CARTA À POPULAÇÃO BRASILEIRA Construindo um Projeto Político do Povo Negro para o Brasil Há séculos que estamos em luta. Antes contra a escravidão, hoje enfrentamos a discriminação e o racismo. Os anos de luta não foram suficientes para que fossem corrigidas as condições que nos mantém nos dias atuais às margens do desenvolvimento do Brasil.. O povo negro brasileiro sempre desempenhou um papel determinante em todas as fases de produção da riqueza e do desenvolvimento do país. Todo o esforço empenhado na construção do Brasil não foi suficientemente convertido em reconhecimento social e instrumento de mobilidade e desenvolvimento econômico da população negra. Submetido inicialmente ao escravismo colonial, o povo negro ainda se encontra sob as determinações restritivas do sistema capitalista, sobrevivendo no desemprego, em atividades de baixa remuneração, sem acesso aos bens urbanos e culturais, afastado do ensino de qualidade e constituindo as maiorias excluídas das cidades e da cidadania. Os acontecimentos que marcaram a luta contra o racismo no Brasil nos anos 70, nas décadas de 80 e 90, que colocaram o debate da desigualdade entre negros e brancos na agenda do Estado brasileiro, assumem, no início do século XXI, uma nova conformação política nas ações do movimento negro. Essa nova conformação rivaliza com uma conjuntura onde a implementação de ajustes estruturais nas economias de muitos países, entre eles o Brasil, baseados em planos e projetos de cunho neoliberal, organizam a sociedade sobre a lógica do mercado, inclusive os direitos à cidadania. Onde a competição e o individualismo são estimulados em detrimento da luta coletiva por melhores condições de vida, igualdade e ganhos mais justos no trabalho, tornando uma imensa maioria de trabalhadores, excluída definitivamente da produção e do desenvolvimento. Uma nova ordem (ou desordem) mundial impulsionada pelas elites e classes dominantes tenta se perpetuar com base na violência que atinge principalmente a juventude negra, na destruição da esfera social e cultural, na manutenção das desigualdades raciais e de gênero. O internacionalismo do combate ao racismo, tão importante para o início do movimento negro contemporâneo na década de 70 , é fundamental para melhor compreendermos como os processos de mundialização ou globalização em curso interferem em nossas estratégias de enfrentamento aos desafios do atual contexto de luta no Brasil e no mundo. Uma longa trajetória de organização do combate ao racismo A trajetória de organização da população negra na diáspora tem sido marcada, nacional e internacionalmente, por Encontros, Conferências, Convenções e Congressos. De 1934, quando realizou-se em Recife, o I Congresso Afro – Brasileiro, passando pela I Convenção Nacional do Negro, que lançou um manifesto à nação propondo, entre outras reivindicações, a formulação de uma lei anti – discriminatória ; até o I Congresso do Negro Brasileiro, realizada no Rio de Janeiro no ano de 1950, foram inumeráveis as ações políticas visando articular programas para organizar e ampliar a consciência negra para a luta política contra o racismo. . O fortalecimento das entidades negras é a principal marca do movimento negro contemporâneo. A partir de sua principal referência político – organizativa, a realização no dia 7 de Julho de 1978 de um Ato Público nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo onde foi lançado o Movimento Unificado contra a Discriminação Racial (MUCDR), depois transformado em Movimento Negro Unificado (MNU), grupos e entidades negras são criados entre os jovens, as mulheres, os sindicalistas, os religiosos, os esportistas, os empresários e diversas formas de organização da população negra brasileira. Destes encontros surgiu a necessidade de convocar um Encontro Nacional de Entidades Negras (ENEN) que foi realizado em 1991, na cidade de São Paulo, onde foi criada a Coordenação Nacional de Entidades Negras, a CONEN. Toda essa movimentação fortaleceu a ação de militantes, negros e negras, organizados em grupos e entidades em praticamente todas as regiões do país, cumprindo a principal meta no período, que foi a de difundir por toda a sociedade qual era a situação de discriminação, preconceito e racismo em nosso país. Realizando uma ponte entre esses momentos importantes de organização da população negra do passado com a de nossos dias, as organizações nacionais do Movimento Negro Brasileiro estão empenhadas, numa ação conjunta, em realizar o Congresso Nacional de Negras e Negros do Brasil, que começa agora, neste ato de lançamento nacional e termina no ano de 2008. Assim, neste 21 de abril de 2007, dia da nacionalidade brasileira, nós mulheres e homens negros, neste Ato Público de LANÇAMENTO do Congresso Nacional de Negras e Negros, na cidade de Belo Horizonte, Capital do Estado de Minas Gerais. ACORDAMOS que não nos resta outra alternativa a não ser fazer do combate ao racismo, luta política de libertação do Povo Negro colocado no passado, pela elite republicana, às margens do seu projeto de nação de “povo branco” e de sociedade produtiva de trabalhadores imigrantes europeus. Neste sentido o Congresso Nacional de Negras e Negros tem como tarefa histórica formular um novo Projeto de Nação e de sociedade como Projeto Político do Povo Negro para o Brasil. A liberdade é o ideal pelo qual, desde sempre e através dos séculos os homens têm sabido lutar e morrer. Assim falou Patrice Lumumba um dos líderes das lutas de libertação dos povos de África. No Brasil nós negras e negros seguimos os seus passos, inspirados ainda em Zumbi dos Palmares, herói nacional das lutas por liberdade. Como todos sabemos, um povo sem identidade é incapaz de lutar contra seus opressores. Mas, não desconhecemos também que identidade de um povo é construída e é histórica. Ao se assumir descendente de povos da África, consciência étnica adquirida e ao se afirmar como negro, com referência na cor da pele que possui, o negro coletivo se torna visível na população e desta maneira a identidade de Povo Negro começa a se consolidar. A ELITE BRASILEIRA No projeto de nação de povo branco da elite republicana, os povos negro e indígena foram excluídos e é na condição de excluídos que ambos se encontram nesta nação republicana criada a imagem da elite branca brasileira cujo objetivo era tornar o negro invisível na nação “branca”, com a sua diluição numa população que estava sendo homogeneizada com imigrantes europeus. Assim, o Brasil atual de violência urbana com crianças e adolescentes armados, praticando os mais diversos delitos é o resultado do projeto de nação de povo branco da elite brasileira e portanto a principal causa que durante décadas levou um considerável contingente de negros; os capazes intelectualmente e os aptos profissionalmente a serem impedidos, pela discriminação de cor de pele, de ingressarem no mercado de trabalho, na sociedade produtiva e meios de serviços que ela estruturou. Na atualidade, as imagens da violência urbana cotidiana veiculadas pelos principais meios de comunicação, testemunham ofensas aos direitos humanos em nosso país. Simbolizam ao mundo a desigualdade racial, de gênero e classe social e o caráter violento das elites e da injustiça social. É preciso não esquecer que negros e negras eram barrados na porta do mercado de trabalho qualificado por não ter “boa aparência”. A sociedade e o Estado brasileiros são ainda marcados pelo racismo, pelo machismo, pela exclusão social e opressão, pela discriminação e o preconceito contra povos e culturas. Em momentos determinados a elite brasileira aparenta reconhecer direitos históricos do negro. Mas, com práticas dissimuladas reage as aspirações dos jovens negros que, por desejarem ter um futuro diferente dos seus iguais em idade, envolvidos com a violência urbana, reivindicam cotas para acesso ao ensino superior nas universidades, numa porcentagem menor do que tem direito. A elite porém, considera como determinante para ter direito ao “benefício percentual”, o ser carente, um conceito amplo e não o ser negro, uma definição reconhecida. Assim a elite brasileira procura colocar em desuso a palavra negro que lhe cria desconforto, pelas décadas em que a mesma foi utilizada como forma de discriminar, ofender e humilhar negros e negras, mas que, nos últimos anos vem sendo a palavra que exprime consciência étnica e afirmação de identidade em construção. Em outro momento, a elite aparenta querer fazer justiça e ser solidária com negro e indígena, os excluídos da nação de “povo branco”, mas relega “ad infinitum” direitos constitucionais do negro quilombola e do indígena ao não realizar a demarcação, a titulação e a legalização das terras de ambos e não indenizando as terras que lhes foram usurpadas ou desapropriadas. As denúncias de racismo e de reivindicações de direitos sociais mínimos não levou a elite brasileira a nos fazer concessão alguma. A REPARAÇÃO HISTÓRICA. O tráfico e o trabalho escravo, reconhecidos crime contra a humanidade, são crimes imprescritíveis e como crimes da História que se reflete no presente como crimes continuados. Negros e Negras EXIGEM a Reparação Histórica ao Estado brasileiro como responsável não só, pelo tráfico transoceânico a que nossos antepassados foram subjugados e pela escravidão que tiveram há séculos reduzidos, mas sobretudo, pela implantação e aplicação do projeto de nação de povo branco da elite republicana, que condenou negras e negros a permanecer por décadas, no subemprego e a ter como local de moradia, o mais baixo padrão de habitabilidade. PROJETO POLÍTICO DO POVO NEGRO PARA O BRASIL É imperativo contrapor a esta estrutura social racista e machista, que há longo tempo está posta, e que tem como meta a preservação do capitalismo e da hegemonia branco-européia sobre as outras etnias que compõem a sociedade brasileira. A necessidade de construção de um novo projeto, fica a cada dia mais evidente, pois embora avancemos em nossa luta, embora acumulemos importantes vitórias, a condição de vida da maioria da população negra permanece inalterada e em muitos casos agudizada. Necessitamos estabelecer ferramentas teóricas, políticas e organizativas para o avanço do Movimento Negro Brasileiro. Elaborar um projeto político com novas estratégias para a superação do racismo no Brasil, onde seja possível a convivência democrática, fraterna e a justiça social. Portanto: 1. A nação tem que ser redefinida. É preciso redefinir o Brasil como nação pluriétnica e multicultural. Este é um dos objetivos do projeto político do povo negro. Uma nação para todos os povos que compõem a população do Brasil, portanto um projeto político antagônico a nação uniétnica, de “povo branco” e unicultural, de cultura européia, do projeto político da elite brasileira, cuja implantação mantém nos dias atuais um Brasil como uma nação para poucos. 2. O Estado brasileiro tem que ser reorganizado. O Estado atual como uniétnico e unicultural tem que ser reorganizado como reflexo da nação que diz representar. Um Estado pluriétnico e multicultural, laico (sem religião), e com um ensino que tenha bases na cultura dos povos que constituem a população. Um Estado que garanta a convivência harmônica da diversidade cultural dos que habitam o território brasileiro. 3. A sociedade tem que ser reestruturada para ser capaz de incorporar no esforço produtivo e meios de serviços, os desempregados, os subempregados e sobretudo, os que se encontram em atividades de subsistência e os jovens que a cada ano se apresentam ao mercado de trabalho. Uma reestruturação da sociedade com base no princípio de, “ a cada um de acordo com sua habilidade, a cada um de acordo com suas necessidades”. A nossa ancestralidade em África ensina que, “não é necessário esperança para lutar, nem é preciso vencer para perseverar”, o importante é ter consciência da função que a história reservou para aqueles que fazem o processo de luta de libertação de seu povo. Assim, conscientes do nosso papel perante a História, CONVOCAMOS, negras e negros para estar num Congresso nosso onde a estratégia da luta de libertação do Povo Negro que tem a Reparação como meio disponível será traçada, para que os objetivos do Projeto Político do Povo Negro para o Brasil venham ser alcançados. Coordenação Política Nacional do Congresso Nacional de Negras e Negros. MNU – Movimento Negro Unificado CONEN – Coordenação Nacional das Entidades Negras UNEGRO – União deNegros pela Igualdadde ANCEABRA – Associação Nacional deEmpresários Afro-Brasilerios APN’s – Agentes de Passtoral Negros FNMN – Fórum Naiconal de Mulheres Negras INTECAB – Instituto Nacional de Tradicaçãoe Cultura Afro-Brasileria CENARAB- Centro Nacional de Africanidade e Religiosidade Afro Brasileira CNAB – Con gresso Nacional Afro-Brasileirao CEN – opletivo Nacional d eEntidade Negras CNMNC ENJUNE – Enconto Naiconal da Juventude Negra Circulo Palmarino MONABANTU – Movimento Nacional Bantu