suponha que, ao elaborar um contrato, as partes sejam previdentes, o futuro pode trazer situações fora de qualquer previsibilidade; - O autor destaca que a decisão não emerge automaticamente da subsunção do caso à norma. Há ainda o requisito da prova, ou seja, a constatação demonstrada do fato ocorrido. Ainda do ângulo da tomada de decisão, questão importante relacionada com a prova é a da atribuição do onus probanti. O principio regulador mais conhecido é o de que este recai sobre quem afirma o fato. Existem, porém, situações diversas, como é o in dúbio pro reo; 2. Da argumentação jurídica: - Diz o autor que se num momento final, a decisão jurídica termina as questões conflitivas, pondo-lhe um fim, isso não que dizer que, durante todo o processo, ela não seja argumentada. Assim da argumentação para a obtenção das decisões cuida a teoria da argumentação jurídica; 2 - A argumentatio, probatio (Quintiliano) ou confirmatio (Cícero) era conhecida na Antiguidade, como uma das partes da arte retórica, pois se destinava a produzir a credibilidade dos pontos de vista arrolados. Cícero definia: “a confirmação persuade o ouvinte pelo raciocínio, estabelece a verdade da causa e acha as provas que a fazem triunfar”. Consistia na apresentação das provas. No decorrer dos séculos a “argumentação”, no plano jurídico, foi-se especializando, dando origem à teoria das provas; - A argumentação opõe-se a demonstração. A teoria da demonstração funda-se na idéia de evidencia. Em conseqüência toda prova seria redução à evidencia, sendo que o evidente não teria a necessidade de prova. Em contrapartida, a teoria da argumentação desenvolveu-se com base na idéia de que nem toda prova é concebível como redução à evidencia, mas requer técnicas capazes de provocar ou acrescer a adesão dos espíritos às teses que se apresentam a seu descortínio. A demonstração, nesse sentido, liga-se aos raciocínios lógicos-formais, como os matemáticos, enquanto a argumentação refere-se antes aos raciocínios persuasivos, como são os políticos e os jurídicos, cuja validade é restrita a auditórios particulares, não pretendendo adquirir a universalidade da demonstração; - Admitindo-se que todo problema trazido à deliberação jurídica tem o caráter de conflito, isto é, alternativas incompatíveis que pedem decisão, o procedimento começa na constatação da real existência de um conflito e se ele é jurídico, esta primeira etapa era chamada pela retórica antiga de translatio. Após esta se segue um procedimento denominado conjectural, que se refere às consistências fáticas das alegações. Articula-se um fato que se liga a um autor. O ato de argumentar procede, então, pelo seguinte questionamento: há um fato? quem é o autor? O questionamento estrutura as posições de ataque e defesa. O ataque mais forte afirma o fato e relaciona-se ao autor. A defesa mais forte nega ambos. A defesa mais fraca admite o fato, mas nega a autoria; - Um outro lance do procedimento argumentativo consiste na proposição de outro objeto direto que modifica o conteúdo do fato: “admite-se, mas outra coisa”, esta fase é denominada de definitio, discutindo aqui a relação entre o fato e seu sentido tipificado pela norma (roubo por furto). Esta fase no questionamento argumentativo é sempre partidária, uma vez que é sempre usada no interesse das partes. Do ponto de vista da decisão, seu fim ultimo é subsumir a designação do fato à significação da palavra legal objetivada pelo legislador ou pela lei (voluntas legislatoris ou voluntas legis), ou negar essa subsunção, tendo em vista as possibilidades de ataque ou defesa. Cada parte procura demonstrar convincentemente sua definição, recorrendo a argumentos referentes à intenção da lei ou do legislador, ao uso da lingüística, a etimologia e outros. Esses recursos por serem partidários, devem levar a uma definição em termos de verdadeiros ou falsos; 3 - O autor enumera os seguintes argumentos jurídicos, dentre outros: a) Argumento ab auctoritate (argumento de autoridade): trata-se do argumento que procura provar uma tese qualquer, utilizando-se dos atos ou das opiniões de uma pessoa que goza de prestigio (autoridade) ou de um grupo, constituído da maioria dos seus membros que a apóiam. A ciência sempre refutou este argumento, em nome da livre pesquisa da verdade. Ex.: a força da chamada “doutrina dominante” e de expressões do tipo “sobre o assunto, a doutrina é pacifica”; b) Argumento a contrario sensu: consiste em concluir uma proposição admissível, pela proposição que lhe é oposta. Ex.: se o legislador especificou taxativamente os caso de incidência do tributo, a contraio sensu os demais casos não estão abrangidos. Torna-se insustentável, pois uma conseqüência verdadeira pede resultar de um principio falso; c) Argumento a fortiori: é usado para determinar um limite, como no dito popular “que pode o mais, pode o menos”. Na argumentação jurídica é usado para justificar regras de conduta, como ninguém dá o que não tem; o que a lei não distingue não deve o interprete distinguir; d) Argumento exemplar: pela retórica moderna são tratados como argumentos quase-lógicos. A utilização de decisões jurisprudenciais para fortalecer uma conclusão a propósito de um determinado caso, enquadra-se também nesse tipo de argumento. ___________________________________ FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito, 3. Ed. São Paulo: Atlas. 2001, p. 305-339 4