O QUE ESTA ROLANDO NO QUARTO DO CHICO
Like a Rolling Stone
Por Chico Camargo.
Há duas semanas me convidaram para escrever para um jornal virtual. Como sempre,
ocupar um espaço quer para formação, quer para informação nos causa problemas. Um da
ordem das vaidades, pois sempre ficamos orgulhosos de poder vomitar erudição seja ele o
espaço que for. O segundo problema aparece quando temos que definir a forma de ocupar esse
lugar. Hahahah, não sendo jornalista, nem especialista em comunicação e nem um loroteiro, a
arte de escrever se transforma num monstro, num verdadeiro pesadelo. Saber o que escrever e
como, torna importante a mensagem que estamos passando.
Assim decidi que usaria esse espaço para falar da cultural geral, mas como isso é muito
amplo e não sou um bom sofista, pensei em uma linha, um foco, um objeto da cultura do qual
pudesse dar conta e fizesse sentido. Depois de passar, uma semana aflito, resolvi que falaria de
um lugar privilegiado onde se encontram as coisas raras e as genialidades que as acompanham:
a arte.
Com a definição pronta, me tranqüilizei claro que não pensei em transformar isso aqui
num espaço para falar dos antiquários, museus, discotecas ou coisa que o valha, mas como um
velho que se formou na levada do rock’& roll, não faz sentido dar dicas senão da espiritualidade
que acompanha essa arte nesses 50 ou 60 anos. Como já perceberam, vou falar de arte e rock’&
roll.
Para dar um charme a espaço da News Letter, vou batizá-lo de “O que esta rolando no
quarto do Chico”. Pois é aqui que me escondo e me encontro com o presente e o passado em
meio a tantas coisas acumuladas, romances, recortes antigos de jornal, algumas edições do
Pasquim (ainda tenho algumas), discos de Venil, livros de artes plásticas, fitas K 7, um vídeo de
duas cabeças, uma câmera de 36 mm, e alguns quadros de artistas desconhecidos que enfeitam
minha parede. Meu quarto não é bucólico e nem inspira saudades é apenas o espaço de um
quase colecionador, onde posso encontrar coisas que muitas vezes já não estão em catalogo e
outras que estão no mercado, mas, que já não se consome mais, enfim as raridades. E o que é
que encontrei lá que vale a pena falar pra vocês? Hahaha encontei o No Direction Home a
odisséia definitiva do rock&roll.
Claro alguns já sabem de quem se trata e do que se trata. Filme de Martin Scorsesse
sobre Bob Dylan. Não vou contar o filme, pois vale mais, cada um pegar o DVD e fazer seu
próprio caminho. De minha parte quero citar coisas que ali encontramos e fazem sentido com o
pensamento do rock’& roll. Primeira coisa é que por caminhos diferentes Scorsesse aponta em
Dylan uma trajetória que manteve a sua arte na inter-zona entre a razão e a emoção, entre o
engajamento político e a alienação. E Dylan enfrentou uma série de manifestações todas muitas
paradoxais por conta disso. Poucos são os artistas podem dizer que foram amado e odiado pelo
seu público. Vaiado e ovacionado num mesmo show, a ponto de ter que organizar suas
apresentações em duas partes com e sem banda. Vaiado na primeira parte do show e amado na
segunda.
Acho que tudo começa quando Dylan declara, acho que nasci muito distante de onde
estou, e sem ambições ele completa estou voltando pra casa. De muitas formas passamos a vida
voltando pra casa e de muitas também nos distanciamos das nossas origens. Mas a poesia que o
marca é um registro de toda uma geração e a grande dica do dvd esta logo na abertura, “tempo,
pode se fazer muitas coisas para que o tempo pareça parar, mas é claro você sabe disso,
ninguém consegue.”
Às vezes nos pegamos no emaranhado da vida e essas tramas parecem delicadamente
decretar nossa estagnação no tempo, como se patinássemos na esfera correndo em todas as
direções e nenhuma, num cansaço extraordinário pra nada. Nessa hora desesperadamente
aclamamos por mudanças. Queremos que o extraordinário aconteça e nos ponha na rota de fuga,
na estrada em movimento. Ainda que isso canse é sempre bom ter uma direção a seguir. Uns
procuram esse momento durante toda a vida e outros muito cedo a encontra.
Em Dylan foi uma musica que ele ouviu aos dez anos que o pos em movimento, “o som
do disco fez com que eu me sentisse outra pessoa, parecia que eu nem mesmo nasci com os pais
certos, ou algo assim”. Esse estranhamento o acompanhava e o público sentia isso em suas
apresentações. Todos o queriam como o grande herdeiro da música folk herdeiro de mais de 200
anos de tradição, que poucos entenderam é que ele era um mutante. Do folk para o Rock era só
uma questão de tempo, mas para os que temem a mudança, a evolução da arte presente em
Dylan, significava, sobretudo, por em risco toda uma crença e os valores que as sustentavam.
Dylan é fortemente influenciado pela poesia bit generation, e se transforma num dos
ícones desse movimento, “mergulhei nessa atmosfera de tudo que Kerouac dizia sobre o mundo
ser totalmente doido, para ele, as únicas pessoas que eram interessantes eram os doidos, os
malucos, os que eram loucos para viver”. De certa maneira o que Dylan esta representando até
esse momento é essa explosão de vida, viver intensamente ainda de muita forma é ameaçador.
Ser conservador num certo sentido é ter a pretensão de poder regrar a própria vida, ser louco por
viver é por em risco a vida na pretensão de vivê-la mais que os outros. E não pensem que quero
concluir aqui, que vale a moderação, o equilíbrio e essas fantasias todas que as pessoas
inventam para administrar a vida. É claro acho que devemos ser loucos por viver e pronto. O
Conservadorismo e a tradição acabam sendo uma chatice, o ritual do mesmo é sempre
cansativo. Os loucos por viver são os loucos para falar, para serem salvos, são os que desejam
tudo ao mesmo tempo e que jamais bocejam, esses são os doidos diz Dylan, com os quais ele se
identificou perfeitamente.
Abreviando um pouco, pois tenho muito tempo para falar sobre essas coisas. Vale como
dica do que rola no meu quarto, a questão da identidade nesse filme, é difícil para quem busca
uma identidade ter que admitir que se possa ir para muitos lugares quando se é outra pessoa e
que o cara que se encontrou já não tem mais razão de ir seja lá para onde for. Em tudo isso
vigora a questão de estar na estrada, de tentar voltar para casa, de passar a vida tentando. O que
está presente em No Direction Home, é essa alma do rock & roll, o movimento, a transformação
constante, a loucura por viver, a ânsia em falar, ser capaz de não bocejar, estar na estrada muito
longe do lugar onde nasceu, saber ser outra pessoa e poder ir a muitos lugares. Em filosofia é
comum uma divisão em espiritualista e filosofia moderna. A primeira, cada sujeito é
responsável pela sua própria constituição e, portanto, sua verdade. Para a filosofia moderna a
ciência produz a verdade independente dos sujeitos e através das verdades das ciências
constituímos os sujeitos e lhes ditamos a verdade. O espírito do rock & roll equivale para nós a
essa filosofia espiritualista, muito comum entre os gregos, que é uma forma de se constituir para
a resistência, não se é roqueiro sem um mínimo de rebeldia, sem a coragem de sair de casa e de
perder a máscara. Sem medo de ter cultura e entender a arte. De resistir certa ciência e sua
verdade, coragem de ser livre de dominar a escuridão when the nigth Comes falling from the
sky. Bem fica a sugestão ao terminar de assistir No Direction Home emendar um Bob Dylan,
Hard to Handle.
“ agora você não fala tão alto
Não parece tão orgulhosa
da escolha que ira fazer, da próxima refeição
Como será
Não ter um lar,
Sem um lar para se dirigir
Como uma completa desconhecida
Como uma pedra a rolar?”
(Like a Rolling Stone, Bob Dylan 1965)
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