O que está acontecendo com
nossas garotas?
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Maggie Hamilton
Tradução: Mirian Ibañez
Para minha linda mãe Joan
por uma vida de amor e sabedoria.
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Começando
N
ossas menininhas nasceram em um mundo resplandecente de alternativas. As mulheres podem possuir
suas próprias casas e seus negócios, escolher seus amigos e seus
companheiros, expressar suas opiniões. Ao mesmo tempo, enquanto têm mais acesso a dinheiro, carreira, viagens, educação
e tecnologia que qualquer outra geração, essas garotas também
estão enfrentando desafios que nenhuma de suas antecessoras
teve de encarar. O mundo de alguém com sete anos de idade,
hoje, é muito diferente daquele que as que são mais velhas cinco
ou seis anos vivenciaram quando tinham os mesmos sete. Essa
é a razão pela qual muitos dos indicadores que oferecemos a
elas não mais se aplicam e porque elas gostariam que os adultos
tivessem obtido o mesmo que elas.
Hoje, as meninas enfrentam desafios que nenhuma outra
geração de seu gênero teve de encarar.
Então, o que nossas meninas esperam, o que as preocupa e
contra o que lutam? Por que dão mais importância às opiniões
de seus colegas do que às de seus pais? O que torna tão atraente
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O QUE ESTÁ ACONTECENDO COM NOSSAS GAROTAS?
as marcas de roupa, a aparência sexy e os passeios sem fim aos
shoppings? Por que tantas delas adotam esse comportamento
de estar sempre “por aí” ? E por que acontecem problemas como
depressão, automutilação, distúrbios alimentares e abuso de bebida?
Desde o momento que as meninas nascem, muitas oportunidades maravilhosas surgem. A maneira como seus pais reagem
à chegada desses bebês indica o que significará ser uma menina.
A capacidade que um nenê tem de captar o que se espera dele
pode ser subestimada. Forma impressões a partir do jeito como
é carregado no colo, de como se fala com ele, de seus brinquedos e suas roupas, e de seu ambiente próximo. De uma maneira
marcante, poucas horas depois de seu nascimento, um bebê do
sexo feminino está mais interessado no rosto das pessoas do que
seus semelhantes do sexo masculino.1
Sensíveis às necessidades de suas menininhas, os pais empenham-se em nutri-las, atentam muito para a aparência delas,
para suas roupas, para a decoração e a cor do seu quarto, seus
brinquedos e suas roupas de cama. Com frequência, os pais tomam muito mais cuidado com essas escolhas do que as feitas
para os meninos porque acreditam que as menininhas precisam
de mais zelo e proteção.2
Aos seis meses, um bebê do sexo feminino está aprendendo a lidar com emoções básicas. Sua sensibilidade à maneira como os outros reagem a ele está
ficando cada vez mais apurada.
Pais abastados costumam celebrar o nascimento de suas
meninas com carrinhos de bebê de última geração e roupas de
grife. A explosão de butiques especializadas em bebês significa
que há uma grande quantidade de roupas disponíveis para venda, desde aquelas com marcas que se apresentam como “o últi4 18 4
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mo grito da moda” até as que têm como conceito “bebês mais
conscientes e capazes de escolher a moda”. No alto da pirâmide
estão nomes como: Gucci, Dior, DKNY e outros, para assegurar
que uma menininha sempre tenha uma aparência chique.
Quando a menininha tem quatro meses sua sensibilidade a
respeito dos que a rodeiam está se aperfeiçoando. Já é capaz de
distinguir fotos de pessoas que conhece das de estranhos.3 Aos
seis meses, está aprendendo a lidar com emoções básicas. Uma
menininha ajustará seu comportamento de acordo com o que
observa das respostas que obtém de seus pais e cuidadores.4
“Hoje, o alvo demográfico mais visado é o bebê – o futuro consumidor... Os neurônios fresquinhos dos jovens cérebros são valiosos
para a propaganda.” Douglas Rushkoff, especialista em cultura popular 5
Com cerca de seis meses, ela está começando a emitir sons
simples e a reter uma série de imagens, inclusive logotipos de
empresas.6 Bem informados sobre esses estágios críticos do desenvolvimento de um bebê, os profissionais de propaganda trabalham arduamente para capturar a atenção dele. Dependendo
de quanto ele está exposto a produtos que estão diante de si em
seus primeiros meses, ele será uma das, cada vez mais, numerosas crianças cuja primeira palavra bem reconhecida é um nome
de marca.7 Como o especialista em cultura popular Douglas
Rushkoff afirma: “Os neurônios fresquinhos dos jovens cérebros são valiosos para a propaganda.”8
“Desde o momento em que um bebê pode ver com clareza,
ele se transforma em um consumidor.” Susan Gregory Thomas,
Buy, Buy Baby 9
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Bebês de marca
Entre as roupas que os pais escolhem para sua filhinha, preferencialmente incluirão camisetas, fraldas e babadores de determinadas marcas com desenhos divertidos na embalagem ou
mesmo nos produtos em si. Quando o guru do marketing James
McNeal descobriu que os bebês permaneciam com seus babadores durante muito tempo e que, inevitavelmente, fitavam essa
peça do vestuário, percebeu que estava diante de uma coisa muito interessante. Os logotipos das marcas agora estão colocados
estrategicamente nas roupas de bebê do sexo feminino, então,
enquanto ele fica ali babando, fixa aqueles caracteres, vendo-os
como uma parte natural de seu mundo.10 Sem que seus pais percebam, graças ao “fator baba”, esse bebê foi abduzido ao círculo
vicioso do consumo, onde o suficiente nunca é suficiente, e onde
sua autoestima deriva do que ele tem, não do que ele é.
Essa precoce inserção no produto acontece em um período em que a menininha ainda não sabe que está separada do
mundo que a rodeia. Não tem a menor ideia de que suas mãos e
seus pés fazem parte dela, e que um brinquedo não faz. Então, a
menos que os pais queiram que os marqueteiros construam suas
primeiras impressões no bebê, precisam estar mais conscientes
das marcas a que ele está exposto, de suas roupas, sua comida,
seus brinquedos, seus jogos, seus programas de TV.
“Por volta dos dezoito meses de idade, é possível que dez por cento das palavras-objeto (coisas a que dão nome) sejam marcas. Com
cerca de dois anos, já estão pedindo o produto pela marca.” James
McNeal, professor de marketing11
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Bebês Inteligentes
Como as meninas agora têm maior chance de conquistas, muitos pais sentem responsabilidade de oferecer-lhes um
bom começo. Podem estar inclinados a dar um empurrãozinho
no seu potencial para gênio, comprando DVDs do tipo “Baby
Einstein”, criados para aqueles que têm seis meses ou mais de
idade. Se uma menininha parece gostar desses programas, há
brinquedos, jogos e bonecos da mesma linha para comprar. Ela
será também uma das integrantes do, cada vez maior, grupo de
bebês que ficam olhando a televisão.
O fato de uma menininha ficar olhando fixamente para a TV não significa
que ela está gostando ou se beneficiando disso.
Essa é a razão pela qual, em 1999, a Sociedade Acadêmica
de Pediatria recomendou aos pais que evitassem expor crianças
de até dois anos de idade à televisão, porque isso pode comprometer precocemente o desenvolvimento do cérebro.12 Não
importa quão aparentemente interessante seja um programa de
TV ou DVD, não pode substituir as interações de que os bebês
precisam para desenvolver suas habilidades sociais e emocionais,
e para que o seu mundo faça sentido.13 Sem essas interações, os
bebês não terão a mesma oportunidade de aprender que, por
exemplo, a mamãe é diferente do papai. E de que ela se comporta de maneira diferente, tem diferentes gostos e diferentes
expectativas. E, ainda, que, se o papai e a mamãe são diferentes,
o mesmo acontece com outras pessoas.
Há outras observações adicionais sobre bebês e televisão. Os
especialistas em desenvolvimento infantil sabem que brincar é
uma parte essencial na infância. Brincar permite que as crianças
aprendam a fixar a atenção no que estão fazendo. Isso também
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desenvolve a voz interior da criança. Quando uma menininha
brinca, está começando a organizar seus pensamentos e suas experiências enquanto conversa, interage. A televisão destrói esse
processo.14
Uma das razões que leva os pais a permitir que seus bebês
e suas crianças muito pequenas fiquem assistindo televisão é
porque acreditam que isso os ajuda a aprender. O fato dos bebês
reconhecerem precocemente os coloridos caracteres das marcas
na televisão e na vida real, não é a mesma coisa que fazer mais
descobertas sobre si mesmos e seu mundo. Estudos mostram
que um bebê leva o dobro de tempo para aprender uma tarefa
simples mostrada na TV do que se os pais lhe mostrarem como
fazer.15 Quando bebês e crianças pequenas assistem televisão,
também perdem delicadas nuances como o toque, o cheiro e o
gosto, e como um objeto ou pessoa interage com outras pessoas
ou objetos, ou seja, tudo o que é essencial para seu desenvolvimento.
As pesquisas também mostram que, quando crianças dessas mesmas faixas etárias assistem a mais simples história na
TV, não conseguem captar a sequência de eventos. Tudo o que
armazenam são imagens hipnóticas. Nessa idade, apenas começam a juntar as peças se os pais estão com elas, ajudando-as a
entender o que está acontecendo.16
Como a vida é muito tensa, não causa surpresa que os pais
usem a televisão e os DVDs para seus bebês como um recurso
para dar a si mesmos uma pausa. Isso, junto com o desejo de
oferecer a seus filhos um bom começo, ajuda a explicar porque
está se expandindo o costume dos bebês e crianças pequenas assistirem TV e DVD. Um estudo nos Estados Unidos revela que
quase uma em cada cinco crianças com menos de um ano têm
uma televisão em seu quarto, e que 43% das crianças abaixo de
dois anos de idade assistem TV diariamente. Cerca da metade
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dos programas que veem não são feitos exatamente para sua
faixa etária.17
As menininhas não precisam ser distraídas e estimuladas
todo o tempo, diariamente. Precisam de tempo e espaço para
começar a entender-se e também a seu mundo. Sem momentos
tranquilos e brincadeiras reais, é muito difícil desenvolver-se.
Estudos sugerem que cada hora de televisão que uma criança
vê diariamente, pode representar risco de desenvolver problemas de atenção, em cerca de 10%, na época em que atinge os
sete anos de idade.18 Pais prudentes tratarão de criar seus filhos
livres de influências tão estritas, escolhendo não ter TV ou fazendo dela um divertimento apenas ocasional. Os pais que têm
TV em casa precisam limitar o tempo de exposição das crianças
ao monitor, assim como observar bem o conteúdo a que estão
expostas as crianças, para assegurar-se de que não estejam diante de influências que não são capazes de enfrentar ainda.
Com toda pressão sobre os pais para que façam as coisas
certas, muitos perderam a confiança em sua capacidade de educar. Mesmo que estejam oferecendo a seus filhos todos os tipos
de serviços e produtos, os mais jovens talvez sintam que estão
desapontando as crianças. De acordo com especialistas, é na
mais tenra infância que enfatizam a importância dos momentos de relaxamento com o bebê. “Os estudos demonstram que
a expansão das trajetórias neurais começa com atitudes como:
tempo para sentar diante e ficar olhando para o seu bebê, suaves
massagens em sua maravilhosa pele, conversando e cantando
com eles”, explica Margot Roberts, educadora de crianças pequenas e mãe de três. “Essas atividades não são uma perda de
tempo ou preferencialmente devam ser delegadas a ‘especialistas em cuidados infantis’. São os fundamentos do bom desenvolvimento de atividades infantis e fazem parte do tesouro da
boa paternidade.”19
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O QUE ESTÁ ACONTECENDO COM NOSSAS GAROTAS?
Os profissionais encorajam os pais recentes a valorizar o
que trazem para o tempo que passam com suas menininhas.
Jogos que podem fazer com que o bebê explore suas mãozinhas e pezinhos, fazer ruídos, ou aproveitar a sensação da água
durante o banho são ideais. Agitar brinquedos sobre suas cabeças, a sua direita e a sua esquerda, ajudam-no a localizar sons.
Oferecer-lhe diferentes brinquedos, passando-os em suas mãos,
nos pés, nas bochechas, na barriguinha encorajam-no a aprender as diferentes nuances da textura. Versinhos de canções infantis ajudam-no a pressentir o que prometem os momentos
de brincadeiras conjuntas. Há dúzias de maneiras divertidas e
criativas que os pais podem usar para abrir esse mundo. A chave
é a simplicidade.
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