A UTILIZAÇÃO DA TECNOLOGIA COMPUTACIONAL NA EDUCAÇÃO ESPECIAL: UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO NA PRÁTICA DOCENTE Fabiana Lasta Beck Universidade Federal de Pelotas Co-autora: Magda Floriana Damiani Universidade Federal de Pelotas Co-autora: Regina Calderipe Costa Universidade Federal de Pelotas Resumo Palavras-chave: tecnologia computacional; atuação docente; educação especial No mundo atual, cada vez mais, está facilitado o acesso a diferentes tecnologias cuja utilização tem promovido mudanças nas diferentes esferas sociais. A tecnologia computacional é uma delas e sua aplicação na educação necessita ser mais amplamente implementada, já que há evidências de que essa tecnologia pode contribuir para o desenvolvimento afetivo, cognitivo e sócio-cultural das pessoas. Nessa perspectiva, nos propusemos a realizar uma intervenção dirigida a docentes de uma escola especial, preparando-os para utilizarem a tecnologia computacional como aliada ao processo educacional de pessoas com necessidades educativas especiais (PNEEs), na área da Deficiência Mental (DM). A intervenção apresenta componentes teóricos e práticos, oferecendo elementos para reflexão e instrumentalização em relação ao uso da tecnologia computacional, a partir da abordagem construcionista, propalada por Papert, no cotidiano de suas salas de aula. A avaliação da intervenção está sendo realizada a partir de uma metodologia qualitativa, utilizando dados coletados por meio de questionários dirigidos aos docentes, entrevistas com docentes e outros elementos do corpo escolar, observações (em escola sala de aula, no ambiente informatizado de aprendizagem e demais espaços da escola) e análise documental (planos de aula). A pesquisa encontra-se em andamento e os resultados iniciais revelaram o desejo dos professores em usar o computador como um recurso colaborador em suas aulas, assim como a necessidade de participarem de atividades que lhes permitam uma significativa capacitação para o uso de softwares pedagógicos adequados. Eixo temático: Educação, Comunicação e Tecnologia O avanço das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) trouxe inquietações às estruturas educacionais, desvelando novas maneiras de ver o mundo e aprender. Com isso, as escolas passaram, cada vez mais, a criar laboratórios informatizados. Porém, a preocupação atual refere-se a formação dos docentes para explorar o computador como uma ferramenta em benefício do aprendizado dos alunos, uma vez que o êxito das tecnologias, na educação, depende da maneira como o professor faz uso de seus recursos. Pesquisadores como Moran/USP, Behrens/PUC-PR, Kenski/USP, vêm desenvolvendo importantes estudos a respeito dos avanços tecnológicos e seus impactos na educação, mais especificamente, na formação docente. Tais pesquisas apontam para a importância da adaptação da escola a esse cenário, enfatizando que essa não pode permanecer à margem do movimento gerado pelas TICs. A própria política educacional brasileira refere-se à importância da alteração no papel do docente, oriunda dos avanços tecnológicos. Segundo orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN): cabe ao professor transformar-se em um guia capaz de estimular seus alunos a navegarem pelo conhecimento, fazerem suas próprias descobertas e desenvolverem sua capacidade de observar, pensar, comunicar e criar”. (BRASIL, 1998, p. 155) O mais importante é que o professor compreenda a utilização das tecnologias como importante ferramenta para a criação de ambientes que estimulem o aluno a descobrir, transformar e produzir conhecimento. No entanto, é preciso que fique claro que o processo de transformação é lento e requer a participação de toda conjuntura escolar. Tal processo exige estudo e aprofundamento teórico, pois, para modificar a prática, é preciso buscar fundamentação e reflexão. É uma tarefa complexa que demanda um trabalho integrado entre os sujeitos escolares, pressupondo investimentos, espaços e tempos disponíveis. Entre as estratégias a serem utilizadas para que o docente compreenda o potencial das tecnologias educativas, podemos citar a participação em atividades, como cursos e seminários e em experiências concretas com as mesmas. Kenski (2003) reforça que: Para isso é preciso que os cursos de formação de professores se preocupem em lhes garantir essas novas competências. Que ao lado do saber científico e do saber pedagógico, sejam oferecidas ao professor as condições para ser agente, produtor, operador e crítico dessas novas educações mediadas pelas tecnologias eletrônicas de comunicação e informação. (p. 50) Concordamos com Valente (2001) quando afirma que a tecnologia computacional pode vir a se constituir em um instrumento auxiliar no processo de aprendizagem do aluno, cabendo ao [...] professor da disciplina curricular ter conhecimento dos potenciais educacionais do computador e ser capaz de alternar, adequadamente, atividades não informatizadas de ensino-aprendizagem e atividades que usam o computador (p. 31). Porém, o que vem acontecendo, em muitas escolas, não condiz com essa proposta. Na realidade, grande parte dos professores da Educação Especial trabalha os conteúdos isoladamente, utilizando o ambiente informatizado como passatempo para os alunos. Outros reproduzem a aula ‘tradicional’ com o auxílio do computador, sem alteração na maneira de abordar os conteúdos; ou seja, continuam simplesmente tratando o aluno como repositório de informações. Em relação a esse aspecto, Valente (2001) argumenta que existem duas abordagens relacionadas ao processo de utilização do computador. São elas: abordagem instrucionista e abordagem construcionista. Na abordagem instrucionista, o professor explora os recursos do computador para o repasse de informações, predominando o aspecto da instrução. Nas palavras do autor, “o computador está sendo utilizado para informatizar os processos de ensino já existentes”. (VALENTE, 2001, p. 32). O autor argumenta que esse tipo de prática é o mais comum nas escolas, pois não exige grandes mudanças para serem implantadas. O investimento na formação resume-se ao mero domínio técnico do computador pelo professor, sem a preocupação com pressupostos teóricos que sustentem a prática e auxiliem na compreensão do potencial da máquina. Em contrapartida, a abordagem construcionista emerge para modificar as estruturas escolares, apresentando-se como um desafio para os docentes. O termo construcionismo foi criado por Papert (1985), seguidor de Piaget, que fez uma adaptação do que seria o construtivismo, numa perspectiva Piagetiana, aplicado ao uso do computador. De acordo com Valente (2001) no entanto, foram feitas algumas modificações em relação às idéias de Piaget. Na noção de construcionismo de Papert existem duas idéias que contribuem para que a construção do conhecimento seja diferente daquela descrita pelo construtivismo de Piaget. Primeiro, o aprendiz constrói alguma coisa, ou seja, é o aprendizado por meio do fazer, do colocar a mão na massa. Segundo, o fato de o aprendiz estar construindo algo do seu interesse e para o qual ele está bastante motivado. O envolvimento afetivo torna a aprendizagem mais significativa. (p. 33) Valente (2001) destaca as inúmeras vantagens do uso da tecnologia computacional na educação especial. Segundo ele, trabalhar com as individualidades dos sujeitos é um dos grandes ganhos da educação com a utilização do computador. De maneira atrativa e prazerosa, os educandos são convidados a descobrir caminhos que conduzam ao conhecimento, assumindo o comando de suas próprias aprendizagens. O autor aponta ainda que, para os alunos com DM, o computador significa um desafio, pois os conduz a resolver problemas, tomar iniciativas e ter autonomia. A combinação desses fatores acaba tocando em outro aspecto de suma relevância, que é a auto-estima do aluno. A medida em que ele realiza as atividades, assume uma postura ativa frente ao processo de aprendizagem, descobrindo seu potencial e sentindo-se motivado a arriscar-se em futuras descobertas. É nesse contexto que emerge a presente pesquisa, cujo foco investigativo é a relação entre professores de uma Escola Especial de Pelotas (RS), seus alunos e a tecnologia computadorizada. O trabalho faz parte de uma investigação que irá constituir minha dissertação de Mestrado, compondo-se em uma intervenção, organizada em três etapas. Este trabalho visa a descrever a primeira etapa da pesquisa – a conscientização dos professores a respeito da utilização da tecnologia computacional, como referi anteriormente. Tal descrição tem o objetivo de relatar uma experiência que pode ser considerada como bem-sucedida de formação docente para a utilização da tecnologia computacional com alunos com necessidades educativas especiais. A escola onde está sendo realizada a investigação, possui um laboratório de informática. Entretanto, esse laboratório é coordenado por uma única professora, trabalhando de maneira isolada e a maioria das professoras da escola revelou sequer possuir uma noção básica sobre os aplicativos da Informática, embora demonstrassem um elemento essencial, a motivação e a vontade de aprender a utilizar a tecnologia computacional em sua prática docente. Tomaram parte da 1ª etapa do trabalho 19 professoras. Essa etapa constituise em seis encontros realizados com esse grupo de docentes, em que aconteceram estudos teóricos e atividades práticas. CONSCIENTIZANDO E FORMANDO AS PROFESSORAS As atividades propostas para o desenvolvimento da Etapa I do trabalho visaram a estimular o professor a refletir sobre a sua prática e participar ativamente dos debates. A seguir, apresento uma súmula das atividades realizadas em cada um dos encontros: Primeiro encontro - Diálogo com as professoras a respeito da proposta de trabalho. - Aplicação de um questionário com perguntas abertas, para investigar as concepções prévias das professoras a respeito da relação com computador. - Reflexão sobre o texto “Reencantar a educação, rumo à sociedade aprendente”, de Hugo Assmann (1998, p. 11-34). - Leitura da mensagem “Estrelas-do-mar” (autor desconhecido), com o intuito de estimular as professoras a fazerem a sua parte para que mudanças ocorram na escola. A aplicação do questionário ofereceu-me importantes elementos para o planejamento dos encontros posteriores. Das 19 docentes que participaram do Minicurso, apenas 5 haviam tido algum contato com o computador. Porém, todas elas disseram acreditar na importância de seu uso para a aprendizagem do aluno. Segundo encontro - Debate, reflexão e sistematização das idéias do texto “Ensino e aprendizagem inovadores com tecnologias audiovisuais e telemáticas”, de José Manuel Moran (2001, p. 11-32). - Encerramento das atividades com a leitura do texto “Joãzinho da Maré” de Rodolpho Caniato, (1997). Iniciei as atividades ao som de uma música suave, pedindo às docentes que simbolizassem o sentimento que o texto acima referido havia despertado em cada uma. Ao centro do círculo que formavam, havia diversos materiais (recursos pedagógicos) para a representação simbólica (folhas de ofício, tinta, cola com gliter, lápis de cor, hidrocor, sementes, retalhos de tecido, restos de papel, etc). Enfatizei ao grupo que não havia regra alguma. Cada qual deveria expressar-se do modo que quisesse. Ao ouvir as falas das professoras, revelando sentimentos de angústia e medo em relação ao novo, ao desconhecido, senti-me invadida por uma onda de sensações que se mesclavam. As diferentes linguagens das docentes, utilizadas para expor o trabalho produzido, acabaram mostrando-me as redes de conexões que elas estavam tecendo em relação aos textos e às discussões com o grupo. Os sentimentos pareciam aflorar, revelando, de maneira direta, toda a inquietude em relação à temática proposta. A fala que segue (gravada e transcrita), exemplifica as manifestações das professoras em relação as suas produções. Eu fiz um barquinho, que eu me senti assim, como se estivesse em um barco bem pequenininho, lá no alto mar, diante do primeiro texto. Porque eu não conheço computador. Até hoje, não tinha me interessado muito. Agora eu vi, assim, que isso faz muita falta. É uma grande necessidade. A gente precisa buscar o novo, se arriscar, não ter medo. Então, eu me senti bem assim, como se estivesse perdida. Então foi por isso que eu fiz o barquinho. (Professora 17) Após encerrar essa atividade, pedi às docentes que se reunissem em seis grupos. Distribuí questões, apresentadas a seguir, uma por grupo, formuladas a partir dos textos de Assmann e Moran. Elas deveriam ser discutidas e as respostas registradas por escrito, para, em seguida, serem compartilhadas com o grande grupo. 1. Como vocês compreendem o processo de ensinar na sociedade do conhecimento? 2. O que vocês acreditam que é preciso para que ocorram mudanças qualitativas na educação? 3. Como utilizar as tecnologias de forma inovadora, de modo que colaborem para o aprendizado do aluno? 4. Vocês acreditam que é possível (re)encantar a educação? Como? 5. Quais os caminhos que facilitam a aprendizagem do aluno? 6. Definam o conceito de aprendizagem na era tecnológica. A discussão que emergiu no grupo pareceu revelar a superação do medo em relação à utilização do computar, dando espaço a vontade de aprender a manuseálo. Terceiro encontro - Debate, reflexão e sistematização a partir do texto “Aprendendo para a vida: o uso da informática na educação especial”, de José Armando Valente (2001, p. 29-42). - Encerramento das atividades com a mensagem “Que árvore queremos ser?” , de Vânia Chaigar. As atividades dos dois primeiros encontros com o grupo forneceram importantes elementos para compreender a dinâmica usual de trabalho naquela escola. Por conseguinte, pude perceber que as docentes não estavam habituadas a trabalhar no coletivo e que esse aspecto precisava ser melhor explorado. As leituras dos textos indicados por mim, acabaram enfatizando o trabalho colaborativo e a importância de abarcarmos projetos em parceria. Foi então que elaborei dois quebra-cabeças, em que havia uma gravura e uma frase relacionadas aos textos. No verso de cada peça, estava escrito o número um ou dois. Dei início ao terceiro encontro entregando para cada docente uma peça do quebra-cabeça e solicitando que se agrupassem de acordo com o respectivo número. Assim que o grupo 1 e o grupo 2 estivessem reunidos, o passo seguinte era montar o quebra-cabeça e ler a mensagem. Aproveitando a formação dos grupos, encaminhei a tarefa seguinte, relacionando-a com a leitura do texto. O grupo 1 iria trabalhar sobre o Instrucionismo e grupo 2 sobre o Construcionismo (VALENTE, 2001). A idéia era debater e descrever as principais características de cada abordagem de uso do computador na educação, elaborando painéis, com papel pardo e hidrocor e criando imagens para simbolizá-las. Os trabalhos foram apresentados oralmente e gravados em áudio, para, posteriormente, serem transcritos. Os painéis foram elaborados com facilidade, sendo que o conteúdo manifesto demonstrou que as docentes compreenderam as diferenças entre as duas abordagens. Quarto encontro - Debate, reflexão e sistematização a partir do artigo “O desenvolvimento de projetos por meio das Novas Tecnologias com crianças Portadoras de Necessidades Especiais Mentais” de Adriana Terçariol; Angélica Spigaroli; Cristiane Orosco; Elisa Schlünzen; Klaus Junior e Silvia Vallone (2002). - Elaboração de um plano de atividades a ser desenvolvido pelas docentes nos dois encontros seguintes (módulo prático). As docentes pareciam mais seguras após a leitura do artigo selecionado para o quarto encontro, pois o texto relatava uma experiência concreta, realizada a partir da utilização do computador. O texto escolhido para a discussão faz um apanhado teórico, para, em seguida, descrever uma série de atividades realizadas junto aos alunos. Inicialmente, procurei instigá-las a falar sobre o texto (sentimentos, dúvidas, sugestões). Após, relatei a minha experiência em um Projeto de Extensão, em que atuei por dois alunos, que articulava o uso do computador ao processo educacional das PNEEs. Em seguida, solicitei às docentes que se dispusessem livremente em grupos, com o intuito de preparar um plano de ação a ser aplicado com os alunos. Enquanto elas interagiam, observei a maneira como foram elaborando as atividades. Cada grupo escolheu um tema gerador, que desencadeou uma série de atividades subseqüentes. Para minha alegria, elas não demonstraram dificuldades na execução da tarefa, manifestando terem compreendido a essência de toda discussão em relação à utilização do computador. Quinto encontro - Módulo prático: apresentação dos planejamentos ao grupo. Escolha, juntamente com a turma, de dois planos de aula para serem aplicados no encontro atual e no último encontro. - Aplicação do plano escolhido. - Resposta a questionário. Esse encontro pareceu significar, para as professoras, o ápice do curso. Finalmente era chegado o momento de interagir com o computador, o que, para a grande maioria, era novidade. Uma das tarefas escolhidas pelo grupo foi fruto de um plano sobre a seleção do lixo (tema emergente na escola e nas famílias). Ela consistia em escrever um texto, com o auxílio do computador, a partir de uma gravura relacionada ao assunto. Eis um dos trabalhos produzidos por uma docente: Texto 1: A IDÉIA DE NANDO Nando 'ë um menino muito inteligente. Está preocupado com a limpeza do seu bairro. Teve uma idéia : reuniu os amigos da comunidade, colocando o seu plano a todos e pediu a colaboracão dos seus colegas para fazer um mutirão para a limpeza do bairro. Os amigos mostraram-se interessados e logo, logo resolveram entrar em acão. Depois de algum tempo,o bairro tornou-se um exemplo de cidadania. Destacou-se como o bairro mais lindo da cidade! (professora 2) Ao final, as professoras responderam, por escrito, o seguinte questionário: 1. Após a experiência prática, o que você está sentindo? 2. Existem dúvidas em relação a algum aspecto que foi trabalhado? Quais? 3. Em poucas palavras, revele qual foi o texto com o qual você mais se identificou, justificando o motivo da escolha. As respostas das docentes ao questionário demonstraram imensa satisfação após o contato com o computador e uma maior segurança em relação ao seu manuseio. Sexto encontro - Módulo prático: aplicação do plano de aula com as docentes. - Reflexão e avaliação do trabalho realizado. Iniciamos as atividades retomando as respostas do questionário preenchido no encontro anterior. Em seguida, partimos para a efetivação da segunda atividade escolhida pelo grupo para a aplicação do plano de aula: a elaboração de um livro de receitas, que fazia parte de um trabalho sobre frutas. No final do encontro anterior, havíamos combinado que cada docente traria uma receita que levasse frutas em seus ingredientes. Como o laboratório de informática possuía apenas quatro computadores em funcionamento, tivemos que nos organizar em quatro etapas para concluir o trabalho. Novamente, umas ajudaram as outras a realizar a atividade. O clima no laboratório sugeria intensa motivação. O medo parecia ter dado lugar à curiosidade, à vontade de aprender sempre mais, à busca de novos conhecimentos. RELAÇÃO ENTRE OBJETIVOS ALMEJADOS E ALCANÇADOS Ao refletir sobre as intenções que precederam a realização do presente projeto, posso inferir que os objetivos almejados foram concretizados. As principais e mais relevantes temáticas que emergiram a partir da discussão realizada durante todo o Mini-curso, foram: Relação professor-computador: formação docente; mediação e aprendizado do aluno; motivação/prazer; trabalho coletivo. Um aspecto recorrente no discurso das professoras referiu-se à Relação professor-computador: formação docente. Durante todo o curso, as docentes expressaram duas principais dificuldades: o medo de trabalharem com um instrumento desconhecido - o computador - e a falta de preparo para interagirem com a “máquina”, apontando para a lacuna existente no processo de formação universitária. Quando se iniciou o trabalho com o grupo, o medo e a insegurança pareciam estar sempre presentes em suas narrativas. A falta de interesse pela temática e o desconhecimento do trabalho que poderia ser desenvolvido com o auxílio do computador também foram pontuadas pelas docentes. Os sentimentos identificados pareceram ter sido superados aos poucos, dando vazão a um novo sentimento, que acabou servindo como força propulsora para que as docentes se abrissem e se arriscassem rumo a novas aprendizagens. O fator motivação, associado à vontade de desvendar os mistérios contidos no computador, acabaram maximizando-se. As professoras começaram a perceber que, para trabalhar com o auxílio da tecnologia computacional, é preciso esforço e aprofundamento teórico, além de um enorme apoio coletivo. Logo, também perceberam que o sucesso da incorporação das tecnologias na educação especial requer investimentos na formação de recursos humanos. Uma das professoras, após leituras, diálogos e reflexões, manifesta sua opinião a respeito da importância de o professor conhecer os diversos recursos da tecnologia computacional para poder explorar seu potencial de utilização em benefício do aluno. Creio que é necessário um trabalho direcionado à aprendizagem, para que se possa ter resultados significativos, não apenas deixar as crianças brincarem à vontade, sem uma interferência mais objetiva. O computador é um mundo a ser explorado e, se nós soubermos conduzir os alunos nessa exploração, acredito que teremos ótimos resultados.(Professora 6) Essa opinião foi compartilhada pelas outras professoras, que pareceram compreender que não são as tecnologias que irão revolucionar a educação. Elas dependem da apropriação adequada e fundamentada por parte dos professores e os resultados positivos da utilização no ideário educacional, estarão relacionados a sua atuação. Para tanto, é necessário que ele reveja sua postura diante dos processos de ensinar e aprender. As opiniões das professoras espelharam as idéias de autores como Moran (2001), Valente (2001) e Kenski (2003), sobre a importância de trabalhos voltados ao preparo do professor para atuarem em ambientes informatizados de aprendizagem. No decorrer dos encontros, as professoras deram atenção especial a outro importante elemento que, segundo elas, seria fundamental para o êxito da utilização da tecnologia computacional na sala de aula: o papel do docente como mediador do aprendizado do aluno. As docentes perceberam que trabalhar com as tecnologias não é se limitar apenas ao uso do computador nas escolas. O que se deve ressaltar é a forma como ele vai ser utilizado no processo pedagógico, corroborando com as idéias de Valente (2001). A simples utilização da máquina, em si, não significa inovação na prática pedagógica. Essa temática, Mediação e aprendizado do aluno, que alerta para a mudança na maneira de conceber o processo de ensino e aprendizagem, decorrente da configuração do novo paradigma, aparece assim, na fala de uma das professoras: Antes a escola era muito tradicional. Com as tecnologias, o aprendizado se torna mais interessante. A escola precisa preparar-se para esta mudança. A sala de aula precisa ser aberta para todos os professores, para que aconteça interação entre os alunos, os professores e profissionais que irão trabalhar. A informática mostra os diferentes caminhos para que o desempenho do aluno melhore. Também os professores precisam ter sensibilidade para conhecer seu aluno para saber que tipo de trabalho poderá usar para que o aluno consiga superar suas dificuldades. Precisa acontecer trocas entre as pessoas que trabalham com os alunos, uns apoiando os outros. (Professora 1) Essa fala indica que ela se dá conta de que, ao ensinar, está aprendendo com os seus alunos. Ela percebe que o ato de ensinar e aprender é um processo recíproco e balizado pelo outro. Outra professora, da mesma forma, manifesta sua opinião sobre a utilização da tecnologia computacional, afirmando: Penso que pode auxiliar na aprendizagem, mas com planejamento e acompanhamento do professor – mediador, servindo como estímulo e reforço da aprendizagem ou buscando maior conhecimento. (Professora 5) As professoras perceberam que a utilização do computador propicia aos alunos a possibilidade de construírem o conhecimento de maneira colaborativa, estabelecendo uma relação com a máquina, por meio de sua mediação. O aluno utiliza-se dessa ferramenta para produzir conhecimento e ser criativo, renovando o processo de ensino e aprendizagem. Outro aspecto enfatizado pelas professoras, referiu-se à importância da motivação para o aprendizado dos alunos. O computador, por ser uma novidade para muitos, pode, por esse motivo, constituir-se em um elemento motivador. Uma das professoras ressalta a importância da escola aproveitar o potencial da informática. Segundo ela: A informática é um fato presente na sociedade, e como tal, deve fazer parte do nosso dia-a-dia. É um instrumento que facilita o acesso ao conhecimento e comunicação e pode proporcionar uma aprendizagem mais diversificada e prazerosa. (Professora 9) Em relação a motivação, Shor (1986, p. 16) diz que “o problema da motivação paira sobre as escolas como pesada nuvem. Todos nós sabemos que os estudantes, desmotivados dentro da escola, podem ter muita motivação fora dela.” Esse, talvez, seja o maior desafio das instituições de ensino, na atualidade. Segundo Valente (2001), uma das grandes vantagens trazidas pela tecnologia computacional, refere-se ao aspecto do prazer em aprender. O computador estimula a descoberta, impulsionando os jovens a buscarem assuntos variados e atuais, de acordo com os seus interesses. É justamente esse aspecto da motivação/prazer que acreditamos ser contemplado com a utilização das tecnologias. Elas podem constituir-se em um atrativo ao estudante, uma vez que fazem parte do universo dos alunos e “falam a mesma linguagem” que eles. Isso foi apontado pelas professoras: A aprendizagem tem que integrar todas as tecnologias, nos diversos aspectos da vida: familiar, social e escolar, de uma forma aberta, dinâmica, participativa, atualizada. É preciso buscar nas novas tecnologias uma motivação. Buscar nas novas tecnologias uma motivação. Motivação para o aluno e professor. Buscar incentivo emocional, intelectual, pessoal, profissional, para o novo, integrando todos os aspectos da vida. (Professora 7) De acordo com Moran (2001), no momento em que o sujeito passa a compreender a aprendizagem como um processo prazeroso, pode-se dizer que ele encontrou a motivação necessária para transformá-la em um processo permanente de interiorização e crescimento pessoal. As docentes destacaram, também, a importância da realização de trabalhos colaborativos no processo de implantação de um novo recurso no ambiente escolar. Segundo elas, a interação deve ser a maior aliada no processo de inclusão da tecnologia computacional. Valente (2001) concorda com essa opinião, argumentando que, para a incorporação das tecnologias na escola, faz-se mister contar com a parceria de todo segmento educativo, pois é uma tarefa complexa, que exige união e trabalho conjunto, na busca de um ideal em comum, que é a melhoria do ensino. Nesse sentido, Demo, (1997, p. 18) também ressalta a importância do trabalho coletivo, enfatizando que uma de suas grandes vantagens é o exercício da “cidadania coletiva e organizada, à medida que se torna crucial argumentar na direção dos consensos possíveis”. Para finalizar a descrição da experiência formativa realizada com as docentes, considero válido trazer algumas de suas falas, que demonstraram a relevância da concretização de projetos que possibilitem o (re) pensar da própria práxis e o contato com metodologias inovadoras. Ao ser questionada sobre os sentimentos em relação à experiência prática frente ao computador, uma docente revelou: Uma sensação de alívio! Um educador que desconhece o trabalho que pode ser desenvolvido no computador, é um educador que não acompanha os novos tempos. Por isso, sempre tive vergonha de dizer que não sabia usar o computador. Com outra colega, tão leiga quanto eu no computador, fomos realizar a nossa primeira tentativa, cada uma com mais receio que a outra. Adorei. É claro que a minha obra-prima foi pequena, mas valeu! Consegui, também, que minha colega, mais tensa e medrosa que eu, se “arriscasse” no computador. Ela também venceu o medo. Ficamos muito felizes, as duas. (Professora 15) A informática aplicada à Educação Especial surge em um momento de muitos questionamentos a respeito dos métodos tradicionais, usualmente utilizados pelas escolas. Com ela, emerge a esperança de um ensino mais justo e igualitário, que considere a pluralidade dos sujeitos aprendentes, uma vez que acreditamos não haver limites para a aprendizagem humana e que todas as pessoas, independente de sua condição, possuem infinitas potencialidades, desde que lhes sejam dadas oportunidades e espaço para se desenvolverem. O ambiente informatizado de aprendizagem privilegia a interação em um clima colaborativo e extremamente desafiador para os educandos, que constroem seu conhecimento a partir das suas vivências e de acordo com seus diferentes ritmos de aprendizagem, mediados pelas professoras. Porém, enfatizamos, mais uma vez, a importância da realização de projetos que visem promover a formação de recursos humanos para a utilização da tecnologia computacional, a partir de estudos teórico-práticos. Dominar os comandos da máquina é algo essencial, porém não primordial. É necessário ir além, buscando compreender que aprendizagem é vida, movimento, emoção, envolvimento, motivação. Ela acontece de maneira circular, rompendo com os preceitos meramente racionais. Ao concluir, não poderia deixar de mencionar a imensa satisfação que a experiência me trouxe. Ao final do segundo encontro, a diretora revelou-me que, se soubesse que o curso teria tamanha relevância para a escola, teria suspenso as aulas e liberado todo o quadro docente para participar das atividades. Ela disse que lamentava não ter percebido que toda a reflexão e discussão produzida nos encontros iria contribuir com a prática dos professores e, conseqüentemente, com o aprendizado dos alunos. A concretização de trabalhos como este, que aproximam as instâncias Escola e Universidade - são de suma importância para a melhoria do ensino. O conhecimento sistematizado dentro de um locus privilegiado - Universidade - que acolhe uma pequena parcela de indivíduos, deve expandir-se e multiplicar-se, envolvendo os atores que compõem o cenário da educação brasileira - os docentes. Assim, aponto para a necessidade da realização de cursos de formação, que visem o preparo dos docentes para atuarem em ambientes informatizados de aprendizagem, assumindo a postura de mediadores na relação entre aluno e computador, uma vez que a realidade nos revela que as escolas possuem computadores, mas não os exploram plenamente. REFERÊNCIAS AMARAL, L. A. Pensar a diferença/deficiência. Brasília: CORDE, 1994. ANDRÉ, M. E. D. A. de. Etnografia da prática escolar. São Paulo: Papirus, 1995. ____. (org.). Pedagogia das diferenças na sala de aula. Campinas, SP: Papirus, 1999. ASSMANN, H. 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