Sr. Presidente, senhoras senadoras, senhores senadores.
Cidadãos que nos acompanham pela TV e Rádio
Senado. Amigos das redes sociais,
É como um perdedor que ocupo hoje esta tribuna. Venho
como alguém a quem a derrota corteja: certeira,
transparente, inevitável, aritmética. Sou o titular da perda
anunciada, do que não acontecerá.
Mas o bom povo de Mato Grosso não me deu voz nesta
Casa para só disputar os certames que posso ganhar, mas
para lutar, com todas as minhas forças, as batalhas que
forem justas. Sigo o exemplo do apóstolo Paulo, também
um perdedor, degolado em Roma por levar a mensagem do
Cristo: quero poder dizer a todas as pessoas que
combati o bom combate.
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As palavras dos vitoriosos são lembradas. Seus feitos,
realçados. Sua versão, tende a se perenizar. O sorriso do
orgulho lhes estampa a face, tantas vezes, antes mesmo de
vencerem. E nem sempre se pergunta que vitória foi esta
que obtiveram. Será a vitória do Rei Pirro, que bateu os
romanos na Batalha de Heracleia (280 A.C.) e olhando
desconsolado para suas tropas destroçadas, disse que
“outra vitória como aquela o arruinaria”? Será a vitória do
Marechal Pétain, que ocupou o poder numa França
emasculada pelos nazistas, traindo o melhor de sua
gente? Será a vitória sem honra dos alemães diante do
levante de Varsóvia?
Pois existem vitorias que elevam o gênero humano e
outras que o rebaixam. Vitórias da esperança e vitórias
do desalento. E, tantas vezes, é entre os derrotados, os que
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perderam, os que não conseguiram, que o espírito humano
mais se mostra elevado, que a política renasce, que a
sociedade progride.
Minha voz não é a da vitoriosa derrama de El-Rey de
Portugal, mas a dos derrotados inconfidentes que fizeram
germinar o sonho da nossa independência. O grande herói
brasileiro, senador Aécio, – Tiradentes - é um perdedor,
pois a Conjuração Mineira não venceu, naquele momento,
mas nem as partes de seu corpo pregadas na via pública,
ao longo do caminho de Vila Rica, o impediram de ser um
brasileiro imortal.
Valho-me da memória de outro grande brasileiro, Ulisses
Guimarães, anticandidato, lançado em 1973 pelo então
MDB, MDB Jarbas Vasconcelos, MDB Pedro Simon,
MDB Requião, tendo como vice-anticadidato Barbosa
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Lima
Sobrinho.
“Vou
percorrer
o
país
como
anticandidato”, disse Ulysses, para denunciar a “antieleição”, do regime militar.
Ulysses Guimarães, este grande perdedor, este grande
brasileiro.
Pois aqui estou, emulando o espírito daqueles
grandes homens:
Eu me anticandidato à Presidência deste Senado da
República.
Apresento-me para combater o bom combate. Quero ser
Presidente da Casa da Federação. Quero que a sociedade
brasileira observe que as coisas podem ser diferentes, que
o passado não precisa necessariamente voltar, que há
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modos novos e melhores de fazer política, que esta Casa
não é um apêndice, um “puxadinho” do Poder Executivo,
mas que estamos aqui também pelo voto direto que nos
deram o bom povo de nossos Estados.
Chega do Senado-perdigueiro! Chega do Senado-sabujo!
Somos senadores, não leva-e-trazes do Poder Executivo!
Não podemos respeitar os demais poderes, o Executivo
ou o Judiciário, se não nos respeitamos a nós próprios.
Não ajudamos a boa governança constitucional, se nos
olvidamos de nossos deveres, de nosso papel e nossas
prerrogativas. Nossa
omissão
alimenta o agigantamento
dos outros poderes, o que a Constituição repele.
É como derrotado que posso dizer francamente que a
sociedade brasileira clama por mudança, por dignidade,
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por esperança, por novos costumes políticos, por uma nova
compreensão de nosso papel como senadores.
Anticandidato-me à Presidência do Senado, para combater
o mau vezo do Poder Executivo de despejar suas medidas
provisórias, ainda que fora de situações de urgência e
relevância,
em
continuado
desprestígio
de
nossas
prerrogativas legislativas.
Lanço-me para que façamos valer a Constituição e seu
artigo 48, II, segundo o qual devemos velar pelas
prerrogativas de nossa Casa Legislativa. Almejo aplicar
severa e serenamente, o artigo 48,
XI, do Regimento
Interno do Senado, segundo o qual o Presidente tem o
dever de impugnar proposições que lhe pareçam contrárias
à Constituição, às leis e ao próprio Regimento”.
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Eu, anunciado perdedor, comprometo-me perante meus
pares e perante todo o país a impugnar estes exageros do
Poder Executivo. Será que o anunciado vencedor pode
fazer idêntica promessa?
Vou
aplicar
o
mesmo
rigor
aos
“contrabandos
legislativos”, impedindo que o oportunismo de alguns
acrescente às já abusivas Medidas Provisórias as emendas
de interesses duvidosos que nada têm a ver com o objeto
original da medida que se supõe urgente e relevante.
Prometo desconcentrar o meu poder como Presidente,
distribuindo a relatoria dos projetos por sorteio. Como
agirá o vencedor? Distribuirá apenas entre os seus?
Vou criar uma agenda pública e transparente, a ser
informada a toda a sociedade brasileira, para a apreciação
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dos vetos presidenciais, estas centenas de esqueletos que
deixamos por aqui. Vou designar as comissões e convocar
as sessões do Congresso Nacional que se façam
necessárias. Como farão os vencedores?
Vou além: toda a agenda legislativa tem de ser
democratizada. Comprometo-me a construir mecanismo
pelo qual os cidadãos possam formular diretamente
requerimentos de urgência para votação de matérias, nas
mesmas condições que a Constituição exige para a
iniciativa popular de projetos de lei.
Farei ainda com que o Senado invista no desenvolvimento
de mecanismos seguros de petição digital, para facilitar a
mobilização dos cidadãos em torno das iniciativas
populares já previstas na nossa Carta Magna.
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Mobilizarei também toda a Casa para promover a
atualização dos textos dos Regimentos Internos do Senado
e do Congresso Nacional, documentos originários de
resoluções dos anos 70, aprovadas durante o período
escuro de nosso país e anteriores até mesmo à nossa
Constituição democrática.
Aos servidores do Senado faço o compromisso de dar o
que
eles,
profissionais
organização,
estruturação
dedicados,
mais
administrativa
querem:
eficiente,
seriedade, probidade. É também o que espera a sociedade
brasileira. Não serão tolerados abusos de qualquer ordem.
Funcionários públicos, representantes do povo, estamos
aqui para servir a Sociedade e o Estado e não para nos
servimos deles!
Como farão os vencedores? O que farão aqueles que já
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venceram antes e nada fizeram? Como esteve o Senado,
quando ocupado pelos presumidos vencedores de hoje?
Posso ser um perdedor, mas para mim, a lisura, a
transparência, o comportamento austero são predicados
inegociáveis de um Presidente do Senado. Será que os
vencedores também poderão dizê-lo?
Os que hão de vencer dialogarão com a classe média, com
os trabalhadores, as organizações da sociedade civil, com a
Câmara dos Deputados, com estudantes e donas-de-casa?
Os vencedores darão continuidade a reformas como a do
Código Penal, a Administrativa e o Pacto Federativo, ou
preferirão deixar as coisas como estão?
A ética estará com os vencedores ou com os perdedores,
Senhores Senadores?
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Quais de nós serão mais bem acolhidos, não nesta Casa,
mas pela sociedade brasileira. Os vencedores ou os
perdedores?
Queremos o melhor para nós ou o melhor para a
nação?
Existem voltas ainda hoje esperadas, como a de Dom
Sebastião, que se perdeu nas batalhas africanas. A volta do
Messias, esperado por judeus e cristãos. Os desaparecidos
na época do regime militar, senador Aluísio, que hão de
aparecer, ainda que para a dignidade de serem enterrados
pela família.
Mas existem voltas que criam receios, de continuísmo, de
letargia, de erros ressurgentes.
Sou o anticandidato, o que perderá. Não sou especial.
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Não tenho qualidades que cada cidadão brasileiro,
trabalhador e honesto, não tenha também. A ética que
proclamo é aquela que quase todos os brasileiros se
orgulham de cultivar. Eu não temo o próprio passado e,
portanto, não tenho medo do futuro. Falo pelos derrotados
deste país, todos os que ainda não conseguiram seus
direitos básicos: as mulheres, senadora Lídice da Mata;
os índios, senador Wellington Dias; as crianças, senadora
Ana Rita; os negros, senador Paulo Paim; os assalariados,
senador Jaime Campos; os sem casa, senador Rodrigo
Rolemberg; os sem escola, amigo Cristovam Buarque.
Falo pelos sem voto, aqueles que, embora titulares da
soberania popular – o cidadão – se vêem alijados da
disputa pela Presidência desta Casa, porque o terreno da
disputa se circunscreveu aos partidos da maioria.
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Essa não é mais a candidatura do Pedro Taques, e sim do
PDT, do PSOL, do PSB, do DEM, do PSDB e de
corajosos senadores de outras legendas, que não se
submetem. Por que, como diz o poeta cuiabano Manoel de
Barros, “quem anda no trilho é trem de ferro, liberdade
caça jeito”.
Essa candidatura é daqueles que nunca tiveram voz nesta
Casa, é dos mais de 300 mil brasileiros que assinaram a
petição online “Ficha Limpa no Senado: Renan não”,
promovida pelo portal internacional Avaaz.
Sei que nossa derrota é certeira, transparente,
inevitável, aritmética. Mas faço minha a fala do
inesquecível Senador Darcy Ribeiro:
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“Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e
fracassei,
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”.
Nas andanças do tempo, vencedores podem ser efêmeros;
os derrotados de um dia, vencem noutro. Maiorias se
tornam minorias. Mas a dignidade, Senhores Senadores,
jamais esmorece. Nós, os que vamos perder, saudamos a
todos, com a dignidade intacta e o coração efusivo de
esperança.
Janeiro de 2013
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Discurso eleição Presidência do Senado