1 A ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO PODER JUDICIÁRIO * Marlene Ap. Lourenço Leite n°17 ** Prof.ª Rita de Cássia Diogo 1 A raiz da desigualdade não está na matéria (sua distribuição ou não...) A raiz da miséria está na desigualdade de percepção, de sabedoria, de ação; no que fazer, e como fazer, por si e pelo todo. A prosperidade e o sucesso vêm da mente rica! E isso não se reparte, se multiplica! Edolesia Resumo: O presente artigo pretende demonstrar o que é o Poder Judiciário e como se desenvolve o Serviço Social nesse espaço ocupacional, mais especificamente, dentro do Setor Técnico que atende a Vara da Infância e Juventude, salientando a importância do comprometimento desses profissionais com o Projeto Ético Político do Assistente Social, visando a ampliação ao acesso dos Direitos das crianças e adolescentes que se apresentam como demanda no cotidiano profissional. Nesse sentido, apresentamos um pequeno resgate histórico sobre o surgimento do Serviço Social dentro do Poder Judiciário, e que este está atrelado ao aumento da demanda, devido aos contundentes reflexos da questão social, tão presentes na atualidade, estas que são consequências das desigualdades produzidas pelo sistema capitalista. Por fim, identificamos neste trabalho, algumas armadilhas e desafios enfrentados por estes profissionais, bem como, salientamos a necessidade da articulação com a rede de atendimento, com a finalidade de, numa perspectiva crítica, objetivar um trabalho pautado, não na criminalização dos sujeitos, mas no acesso aos direitos sonegados pelas classes dominantes. Palavras chaves: Poder Judiciário, questão social, desafios e rede. INTRODUÇÃO: Este artigo visa demonstrar o relevante papel do assistente Social no Poder Judiciário, mais especificamente na Vara da Infância e Juventude, bem como, a extrema importância das implicações de seus pareceres sociais, nos quais promotores e magistrados se pautam para proferirem decisões judiciais, e que implicam na mudança de vida de crianças e adolescentes que são as demandas desses profissionais que atuam nesse espaço ocupacional. Assim, analisaremos o Poder Judiciário, enquanto instância de poder, criada na antiguidade para dirimir conflitos entre as pessoas e assegurar o amparo, a proteção ou a tutela dos direitos estabelecidos por lei, e para tanto nos reportaremos a Fávero, Melão e Jorge (2011). Discorreremos, ainda, que o agravamento da questão social fez com que acrescesse as demandas do Judiciário, perfazendo uma judicialização da pobreza, e desenvolvendo um aspecto importante na atualidade que é o controle judicial das políticas públicas, conforme evidenciado por Borgianni in Cortez (2013), e, ainda, nos reportaremos a esta autora para refletirmos sobre os desafios e armadilhas que podem ser encontrados nesse espaço ocupacional, necessitando da atenção e comprometimento dos(as) profissionais que lá atuam. * Discentes do 8º semestre de Serviço Social no Ceunsp – Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio. **Professora orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso. 2 Discorreremos sobre o surgimento do Serviço Social nesse campo ocupacional até a atualidade, com pontuações de Fávero, Melão e Jorge (2011), bem como, refletiremos sobre a atuação desses profissionais, com fundamentos em Fávero (2009), e como os fundamentos da área de Serviço Social servirão de suporte à decisão judicial, visando perpassar a realidade dos conhecimentos das relações sociais, sejam elas econômicas, políticas culturais, familiares, que se construíram historicamente na trajetória dos avanços e retrocessos das relações sociais e humanas. Por fim, abordaremos o trabalho em rede, discorrendo sobre o que são e quais tipos de rede que podem ser utilizados para o enfrentamento de diversos conflitos existentes e encaminhados ao Poder Judiciário e a importância na articulação para proporcionar a aquisição material e social aos sujeitos e suas famílias, bem como, a relevância do trabalho em rede que busca o empoderamento do usuário, enquanto partícipe do seu próprio processo de avaliação, rompendo com a passividade e se tornando ator da sua vida, exercendo assim, a tão desejada cidadania. 1. O PODER JUDICIÁRIO E O DESAFIO DO SERVIÇO SOCIAL O Poder Judiciário é uma instituição pública, “que tem a função de garantir e defender os direitos individuais, ou seja, promover a justiça, resolvendo todos os conflitos que possam surgir na vida em sociedade” (http://www.tjrs.jus.br). Esse poder é estruturado a partir da maior lei do país, a Constituição Federal 1988, sendo que todo o povo pode e deve recorrer a ele como garantia de um direito que esteja sendo violado, bem como para punir quem descumpre a lei, ou, como explicitado por Fávero, Melão e Jorge (Org.), (2011): Entende-se INSTITUIÇÃO, neste caso, como o locus de intermediação entre o Estado e a população que a ela procura, espaço esse transversalizado por forças e interesses criados no âmbito dos projetos da sociedade ocidental, para “...determinar e assegurar a aplicação das leis que garantem a inviolabilidade dos direitos individuais” (Ferraz Jr., 1994, p.13). Entendendo que, desde sua constituição nos tempos antigos, a instituição judiciária chega aos tempos modernos como básica ao Estado (p. 32, grifos conforme o original). Sob essa perspectiva, o Judiciário e todo o universo jurídico teriam sido criados com a finalidade de pacificar as relações de conflitos entre os homens, como uma garantia de paz social e de universalidade de direitos, porém, o agravamento da questão social, faz com que haja uma corrida aos tribunais de justiça para ver alcançado os direitos sonegados pelas classes dominantes, conforme acentuado por Fávero, Melão e Jorge (Org), (2011): Em alguns espaços do Poder Judiciário, essas funções sociais se expressam mais nitidamente, como aqueles nos quais tramitam as ações relativas à infância, juventude, família e criminais. Nessa realidade, expressões da ausência, insuficiência ou ineficiência do Poder Executivo na implementação de políticas sociais redistributivas e universalizantes se escancaram, na medida em que, além dos litígios e demandas que requerem a intervenção judicial, como regulamentação de guarda de filhos, violência doméstica, adoção etc., cada vez mais se acentua uma “demanda fora de lugar” ou uma 3 judicialização da pobreza, que busca no Judiciário solução para situações que embora se expressem particularmente, decorrem das extremas condições de desigualdades sociais (p. 33/34, grifos conforme o original).” Com isso notamos que o agravamento da questão social, sobretudo depois da implantação do neoliberalismo no Brasil, acresceu as demandas apresentadas no cotidiano dos profissionais que atuam no Judiciário brasileiro. Essa Judicialização da pobreza decorrente da questão social, desenvolve outro aspecto importante na atualidade que é o controle judicial das políticas públicas, que são as iniciativas da sociedade civil organizada em cobrar judicialmente o cumprimento do Poder Executivo quanto ao dever de implantar ações sociais previstas nas legislações orçamentárias, essenciais para a manutenção da vida de milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza (BORGIANNI IN CORTEZ, 2013). Nesse contexto, há uma grande abertura à contratação do trabalho do assistente social no campo jurídico, mais precisamente no Poder Judiciário, visto que esta especialidade pode oferecer suporte às decisões de magistrados e promotores, assim, conforme Borgianni in Cortez (2013), verificamos que: Em outros termos, o âmbito daquilo que Piovesan 2 e Vieira3 denominam de justiciabilidade dos direitos sociais pode ser considerado um espaço privilegiado para a atuação do assistente social hoje. Basta observar, por exemplo, o manancial de contradições que surgem no cenário jurídico a partir do momento em que o movimento social fez insculpir no texto da Constituição Federal o famoso artigo 6º,4 que trata dos direitos sociais. De fato, esse é um dos artigos mais importantes da Constituição para os assistentes sociais em seu trabalho cotidiano, uma vez que é o que permite a exigibilidade daquilo que deve ser considerado prioritário nas políticas públicas e que até oferece os argumentos concretos sobre a necessidade de construção de uma nova organização societária (p. 429). Assim, segundo autora, essa corrida aos tribunais tornou o espaço ocupacional do Serviço Social muito mais amplo, abriu um enorme número de vagas aos assistentes sociais, visto que o aumento dos reflexos da questão social está cada vez mais abrangente, enquanto que os direitos sociais necessitam ser conquistados a duras penas, em contendas processuais, através de liminares 2 Professora doutora em Direito Constitucional e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professora de Direitos Humanos dos Programas de Pós Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, visiting fellow do Human Rights Program da Harvard Law School (1995 e 2000), visiting fellow do Centre for Brazilian Studies da University of Oxford (2005), procuradora do Estado de São Paulo, membro do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e membro da SUR – Human Rights University Network. Um especial agradecimento é feito à Akemi Kamimura, pelo auxílio na realização de pesquisa para este artigo. 3 Advogado militante em São Paulo. Mestrando em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Assistente-Voluntário de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor-Convidado da Escola Superior da Advocacia de São Paulo. 4 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010). 4 e determinações judiciais e o que torna essa conquista possível é o que determina o artigo 6º da Constituição Federal de 1988, conforme evidencia Borgiani in Cortez (2013): É como se o artigo 6º tivesse o potencial de deslocar os cidadãos que hoje se encontram na fila dos reús (como devedores, ladrões de baixa periculosidade e pequenos traficantes etc.) para a fila dos requerentes de direitos perante o Estado (p. 429, grifos conforme o original). Em resumo, o artigo 6º da Constituição Federal de 1988 é um marco das lutas dos movimentos sociais, pois legaliza os direitos sociais, e é essa legalidade que dá suporte e fundamento aos argumentos dos assistentes sociais na luta pelo acesso ao direito dos sujeitos, sobretudo aos profissionais que atuam no Poder Judiciário, ante a possibilidade de argumentar e dar subsídios concretos aos magistrados e promotores de Justiça, e que auxiliarão em decisões e sentenças processuais, isto porque essa especialidade profissional, em contato com o cotidiano da população de cada município, pode demonstrar com dados, a realidade em que (sobre)vivem milhares de pessoas, principalmente as mais carentes. Porém, para que isso ocorra é necessário que o assistente social seja comprometido e consciente de seu papel. Assim, observamos a necessidade, conforme Borgianni in Cortez (2013, p. 430) de “Profissionais que sejam bem formados do ponto de vista crítico analítico e que se disponham a perguntar insistentemente por que o universo jurídico tende a ser mais eficaz e célere quando se trata de defender o direito constitucional à propriedade [...]” não tendo a mesma disposição quanto ao que diz respeito ao direito à dignidade e à proteção humana de milhares de pobres que buscam no Judiciário que a justiça seja feita. Ser um assistente social comprometido requer atuar sob a perspectiva do Projeto Ético Político do Profissional, com resistência à exploração capitalista, qualificando suas ações cotidianas na busca do acesso ao direito dos sujeitos, bem como na construção de uma nova ordem societária, pois, conforme Borgianni in Cortez (2013): Esse projeto contém um conjunto de referências técnicas, teóricas, éticas e políticas para o exercício profissional, e está lastreado na perspectiva crítica e ontológica de análise da realidade social, tendo como pressuposto que a sociedade burguesa gera limites intransponíveis para se alcançar a real emancipação do ser social (p. 430). Neste contexto este projeto potencializa a resistência profissional do assistente social à crescente barbárie imposta pelo sistema capitalista, no entanto, é necessário o entendimento que a questão social não está atrelada apenas à pauperização que assola o país, mas também à luta dos trabalhadores pelo seu reconhecimento enquanto classe social, conforme já vimos, mas ela é também “[...] a expressão da intermediação do Estado nessas relações conflituosas que se estabelecem entre trabalhadores e empresariado”, segundo Borgianni in Cortez (2013, p. 432), e é 5 por fazer parte dessas relações tão antagônicas, que o Serviço Social adquire um caráter contraditório, conforme Iamamoto e Carvalho (2011): Como as classes sociais fundamentais e suas personagens só existem em relação, pela mútua mediação entre elas, a atuação do Assistente Social é necessariamente polarizada pelos interesses de tais classes, tendendo a ser cooptada por aqueles que têm uma posição dominante. Reproduz também, pela mesma atividade, interesses contrapostos que convivem em tensão. Responde tanto a demandas do capital como do trabalho e só pode fortalecer um ou outro polo pela mediação de seu oposto. Participa tanto dos mecanismos de dominação e exploração como, ao mesmo tempo e pela mesma atividade, da resposta às necessidades de sobrevivência da classe trabalhadora e da reprodução do antagonismo nesses interesses sociais, reforçando as contradições que constituem o móvel básico da história (p. 81). Com essa compreensão podemos deduzir que o caráter contraditório da profissão está na possibilidade do profissional se posicionar e favorecer tanto o capital quanto a classe trabalhadora, e é neste contexto que o profissional se depara com os desafios e/ou armadilhas que estão colocadas em sua prática cotidiana, sobretudo na área judiciária, onde, em contato com os reflexos da questão social, lidarão diretamente com os destinos das vidas das pessoas, pois são as interpretações desses profissionais que servirão de base para resolução de processos que aguardam por uma decisão judicial, com aplicação de leis punitivas e/ou coercitivas. Assim, ao atuar nessa área o profissional corre sério risco de cair em armadilhas ou se deparar com desafios em seu cotidiano, que requererão atenção. A primeira delas, conforme Borgianni in Cortez (2013): Superar a aparência dos fenômenos com os quais vai trabalhar; tal aparência é a de problemas jurídicos, pois, como vimos, na realidade também carregam conteúdos de cunho eminentemente político e social, e nessas outras esferas é que também deveriam ganhar sua resolutividade (p. 435). Ou seja, a complexidade das situações que se apresentam no cotidiano profissional são individualizadas em litígios e conflitos entre partes, instaurados em processos e que requerem respostas imediatas, sem levar em conta a historicidade e totalidade situacional dos envolvidos, sendo assim, o Poder Judiciário resolve conflitos de ordem jurídicos, porém, o objeto da demanda nem sempre é o que está posto, a raiz do objeto demandado, muitas vezes, são sociais e políticos, eles precisam ser compreendidos nas mais variadas dimensões, inclusive na subjetividade que se encontram nas diversas formas de relações sociais. Tendo isso consciente, o assistente social comprometido terá a postura profissional ética de resistência à reiteração da ordem que está posta. E, assim, podemos apontar mais um dos desafios que estão postos para os assistentes sociais que atuam nessa área, conforme Borgianni in Cortez (2013): A tendência de incorporarem, como sendo atribuição de sua profissão, ou de seu fazer profissional, os instrumentos de “aferição de verdades jurídicas”, como o são o exame criminológico ou a inquirição de vítimas ou testemunhas, sob a eufemística ideia de “redução de danos” (p. 436, grifos conforme o original). 6 Neste contexto, o assistente social deve ter a compreensão que nesses espaços em que há o fenômeno da judicialização das expressões da questão social, e que tem por meta a criminalização e punição da classe subalternizada da população, sua atuação deve ser coesa com as atribuições que lhe são conferidas pela lei que regulamenta a profissão, devendo agir com cautela para que esse agir não venha a auxiliar na culpabilização dos sujeitos que se apresentam nos contextos processuais. Para tais casos a intervenção que deve ser realizada é a do estudo social, instrumento próprio do assistente social, que muitas vezes atua em situações complexas, que demandam tempo para análise, a fim de evitar respostas imediatistas. Outra armadilha da qual o assistente social vem se tornando refém é do possibilismo mais ordinário, conforme Borgianni in Cortez (2013, p. 437) “se só é possível fazer isso, então vamos fazer [...]”, desta forma, o(a) assistente social passa a considerar que aquilo é uma forma de “redução de danos”, justificando a prática profissional em discordância com as recomendações legais atribuídas à profissão, sem tomar o devido cuidado para que a atuação seja realizada com qualidade e apreço, desenvolvendo, ainda, práticas que não são de sua competência profissional, acreditando que estão contribuindo para acelerar o andamento dos processos e para que a justiça seja feita. Esse raciocínio vem justificar a atuação do profissional junto a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, pois, a fim de evitar maiores danos e não precisar repetir várias vezes a violência sofrida, admite que ela seja ouvida de forma a violar seus direitos e trazer danos psicológicos, e ainda, contribui para reforçar a criminalização e encarceramento dos supostos agressores, sem levar-se em conta a necessidade de recuperação também dessas pessoas (BORGIANNI IN CORTEZ, 2013, p. 437). E assim, entramos em mais uma das armadilhas, conforme Borgianni in Cortez (2013): [...] nessa área há o risco enorme de o assistente social deixar-se envolver pela “força da autoridade” que emana do poder de resolver as questões jurídicas pela impositividade, que é o que marca o campo sociojurídico, e “encurtar” o panorama para onde deveria voltar-se sua visão de realidade, deixando repousar essa mirada na chamada lide, ou no conflito judicializado propriamente dito; passando a agir como se fora o próprio juiz, ou como um “terceiro imparcial”, mas cuja determinação irá afetar profundamente a vida de cada pessoa envolvida na lide. Por exemplo, em um processo em que alguém está sendo acusado de negligência para com uma criança, seja o pai ou a mãe: a decisão judicial buscará “recompor o direito da criança que foi violado”, podendo, no limite, alijar ou esse pai ou essa mãe, ou ambos, do poder familiar sobre essa criança. O assistente social, diferentemente de um juiz ou de um promotor, diante de um caso assim, terá que olhar para a totalidade da problemática e suas consequências, e não só para a proteção dos direitos da criança que, sem dúvida, será o foco da atenção do juiz (p. 438, grifos conforme o original). Notamos, assim, que o foco de um Juiz ou de um Promotor de Justiça é de reparação e criminalização, a ele importa reconstruir a verdade e punir o réu, porém o olhar do assistente 7 social deverá ser bem mais amplo e profundo, visando à proteção dos direitos de todos os envolvidos. E isso chama a atenção para outro desafio ao cotidiano do profissional que é, segundo Borgianni in Cortez (2013): [...] ao assumir para si as demandas e as práticas institucionais sem questioná-las, apenas reproduzindo respostas fiscalizadoras dos comportamentos, e criminalizadoras dos sujeitos que são alvo da ação judicial, passam a não se ver, eles mesmos, como trabalhadores, e não participam dos movimentos próprios da classe trabalhadora, de seus sindicatos, de suas entidades representativas, de seus fóruns de debates (p. 438). Isso ocorre porque muitos profissionais que atuam no judiciário se consideram uma classe de elite, não se reconhece enquanto classe trabalhadora sujeitas aos mesmos constrangimentos, são assim, presas fáceis da alienação, e portanto, não participam dos movimentos de classes. Importante é frisar que a atuação dos assistentes sociais no Poder Judiciário não pode ser o de reprodução da classe dominante, que busca a culpabilização dos sujeitos ou que está a serviço da vigilância dos comportamentos e dos julgamentos morais, tampouco atuar de forma burocrática fazendo apenas os processos andarem. Neste contexto, o papel do assistente social deve ser impositivo e de resistência às práticas capitalistas, deve ser questionador e atualizado com a realidade, a fim de levar para dentro dos processos, componentes que visam perpassar a realidade dos acontecimentos das relações sociais, sejam elas econômicas, políticas, culturais, familiares, que se construíram historicamente na trajetória dos avanços emancipatórios (ou não) da humanidade, pois, o seu papel não é o de decidir, mas sim o de dar subsídios para que a justiça seja feita. 2. BREVE HISTÓRICO DA INSERÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO JUDICIÁRIO PAULISTA E SUAS ATRIBUIÇÕES ATÉ A ATUALIDADE. A atuação dos assistentes sociais no Judiciário Paulista teve início no chamado Juízo Privativo de Menores5, como comissários de vigilância6, que tinham a incumbência de levar ao conhecimento do juiz os casos relacionados com crianças e adolescentes abandonados e infratores (FÁVERO MELÃO e JORGE, Org., 2011), mas, formalmente o Serviço Social iniciou sua atuação junto ao Juizado de Menores7 no final dos anos 1940, quando aconteceu a I Semana de 5 Decreto n. 16.272 de 20 de dezembro de 1923. Aprova o regulamento da assistência e proteção aos menores abandonados e delinquentes. Foi a primeira instituição estatal voltada para a assistência a crianças abandonadas física e moralmente. 6 O Comissariado era constituído de membros da sociedade que se dispunham voluntariamente a auxiliar o Juiz, e era pelas impressões deles que os casos chegavam ao conhecimento do juiz. Porém, era realizado por pessoas de boa vontade, mas sem conhecimentos adequados para lidar com as complexas situações que se apresentavam no dia a dia. 7 Há indícios de que a primeira inserção profissional do Serviço Social no Brasil se tenha concretizado no campo sociojuridico, particularmente no então chamado Juizado de Menores e, mais especificamente ainda, na comarca da 8 Estudos do Problema de Menores8, com a criação do Serviço de Colocação Familiar no Estado de São Paulo, pela Lei nº 560, de 27/12/1949, e ainda, segundo as mesmas autoras: O desenvolvimento desse trabalho foi atribuído aos assistentes sociais, no Juizado, abrindo um vasto campo para a consolidação de suas atividades nesse contexto. A lei pertinente à regulamentação do Serviço de Colocação Familiar previa, em seu § 5º, do artigo 6º, “... que na comarca de São Paulo o chefe do Serviço, de preferência assistente social diplomado por Escola de Serviço Social, seria designado pelo Juiz de Menores”. O primeiro Diretor do Serviço de Colocação Familiar foi o assistente social José Pinheiro Cortez, que permaneceu na função de 1950 a 1979, sendo sucedido por outros assistentes sociais, até a transferência desse serviço para o Poder Executivo, em 1985 (p. 48, grifos conforme o original). Notamos, com isso, que o Serviço Social iniciou-se no contexto da Justiça infanto-juvenil, a partir do apoio do Poder Judiciário, e esse campo de atuação tem aumentado cada vez mais, em decorrência do aumento da questão social, bem como, da necessidade e utilidade da especialização dessa profissão, que detém um saber específico sobre as relações sociais e familiares, com o qual passou a subsidiar as decisões judiciais. O primeiro concurso público para assistentes sociais integrarem o quadro de pessoal do Tribunal de Justiça em São Paulo ocorreu em 1967, e em 1979 aconteceu o segundo concurso público, consolidando a atuação do Serviço Social no Judiciário Paulista (FÁVERO, MELÃO e JORGE, Org, 2011). Em 1985 este quadro aumentou e em 1990, com promulgação do ECA9, houve a realização de processo seletivo para a contratação de assistentes sociais em todas as comarcas do interior do Estado de São Paulo e no ano seguinte foi normatizada a atuação dos Assistentes Sociais, mediante o Provimento CXVI do Conselho Superior da Magistratura10, nas Varas e Foros onde já existia o Serviço, conforme Fávero, Melão e Jorge (Org), (2011). Nos anos recentes os cargos e funções vagos não estão sendo repostos, em razão de alegada contenção de despesas por parte do Tribunal de Justiça de São Paulo, acumulando demandas aos profissionais que estão ativos, e sua intervenção no Judiciário Paulista não se fixa cidade de São Paulo. Sabemos que a primeira Escola de Serviço Social do país surgiu na capital paulista em 1936, com participação decisiva da Igreja Católica e, à época, destinada a mulheres abastadas dispostas a realizar “atividades de caráter assistencial”. Naquele momento histórico, já fazia cerca de dez anos de vigência do primeiro Código de Menores (1927), assim como da atuação, em São Paulo, do Juízo Privativo de Menores, criado em 1924. Gustavo Meneghetti – Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina. 8 Eventos promovidos pelo tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através do Juizado de Menores, pela Procuradoria Geral do Estado e pela Escola de Serviço Social. Ao todo foram realizadas 13 semanas de Estudo do Problema de Menores, sendo a primeira em 1948 e a última em 1983. Gustavo Meneghetti – Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina. 9 Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8.069, de 13/07/1990. Manual de Procedimentos Técnicos para atuação de Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 10 9 apenas na demanda encaminhada pelos juízes, enquanto partes em litígios e contendas processuais, mas também, conforme Fávero, Melão e Jorge (Org), (2011): O Serviço Social, ao longo de sua trajetória na organização judiciária, ficou reconhecido pela necessidade de intervenção não só no contexto da Justiça infanto-juvenil e família, mas em diversas áreas. De acordo com a proposta elaborada e encaminhada pela AASPTJ-SP11 ao TJSP, hoje o Serviço Social atua em várias frentes e suas atribuições não se resumem apenas a situações relacionadas às medidas judiciais. Atuando em conformidade com os princípios éticos norteadores da profissão, tem contribuído para a implementação de projetos e programas na área de saúde mental e vocacional, reavaliação funcional, capacitação e treinamento etc., funções estas que envolvem o conhecimento das vivências socioeconômicas e culturais dos sujeitos e de como reagem às diferentes manifestações da questão social na sua vida cotidiana (p. 51-52). Com isso, percebemos que os saberes acumulados por esta classe de profissionais permitem que contribuam, não só com pareceres técnicos construídos dentro de um processo judicial, mas também com o aprimoramento de vários profissionais que atuam no Judiciário, e que por vezes também são acometidos pelos reflexos da questão social. Mas o que torna essa classe de profissionais tão necessárias? Qual a sua real utilidade nesse campo permeado por disputas econômicas, sociais, políticas, e onde a face do poder é tão presente. E aqui também podemos fazer as mesmas indagações de Fávero in CFESS (2009): Qual é o conhecimento pertinente a essa área de trabalho e os fundamentos éticos que o direcionam? Como esse conhecimento e essa postura ética têm-se colocado na intervenção cotidiana no âmbito das ações judiciais? Qual é a dinâmica de uma ação processual e com que base de conhecimentos o magistrado toma uma decisão e profere uma sentença na Justiça da Infância e da Juventude, Justiça da Família, Justiça Criminal – enquanto áreas nas quais mais comumente a atuação do assistente social é solicitada? Em síntese, quais são as instruções da área do Serviço Social que fundamentam a ação e a decisão processuais? (p. 610). Para que possamos obter respostas a estes questionamentos é necessário que entendamos como se processa uma ação judicial. O processo comumente se apresenta como um conjunto de peças, iniciando-se com uma petição ou pedido inicial, feito por um advogado ou Promotor de Justiça, instruído por documentos que são apresentados como prova. Essas provas são apresentadas pelos sujeitos envolvidos, por testemunhas judiciais ou por peritos, que são pessoas detentoras de conhecimentos especializados, a fim de instruir os autos com informações específicas e fundamentadas, de forma a subsidiar o Juiz na tomada de decisões ou promulgação de sentenças. O Juiz se baseia em provas para julgar e uma das provas mais usadas nas esferas judiciais da Infância e Juventude, família e criminal são os conhecimentos acumulados pelo Serviço Social, isto porque a complexidade das relações sociais contidas nesses processos só é possível de ser desvendada por essa especialidade, a do assistente social. 11 Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 10 Para um trabalho de qualidade, e mais, para que seja possível o acesso à justiça é necessário que o profissional tenha pleno conhecimento teórico e ético da profissão. É importante, ainda, considerar cada perícia técnica solicitada como situações onde estão elencados os mais variados fatores, como explicitado por Fávero in CFESS (2009): É imprescindível considerar que “o caso” em estudo não é “um caso”, ou seja, ele tem sua condição singular, todavia a sua construção é social, histórica, cultural. As influências familiares, os condicionantes culturais, as determinações sociais relacionadas ao mundo do trabalho, às políticas sociais, ao território onde vive, particularizam-se em sua história e explicam sua condição presente (p. 612, grifos conforme o original). Assim, é necessário o desvelamento da realidade social em que vivem os sujeitos sociais, famílias, grupos ou organizações, pois os fatos que estão sendo analisados no processo judicial estão condicionados nas relações sociais, econômicas, políticas, familiares e culturais, historicamente construídas, sendo que estas estão intimamente ligadas ao sistema que está posto, são, pois, reflexos da questão social. Enfim, muitas situações requererão do assistente social que ele perpasse a imediaticidade e tenha a capacidade de em uma perspectiva crítica, identificar a complexidade e a totalidade da realidade do(s) sujeito(s), em todas as suas dimensões, a fim de analisá-las e interpretá-las como constitutivas dos reflexos da questão social, estabelecidas por uma sociedade onde as classes são extremamente desiguais. O Serviço Social auxilia o magistrado através de estudos sociais materializados em relatórios sociais, subsidiados por meio de entrevistas e/ou visitas domiciliares, que possibilitam a realização desses referidos estudos e nos quais são alocados seus pareceres sociais, com vista a sugerir ou ampliar o acesso à justiça e/ou aos direitos sociais, mas, para que ele seja realizado é necessário conhecer e interpretar a realidade na qual está inserida a demanda, porém, ao falarmos da realidade social é necessário o conhecimento das determinantes socioeconômicos-culturais que compõem a sociedade em que vivemos, como o trabalho que proporciona rendimentos e que dá a garantia do acesso a direitos e a possibilidade de manter uma família com dignidade. Esses conhecimentos sobre o mundo do trabalho são especialmente importantes para a realização de um relatório ou laudo social de qualidade, segundo Fávero in CFESS (2009): Portanto, falar de trabalho, de emprego, de desemprego, de renda, em um relatório ou em um laudo, implica reunir conhecimentos das referidas transformações e de como elas afetam a vida de indivíduos e/ou famílias envolvidas nas ações judiciais. Como o desemprego, por exemplo, afeta as relações familiares; de que forma reage o homem, historicamente provedor da casa e da família, a se ver desempregado e sem perspectivas de dar conta desse papel. Ainda que mudanças nas relações de gênero venham possibilitando novas feições a essa tradicional divisão de responsabilidades pelo público (homem) e pelo privado (mulher), a incorporação cultural de uma nova realidade demanda tempo. Nesse contexto, no dia a dia do trabalho, comumente os profissionais se deparam com histórias familiares que revelam que o sentimento de fracasso e vergonha por parte do homem/trabalhador que se vê sem condições, pela “incapacidade” – situada por ele no plano individual - de dar conta desse papel, afeta o cotidiano de muitos 11 trabalhadores desempregados e subempregados, resultando, por vezes, em violência e/ou em rompimento de vínculos (p. 615-616, grifos conforme o original). Assim, como vimos anteriormente, interpretar a realidade do mundo do trabalho não é tão simples, pois ela vem passando por transformações tecnológicas e legalistas, atualmente tem sido terceirizado e precarizado, e estas transformações tem afetado também as relações sociais, pois em um país onde o desemprego e o subemprego vigoram é necessário ver além, implica, por exemplo, reconhecer de que forma o homem, historicamente provedor, reage a se ver refém de fatores externos, aos quais não tem controle, e que lhe acarreta sentimentos de fracasso e vergonha por se ver sem condições de desempenhar o seu papel, conforme Sarti (2011): O valor moral do trabalho, com o benefício que dele decorre, não se inscreve, então, apenas dentro da lógica do cálculo econômico do mercado. Através do trabalho, os pobres constroem uma ideia de autonomia moral, atualizando valores masculinos como a disposição e a força (não só física, mas moral), que fazem do homem homem (p. 95, grifos conforme o original). E mais, frente a isso, delega-se à mulher a incumbência de criar, educar e sustentar a casa e os filhos, sem, contudo, dar-lhe o suporte necessário para manter esses cuidados, uma vez que o Estado tem se tornado cada vez mais ausente, e, assim, os reflexos da questão social, em última instância, serão encaminhados para possíveis soluções pelo sistema judiciário, como forma de manter a ordem e responsabilizar os sujeitos, no caso genitoras e genitores, por negligência ante a necessidade de proteção com a prole, porém, ao profissional comprometido e responsável é necessário observar além do que está posto, e, assim, conforme Fávero in CFESS (2009): Dados dessa natureza o assistente social necessita conhecer para realizar a instrução processual. Por exemplo, por que não existe vaga suficiente em creche para dar conta da demanda? Qual é o orçamento previsto para projetos com essa finalidade? O que a legislação diz a respeito? Quais as informações e explicações sobre essa realidade que o assistente social pode oferecer em uma instrução processual de maneira a possibilitar que o Ministério Público, por exemplo, provoque o Poder Executivo para que cumpra a legislação, criando programas que garantam a convivência familiar e comunitária? (p. 616). Essas indagações são pertinentes e necessárias para garantir um atendimento seguro e livre de valores pessoais e culpabilização, refletindo que os sujeitos demandados são seres humanos que vivem em situações que demandam compreensão objetivas, e que, enquanto profissionais comprometidos com o Projeto Ético Político e em conformidade com o Código de Ética Profissional, os assistentes sociais podem e devem ir além, refletindo sobre o fato que o estudo social realizado pode sugerir em seu parecer social, provocações que configurarão em mudanças positivas na vida dos envolvidos. 3. A ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE E A SUA ARTICULAÇÃO COM A REDE. 12 A partir do E.C.A. nota-se uma expansão do Serviço Social no Judiciário, em especial nas Varas da Infância e Juventude, pois a atuação do assistente social se configura essencial quando falamos de infância e juventude, espaço em que é necessário o conhecimento amplo e crítico das expressões da questão social, e os aspectos socioeconômico e culturais dos sujeitos e famílias que são apresentados enquanto demandas processuais, e que, embora em um primeiro momento se apresente individualmente, elas são coletivas, pois são reproduções de uma sociedade extremamente desigual e de décadas de exploração, inegavelmente ligadas às transformações trabalhistas, transformações essas que sempre privilegiaram o capital, segundo Fávero in CFESS (2009): Para dizer da situação de trabalho do(s) sujeito(s), não basta dizer se alguém está ou não trabalhando. Necessárias são a contextualização e a interpretação de sua realidade, bem como do significado do trabalho – para aquele sujeito particular, no território onde se insere, no Estado e no país onde vive – e suas conexões com a política e a economia mundiais (p. 614-615, grifos conforme o original). Essas transformações rebatem diretamente na família, e assim, inegavelmente, elaborar estudos sociais sobre a realidade das famílias exige do profissional conhecimento e interpretação da realidade social e mudanças estruturais pelo qual passam as famílias, afinal é necessária uma análise crítica sobre os valores que a norteiam, sendo necessário, ainda, que o profissional mantenha um distanciamento entre os valores e concepções pessoais e essa outra família, que pode, segundo Fávero in CFESS (2009, p. 620) “[...] ter uma constituição e uma concepção – por opção ou por contingência – opostas à concepção do profissional”. Nesse sentido, é necessária a reflexão ética no exercício profissional, para que a atuação seja isenta de conceitos preconcebidos, pois a reflexão ética, conforme Fávero in CFESS (2009, p. 621) “[...] projeta uma direção social comprometida com a liberdade, a democracia, a efetivação de direitos humanos e sociais, a emancipação humana”. Assim, estabelecer um diálogo com a família contemporânea, requer uma reflexão sobre quais são os parâmetros que norteiam as análises que servirão de fundamentos para a realização de estudos sociais e laudos, que subsidiarão requerimentos e decisões de promotores e magistrados. Embora o Serviço Social ofereça conhecimentos para suporte a decisões judiciais, cada instância do Poder Judiciário tem características, normas, rotinas e demandas diferenciadas (FÁVERO in CFESS, 2009), assim, na Vara da Infância e da Juventude a atuação se baseia a partir de normativas contidas no E.C.A. e as ações são baseadas na ampla proteção à criança e ao adolescente, o que implica, muitas vezes, em acompanhamento do caso, sendo necessárias várias avaliações, registradas em diversos estudos sociais, até a conclusão. Isto porque, ocorre a necessidade de orientações e encaminhamentos à rede pública de apoio, para que, após um prazo determinado, seja avaliada a resposta do sujeito e/ou família à intervenção realizada. 13 Esse acompanhamento é realizado através de um conjunto de instrumentos e técnicas, tais como a entrevista, a visita domiciliar, a observação, a coleta de dados e informações, estudo dos documentos e o acompanhamento social. Para a realização de um estudo social de qualidade é necessário que o profissional leve em consideração alguns fundamentos essenciais para a constituição da vida social das pessoas, como o trabalho, políticas sociais existentes, o território em que vive a família e sua constituição socioeconômica e cultural. Assim, na justiça da infância e juventude o assistente social vai se deparar com as mais complexas situações, como exemplificado por Fávero in CFESS (2009): Ele vai saber, por exemplo, que aconteceu um ato de violência (física, sexual, psicológica etc.) de um adulto (pai, mãe ou outros) contra uma criança ou um adolescente ou um ato expresso de violência de gênero; vai saber que uma mãe e/ou um pai abandonou uma criança ou, então, vai se deparar com a entrega de uma criança para abrigamento ou para adoção, mediante alegação de impossibilidade material para cuidar dela ou também em razão da ausência de afetividade e de desejo de cuidar dela; vai encontrar um indivíduo ou um casal que pretende inscrever-se para adoção ou que já está cuidando de uma criança ou adolescente e pretende efetivar a adoção; vai se deparar com um adolescente que praticou um furto, um roubo, um homicídio; vai se defrontar com uma mãe cumprindo pena de privação de liberdade e que necessita entregar o filho recém-nascido para outra pessoa cuidar, haja vista a criança não poder permanecer em sua companhia no presídio (geralmente, além de quatro meses) (p. 613, grifos conforme o original). Todas essas situações se apresentam como demandas imediatas, que requerem tomadas de decisões imediatas por parte de um promotor ou juiz, mas o conhecimento e particularidade dessa profissão têm condições de recolher dados, fundados nas determinantes socioculturais, no território onde os sujeitos vivem e interagem e é capaz de realizar uma construção histórica e em uma perspectiva crítica, objetivar um trabalho pautado, não na criminalização, mas no acesso aos direitos desses sujeitos, enquanto constitutivos da questão social, advindos, como já vimos, de uma sociedade extremamente desigual. Independente dos objetivos do estudo que o assistente social realiza ele se depara com situações que exigirão articulações com a rede pública e/ou privada socioassistencial e intersetorial, o que significa que o(a) profissional tem a prerrogativa de intervir na situação para além do estudo social, assim, sempre que necessário ele poderá se articular e fazer encaminhamentos necessários e que poderão intervir na vida familiar e dos sujeitos analisados, propiciando, inclusive, mudança no padrão de vida e mesmo na ação judicial, pois, ao apontar num relatório algum recurso, o Ministério Público e/ou o magistrado poderá, por meio da aplicação da lei, facilitar a garantia a seu acesso (FÁVERO IN CFESS, 2009). Essas redes proporcionam a aquisição materiais e sociais aos sujeitos e suas famílias, como saúde, educação, assistência social, entre outros serviços, buscando suprir suas necessidades, porém, um trabalho de qualidade exige um levantamento dessa rede, com a qual o profissional 14 poderá contar, desde as redes informais ou primárias até as mais estruturadas e formais, bem como sua mobilização, frisando, ainda que, para que as ações não sejam isoladas elas precisam ser atreladas. Observemos os tópicos abaixo para melhor elucidação dos tipos de redes existentes e com as quais o profissional e o usuário poderão contar, segundo Bourguignon12 (2001): REDE SOCIAL ESPONTÂNEA: constituída pelo núcleo familiar, pela vizinhança, pela comunidade e pela igreja. São consideradas as redes primárias, sustentadas em princípio como cooperação, afetividade e solidariedade. REDES SÓCIO-COMUNITÁRIAS: constituídas por agentes filantrópicos, organizações comunitárias, associações de bairros, entre outros que objetivam oferecer serviços assistenciais, organizar comunidades e grupos sociais. REDE SOCIAL MOVIMENTALISTA: constituída por movimentos sociais de luta pela garantia dos direitos sociais (creche, saúde, educação, habitação, terra...). Caracteriza-se por defender a democracia e a participação popular. REDES SETORIAIS PÚBLICAS: são aquelas que prestam serviços e programas sociais consagrados pelas políticas públicas como educação, saúde, assistência social, previdência social, habitação, cultura, lazer, etc. REDES DE SERVIÇOS PRIVADOS: constituída por serviços especializados na área de educação, saúde, habitação, previdência, e outros que se destinam a atender aos que podem pagar por eles. REDES REGIONAIS: constituídas pela articulação entre serviços em diversas áreas de política pública e entre municípios de uma mesma região. REDES INTERSETORIAIS: são aquelas que articulam o conjunto das organizações governamentais, não governamentais e informais, comunidades, profissionais, serviços, programas sociais, setor privado, bem como as redes setoriais, priorizando o atendimento integral às necessidades dos segmentos vulnerabilizados socialmente. Todos esses tipos de rede são muito importantes e devem ser considerados pelo profissional como constituições que muito poderão auxiliar, enquanto recursos a serem utilizados como estratégias articuladas, para as possíveis soluções de diversos conflitos e situações para as quais o assistente social é solicitado no Poder Judiciário. Realizar uma intervenção sobre a realidade social do sujeito requer um estudo aprimorado de todas as possibilidades, de todo o contexto que o circula, e de todas as possibilidades, mas, para que esse trabalho seja eficaz é necessário que os profissionais invistam nele, conforme apontado por Bidarra in Cortez (2009): Um investimento que consiste na aproximação e na participação ativa dos sujeitos, isto é, num modo de “estar presente” e de “ser parte” que chancelados pela identidade e pelo pertencimento, representa uma conquista política da cidadania (p. 490-491, grifos conforme o original). Segundo a autora, essa participação tem caráter de cidadania, e pode proporcionar um novo significado aos valores da liberdade, da igualdade e da justiça social, pois busca o empoderamento do usuário, a sua participação no processo de avaliação, podendo, ainda, ele próprio propor ações que lhe serão eficazes e que poderão proporcionar o rompimento com a passividade, ele poderá ser ator da sua vida, ter a autonomia de escolha, e assim, exercer a cidadania. 12 Prof. Do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Ponta Grossa e Mestre em Serviço Social da PUC/SP. 15 A ação isolada de uma instituição pública ou privada pode não ser suficiente, por isso a atuação intersetorial requer um diálogo articulado entre diferentes espaços ocupacionais, mas também com diferentes profissionais, de diversos campos de atuação, requer o compartilhamento e o respeito pelos diversos outros conhecimentos, sobretudo quando se desenvolve um trabalho interdisciplinar, a exemplo do que é realizado junto ao Poder Judiciário, onde há psicólogos(as) atuando em pares com os(as) assistentes sociais, partilhando os conhecimentos desses saberes, contribuindo um com o outro, levando à ampliação do acesso aos direitos dos sujeitos, mas, observando-se, ainda, que seus pareceres são pautados nos projetos profissionais próprios de suas formações, (BIDARRA, 2009). Esses entendimentos levam-nos à compreensão que o profissional comprometido poderá ir além de suas atribuições dentro do Judiciário, ele poderá buscar o acesso a direitos e serviços oferecidos, articulando-se com toda uma rede de profissionais voltados para um mesmo objetivo, bem como, articulando-se com magistrados e promotores de justiça que a justiça se efetive através do acesso aos direitos dos sujeitos vítimas da pobreza que assola o país, buscando que por força de lei, a proteção social se efetive para milhares de protagonistas que se apresentam nas ações judiciais da Vara da Infância e Juventude de Itu/SP. CONCLUSÃO: Ante o exposto, concluímos que o Serviço Social, ao longo da história, vem se tornando imprescindível para subsidiar promotores e magistrados na prolação de decisões e sentenças, que influenciarão na mudança de vida dos sujeitos que se apresentam no cotidiano do profissional do assistente social lotado no Setor Técnico do Judiciário. Todavia é importante que reconheçamos que as situações que se apresentam são reflexos do acirramento da questão social, e que estas rebatem diretamente nessa demanda e tornam-se determinantes em suas vidas, demarcando um processo de judicialização da pobreza por todo o país, mas que, acima de tudo o profissional necessita estar comprometido com o Projeto Ético Político da profissão, qual seja, o da construção de uma nova sociabilidade mais justa e igualitária para todos, e desta forma se posicionar contra esse sistema explorador e dominador que está posto. Para isso é necessário que o profissional esteja atento às armadilhas e desafios que lhe são impostos nesse espaço ocupacional, a fim de refletir as ações com base em aporte teórico e nas diretrizes e legislações vigentes, para que o fazer profissional não seja pautado em empirismo e acabe por fragilizar ainda mais o usuário; ter, por fim a coragem de atuar em um ambiente pautado em tensões, num campo ocupacional investido de poder, onde o questionamento sobre a 16 importância da contribuição que o profissional é de suma relevância, pois poderá tanto colaborar para a afirmação do poder hegemônico do capital, quanto somar esforços junto ao usuário para a superação das suas dificuldades. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1998. BIDARRA, Zelimar Soares in Revista Social e Sociedade n. 99. Pactuar a Intersetorialidade e Tramar as Redes Para Consolidar o Sistema de Garantia de Direitos. 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