Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana
LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 5 – O Português popular do Brasil, Portugal e África: aproximações e distanciamentos.
UMA ABORDAGEM DO CP CLIVADO NO PORTUGUÊS DE ANGOLA
Eduardo Ferreira dos SANTOS1
RESUMO
A partir do levantamento parcial de dados do português angolano (PA), retirados de
(CHAVAGNE, 2005), centramo-nos nas estruturas clivadas que apontam para leituras
de foco. As clivadas plenas ou canônicas apresentam uma cópula, um constituinte que
segue a cópula e um CP, a partir de uma operação aplicada a uma sentença que se
divide em duas, como o dado (1) do PA: (1) Éramos nós que saímos de Angola. A
clivagem também possibilita uma estratégia de marcação da categoria sintáticodiscursiva foco. Seguindo Zubizarreta (1998, p.1) “[...] foco é definido em termos da
noção discursiva de pressuposição: o foco é a parte não pressuposta da sentença...” e
as sentenças clivadas são um recurso para destacar, na sentença, o foco da
pressuposição, conforme apontam Braga, Kato & Mioto (no prelo, 5.3.1). O português
brasileiro (PB) popular atual prefere a clivada sem concordância de tempo ou de
número e pessoa, conforme apontado por Braga, Kato & Mioto (no prelo, 5.3.2.1) –
dados renumerados: (2) É [o João] que saiu. (3) É [os meninos] que vão comigo. Um
de nossos objetivos consiste na comparação do PA com o PB no que concerne a esse
tipo de concordância na realização de sentenças clivadas e análises parciais em PA
mostram-nos dados como: (4) Depois é que veio as confusões. (5) Que língua é que
falavam? Os dados em PA apontam que também há a ocorrência da não-concordância
de tempo, número e pessoa. Para o estudo das sentenças clivadas, tomamos o trabalho
de Mioto & Negrão (2007) que postulam que nem todo CP contém uma relativa. Braga,
Kato & Mioto (no prelo, 5.2) definem a relativa como uma sentença encaixada que
partilha com a sentença matriz um constituinte que é o constituinte relativizado, como o
dado (6) do PA: (6) estamos juntos de alguém que nós gostamos. O tratamento
convencional das clivadas, conforme notamos em Kato (1993), é a sua formação por
uma pequena oração com um CP encaixado como relativa. Mioto & Negrão (op. cit),
por outro lado, apontam que nem toda estrutura de clivagem apresenta uma leitura de
foco. Quando essa estrutura veicula algum tipo de foco, o tratamento não pode ser igual
ao de um CP relativo (MIOTO; NEGRÃO, 2007, p.165-166). Mioto & Negrão apontam
que a cópula é um inacusativo que seleciona um CP complemento com traço [+FOCO].
Assim, o Spec do CP complemento da cópula deve ser preenchido pelo constituinte que
é focalizado.
PALAVRAS-CHAVE: português brasileiro, português angolano, clivadas, CP, foco
1 Universidade de São Paulo - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de
Letras Clássicas e Vernáculas. Rua Ivoti, 77 CEP: 03817-030 São Paulo/SP – Brasil.
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As sentenças relativas
Braga, Kato & Mioto (no prelo) definem a relativa como uma sentença
encaixada que partilha com a sentença matriz um constituinte que é o constituinte
relativizado – em itálico. Vejamos os exemplos em (1)2:
(1) a. então é muito mais fácil mandar embora esses professores que ganham...um
salário tal
b. bem é diferente um pouco da maioria das pessoas que eu conheço
c. Lourival, que eu conheço de perto... Lourival não sabe escrever...
Para Mioto & Negrão (2007, p.160), as sentenças relativas também podem
apresentar as seguintes propriedades:
- uma sentença relativa é um CP encaixado;
- uma sentença relativa é conectada ao material circundante por um
constituinte que funciona como pivô. O pivô é um constituinte
semanticamente partilhado pela matriz e pela relativa. Se o pivô,
normalmente um sintagma nominal, é realizado na sentença matriz,
ele é reconhecido como um antecedente;
- o papel temático e a função sintática que o constituinte pivô
desempenha na sentença relativa são em princípio independentes de
seu papel semântico e de sua função sintática fora da relativa.
O CP relativo e o pivô da sentença matriz relacionam-se a partir de duas concepções
distintas. Uma aponta o CP relativo como um adjunto do pivô:
2
[email protected]
Braga, Kato & Mioto (no prelo), dados (3) renumerados.
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(2) a.
DP/NP
/
\
DP/NP CP
pivô
que
Outra aponta uma relação de complementação em que o CP é complemento de N (2b) ou do
determinante (2c):
(2) b.
N’
/ \
N CP
que
(2) c.
D’
/\
D CP
/ \
Spec C’
NP
/ \
C IP
que
...tNP...
As sentenças relativas podem ter associadas interpretações restritivas e
apositivas. Negrão (1992)3 propõe que as sentenças relativas restritivas (3) são adjuntas
a NP e as apositivas (4) são adjuntas a DP4:
(3) A estudante com quem Pedro falou estuda Lingüística.
(4) A estudante, com quem Pedro falou, estuda Lingüística.
A distinção entre relativas restritivas e apositivas também pode ser colocada nos termos
de Braga, Kato & Mioto (no prelo). Os autores dizem que na presença do nome – ver
dados em (1) – a sentença relativa aparece junto a ele e apresenta-se como “relativa com
núcleo”. Funcionando como modificador deste núcleo (1a), é classificada como
3
Negrão, E. V. “Tem uma história que eu quero contar que começa assim: peculiaridades de uma
construção existencial”. Cadernos de Estudos Lingüísticos, v.22, p.81-90, 1992.
4
Os dados (3) e (4) foram extraídos de Oliveira, M.S.D. de. Sintaxe do Português. Caderno 7. Tudoteca:
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restritiva. A relativa também pode funcionar como aposto, como vemos em (1c).
Os mesmos autores apontam diferentes tipos de relativas formados por
estratégias diferentes. Há as relativas em que a expressão-Q foi movida para a periferia
esquerda da sentença relativa. Esse pronome-Q relativo sempre se move para essa
posição periférica, antes do sujeito, deixando na posição de onde foi movido uma
categoria vazia. Caso permanecesse in situ, tornaria a sentença agramatical:
(5) a. O aluno para quem você entregou o livro não veio hoje.5
Outro tipo de relativa consiste de um que na periferia esquerda da sentença e o
constituinte relativizado é retomado por um pronome resumptivo:
(5) b. O aluno que você entregou o livro para ele não veio hoje.
Um terceiro tipo de relativa apresenta um que na periferia esquerda da sentença
e na posição do constituinte relativizado temos uma categoria vazia. Mioto & Negrão
(2007:163) afirmam que essa estratégia é uma inovação no português brasileiro:
(5) c. O aluno que você entregou o livro não veio hoje.
Esse tipo de relativa foi chamado por Tarallo de ‘cortadora’ por dispensar a preposição.
Para Kato6, citada por Mioto & Negrão (op. cit.), nos três tipos de relativas, o
elemento que as introduz é um pronome relativo, e o que é gerado na posição de um
deslocado à esquerda e se movendo para a posição de um especificador de CP.
A proposta de Negrão7 prevê dois processos de formação de relativas. Temos o
que como um operador que transforma sentenças em predicados ocupando a posição de
núcleo de um CP, em que a posição de especificador pode ser ocupada por um DP. E
São Paulo, 2008, p. 21-23, dados (14) e (15) renumerados.
Os dados em (5 a-c) foram extraídos de Mioto & Negrão (2007:163), dados (7 a-c), renumerados.
6
Kato, M. A. “Recontando a história das relativas”. In: ROBERTS, I.; _____(orgs.). Português
brasileiro: uma viagem diacrônica. Campinas: UNICAMP, 1993, p.223-261.
5
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temos o que como uma expressão Wh, tratado como pronome, e ocupando a posição de
especificador de CP na introdução das sentenças relativas clássicas.
Outro tipo de relativa são as relativas livres. Elas não possuem um pivô externo
e não modificam um núcleo nominal, sendo introduzidas por uma expressão Wh, como
em (6)8:
(6) O aluno procura quem possa ajudá-lo com o trabalho.
Braga, Kato & Mioto (no prelo) enfatizam que essa expressão Wh “engloba as noções
semânticas do tipo [+/- humano] (quem, o que), [lugar] (onde), [tempo] (quando),
[modo] (como), [quantidade] (quanto), (...)”.
Um apontamento para a caracterização das relativas livres, quando complemento
de verbos, das sentenças interrogativas-Q encaixadas, está no fato das sentenças
relativas partilharem um constituinte com a sentença matriz e satisfazer as propriedades
de subcategorização do verbo. Vejamos (7)9, em que a interrogativa-Q encaixada (7b)
não apresenta um constituinte relativizado e deve estar apenas para a sentença
encaixada:
(7) a. Ele comprou o que a Maria pediu.
b. eu poderia perguntar também o que estuda a sociologia jurídica.
Outros dois testes ajudam a distinguir relativas livres de complementos
interrogativos:
Comp
duplamente
preenchido
em
interrogativas
(8b)10
e
agramaticalidade quando preenchido em relativas livres (8a); e a possibilidade de uma
interrogativa ser clivada (8d), sendo agramatical para as relativas livres (8c):
7
Negrão, E. V. “Wh-Extractions and relative clauses in Brazilian Portuguese”. DELTA, v.16,n. especial,
p.141-163, 2000.
8
Dado (8b), renumerado, extraído de Mioto & Negrão (2007:164).
9
Dados (13 a-b), renumerados, extraídos de Braga, Kato & Mioto (no prelo).
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(8) a. *Eu vou comprar o que que ele quer.
b. Eu perguntei o que que ele quer.
c. *Eu vou comprar o que é que ele quer.
d. Eu perguntei o que é que ele quer.
Clivadas
Na clivagem ocorre, geralmente, um ‘ensanduichamento’ de um sintagma ( que
recebe a leitura de foco) entre uma cópula e um complementizador (COMP). A clivada
plena, portanto, teria uma cópula, um constituinte que segue a cópula e um CP.
Ressalta-se que o constituinte entre a cópula e o CP tem que ser o foco da sentença.
O processo de clivagem é feito por meio de dois tipos de sentenças plenas: as
clivadas e as pseudo-clivadas. As clivadas apresentam o núcleo C do CP preenchido
pelo complementizador que; e as pseudo-clivadas tem o Spec preenchido pela expressão
Wh - relativa livre. Ao apontarem estudos anteriores que tratam das clivadas e pseudoclivadas como unificadas e derivadas de uma fonte comum, Mioto & Negrão (2007,
p.167) entendem a razão do CP das (pseudo-)clivadas ser considerado como um tipo de
relativa. Para as pseudo-clivadas, os autores atestam a presença de uma relativa livre,
mas para as clivadas argumentam contra o CP ser relativo.
A argumentação dos autores é apoiada em diferenças entre os dois tipos de
sentenças. Para o plano semântico/pragmático, atestam que “as clivadas não veiculam
pura e simplesmente foco de informação como fazem as pseudo-clivadas” (p.167)11,
considerando que obtemos o foco de informação com uma resposta a uma pergunta:
10
11
Dados ( 12 a-d), renumerados, extraídos de Mioto & Negrão (2007:164-165).
Dado (18), renumerado, extraído de Mioto & Negrão (2007:167).
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(9) a. – O que o menino comeu?
b. – O que o menino comeu foi o bolo.
c. – Foi o bolo que o menino comeu.
Outra diferença está no fato que as pseudo-clivadas podem ser predicacionais (9a) ou
especificacionais (9b)12:
(10) a. O que Maria é é escandaloso.
b. O que Maria é é escandalosa.
Seguindo Mioto, os autores (op. cit.) dizem que a
flexão de gênero do PB, que não existe para o adjetivo no inglês,
permite traçar uma clara distinção entre os tipos de pseudo-clivadas:
quando o adjetivo concorda com o sujeito da relativa livre, ele
equivale ao predicado deste sujeito e temos uma especificacional,
sentença equivalente de Maria é escandalosa; quando não concorda,
o adjetivo é predicado de toda a relativa livre O que a Maria é e a
sentença é predicacional (p. 167-168).
As clivadas se distinguem das pseudo-clivadas porque não possuem uma contraparte
predicacional, apresentando somente leituras especificacionais, como em (11a)13:
(11) a. É escandalosa que a Maria é.
b. *É escandaloso que a Maria é.
Para a estrutura de uma sentença clivada temos duas tendências gerais. Uma
considera o CP encaixado como relativo e é desenvolvida por Lopes Rossi, com base
12
Dado (19), renumerado, extraído de Mioto & Negrão (2007:167).
13
Dado (21), renumerado, extraído de Mioto & Negrão (2007:168).
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em Kato (1993)14 que postula uma small clause (SC) como complemento da cópula15:
(12) a. Foi [SC[o bolo][NP __ [CP que o menino comeu tque]]].
b. Foi [SC[o bolo] [NP a coisa [CP que o menino comeu tque]]].
c. Foi [SC[o bolo] [CP o que o menino comeu to que]]].
Na SC, o sujeito é o foco e o predicado é um CP que apresenta o Spec
preenchido por uma expressão Wh (12c) ou um NP nulo (12a) ou lexical (12b), seguido
de uma relativa com o CP preenchido pelo que.
Outra proposta apresenta uma estrutura em que o CP encaixado é o
complemento da cópula. Essa concepção é adotada por Kiss16 e Mioto & Negrão (2007,
p.170) apontam para a possibilidade da derivação da clivada pelo movimento A’ do
constituinte focalizado. Abrindo essa possibilidade, fecha-se aquela que considera o CP
encaixado como relativo: um CP relativo é uma ilha forte para a extração. Encerra-se,
também, a possibilidade de tratamento unificado entre clivadas e pseudo-clivadas.
Os autores propõem, então, que a estrutura de uma clivada seja (13):
14
15
Cf. nota rodapé 6.
Dado (24), renumerado, extraído de Mioto & Negrão (2007:169).
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(13)
IP
Spec
pro
I’
I
é
VP
|
V’
V
té
CP=FP
Spec
FOCO
C
que
C’
IP
...tFOCO...
Verificamos em (13) que a cópula é um inacusativo que seleciona um CP
complemento com traço [+FOCO]. Assim, o Spec do CP complemento da cópula deve
ser preenchido pelo constituinte que é focalizado.
Apontamentos sobre o CP das clivadas não ser relativo
Seguindo a proposta de Mioto & Negrão (2007), afirmamos que o CP das
sentenças clivadas não contém uma relativa e critérios prosódicos, sintáticos e
semânticos sustentam essa argumentação. Destaquemos os critérios sintáticos e
remetemos os leitores à leitura de Mioto & Negrão (2007, p.173) para os demais
critérios.
Na sintaxe, merece atenção o fato do pivô das relativas não poder se mover para
a esquerda deixando o CP órfão, mas esse fato é notado no foco das clivadas. Se o CP
encaixado é do tipo relativo, há uma independência entre o pivô e a ec em relação às
propriedades temáticas, casuais e categoriais de cada um deles. Isso não ocorre,
16
Kiss, K. “Identificacional focus versus information focus”. Language, v.74, v.2, p.245-273, 1998.
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contudo, entre o constituinte clivado e a ec vinculada por ele. Há uma independência,
também, se o CP encaixado é do tipo relativo entre o verbo matriz e o encaixado, não
acontecendo com as clivadas.
Para a relativização, o pivô tem que conter um NP, já o foco das clivadas pode
ser de categorias que não contém um DP17:
(14) a. É escandalosa que ela é.
b. Foi calmamente que ele partiu.
c. É viajar que ele quer.
A forma como o pivô ou o foco são retomados também apontam para a
afirmação de que o CP das clivadas não é relativo. O pivô, realizado externamente à
relativa como um DP, pode ser retomado por um resumptivo, quando o CP é
introduzido pelo complementizador que. Por outro lado, um foco deslocado na periferia
esquerda tem que ser retomado por uma ec, visto que o foco é de natureza
quantificacional, vinculando uma variável, mais o fato de o foco na periferia esquerda
ser derivado por movimento, fazendo com que o constituinte clivado seja retomado por
um vazio.
O português angolano e as clivadas
Nosso trabalho com o português angolano tem como proposta principal o
levantamento da cartografia sentencial dessa variante do português tratando da periferia
esquerda da sentença, especificamente, as noções discursivas de foco e tópico.
Retomando que uma das formas de marcação de foco dá-se pela clivagem, justifica-se o
17
Dado (47), renumerado, extraído de Mioto & Negrão (2007:177).
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estudo desse tipo de sentença nesse artigo.
As sentenças clivadas são um recurso para destacar o foco da pressuposição seja
apenas para identificar o foco informacional ou para contradizer algo afirmado ou
pressuposto, caso do foco contrastivo (Braga, Kato & Mioto, no prelo, 5.3.1).
Seguindo Zubizarreta (1998, p.1), definimos foco “em termos da noção
discursiva de pressuposição: o foco é a parte não pressuposta da sentença [...]”, e a
pressuposição funciona como ‘pano de fundo’ da sentença. A autora propõe uma análise
formal para o foco por meio de duas asserções (A), como apontamos abaixo, a partir de
um dado do PA:
(15) Éramos nós F que saímos de Angola (não os outros alunos do curso)
A1: proposição existencial
A2: proposição dividida em duas partes
A1: ‘Existe um x tal que x é nós
A2: ‘Não é o caso que x (tal que x) = os outros alunos do curso
&
‘O x (tal que x é (que saímos de Angola)) = nós
Desse modo, retomamos as leituras semânticas da clivagem apontadas por
Modesto (2003), que aponta leituras especificacionais e predicacionais. Para o autor, as
clivadas só apontam leituras especificacionais, em que há a atribuição de um valor de
verdade a uma variável. Assim, “construções clivadas são sentenças especificacionais
em que um movimento sintático dispara leituras características de contraste,
exclusividade e exaustividade” (MODESTO, 2003, p.190).
Essa definição de sentença clivada proposta por Modesto (op. cit) serve-nos de
referência para que possamos selecionar em nosso corpus, a partir da periferia esquerda
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da sentença, as sentenças clivadas – veiculadoras de foco – das sentenças copulares
comuns. Atestando as leituras de contraste, exclusividade e exaustividade, aplicamos
para a estrutura dessas sentenças do português angolano a proposta de Mioto & Negrão
(2007), já apontada anteriormente, e que contrapõe o senso comum entre lingüistas
formalistas (gerativistas) de que o CP das construções clivadas seja um pronome
relativo com o núcleo nominal nulo – cf. Kato (1993).
A sentença (16) abaixo, um dado do português angolano, tem sua estrutura
analisada a partir de Kato (1993), pois não apresenta, por exemplo, uma leitura de
contraste. O contexto de que a sentença foi retirada mostra que o constituinte uma das
formas encaixado entre a cópula e o CP refere-se ao esporte basquete anteriormente
citado por um dos interlocutores:
(16) É UMA DAS FORMAS QUE nós utilizamos para nos divertir não temos outra
IP
pro
I’
I
VP
éi
V’
V
Sconc
ti
uma das formas
Conc
[+sing;+masc]
Conc’
CP
C’
C
que
IP
nós
utilizamos.
..
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A estrutura acima aponta para uma formação de pequena oração com um CP
encaixado como relativa. Para nossos estudos do foco no português angolano,
concordamos com Mioto & Negrão (2007) de que sentenças como (16) são sentenças
copulares comuns sem leituras especificacionais e, portanto, sem leitura de foco.
Seguindo os autores (op. cit), propomos que o complemento interno de um verbo
copulativo de sentença clivada é uma sentença – CP – que carrega traço de foco. Para a
sentença (17), em que o contexto demonstrou contrastividade, teremos a seguinte
estrutura:
(17) É O PRIMEIRO ANO QUE vocês estão a enfrentar o ensino médio
IP
pro
I’
I
éi
VP
V’
V
CP = FP
ti
o primeiro ano
C’
C
que
IP
t foco
Outro ponto a ser considerado no estudo do CP clivado do português angolano
remete-nos aos estudos do português brasileiro popular atual para a formação de
sentenças clivadas sem concordância de tempo ou de número e pessoa, conforme
apontado por Braga, Kato & Mioto (no prelo, 5.3.2.1) – dados renumerados:
(18) É [o João] que saiu.
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(19) É [os meninos] que vão comigo.
No português angolano, também atestamos construções como (18) e (19), conforme
segue:
(20) Depois é que veio as confusões.
As sentenças interrogativas também apresentam estruturas de clivadas e acabam,
portanto, veiculando foco. Seguindo as definições de Braga, Kato & Mioto (op. cit.)
para os diferentes tipos de interrogativas-Q, temos as interrogativas clivadas e as
interrogativas clivadas sem cópula. As primeiras estruturam-se com a cópula e o
complementizador que seguindo a expressão-Q, como mostram os dados retirados de
nosso corpus:
(21) O que é que tem a dizer sobre o fim do ano letivo?
(22) Onde é que vai fazer o superior?
As interrogativas clivadas sem cópula possuem uma expressão-Q na periferia
esquerda da sentença seguida pelo complementizador que. Kato & Raposo (1996)
analisam essas formas como resultado de um apagamento da cópula de é que e não
atestam essa estrutura no português europeu. No português angolano, encontramos esse
tipo de construção:
(23) Já tem algum plano ONDE QUE vai trabalhar?
(24) QUANDO QUE pensa trabalhar?
(25) O QUE QUE pensa fazer no fim de tudo isso?
(26) A propósito DONDE QUE a Tetê veio encaminhada?
Considerações Finais
Nesse artigo, mostramos brevemente alguns pontos levantados e discutidos
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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana
LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 5 – O Português popular do Brasil, Portugal e África: aproximações e distanciamentos.
durante nosso estudo de pós-graduação, ainda não encerrado. Partimos para uma
exposição dos assuntos relevantes quando se estuda a periferia esquerda da sentença,
especificamente a categoria foco, como as sentenças relativas, as sentenças clivadas e as
sentenças interrogativas.
A partir de duas propostas para o estudo das sentenças clivadas, tomamos os
estudos de Mioto & Negrão (2007) e sua aplicação no português angolano para a
estrutura de sentenças clivadas com leituras de foco. Estudos de Braga, Kato & Mioto
(no prelo) e Kato & Raposo (1996) envolvendo o português brasileiro mostraram que o
português angolano aproxima-se daquele em algumas estruturas de clivada e
interrogativas-Q, ratificando nossa proposta de estudos do português falado na África
com o português do Brasil, assim como os diferentes crioulos e línguas africanas para
uma confirmação da participação efetivas dessas línguas na constituição do português
falado no Brasil.
Essa aproximação confirma as palavras de Teyssier quando diz que
“oficialmente, esse “português da África” segue a norma européia. Mas, no uso oral,
dela se distancia cada vez mais. E não deixa de ser curioso que por certas
particularidades ele se aproxime do “brasileiro” “(2001, p.121).
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manuscripit.
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uma abordagem do cp clivado no português de angola - SIMELP