UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Direito “O ESTADO PUERPERAL NO CRIME DE INFANTICÍDIO” Autora: Aline Becker Ferretti Orientador: Prof. Douglas Ponciano da Silva BRASÍLIA 2008 ALINE BECKER FERRETTI O ESTADO PUERPERAL NO CRIME DE INFANTICÍDIO Trabalho apresentado ao curso de graduação em direito da Universidade Católica de Brasília, UCB, como requisito para obtenção do Título de Bacharel em Direito Civil. Orientador: Prof. Douglas Ponciano da Silva. Brasília 2008 Trabalho de autoria de Aline Becker Ferretti, intitulado “O Estado Puerperal no Crime de Infanticídio”, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, defendida e aprovada, em Brasília, em 00 de 2008, pela banca examinadora constituída por: ______________________________________ Prof. Douglas Ponciano da Silva Orientador __________________________________ Prof. Integrante _________________________________ Prof. Integrante Brasília 2008 Dedico o presente trabalho, à Deus, fonte de vida, força e esperança, que guiou os meus estudos ao longo dessa trajetória, e aos meus pais, pelo incansável incentivo, confiança e paciência, ao longo desta jornada, e a todos aqueles que participaram desta realização. Agradecimentos Ao Prof. Douglas Ponciano da Silva, meu orientador, pela gentil acolhida, pelos ensinamentos e sugestões para que fosse possível a concretização deste trabalho. Á Universidade Católica de Brasília, por me propiciar a oportunidade de aprender. RESUMO FERRETTI, Aline Becker. O estado puerperal no crime de infanticídio. 2008. 76 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2008. O crime de infanticídio caracteriza-se pela morte do nascente ou do recém-nascido, produzida pela própria mãe, sob influência do estado puerperal. Este delito tem como sujeito ativo, apenas a mãe, e, como sujeito passivo, o ser nascente ou o recém-nascido. A objetividade jurídica, evidentemente, é a preservação da vida humana. No tocante ao elemento subjetivo da autoria, existem duas correntes doutrinárias: a psicológica e a fisiopsicológica. Na primeira, leva em consideração a honra da infanticida. Na segunda, considera apenas o desequilíbrio fisiopsicológico proveniente do parto, corrente esta, adotada pelo Código Penal brasileiro. Sobre a questão do concurso de pessoas, de acordo com a legislação e as prerrogativas específicas, o nosso Código Penal expressamente determinou ao intérprete a analisar o problema da co-autoria sob as determinações dos artigos 29 (caput) e 30. Eis que se o terceiro instiga, induz ou auxilia a parturiente a matar o filho, estará concorrendo para o delito, cujo resultado caracteriza o infanticídio, já que a influência do estado puerperal é elementar do tipo, comunicando-se ao fato do coautor ou partícipe, conforme o ditame do artigo 30 do Código Penal vigente. Palavras-chave: Código Penal. Infanticídio. Estado puerperal. Concurso de pessoas. ABSTRACT FERRETTI, Aline Becker. The state crime of infanticide in puerperal. 2008. 76 f. Monograph (Graduation) – Faculty of Law, University of Brasília Catholic, Brasília, 2008. The infanticide crime is characterized by the death of the East or of the newly born, produced by the own mother, under influence of the state puerperal. This crime has as active subject, just the mother, and, as passive subject, being nascent or the newly born. The juridical objectivity, evidently, is the preservation of the human life. Concerning the subjective element of the authorship, two currents doctrinaires exist: the psychological and the fisiopsicológica. In the first, it takes in consideration the infanticide's honor. On Monday, it just considers the unbalance originating from fisiopsicológico the childbirth, current this, adopted by the Brazilian penal code. On the subject of the people's contest, in agreement with the legislation and the prerogatives specifics, our penal code expressly determined the interpreter to analyze the problem of the co-authorship under the determinations of the goods 29 (caput) and 30. Suddenly if the third urge, it induces or it aids the parturient to kill the son, it will be competing for the crime, whose result characterizes the infanticide, since the influence of the state puerperal is elementary of the type, communicating to the joint author fact or participles, according to the ditame of the article 30 of the effective penal code. Keywords: Penal code. Infanticide. State puerperal. People's contest. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................9 CAPÍTULO 1 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA .................................................................12 1.1 Período intermediário .....................................................................................13 1.2 Período moderno ............................................................................................14 1.3 Análise histórica do infanticídio no Brasil........................................................16 1.3.1 Ordenações do reino..............................................................................17 1.3.2 Código criminal do império .....................................................................17 1.3.3 Código penal republicano.......................................................................19 1.3.4 Projetos ..................................................................................................20 1.3.5 Código penal de 1940 ............................................................................21 1.3.6 O infanticídio nos dias atuais..................................................................22 CAPÍTULO 2 - CONCEITO DE INFANTICÍDIO ........................................................25 2.1 Elementares do crime .....................................................................................26 2.2 Infante nascido ...............................................................................................27 2.3 Neonato ou recém-nascido.............................................................................28 2.3.1 Vida extra-uterina ...................................................................................28 2.3.2 Puerpério................................................................................................30 2.3.3 Estado puerperal ....................................................................................31 2.3.4 O estado puerperal sob a visão da medicina legal.................................34 2.3.5 Objetividade jurídica e bem juridicamente protegido.............................36 CAPÍTULO 3 - CARACTERIZAÇÃO DO INFANTICÍDIO SOB O VIÉS DA JURISPRUDÊNCIA ..................................................................................................38 3.1 Motivo de honra ..............................................................................................38 3.2 Influência do estado puerperal........................................................................41 3.3 Análise das correntes psicológica e fisiopsicológica.......................................48 3.3.1 Corrente psicológica...............................................................................48 3.3.2 Corrente fisiopsicológica ........................................................................51 3.3.3 A posição jurisprudencial quanto as correntes psicológica e fisiopsicológica .......................................................................................52 CAPÍTULO 4 - INFANTICÍDIO: ENTRE A AUTORIA E O CONCURSO DE PESSOAS .................................................................................................................56 4.1 Sujeito ativo do infanticídio .............................................................................56 4.2 O problema da concurso de pessoas no código penal ...................................57 4.3 Sujeito passivo................................................................................................63 4.3.1 Elemento subjetivo e materialidade do crime .........................................65 CONCLUSÃO ...........................................................................................................69 REFERÊNCIAS.........................................................................................................74 9 INTRODUÇÃO A cultura brasileira, sob o ponto de vista subjetivo, encarou e interpretou o infanticídio como algo abominável, um tipo de crime que não merecia nenhum tipo de perdão. Em alguns casos essa interpretação ocorre sob o parâmetro passional, sem levar em conta outras questões que este estudo aborda como os aspectos psicológicos de quem comete este tipo de ato. No crime de infanticídio, para que fique caracterizada a consumação, deverá haver a morte do feto nascente, ou do infante nascido. Para alguns estudiosos, como veremos adiante, a morte, só existe, a partir do momento em que se apresenta a chamada Trípode de Bichat, que é constituída pela cessação das funções cerebrais, da circulação e da respiração. Para outros juristas e estudiosos, não interessa questionar a respeito da viabilidade do ser que nasce, bastando apenas que ele nasça com vida. Como o feto nascente pode também ser sujeito passivo do infanticídio, não se exige que tenha havido vida extra-uterina, mas apenas vida biológica. Como se pode perceber, esse tema é bastante complexo, e ao mesmo tempo polêmico, por despertar na população, uma rejeição imediata, e às vezes o desejo de vingança. Para que fique configurado o crime de infanticídio, é necessário que a morte do sujeito passivo tenha ocorrido durante ou logo após o parto. Neste sentido, a jurisprudência ainda vivencia uma querela doutrinária, a respeito do que se deve entender pela elementar normativa temporal durante o parto ou logo após. A doutrina médica não é pacífica ao tratar do início e fim do parto. Para alguns autores, o parto inicia-se com as primeiras contrações uterinas e termina com a expulsão do produto da concepção. Para outros, o parto inicia-se com o período de dilatação uterina e termina com a expulsão da placenta. Esta falta de entendimento dificulta a caracterização do crime, pois, se ocorrer a morte criminosa do feto antes de iniciado o parto, trata-se de aborto, e se não se der durante ou logo após o parto, será homicídio. 10 Para Nelson Hungria 1 , a expressão “logo após o parto”, não deve ser entendida isoladamente, mas subordinada ao art. 123 do Código Penal, que se refere a um estado “sob a influência do estado puerperal”. Como vemos, não pode ser dada uma interpretação única, mas suficientemente ampla, de modo a abranger o variável período de choque puerperal. Desta forma, apesar de a lei não ter fixado um prazo para sua ocorrência, não podemos interpretar de forma restrita, mas sim de forma ampla até que se possa abranger o variável período do estado puerperal. Com relação à forma tentada do infanticídio, não há muitos pormenores a se tratar, pois há na doutrina a admissão da sua existência, em virtude da materialidade do crime, que ocorre quando, iniciada a ação de matar, esta não se consuma, por motivos alheios à vontade da agente. Por força do disposto no artigo 14 inciso II do Código Penal Brasileiro, pune-se a tentativa de infanticídio com a pena correspondente ao crime consumado, que é a de detenção por 2 (dois) a 6 (seis) anos, diminuída de um a dois terços. Portanto, essa temática envolve várias concepções, opiniões e debates, fazendo com que os operadores do direito se aprofundem cada vez mais nas suas prerrogativas. Até porque, hoje é um crime, que ocorre com certa freqüência em nosso país, e acaba dividindo opiniões dos indivíduos, e exigindo um posicionamento da justiça, no sentido de sempre fazer valer a justiça. Sob este aspecto, resta inegável que o infanticídio, enquanto tipo autônomo ocasionou e ocasiona muitas querelas jurisprudenciais e doutrinárias, criando assim um ambiente de incertezas com relação ao correto julgamento de quem incorre neste crime. Fazendo então com que o direito, muitas vezes, deixe de ser aplicado de forma satisfatória para a sociedade, e enseja desta forma, um estudo profundo do delito de infanticídio. Nesse sentido, a pesquisa monográfica que se apresenta tem como metodologia, uma revisão bibliográfica de juristas, pesquisadores, médicos, peritos, que analisam os casos ocorridos, e dão um parecer técnico, profissional, e às vezes humano à questão. Portanto, ela tem um caráter analítico e qualitativo, em que ao longo dos quatro capítulos, se tem uma reflexão precisa sobre os parâmetros ______________ HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. v. 5, p. 264. 1 11 judiciários, compatíveis com a punição ou absolvição deste tipo de crime, além do viés fisiopsicológico de quem pratica tal ato. Quanto ao objetivo geral, esta monografia busca analisar o que é de fato o infanticídio, e quais aspectos envolvem este “fenômeno”, que tradicionalmente choca a população, fazendo com que os operadores do direito tomem uma posição enfática sobre cada caso. O objetivo específico é delimitar, sob o ponto de vista jurídico, os fatores que envolvem o infanticídio, tendo como base o Código Penal, a Constituição Federal, e outras prerrogativas da área judiciária, que são compatíveis com este tipo de ocorrência. Para melhor sistematização do estudo, esta monografia é dividida em quatro capítulos. No primeiro capítulo temos a definição do que é o infanticídio, através de conjecturas históricas e cronológicas, passando por elementos que se relacionam com vários episódios já consumados. No segundo, colocamos algumas definições e posições jurídicas, no sentido de respaldar os pressupostos que foram levantados. No terceiro, elementos que tipificam, permeando os aspectos psicológicos e fisiopsicológicos e no quarto capítulo, consideramos os sujeitos que estão envolvidos direta ou indiretamente neste tipo de crime e a questão do concurso de pessoas. 12 CAPÍTULO 1 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA Para que possamos compreender melhor, e de forma clara, o que vem a ser o infanticídio, é imprescindível demonstrar e estudar a sua evolução histórica e cronológica, para que desta forma possamos entender o seu surgimento, enquanto um delito. Voltando às suas origens, num período que se encontra por volta do Séc. V a.C, verifica-se, que entre os bárbaros da Antigüidade, a morte dos filhos e crianças, não constituía crime, como também não atentava contra os costumes vigentes, expor recém-nascido por motivo de honra, religiosidade ou até mesmo deficiência física. Era freqüentemente praticado, nessa época, sacrifício de alguns povos ao seu Deus, oferecendo a ele seus filhos, como no Oriente, Esparta e América Pré-Colombiana. No que toca às práticas mais antigas do crime, as questões legais e penais conhecidas, são dados difíceis de serem encontrados, mas foi através de historiadores e filósofos que se fizeram as primeiras menções relacionadas a este tipo de crime. Para Vicente de Paula Rodrigues Maggio 2 , “[...] as mais antigas legislações penais, não fazem qualquer referência a esse tipo de ato, concluindo ser, então, permitida essa conduta, que hoje é tida como delituosa.” Entre os gregos, era comum o sacrifício de crianças, de qualquer idade, que apresentassem alguma deformidade física, evidenciando que o grande culto ao corpo, à estética e á beleza daquela civilização, não encontrava limites éticos. Outra questão bastante comum neste período, era que o rei quando encontrava dificuldades quanto à falta de alimentos, acabava ordenando a morte de recém-nascidos. Na velha Roma, a morte do próprio filho, praticada pelo pai, não constituía delito algum, podendo ele dispor do filho como quisesse. A criança na época, era propriedade dos pais, e os recém-nascidos considerados normais eram protegidos, já os defeituosos podiam ser submetidos à morte, de forma cruel, como o abandono vindo a morrer de fome e sede. Tinham também aqueles que poderiam servir de desonra para a família, estes teriam o mesmo destino dos considerados defeituosos. ______________ 2 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Infanticídio. São Paulo: Edipro, 2001. p. 34. 13 De acordo com Maggio 3 , “[...] crianças que nascessem imperfeitas, mal-formadas ou que constituísse desonra ou afronta à família, podiam ser mortas pelos pais depois do nascimento". Sobre tal fato, Gláucio Vasconcelos Ribeiro 4 menciona: Em Roma, o filho estava totalmente submisso à autoridade paterna, que podia vendê-lo e condená-lo à morte. Leciona Fustel de Coulanges, que o pai era o juiz. E condenar o filho à morte, era uma virtude, e um direito de justiça. Esse patria potestas explica a existência de lei do primeiro período do direito romano (direito antigo), na qual era punida com a morte, a mãe que matasse o próprio filho, nada prevendo quando o agente fosse o pai, pois este tinha o direito de matar. Nessa época a criança recém-nascida era levada ao pai, que a pegava nos braços, e exibia como forma de conceder-lhe a vida. Caso o pai a colocasse deitada, era decretada a sua morte. 1.1 Período intermediário Após este período entramos no século V ao XVIII d.C, onde essa prática pelos pais passa a ser incriminada por Justiniano. Tempo em que é observado o desaparecimento do direito de vida e de morte do pater familiae. Momento também marcado pela influência do Cristianismo, onde o pai ou a mãe que cometesse tal delito estaria sujeito às punições da época. Punições estas, bem severas, onde, sendo a mãe responsável pelo crime seria enterrada viva queimada ou até mesmo empalada 5 , cabendo aqui ressaltar que nesta época não havia diferença entre homicídio e infanticídio. ______________ 3 MAGGIO, 2001, p. 34. RIBEIRO, Gláucio Vasconcelos. Infanticídio: crime típico; figura autônoma; concurso de agentes. São Paulo: Pillares, 2004. p. 20-21. 5 Empalamento é uma técnica de tortura ou execução antiga que consistia em espetar uma estaca através do ânus até a boca do condenado até levá-lo à morte deixando um carvão em brasa na ponta para mesmo que chegue até a boca do condenado não morresse até algumas horas deois de homorragia. Usava-se também cravar a estaca pelo abdômen. WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Empalamento. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Empalamento>. Acesso em: 24 abr. 2008. 4 14 Conforme Nelson Hungria 6 : O direito romano da época avançada incluía o infanticídio entre os crimes mais severamente punidos, não o distinguindo do homicídio. Se praticado pela mãe ou pelo pai, constituía modalidade do parricidium, e a pena aplicável era o culeus, de arrepiante atrocidade. Foi o caso da Ordenação Criminal de Carlos V (Constitutio Criminalis Carolina) a qual destacava que as mulheres que viessem a matar seus filhos estariam sujeitas a serem sepultadas vivas, empaladas, afogadas e dilaceradas pelas entranhas, com recursos tenazes. E caso suplicassem, teriam como forma de atenuação da pena, o afogamento, mas apenas se não fossem reincidentes. Se reincidente, a ré só teria a opção de afogamento. Nelson Hungria 7 destaca o artigo 131 da Ordenação Penal de Carlos V, assim as mulheres que matavam: [...] secreta, voluntária e perversamente os filhos, que delas receberam a vida e membros, são enterradas vivas e empaladas, segundo o costume. Para que se evite o desespero, sejam estas malfeitoras afogadas, quando no lugar do julgamento houver para isto comodidade de água. Onde, porém, tais crimes se dão freqüentemente, permitidos, para maior terror dessas mulheres perversas, que se observe o dito costume de enterrar e empalar, ou que, antes da submersão a malfeitora seja dilacerada com tenazes ardentes. A Igreja dá início à pregação do ato, como crime, e muitos juristas passaram a compreender que não cabia a ninguém, o direito de dar fim, à vida de outrem. A partir desse momento, o infanticídio passa a ser considerado um crime gravíssimo, e tratado como homicídio comum punido com a morte. 1.2 Período moderno É notório que a vontade de punir severamente, as mães infanticidas, teve uma duração ao longo da Idade Média. E este rigor das penas, perdurou durante vários séculos, até o movimento Humanista, em que o Iluminismo e a doutrina do Direito Natural conferiram novos rumos ao tratamento penal do infanticídio, em ______________ 6 7 HUNGRIA, 1979, p. 239-240. HUNGRIA, loc. cit. 15 benefício da criminosa, passando o ato infracional a ser entendido como um delito especial. O movimento que ocorreu por volta do século XVIII, sob influências de idéias iluministas, foi no sentido de fazer frente à displicência com que o legislador imputava às penas cruéis do infanticídio, propugnando pela sua consideração como um homicídio privilegiado, quando praticado em nome da honra pela mãe, ou por parentes. Sob esse entendimento, foram pioneiros Beccaria 8 e Feuerbach, que no campo jurídico apresentaram propostas para leis mais humanistas. Maggio 9 relata que: Os filósofos do direito natural, visando diretamente, influenciar os legisladores, no sentido de privilegiar o delito, possuíam fortes e relevantes argumentos, como a pobreza, o conceito de honra, bem como a prole, portadora de doenças ou deformidade. Muakad 10 cita em sua obra, “[...] foi sob a influência das novas idéias a favor do abrandamento da pena, e contra a pena de morte, que surgiu a argumentação, de que nem sempre o móvel desse crime era a perversidade”. Conforme as mudanças foram ocorrendo, até mesmo com o surgimento de novas idéias, o infanticídio passa então a ter um novo tratamento, em que, de homicídio qualificado, passa a ser considerado pelas legislações da época, um homicídio privilegiado, quando praticado pela mãe ou por um parente da parturiente. Muakad 11 também relata: “[...] as legislações a partir do século XVIII passaram a aceitar a idéia do motivo de honra, e essa reação se fez sentir rapidamente, abolindo-se a pena de morte logo depois, na Áustria em 1803 e na Baviera em 1813”. Notamos então que a pena de morte foi completamente deixada de lado, em virtude das mudanças sociais e seus costumes. Com isso a sociedade, juntamente ______________ 8 À época, Beccaria tentou justificar a atitude criminosa das infanticidas alegando que "[...] o infanticídio é, ainda, o efeito quase inevitável da terrível alternativa em que se encontra uma desgraçada, que apenas cedeu por fraqueza, ou que sucumbiu aos esforços da violência. De um lado a infâmia, de outro a morte de um ente incapaz de avaliar a perda da existência: como não haveria de preferir essa última alternativa, que a subtrai à vergonha, à miséria, juntamente com o infeliz filhinho?" BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Paulo M. Oliveira. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 92. 9 MAGGIO, 2001, p. 36-37. 10 MUAKAD, Irene Batista. O Infanticídio: análise da doutrina médico-legal e da prática judiciária. São Paulo: Mackenzie, 2002. p. 85. 11 MUAKAD, loc. cit. 16 com os filósofos do Direito Natural, tinham na pobreza, o conceito de honra e as deformidades como foco principal, fazendo com que os legisladores aplicassem uma pena mais branda para o crime em estudo, pois existiam na época grandes humilhações para as mães que engravidavam indesejadamente. Maggio 12 também coloca: “[...] somente o código napoleônico de 1810 e a lei inglesa, continuaram mantendo essa espécie de pena de morte.” Com o advento do Iluminismo, a pena imposta à infanticida passa a ser mais branda que a cominada ao homicida. Observamos que se inicia dessa maneira, a fase evolutiva de transformações que culminou com os dispositivos modernos da lei penal. 1.3 Análise histórica do infanticídio no Brasil Na sociedade primitiva existente no Brasil, antes do domínio português, os povos indígenas viviam sob responsabilidade coletiva. Famílias inteiras se opunham às outras, sentiam e reagiam como um ente coletivo, e quanto aos problemas penais da época, eram solucionados, imperando-se a vingança privada. Conforme o pesquisador Maggio 13 , “[...] predominavam, então, o talião, a vingança privada e coletiva”. Mirabete 14 relata que nesta época, vigorava uma civilização, em que a pena de morte e as penas corporais, eram tidas como forma de represaria. Encontrava-se entre eles a vingança privada, vingança coletiva, vingança de sangue e o talião. Entre os índios, a responsabilidade penal era aplicada de forma igual a todos. Não existia inimputabilidade penal, condenava-se igualmente uma criança de 10 anos, como um idoso de 75 anos, nem mesmo existia diferença entre sexo masculino e feminino. ______________ 12 MAGGIO, 2001, p. 36. Ibid., p. 37. 14 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 1996. v. 2, p. 42-43. 13 17 Mas em relação ao infanticídio Maggio 15 nos traz que “[...] o direito penal indígena, não constituía qualquer forma de direito penal escrito, e, quanto ao infanticídio, o próprio costume aceitava a sua prática com total indiferença ou com conduta irrelevante”. 1.3.1 Ordenações do reino Com a chegada dos portugueses em nosso país, teve início um processo de mudanças, entre os indivíduos que aqui habitavam, assim também ocorrendo no sistema jurídico-penal existente. O Brasil era uma colônia de Portugal, vigorando, portanto, no país as ordenações do reino, que vigiam em Portugal e suas outras colônias. A parte referente ao direito penal estava contida no Livro V das referidas ordenações, Maggio 16 ressalta que, “[...] o direito penal que vigorou no Brasil, desde o seu descobrimento até a independência, tinha por fonte o Livro V das Ordenações do Reino que, em nenhum momento, fazia qualquer referência específica ao infanticídio.” Mággio 17 , no Livro V, capítulo – Do Homicídio Qualificado, comenta sobre a seguinte disposição legal: § 31 – A mãe que, esquecendo-se de o ser, matar de propósito o seu filho infante, não por malignidade do coração, nem por outra paixão vil e baixa, ma com o fim de encobrir o seu delito, e de salvar a sua fama e reputação, será para sempre presa e reclusa na casa de correção. 1.3.2 Código criminal do império Aos poucos o Brasil foi deixando de ser colônia de Portugal, e com o passar do tempo foi abandonando a velha legislação portuguesa. Sob a óptica do Código Criminal do Império, sancionado em 16 de setembro de 1830 trazia ele consigo uma orientação doutrinária em favor da mãe infanticida. O Código Criminal, artigo 197 ______________ 15 MAGGIO, 2001, p. 37-38. MAGGIO, loc. cit. 17 MAGGIO, loc. cit. 16 18 trazia no seu bojo in verbis: “Matar algum recém-nascido - pena de prisão por três a doze anos.”, causando muita discórdia entre alguns doutrinadores sobre a real compreensão desse artigo com o próximo a ser mencionado. Já o artigo 198 do mesmo Código Criminal, período do Império traz a seguinte disposição in verbis: “Se a própria mãe matar o filho recém-nascido, para ocultar sua desonra – pena de prisão com trabalho por um a três anos.” Conforme Maggio 18 , “[...] em ambos os casos, o legislador utilizou somente a expressão recém-nascido, deixando sem amparo legal, o nascente (ser que se põe entre o feto e o recémnascido)”. A grande discussão é a possibilidade de o crime ser praticado por parentes da vítima, ou até mesmo por estranhos, por motivo diverso ao da causa da honra, contido no artigo 197 do Código Criminal, em que a pena era cominada de três a doze anos de prisão simples e multa correspondente a metade do tempo, o outro, mencionado no artigo 198, é o crime praticado pela mãe que traz consigo a questão da honoris causa, um privilégio dado à mãe que cometesse tal barbaridade, apenada com um a três anos de prisão, em regime de prestação de serviço. Todavia a grande indignação dos doutrinadores, em relação a essa época, era que a vida de uma criança, era entendida como um bem menor para a sociedade, comparado à vida de um adulto, pois aquele que cometia um homicídio era apenado de no máximo, a pena de morte, no conceito médio a pena perpétua, e no mínimo, pegaria vinte anos de prisão com trabalho. Comenta Ribeiro 19 : Conforme salientam os estudiosos desse ordenamento jurídico, verdadeiro e flagrante absurdo fora instaurado nessa legislação, quanto à primeira fórmula descrita, tendo em conta: os motivos determinantes, os agentes e as penas. Isto porque, quem matasse criança (sem ter sequer com ela qualquer parentesco), mediante os hediondos e idênticos meios descritos entre as agravantes para o homicídio, ver-se-ia beneficiado, assim mesmo, por extraordinária redução punitiva em relação àquele que provocasse a morte de um adulto, visto serem as penas cominadas para esta última forma de conduta a morte e as galés perpétuas. ______________ 18 19 MAGGIO, 2001, p. 39. RIBEIRO, 2004, p. 29. 19 1.3.3 Código penal republicano Nota-se que o Código Penal Republicano de 1890 passou por algumas mudanças, adaptações, mas cabe ressaltar sobre a insatisfação dos cultores do direito da época tanto ao Código Criminal do Império de 1830 quanto ao agora mencionado Código Penal Republicano de 1890. Por mais que tenha havido mudanças no Código de 1890 o tratamento a questão do infanticídio continuou confuso trazendo ainda problemáticas quanto ao assunto, tendo em vista as controvérsias que já havia suscitado. Observa-se que ambos se prenderam ao motivo de honra como atenuante do crime de infanticídio, também lembrando que o código de 1830 e o código de 1890 admitiram outro agente do crime de infanticídio além da mãe. No Código Penal Republicano de 1890, em seu artigo 298, dispunha in verbis: Matar recém-nascido, isto é, infante nos sete primeiros dias de nascimento, quer empregando meios diretos e ativos, quer recusando à vítima os cuidados necessários à manutenção da vida e a impedir sua morte – Pena: prisão celular de 6 a 24 anos. Parágrafo único: se o crime for perpetrado pela mãe para ocultar desonra própria – Pena: prisão celular de 3 a 9 nos. O legislador coloca como definição de recém-nascido, o infante até o sétimo dia após o nascimento, mas eis que surge a questão de como descobrir realmente se é ou não é uma criança, entre os seus sete primeiros dias de vida. Quanto a essa indagação, coube aos médicos legistas se manifestarem de forma diagnóstica sobre o assunto. Irene Batista Muakad 20 traz em sua obra, “[...] apesar de a jurisprudência dos tribunais valorizarem a perícia do técnico especializado, a medicina legal muito pouco havia contribuído [...]”, deixando entender que foi dado então uma atenção maior ao trabalho desenvolvido pelo médico legista na época. Com esse artigo notase que o recém-nascido passou a ter um amparo legal maior do que ao antigo Código Criminal do Império de 1830. ______________ 20 MUAKAD, 2002, p. 91. 20 1.3.4 Projetos Estaremos abordando agora antes de falarmos do atual Código Penal de 1940, sobre os projetos que vigoraram no nosso ordenamento jurídico, projetos estes sob a autoria de Galdino Siqueira, Virgílio de Sá Pereira e Alcântara Machado. Primeiramente falaremos do Projeto Galdino Siqueira, este não considerava o infanticídio como figura autônoma, e sim como homicídio, mas de forma atenuada. Ribeiro 21 demonstra que o Projeto Galdino Siqueira, tratava o infanticídio como sendo uma forma de homicídio atenuado, pois a pena aplicada era de dois a oito anos de detenção, para a mãe que matasse o próprio filho, no momento do nascimento ou logo após, para ocular sua desonra. Neste projeto adotou-se, também, o critério da vida apnéica que seria a possibilidade da vida extra-uterina de um ser que ainda não respirou fato este que vem sendo nos dias atuais discutido pela medicina legal. Já o Projeto Sá Pereira, é tido como aquele que configura o infanticídio como crime autônomo, foi elaborado sob forte influência do Código Suíço de 1916 que em seu art. 107 trazia in verbis: “Aquela que, durante o parto, ou ainda sob a influência do estado puerperal, matar o filho recém-nascido, será punida com prisão de até 3 anos, ou com detenção por seis meses, no mínimo”. No Projeto de Sá Pereira observamos a mesma definição em seu artigo 168 “[...] aquela que, durante o parto, ou ainda sob a influência do estado puerperal, matar o filho recém-nascido, será punida com prisão de até 3 anos, ou com detenção por seis meses, no mínimo”. Maggio 22 relata ser a primeira proposta de substituição do critério psicológico relacionado com o motivo de honra, para o critério fisiopsicológico, atrelado o tipo penal à influência do estado puerperal que é um dos pontos fortes deste trabalho e será mais a frente abordado. Sob o Projeto de Virgílio de Sá Pereira verifica-se que o delito quando praticado pelo pai ou irmãos da parturiente para esconder a desonra da mesma era ______________ 21 22 RIBEIRO, 2004, p. 39. MAGGIO, 2001, p. 42. 21 concedido uma punição mais benigna, a pena seria a metade do que a prevista para o homicídio, assim como é visto in verbis: “Art. 169 – aquele que, para esconder a desonra de filha ou irmã, cuja gravidez ocorresse ocultamente, lhe matar o filho recém-nascido antes de conhecido o parto, se descontará por metade a pena em que incorrer, podendo o juiz converte-la em detenção, se o art. 61 for aplicável”. Alcântara Machado em seu projeto, retorna ao critério psicológico, aquele relacionado ao motivo de honra, este projeto passa a estender o privilégio aos ascendentes, descendentes ou colaterais da parturiente, relatado in verbis: “Art. 312 – matar infante, durante o parto ou logo após deste, para ocultar a desonra própria ou a de ascendente, descendente, irmã ou mulher. Pena – detenção ou reclusão por dois a seis meses”, notando então que as circunstâncias do motivo de honra trazem então um benefício tanto a parturiente quanto aos seus ascendentes, descendentes ou colaterais. Observamos ainda que Alcântara Machado manteve-se fiel a teoria que sustenta como circunstância subjetiva a honoris causa. Mas com o advento da Comissão Revisora do Código Penal de 1940 passa a ser alterado a questão da honoris causa, ou seja, motivo de honra e adota-se o estado puerperal como circunstância elementar para que haja a diminuição da responsabilidade do agente do crime de infanticídio. Ribeiro 23 assim explica sob a revisão do Código Penal 1940, “[...] a nova orientação visava elidir as divergências existentes quanto à co-autoria, como também procurava estabelecer um tratamento de maior equidade para o fruto da concepção legítima como o da ilegítima”. 1.3.5 Código penal de 1940 O atual Código Penal de 1940 originou-se do projeto de Alcântara Machado, porém foi submetido ao exame da Comissão Revisora composta por Nélson Hungria, Vieira Braga, Narcélio de Queiroz e Roberto Lyra. ______________ 23 RIBEIRO, 2004, p. 40. 22 Foi alterado então o critério original do projeto, optando-se ao critério fisiopsicológico, o qual foi determinado o estado puerperal como motivo determinante para atenuação da pena, o critério psicológico do motivo de honra a “honoris causa” observado nos códigos anteriores ao de 1940 deixa de existir e dá espaço então a um novo critério chamado de “estado puerperal”. O referido estatuto legal dispõe in verbis: “Artigo 123 – matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após. Pena - detenção, de dois a seis anos”. Nélson Hungria 24 estabelece em relação à “honoris causa” o seguinte: Com a omissão de referência da causa honoris, o código não inibe que se leve em conta, quando realmente exista, esse antecedente psicológico. O motivo de honra pode contribuir de par com a morbidez fisiológica do próprio parto, para o estado de excitação e angústia que diminuem a responsabilidade da parturiente. Todas as causas fisiológicas e psicológicas devem ser averiguadas no seu conjunto e interdependência, de modo que não fica excluída a consideração do motivo de ocultação da desonra, nos casos em que, realmente, tenha entrado como um coeficiente do anormal impulso criminoso. O artigo 123 do Código Penal de 1940, que descreve o crime de infanticídio deixa muita dificuldade na comprovação da sua real configuração, sem deixar de lembrar que exige um bom trabalho de médicos legistas, visto que exige o exame pericial para que se chegue ao resultado mais próximo possível de uma tipificação correta, também é necessário o exame pericial quanto à questão do estado puerperal, pois este quando comprovado ou não pela perícia poderá beneficiar ou não a autora do crime. 1.3.6 O infanticídio nos dias atuais Ao passo do que já foi estudado quanto ao infanticídio, percebemos que desde as mais remotas civilizações já se podia observar a prática do infanticídio, principalmente no império Romano entre as tribos bárbaras, já que eliminando a vida ______________ 24 HUNGRIA, 1979, p. 254. 23 de uma criança, para eles podia então haver um controle dos governantes sobre a população da época em termos de distribuição de alimentos e tudo mais. Atualmente pode se observar a prática do infanticídio entre os animais que abandonam seus filhotes ou até mesmo os matam logo após o parto. Podemos citar outros exemplos como a Índia que possui um elevado índice de infanticídio com relação a crianças nascidas mulheres, e pela prática ser tão constante acabou-se obtendo um desequilíbrio entre os sexos feminino e masculino na população. Outra questão importante a se destacar é a China, que se move em busca do controle da natalidade pelo governo de forma brutal e cruel que impõe à população urbana apenas um filho por família e à rural dois filhos, como política de restrição de natalidade. Os pais sob grande pressão e medo de serem descobertos pelo governo acabam optando por abandonar ou matar seus filhos. Há também as mães que sob pressão muitas vezes recorrem ao tido no país como esquadrões de aborto, que se trata de um grupo mantido sob os olhos do governo com o intuito de arrastar as mulheres grávidas clandestinamente e mantê-las em cárcere para que cometam o aborto, em alguns casos as mães que se recusam a abortar acabam sendo executadas. Existem casos em que as famílias tentam esconder a criança para que o governo não tenha conhecimento, ou até mesmo vender à famílias estéreis para fugir das penas impostas pelo governo, sendo elas multas de sete vezes o salário de um trabalhador, esterilização compulsória e até mesmo confiscação dos imóveis e bens da família. No Brasil podemos dizer que vem acontecendo de forma constante, mas o crime não tem um conhecimento amplo pela sociedade em si, não é um crime que acontece no Brasil apenas em famílias de classe baixa que levam como motivo a ilegitimidade da gravidez, estupro, a ocultação perante a família, mas há constantes casos também em famílias equilibradas, em mulheres que acabam sofrendo um abalo psicológico no momento do parto e vindo então a praticar a ocisão do filho. Também há casos de mulheres que sofrem uma pressão psicológica do marido quanto ao ser nascente sendo imposto pelo marido que a mulher dê a luz à um filho homem, já que não podemos negar que ainda existe no nosso meio social pessoas 24 que carregam consigo pensamentos machistas, há casos de pessoas que cometem o infanticídio pelo fato de ter nascido filhos gêmeos ou filhos com uma certa deformação. Esses aspectos acabam por influenciar e causar muito transtorno à parturiente que em alguns casos acaba por escolher a pior maneira de resolver a questão da gravidez, pois se encontra abalada fisicamente e psicologicamente. Hoje é anunciado que em aldeias indígenas no Brasil, crianças acabam sendo mortas por questões culturais. Talvez pela falta de informação dessas pessoas, mas há também aqueles que defendem essa prática das aldeias pela questão de se preservar os costumes e crenças desses povos como um direito a diferença cultural. E ainda que a sociedade não tivesse o direito de julgar a moral de outra sociedade que no caso seria a indígena, é fato que há a prática de infanticídio em algumas tribos, mas há correntes que levam consigo o Relativismo Cultural desses povos defendendo o direito deles em conservar seus costumes e instituições próprias. Mas cabe aqui ressaltar que temos que prezar pela vida, pelo direito a vida, respeitando as culturas, crenças, diferenças, mas acima de tudo os seres humanos e o direito a ele garantido. Hoje carecemos de uma estatística precisa que nos mostre como meio de informação, ampla e confiável, sobre os índices de ocorrência no Brasil do Infanticídio, dificultando assim um objeto muito importante de informação específico que serviria como forma de desenvolver instrumentos para pesquisa sobre tal assunto. 25 CAPÍTULO 2 - CONCEITO DE INFANTICÍDIO Conforme o artigo 123 do Código Penal o infanticídio é o crime em que a a mãe mata, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após, sendo a pena cominada para a mãe que comete tal crime a de detenção de dois a seis anos. Num primeiro conceito quanto ao infanticídio com base na definição dada pelo nosso Código Penal, podemos afirmar que o objeto jurídico do infanticídio assim como é também do homicídio, é a proteção da vida, tanto do neonato que é aquele que acabara de nascer quanto do nascente aquele que está entre a vida intrauterina e extra-uterina, assim como encontramos no próprio artigo 123 do Código Penal. Já o segundo conceito a ser estudado é sobre a influência do estado puerperal, o qual caracteriza o infanticídio, mas quanto a essa definição estaremos abordando mais adiante neste mesmo capítulo. Noronha 25 define o infanticídio, “[...] cremos poder conceituar o infanticídio como a morte do nascente ou do neonato, pela própria mãe, sob influência do estado puerperal.” Definição esta baseada no artigo 123 do Código Penal em vigor. Damásio E. de Jesus 26 , por sua vez menciona o infanticídio da seguinte forma, “[...] etmologicamente falando a expressão infanticídio deriva de infans (crianças) e caedo (matar), significando a provocação da morte de uma criança”. Por outro lado Rogério Greco 27 nos dá uma definição mais específica quanto ao assunto: Analisando-se a figura típica do infanticídio, percebe-se que se trata, na verdade, de uma modalidade especial de homicídio, que é cometido levando-se em consideração determinadas condições particulares do sujeito ativo, que atua influenciado pelo estado puerperal, em meio a certo espaço de tempo, pois que o delito deve ser praticado durante o parto ou logo após. ______________ 25 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal, dos crimes contra a pessoa: dos crimes contra o patrimônio. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 2, p. 40. 26 JESUS, 1970, p. 110 apud Muakad, 2002, p. 81. 27 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Ímpetus, 2006. v. 2, p. 239. 26 Discorre a Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal, em seu ítem 40 in verbis, o qual o Ministro Francisco Campos afirma: O infanticídio é considerado um delictum exceptum quando praticado pela parturiente sob a influência do estado puerperal. Esta cláusula, como é óbvio, não quer dizer que o puerpério acarrete sempre uma perturbação psíquica: é preciso que fique averiguado ter esta realmente sobrevindo em consequência daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de auto-inibição da parturiente. Fora daí, não há porque distinguir entre infanticídio e homicídio. Ainda que quando ocorra a honoris causa (considerada pela lei vigente como razão de especial abrandamento da pena), a pena aplicável é a de homicídio. Com relação ao citado delictum exceptum, como nos ensina a exposição de motivos do nosso Código Penal, na verdade é um tipo especial de homicídio, ou seja, como sujeito ativo a mãe, e sujeito passivo o neonato ou ser nascente, com a condição específica da mãe estar sob a influência do estado puerperal, adquirindo então uma pena mais amena por estar sob tal condição especial. Pelo Código Penal em vigor entendemos que Infanticídio é o ato de matar o filho pela mãe, durante ou logo após o parto, sob influência do estado puerperal. Se a mãe mata o filho durante ou logo após o parto, sem estar sob a influência do estado puerperal esta não terá praticado o infanticídio mas sim homicídio, da mesma forma se o crime for praticado por qualquer outra pessoa que não a mãe haverá homicídio. 2.1 Elementares do crime Segundo a nossa lei, para que se caracterize o infanticídio, são necessários, a princípio, três elementos, sendo eles que se trate de feto nascente ou de infante recém-nascido, que tenha havido vida extra-uterina e que a morte seja causada pela mãe sob o estado puerperal. Com base nesses elementos, abordaremos, a seguir, cada um dos fatores, para que seja possível fazer a distinção e a compreensão do infanticídio como um todo e o estado puerperal de forma específica. 27 Conforme a definição dada ao infanticídio, vemos que um dos elementos para que ocorra o infanticídio é estabelecer o estado de feto nascente, onde podemos notar que em outras legislações essa modalidade de crime chama-se feticídio 28 . Podemos entender feto nascente como Maggio 29 nos descreve “ [...] assim, o feto nascente é aquele que apresenta todas as características do infante nascido, menos a faculdade de ter respirado”. França 30 , caracteriza o feto nascente da seguinte forma: O feto nascente apresenta todas as características do infante nascido, menos a faculdade de ter respirado. No infanticídio de feto nascente, as lesões causadoras de morte estão situadas nas regiões onde o feto começa a se expor e têm as características das feridas produzidas in vitam. 2.2 Infante nascido Por infante nascido se entende aquele que acabou de nascer e respirou. Destacando que deve ser cuidadosamente comprovado que ocorreu esta respiração, porém não recebeu nenhuma assistência, especialmente quanto à higiene pessoal ou ao adequado tratamento do cordão umbilical, além de apresentar ainda características do estado sanguinolento que é o corpo coberto no todo ou em parte, por sangue de origem fetal ou materna. Além de o cordão umbilical ter uma importante função na diferenciação de infante nascido e recém-nascido, serve como orientação na perícia quanto à lucidez da parturiente frente aos cuidados com o parto. França 31 nos traz sua definição: Infante nascido é aquele que acabou de nascer, respirou, mas não recebeu nenhum cuidado especial. Apresenta proporcionalidade de suas partes, peso e estatura habitual, desenvolvimento dos órgãos genitais, núcleos de ______________ 28 Feticídio – S.m. Morte dada a um feto; aborto provocado (CP, arts. 124 e 125). SANTOS, Washington dos. Dicionário Jurídico Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 99. 29 MAGGIO, 2001, p. 28. 30 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p. 282. 31 FRANÇA, 2004, p. 282. 28 ossificação fêmur-epifisário e, ainda, outras características que merecem melhores detalhes. 2.3 Neonato ou recém-nascido Sob o ponto de vista estritamente médico-legal, o estado de recém-nascido ou neonato, caracterizado pelos vestígios comprobatórios da vida extra-uterina, é um estágio que vai desde os primeiros cuidados após o parto até aproximadamente o sétimo dia de nascimento. O recém-nascido pode apresentar embora atenuado, as mesmas características do infante nascido, exceto o estado sanguinolento e o não tratamento do cordão umbilical. Referindo-se a conceituação Maggio 32 explica, “[...] neonato ou recémnascido é aquele que acabou de nascer, respirou, mas não recebeu cuidado especial algum”. França 33 nos apresenta algumas explicações sobre a questão do recémnascido quanto a sua caracterização sendo estas, “[...] o estado de recém-nascido é caracterizado pelos vestígios comprobatórios da vida extra-uterina. Tem o recémnascido um estágio que vai desde os primeiros cuidados após o parto até aproximadamente o sétimo dia de nascimento”. 2.3.1 Vida extra-uterina Quando a criança passa a ter uma respiração autônoma ou seja, não nescecita mais da respiração placentária para se manter viva, apresenta-se aí a vida extra-uterina, iniciando a vida jurídica do novo ser. Essa vida extra-uterina, é o momento capaz de fornecer aos peritos a prova de que houve a vida independente do novo ser, ou seja que ele respirou por sí só, ______________ 32 33 MAGGIO, 2001, p. 28-29. FRANÇA, op. cit., p. 283. 29 mas para que se chegue a conclusão de que houve a respiração da criança, é necessário que o médico-legista siga uma série de exames, e averiguações, com métodos próprios da medicina legal. Esses métodos são de grande valor pois além de provar que houve a vida extra-uterina e ajudando então a confirmar que houve sim um dos elementos necessários para a comprovação do infanticídio, serve também para distinguir a vida intra-uterina da vida extra-uterina. Há também a possibilidade da constatação da vida autônoma pelos médicos legistas sem a necessidade dos exames docimáticos como nos mostra o acórdão 34 seguinte: “Infanticídio. Prova pericial de vida extra-uterina autônoma. Desnecessidade de exame docimatico, face à comprovação de vida biológica”. Para Muakad 35 , há três fatores para a distinção de vida extra-uterina de vida intra-uterina, sendo a cessação da circulação fetoplacentária, a substituição da respiração placentária pela respiração pulmonar e a substituição da nutrição por via placentária pela nutrição por meio da via gastrintestinal. Visto essas diferenças, vemos que as modificações pulmonares ocorridas assim que o feto é expulso da placenta, é a oportunidade então para que ocorra um primeiro contato do feto com a vida fora da placenta, passando então a possuir respiração própria ou seja autônoma, e ser tido como um recém-nascido. Mas no mundo jurídico, em cima dessa respiração será feito todo um estudo quanto ao pulmão, chamado como docimásias, sendo essa nada mais do que o meio de prova judicial usado pelo médico legista, essas docimásias dividem-se em docimásias respiratórias e não respiratórias. França 36 define, “[...] as docimásias (do grego dokimos – eu provo) são provas baseadas na possível respiração ou nos seus efeitos e por isso classificados em docimásias pulmonares e extra-pulmonares.” ______________ 34 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Recuso Crime n. 691043957. Primeira Câmara Criminal. Relator: Eládio Luiz da Silva Lecey, Julgado em 30/10/1991. 35 MUAKAD, 2002, p. 126. 36 FRANÇA, 2004, p. 284. 30 A docimásia tida como respiratória ou pulmonar é aquela que demonstra a penetração do ar nos pulmões e outras cavidades dos órgãos, já a docimásia nao respiratória ou extra-pulmonar, são aquelas que não estão ligadas diretamente a respiração mas com outras atividades fetais podendo ser a alimentar ou seja faz-se a pesquisa para verificar se houve ingestão de algum alimento ou substância pelo feto, ambas docimásias levam consigo uma série de processos e fases a serem seguidas no meio da medicina legal, mas lembrando que esse tipo de prova só é válido se for realizado dentro das 24 horas após a morte, pois caso contrário começa a fase de putrefação do corpo com a possibilidade de surgimento de gases no pulmão, podendo então induzir os médicos a um falso resultado quanto ao método usado como prova. A possibilidade de erro nessas formas de investigação existe pois o campo a ser estudado como meio de prova é muito difícil. O legista deverá anexar ao laudo qual a docimásia utilizada como afirmativa de que há a conclusão que a vítima nasceu com vida, pois caso este fator não for comprovado ficará desprovida a perícia de comprovação da materialidade do crime. 2.3.2 Puerpério Para que se possa entender melhor o que é o estado puerperal, nos é indispensável explicar primeiramente o que é o puerpério, para podermos distinguílos. Puerpério (vem de puer: criança; parere: parir). Trata-se, de um quadro fisiológico, comum a todas as mulheres que dão a luz, com começo, meio e fim determinados, é o que ensina Héligo Gomes 37 . Gomes 38 dá uma explicação médico-legal mais afundo sobre o período do puerpério: Com o final do parto, ou seja, após a expulsão do feto e da placenta (dequitação), tem início o puerpério, que se estende até a volta do organismo materno às condições pré-gravídicas. Sua duração é de seis a oito semanas. Temos, pois, puerpério imediato (até dez dias após o parto), ______________ 37 GOMES, Hélio. Medicina legal. Atualizador: Higínio Hércules. 33. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004. p. 499. 38 GOMES, 2004, p. 499. 31 tardio (que vai até os quarenta e cinco dias) e o puerpério remoto (de quarenta e cinco dias em diante). Ribeiro 39 caracteriza puerpério da seguinte forma: “Puerpério” caracteriza-se pelo período pós-parto, tendo este a duração de aproximadamente quarenta dias (de trinta a cinquenta dias) ou de seis a oito semanas. É normal a todas as parturientes, podendo ou não influir no sentido da mulher durante sua manifestação. Conforme definições acima citadas, entendemos então ser o puerpério um período comum a ser passado por todas as parturientes, no espaço de tempo em que vai desde a expulsão da placenta até a volta do organismo materno às condições pré-gravídicas. O tempo de duração varia conforme entendimentos dos autores. Mas o que nos deixa claro aqui no atual trabalho é o entendimento de puerpério não ser sinônimo de estado puerperal, ou seja há aqui distinções entre ambos momentos, já que o estado puerperal não é comum em todas as mulheres. 2.3.3 Estado puerperal Com base nos assuntos que tivemos estudando, quanto ao crime de infanticídio, a sua evolução, como era tratado nos códigos penais anteriores ao de 1940, as conceituações de questões importantes como palavras de supra necessidade na explicação e entendimento do crime de infanticídio em sí, chegamos então a parte que falaremos do estado puerperal, pois o enfoque principal deste trabalho é em cima desse momento próprio da parturiente. Como vimos para que seja caracterizado o infanticídio, há alguns requisitos a serem observados que são eles, se tratar de feto nascente ou de infante recémnascido, que tenha havido vida extra-uterina e o enfoque maior que é o fato de que a morte seja causada pela mãe sob a influência do estado puerperal. Chegando então na questão que é motivo de tantas discuções que é o estado puerperal, primeiramente a fim de que possamos iniciar o raciocínio, vamos colocar aqui a definição do estado puerperal vista sob a óptica de alguns doutrinadores. ______________ 39 RIBEIRO, 2004, p. 62. 32 Muakad 40 nos conduz a idéia da caracterização do estado pueperal: Alterações emocionais também poderão advir do fenômeno obstétrico. Algumas são de pouco vulto; outras, no entanto, se intensificam pelo trauma psicológico e pelas condições do processo fisiológico do parto solitário, angústia, aflição, dores, sangramento e extenuação, cujo resultado traria um estado confusional capaz de levar à prática do crime. Tal situação caracterizaria o denominado estado puerperal, cuja comprovação tem produzido, de há muito, ferrenhas discussões. Para Almeida Júnior 41 , o estado puerperal é a perturbação psíquica em que a mulher, mentalmente sã, mas abalada pela dor física do fenômeno obstétrico, fatigada, enervada, sacudida pela emoção, vem a sofrer um colapso do senso moral, uma liberação de impulsos maldosos, chegando por isso a matar o próprio filho. Por sua vez, assevera Fragoso 42 : O estado puerperal é um estado fisiológico normal, e sua definição não é específica. Segundo alguns autores é o estado em que se acha a parturiente durante a gestação, o parto e algum tempo após este. Outros somente consideram estado puerperal o período que segue ao parto ou, ainda, o que se inicia com o parto e termina com a involução clínica do útero ou a menstruação. O estado puerperal pode ser considerado como um conjunto de sintomas fisiológicos, que se inicia com o parto e permanece algum tempo após o mesmo. Nosso CP vigente, adotando o critério fisiológico, considera essencial, no crime de infanticídio, a perturbação psíquica que o puerpério pode acarretar na parturiente. O estado puerperal existe sempre, mas nem sempre ocasiona perturbações emocionais na mulher, que possam levar à morte do próprio filho. O processo do parto, com suas dores, a perda do sangue e o enorme esforço muscular, pode determinar facilmente uma momentânea perturbação de consciência. É esse estado que se torna a morte do próprio filho um homicídio privilegiado, nas legislações que adotam o critério fisiológico. É claro que essa perturbação pode ocorrer mais facilmente se tratar de mulher nervosa ou angustiada, ou de filho ilegítimo. Podemos notar que há um campo de entendimento muito grande no mundo jurídico quanto a definição do que vem a ser estado puerperal, que entre tantas definições distintas, nos chama atenção ao fato que o estado puerperal é um momento em que a parturiente passa sob uma perturbação psicológica causada pelo parto, momento este não observado obrigatoriamente em todas as parturientes, mas que ocorre e necessita de uma comprovação pelo médico-legista para que seja aceito o estado puerperal e se caracterize o delito então como infanticídio. ______________ 40 MUAKAD, 2002, p. 146-147. ALMEIDA JÚNIOR, A. Lições de medicina legal. 21. ed. São Paulo: Nacional, 1996. p. 382. 42 FRAGOSO, 1988, p. 84 apud MUAKAD, 2002, p. 150. 41 33 O estado puerperal não se presume, e para que a imputabilidade da parturiente seja diminuída é importante que haja a comprovação da existência do mesmo. Será verificado se este estado produziu na mulher algum abalo emocional, psíquico, que fosse capaz de lhe diminuir a capacidade de entendimento ou auto-inibição. Assim nos mostra a Revista dos Tribunais 43 uma explicação do que vem a ser o estado puerperal. Ocorre o infanticídio com a morte do recém-nascido causada logo após o parto pela mãe, cuja consciência se acha obnubilada pelo estado puerperal, que é estado clínico resultante de transtornos que se produzem no psíquico da mulher em decorrência do nascimento do filho. Cabe notar que além do exame pericial ser efetuado algum tempo após o parto, é de grande dificuldade pelo médico legista oferecer os elementos precisos e seguros para provar a negativa da existência do estado puerperal. Eis que nem sempre o abalo psíquico resultante do parto, acarretará a parturiente a diminuição da penalidade pela morte do filho. Assim como afirma Muakad em sua obra sobre a relação de causalidade entre o estado puerperal e o crime, eis que a Exposição de Motivos do Código Penal de 1940 ítem 40 deixa claro in verbis que: [...] A influência do estado puerperal, como é óbvio, não quer significar que o puerpério acarrete sempre uma perturbação psíquica: é preciso que fique averiguado ter esta realmente sobrevindo em consequência daquele de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de auto-inibição da parturiente. Fora daí, não há porque distinguir infanticídio de homicídio. Ainda quando ocorra a honoris causa, a pena aplicável é de homicídio[...]. O despreparo da mãe gestante, a falta de alicerce, de amparo da família para que a mãe prosiga a sua gestação de forma firme e confiante, é considerado um dos grandes motivos que desencadeie na puérpera tomar tal atitude da prática do infanticídio como solução para todos seus problemas, já que a gestação é o momento em que a deixa frágil, se sentir incapaz, desmotivada e desamparada por aqueles que a rodeiam, julgamos ser então de fundamental importância o amparo familiar e até mesmo o tratamento pré-natal de forma adequada acompanhado pelo médico. ______________ 43 REVISTA DOS TRIBUNAIS, 1981, p. 348 apud Ribeiro, 2004, p. 67. 34 2.3.4 O estado puerperal sob a visão da medicina legal Na doutrina da medicina legal a questão do infanticídio é tida como uma ficção jurídica no sentido de justificar a benigdade de tratamento penal. Para a maioria dos doutrinadores deste campo, a mulher que vem a cometer esse crime é sempre portadora de uma gravidez ilegítima, mantida as escondidas, com o fim de manter a integridade, dignidade e a honra perante a família, parentes, o meio social onde vive, pois a pressão que está sujeita a receber desse meio e da própria familia sobre a sua gravidez fere a sua honra, e com isso passa a pensar constantemente em uma forma para se livrar do fruto da relação ilegítima, vindo então a praticar o crime premeditadamente, tendo todo o cuidado de não levantar suspeitas e até mesmo de esconder o filho morto. Odon Ramos Maranhão 44 deduz que, “[...] o chamado estado puerperal constitui uma situação ‘sui generis’, pois não se trata de uma alienação, nem de uma semi-alienação. Mas, também não se pode dizer que seja uma situação normal.” No entendimento de França 45 : O infanticídio é crime verificado nas populações mais pobres e de menor relevância social cuja gravidez ilegítima não impõe com tanta significação a ocultação da desonra. Por isso, não se pode negar que, na maioria das vezes, o motivo é sempre o egoísmo e a maldade. Hélio Gomes 46 completa o entendimento da seguinte forma: O que se observa, na prática, é que essa insanidade causada pelo ato de parir não é observada nos partos assistidos, em mulheres que tiveram uma gestação assumida e desejada, mesmo que ilegítima, ora, tal fato seria de se esperar por se tratar de um fenômeno que, teoricamente, acomete pessoas normais, em termos de saúde mental. O que se dá na realidade, é a morte de recém-nascido em situações suspeitas, ocorrendo, na imensa maioria dos casos, em virtude de problemas, os mais diversos, tais como pobreza extrema, número excessivo de filhos, gravidez resultante de estupro ou mesmo ilegítima e/ ou fortuita. Diante do fato indesejado, a mulher quando não consegue abortar, no início, pratica, como último recurso para sanar o problema, a morte do próprio filho. ______________ 44 MARANHÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 202. 45 FRANÇA, 2004, p. 281. 46 GOMES, 2004, p. 499. 35 Ao passo que vamos estudando mais a fundo a questão que envolve o infanticídio nos deparamos sob a óptica de entendimentos de alguns doutrinadores como no caso Hélio Gomes 47 sob a percepção de que as parturientes que cometem esse tipo de crime, devem ser mulheres sem história pregressa de doenças mentais, como esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva, ou desordens de cunho psíquico como neuroses, personalidade psicopáticas, de modo geral elas devem ser perfeitamente normais do ponto de vista psiquiátrico, pois caso o contrário caracterizaria então o homicídio aplicando-se então ao caso o artigo 26 do Código Penal vigente e seu parágrafo. Para que haja a comprovação do estado puerperal, é necessário como já foi dito, um estudo e análize suscinta por parte do médico-legista visto que a legislação deixou a este a tarefa da prova como caracterização do infanticídio, constituindo assim no âmbito da medicina legal um desafio muito grande entre os profissionais até mesmo pelas dificuldades e complexidades de buscar os elementos necessários para que se possa tipificar o crime. Gomes 48 nesta linha de raciocínio sustenta: A prova pericial, no que tange ao estado puerperal, é de extrema dificuldade, uma vez que os exames da puérpera são realizados em época mais ou menos tardia em relação ao crime, fato este que, por si só, inviabiliza, ao perito, pronunciar-se com precisão sobre sua ocorrência e a influência do mesmo na consumação do delito pela mulher mentalmente sã, já que, como dissemos anteriormente, não ficam quaisquer vestígios, sendo o quadro efêmero. Como o legislador deixou a cargo do médico legista a comprovação de que a parturiente se encotrava sob o estado puerperal quando veio a cometer o infanticídio, este momento difícil é chamado pela perícia como crucis peritorum (a cruz dos peritos) pois em meio a tanta dificuldade o estado puerperal é passageiro e depois de ter passado este, é normal que não deixe sinais e como ocorre geralmente sem presença de testemunhas, ou algo que facilite o trabalho pericial, quando então a parturiente vem a ser submetida a perícia médica os vestígios do distúrbio já desapareceram. ______________ 47 48 GOMES, loc. cit. GOMES, 2004, p. 499. 36 2.3.5 Objetividade jurídica e bem juridicamente protegido Como nos ensina Magalhães Noronha 49 sobre a objetividade jurídica do infanticídio: É o interesse do indivíduo e do Estado na proteção da pessoa física, desde o começo de seu nascimento. É a vida humana que se tutela, vida do nascente (transição entre a vida endo-uterina e extra-uterina) e do neonato. Não há diferença do objeto jurídico do homicídio. Como vimos acima a explicação do nosso doutrinador, a objetividade jurídica do crime de infanticídio é a preservação da vida humana, onde o nosso Código Penal vigente ao definir o que vem a ser crimes contra a vida nos deixa como entendimento a se proteger e tutelar a vida humana, como um direito personalíssimo e individual de cada um. Contudo observamos então que a lei protege aqui a vida como um bem jurídico. O direito à vida está inserido na nossa Carta Magna como princípio fundamental no caput do artigo 5° da Constituição Federal de 1988, que in verbis preconiza: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]“. Por sua vez Alexandre de Morais 50 afirma, “[...] o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos.” Sob essa disposição encontramos na mesma carta sob o artigo 227 que define in verbis: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminaçaõ, exploração, violência, crueldade e opressão. ______________ 49 50 NORONHA, 1995, p. 40. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 65. 37 Eusébio Gomes 51 assim preconiza a respeito da tutela do Estado: [...] tem direito à vida em qualquer situação e por mais precária ou efêmera que ela seja, devendo o Estado protegê-la e garanti-la contra todo e qualquer abuso, razão pela qual não pode este dela dispor, cominando pena de morte no ordenamento jurídico penal. O Estado portanto impõe como imperativo jurídico que a vida seja respeitada, essa de forma absoluta, pois por mais difícil que essa seja é um direito próprio do ser humano e o Estado tem o dever de proteger e garantir á pessoa a proteção constante. Miguel Reale 52 também nos mostra um outro entendimento quanto ao bem jurídico, “[...] quando o Estado determina a eliminação do bem supremo, que é a vida, entra assim em desarmonia com a própria natureza do direito, pois destrói aquele a quem a pena se destina”. Entendemos então ser o bem juridicamente protegido a vida humana, independente dela como for ou das condições do homem, sendo a vida um bem fundamental dos direitos humanos e deve ser valorada e respeitada, além de ser um direito garantido tutelado pelo Estado, que tem como obrigação dar todo um aparato como forma de salvaguardar esse direito próprio de cada um, inclusive aqui a vida do ser nascente ou recém-nascido. ______________ 51 52 GOMES, Eusébio, 1939 apud Ribeiro, 2004, p. 42. REALE, 1967 apud Ribeiro, 2004, p. 42-43. 38 CAPÍTULO 3 - CARACTERIZAÇÃO DO INFANTICÍDIO SOB O VIÉS DA JURISPRUDÊNCIA Quanto a conceituação legislativa do crime de infanticídio, variam os critérios a serem adotados, sendo eles, o psíquico, fisiopsicológico. Ao passo que há correntes que seguem o critério psicológico e há correntes que acreditam no critério fisiopsicológico. No que tange ao critério psíquico ou psicológico podemos dizer que é o caracterizado quando o crime é cometido pela parturiente com o intuito de preservar a própria honra tido como honoris causa. Já o critério fisiopsicológico ou fisiopsíquico, não admite a honoris causa, mais sim considera fator principal a influência do estado puerperal, como motivo principal do ato praticado pela parturiente. Ressaltando aqui ser este critério adotado pelo nosso Código Penal vigente. 3.1 Motivo de honra Voltando aos ordenamentos jurídicos mais antigos, assim como foi estudado no primeiro capítulo, em que o infanticídio antes mesmo de ser considerado um crime, pela sociedade da época era permitido tal prática, assim como foi relatado o exemplo no primeiro capítulo mais precisamente na velha Roma, em que o pai tinha o direito de direcionar a vida do filho como quisesse, pois naquela época cultuava-se muito o corpo, preocupavam-se com saúde, e vendo o pai seu filho não nascer com toda a saúde e vigor podia dispor dele como pretende-se considerando a ele a vida ou até mesmo podendo ela tirá-la. Maggio 53 nos traz um outro exemplo, “[...] para se ter uma idéia, na cidade de Esparta, em torno do ano 800 a.C., as crianças eram propriedade do Estado e criadas para o serviço deste [...]”, isso pois para entendermos o quanto a vida de um ______________ 53 MAGGIO, 2001, p. 47. 39 ser indefeso era na época exposta, onde o Estado pregava pela vida de uma criança forte e saudável para que se tornace um soldado a fim de enfrentar as batalhas e a suportar as mais dolorosas provas de sobrevivência. Bem o infanticídio foi sendo levado adiante, sem punibilidade alguma aos pais que o praticasem, mas num período entre o século V ao XVIII d.C., essa prática pelos pais passa a ser incriminada, onde o pai ou a mãe que cometesse tal crime passaria então a se submeter aos castigos da época que eram de grande atrocidade, como a tortura, levando ate mesmo a morte. No século XVIII mais precisamente, surge a figura dos filósofos, que iniciam o movimento do Direito Natural, estes sob o argumento de que o crime de infanticídio não se dava por perversidade mais sim pelos imperativos da honra que se procurava na época salvar. Com isso Beccaria e Feuerbach foram pioneiros com base nesse entendimento, a apresentar leis mais humanístas como forma de pena, e para que se abolice a pena de morte praticada na época. A partir daí, com o advento de novas idéias dos filósofos da época, o infanticídio foi considerado como homicídio privilegiado pelos ordenamentos jurídicos, desde que este crime fosse praticado por motivo de honra pela mãe ou parente próximo da vítima. Eis que então surge a figura da honoris causa, ou motivo de honra, que nada mais é para nós do que a necessidade da parturiente de se livrar do filho por motivo de desonra perante a família ou sociedade em que vive, pelo fato de ter contraído muitas vezes uma gravidez ilegítima, ter sido vítima de sedução, adultério, estupro ou incesto, onde a grande parte acaba não tendo uma gravidez assistida, causando a mãe uma grande emoção e desenvolvendo uma infelicidade quanto a sua gravidez, vindo então a cometer o crime. A questão da honra, aqui estudada, era concedida então como privilégio à mãe que agisse para ocultar a gravidez ilegítima e fora do matrimônio, para muitos doutrinadores essa questão é a clássica do tratamento dado ao infanticídio, no intuito de estabelecer uma diminuição quantitativa da pena, sem deixar de mencionar que o critério psicológico adota o motivo de honra sexual como razão de ser do infanticídio. 40 Muakad 54 , escreve a respeito do motivo de honra, dizendo que, quando os estudiosos tocaram na figura do motivo de honra como critério este para tornar o infanticídio uma figura autônoma em relação ao priviléigo diante do homicídio, eles prenderam-se ao aspecto psicológico denominado então como sendo a honra sexual, segundo Otávio Leitão da Silveira 55 a honra, “ [...] consiste na opinião que a generalidade da população profesa acerca dos requisitos que qualificam uma pessoa como moralmente incensurável sob o aspecto sexual [...]”. Com base nesse benefício estendido ao agente do crime, podemos ressaltar que para que lhe seja dado, deve seguir o critério do motivo de honra, e não por outra razão aleatória como por exemplo o repúdio de uma criança por saber que esta não será sadia, ou adquire alguma doença, por não possuir a família condições para a criação e sustento da criança, com base nesses exemplos a mãe não se enquadrará na questão do motivo de honra como fator prepulsor que levou ela a cometer o crime mais sim o agente aqui responderá pelo crime de homicídio e não infanticídio. Vejamos então asseguir o entendimento de um doutrinador quanto ao motivo de honra como circunstância elementar constitutiva e integrante da figura típica do infanticídio. Para Damásio de Jesus 56 : A base do privilégio honoris causa é de natureza psicológica e restritiva. Dentro dos motivos que podem concorrer para a prática do fato criminoso, o único que tem força de transformá-lo em delictum exceptum é o de ocultar a desonra. A honra de que se cuida é a de natureza sexual, a boa fama e a reputação de que goza a agente pela sua conduta de decência e bons costumes. Se desonesta ou de desonra conhecida, não lhe cabe a alegação da preservação da honra. Por outro lado, se se trata de outro motivo que não a defesa da honra, como, por exemplo, o de extrema miséria, o excesso de prole, receio de um filho doentio, o fato constituirá homicídio. O motivo de honra como fundamento não se encontra escrito na lei penal vigente, mas é um dos principais motivos que sustentam a incriminação autônoma do infanticídio, como relata Nélson Hungria 57 : ______________ 54 MUAKAD, 2002, p. 143. SILVEIRA, 1968, P. 107 apud Muakad, 2002, p. 143. 56 JESUS, Damásio Evangelista de. Infanticídio e concurso de agentes em face do Novo Código Penal. Julgados do tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. 1970. v. 13, p. 25-56. 55 41 Deve notar-se, porém, que, com a omissão de referência à causa honoris, o Código não inibe que se leve em conta, quando realmente exista, esse antecedente psicológico. O motivo de honra pode contribuir, de par com a morbidez fisiológica do parto, para o estado de excitação e angústia que diminuem a responsabilidade da parturiente. Podemos dizer através dos textos legais disponíveis, que até o advento no nosso Código Penal de 1940, o motivo de honra relacionado com a gravidez ilegítima e ligado ao critério psicológico foi tido como o adotado pela legislação. Esse critério psicológico como caracterização do motivo de preservação da honra, foi deixado de lado e recebeu uma inovação inspirado pelo texto Suíço de 1916, Virgílio de Sá Pereira em seu Anteprojeto de Código Penal em 1927, apresentou então a conveniência de substituir o clássico critério psicológico vigente pelo de natureza fisiopsicológica ligada ao estado puerperal. Com o projeto de Alcântara Machado essa idéia de Sá Pereira ficou um pouco de lado mas com o surgimento da comissão revisora, na elaboração e composição então do Código Penal de 1940, decidiu-se então por adquirir essa inovação de utilizar o critério fisiopsicológico. A doutrina não é pacífica quanto ao adotar o critério psicológico ou fisiológico, existem duas correntes que se opõem, onde há até mesmo divergências jurisprudenciais não sendo unânime no que diz respeito a qual corrente a ser seguida, assunto que ainda será objeto de consideração. 3.2 Influência do estado puerperal Com o decorrer dos anos, a sociedade foi evoluindo procurando meios adequados para uma maior compreenção, e no que tange ao Código Penal e ao infanticídio que é um assunto polêmico os doutrinadores passaram então a estabelecer um critério diverso do psicológico ligado ao motivo de honra, com a intenção de conseguir um critério que sanace as lacunas dos sistema anterior e o critério o qual era utilizado, onde pelo critério clássico a circunstância elementar do ______________ 57 HUNGRIA, 1979, p. 254-255. 42 motivo de honra só adequava-se em caso de gravidez ilegítima, fora do casamento ou de mãe solteira. Em cima desse motivo os doutrinadores procurando obter um sistema mais equânime, passaram então a adotar o critério fisiopsicológico, baseado então em distúrbios mentais que sofre a parturiente em razão de pertubações derivadas então do tido estado puerperal. Se num primeiro momento a corrente clássica do critério psicológico estava ligada a pertubações psíquicas decorrentes da índole da infanticída, sentindo-se esta desonrosa vem então a prática do crime, já num segundo momento aqui apresentado, o que é levado em conta não é o simples fato da honra mas sim como cita Ribeiro 58 , “ [...] leva-se em conta um particular estado de pertubação psíquica da mãe, determinado por fatores psicológicos em decorrência do puerpério [...]”. Quanto a esse critério, Nélson Hunrgria 59 reporta-se da seguinte maneira: O critério fisiopsicológico ao contrário do puramente psicológico, não distingue entre gravidez ilegítima ou legítima, abstraindo, portanto, ou pelo menos relegando para terreno secundário, a causa honoris: somente tem em conta a particular perturbação fisiopsíquica decorrente do parto. Ao invés do impetus pudoris, o impetus doloris. Há divergências no que diz respeito à conceituação e principalmente a duração desse estado entre doutrinadores, Nério Rojas 60 , salienta que: Uns chamam estado puerperal à gravidez, ao parto e ao puerpério que o segue; outros somente a este último; outros consideram que esse estado puerperal dura o tempo da involução clínica do útero; alguns o relacionam à involução histológica desse órgão, que pode durar até dois meses. Irene Batista Muakad 61 , nos fala, “[...] autores clássicos do campo médicolegal consideram que esse transtorno dura alguns minutos ou mais, nunca ultrapassando 48 horas.”, no campo jurídico não há um período adotado como unânime entre os doutrinadores, fica então designado à medicina legal precisamente ao médico-legista comprovar se houve ou não a influência do estado puerperal através de exames feitos na infanticida. ______________ 58 RIIBEIRO, 2004, p. 69. HUNGRIA, 1979, p. 244. 60 ROJAS, 1936, p. 351 apud NORONHA, 1995, p. 41. 61 MUAKAD, 2002, p. 147. 59 43 Relembrando aqui ser de muita dificuldade o exame e a busca de provas, pois esse estado não deixa seqüelas e após algum tempo regridem, dificultando ainda mais a busca de elementos para a comprovação pelo médico-legista. Assim como nos mostra a Revista dos Tribunais 62 : Infanticídio. Exclusão da hipótese de homicídio doloso. Estado puerperal reconhecido, embora não constatado pela perícia, por se tornar conhecido o fato muito tempo depois. Pronúncia mantida. Inteligência do art. 123 do Código Penal. O fato de não ter sido constatado pelo exame pericial, por ter sido o crime conhecido muito tempo depois, não impede o reconhecimento do estado puerperal, que deve receber uma interpretação suficientemente ampla, de modo a abranger o variável período puerperal, que não é privativo da primípara. Ao retornarmos a questão específica do estado psicológico que envolve a parturiente e mais precisamente a influência do estado puerperal, citamos então o entendimento conceitual de Ribeiro 63 : O estado puerperal é uma forma fugaz e transitória de alienação mental, é um estado psíquico patológico que, durante o parto, leva a gestante à prática de condutas furiosas e incontroláveis, mas, após o puerpério, a saúde mental reaparece. Quanto a essa posição Krafft Ebing 64 em apoio cita: Durante o período do puerpério, a mulher passa por profunda irritação provocada pelos tremores convulsivos, as dores e os suores, a emoção e a fadiga do fenômeno obstétrico. Essas circunstâncias determinan-lhe um colapso do senso moral, uma desordem mental e uma superexcitação frenética, que a privam da sua capacidade de querer e entender, nada recordando após o fato a respeito da sua conduta. Há que se falar na discordância de doutrinários, entre várias vertentes, no que tange ao infanticídio e mais precisamente quando se fala no estado puerperal. Essas discordâncias não são apenas quanto ao conceito, mas também a existência e sua duração. Podemos notar a falta de unanimidade de entendimentos doutrinários do que venha a ser o estado puerperal, e encima desta lacuna procuraremos buscar entendimentos um pouco mais uniformes tidos como maioria, para que possamos adquirir uma compreensão mais precisa do assunto em questão. ______________ 62 REVISTA DOS TRIBUNAIS, 1980, p. 318 apud Ribeiro, 2004, p. 68. RIBEIRO, 2004, p. 71. 64 KRAFFT, 1889, p. 746 apud Ribeiro, 2004, p. 71. 63 44 Maggio 65 assegura em seu entendimento que: É pacífico o entendimento de que a influência do estado puerperal há simplesmente de diminuir ou reduzir a capacidade de compreensão, discernimento e resistência da parturiente. Havendo, então, relativa incapacidade de autodeterminação em decorrência do estado puerperal da mãe e, a morte do filho nascente ou neonato, estará configurado o crime de infanticídio. É-nos interessante mencionar o fato de que algum tempo após o parto, é possível a ocorrência de alguns distúrbios psicológicos na mulher causado pelo estado puerperal como nos menciona Maggio 66 : Ocorre que, ás vezes, dias após o parto, é possível que o estado puerperal cause na mulher uma perturbação psicológica de natureza patológica, a chamada psicose puerperal, que geralmente está associada a uma doença mental preexistente que acaba por anular a capacidade de compreensão e discernimento da parturiente. Neste caso, o que se tem é a inimputabilidade, ou seja, a inexistência de crime (ou de imposição de pena) por falta de agente culpável. Ribeiro 67 , por sua vez: Com a expulsão da placenta, inicia-se a fase denominada post-partum ou puerpério, que tem a duração de aproximadamente quarenta dias (seis a oito semanas). Nessa fase – o puerpério – a mulher passa, em regra, por volta do terceiro dia após o parto, por uma depressão física e psíquica, que, dentro de uma normalidade, caracteriza-se por uma ligeira confusão por parte da mulher com relação ao seu corpo (com nova forma após nove meses). Psicologicamente, a mãe confunde-se com relação à sua troca de papéis, de gestante para o de mãe. São causas desta depressão não só os fatores citados, como também as alterações hormonais, metabólicas, orgânicas em geral, pelas quais passa a mãe. Essa depressão, com o devido acompanhamento médico e familiar da recém mãe e de seu marido, cessa em alguns dias. Ressalta, porém, esta devida retaguarda afetiva, unida à disposição individual da parturiente à criança. Quanto a esses distúrbios Nélson Hungria 68 posiciona-se: Há as psicoses que costumam sobrevir após o parto, chamadas puerperais. Trata-se, geralmente, de confusões alucinatórias agudas, de ofuscamentos da consciência, manias transitórias, amências, delírios. Modernamente, os psiquiatras afirmam que não existem psicoses puerperais específicas. Surgem elas no terreno lavrado pela tara psíquica que se agrava pelos processos metabólicos do estado puerperal ou são uma species do genus “psicoses sintomáticas”, isto é, transtornos psíquicos que se apresentam no curso de enfermidades gerais internas, de infecções agudas, de intoxicações, etc., e cujas lesões não têm uma localização cerebral. Tais psicoses manifestam-se, de regra, vários dias após o parto, e nada têm a ver com elas, portanto, o art. 123, deixando a ocisão do infante de ser ______________ 65 MAGGIO, 2002, p. 52. Ibid., p. 53. 67 RIBEIRO, 2004, p. 72-73. 68 HUNGRIA, 1979, p. 256-257. 66 45 infanticídio para constituir, objetivamente, o crime de homicídio, mas devendo a acusada ser tratada segundo a norma geral sobre a responsabilidade ou capacidade de direito penal (art.22). Todavia, há que se ponderar que nesses casos não se aplica então o artigo 123 do Código Penal, mas sim o artigo 26 ou seu parágrafo único, conforme o caso, assim como afirma Nélson Hungria acima em citação, já que o artigo 22 referido por ele, hoje se equipara ao artigo 26 do atual Código Penal vigente. Ao passo que há estados psicopáticos que podem aflorar durante o parto, no momento do parto ou sobrevir após o parto, Ribeiro 69 afirma ser essas psicopatias doenças já presentes nas parturientes, que são desencadeadas com o choque obstétrico do parto. Muakad 70 por sua vez afirma que essas hipóteses não caracterizam o estado puerperal e por força do artigo 26 do Código Penal configuram a inimputabilidade criminal. Seguindo a linha desse raciocínio Noronha 71 nos reporta uma diferenciação de suma importância para melhor compreensão dessa caracterização do estado puerperal que diz o seguinte: Em suma, parece-nos que quatro hipóteses podem ocorrer: a) o puerpério nenhuma alteração produz a mulher; b) acarreta-lhe perturbações que são a causa do exício do filho; c) provoca-lhe doença mental (art. 26); d) produzlhe causas de semi-imputabilidade (parágrafo único). Na primeira, haverá homicídio; na segunda, infanticídio; na terceira, a infanticida é isenta de pena; na última, terá atenuada a imputabilidade. Sob esse mesmo entendimento verificamos o pensamento dado por Ribeiro 72 : O indigitado estado puerperal pode apresentar quatro hipóteses, a saber: a) o puerpério não produz nenhuma alteração na mulher; b) acarretam-lhe perturbações psicossomáticas que são a causa da violência contra o próprio filho; c) provoca-lhe doença mental; d) produz-lhe perturbações da saúde mental diminuindo-lhe a capacidade de entendimento ou de determinação. Na primeira hipótese, haverá homicídio; na segunda, infanticídio; na terceira, a parturiente é isenta de pena em razão de sua inimputabilidade (art. 26, caput, CP); na quarta, terá uma redução de pena, em razão de sua semi-imputabilidade. O mesmo afirma Noronha 73 , “[...] não serão infanticidas, mas homicidas, cuja imputabilidade não se pode deixar de fazer à luz do art. 26 do Código”. ______________ 69 RIBEIRO, 2004, p. 77. MUAKAD, 2002, p. 160. 71 NORONHA, 1995, p. 42-43. 72 RIBEIRO, 2004, p. 93. 70 46 E completando essa questão das hipóteses de caracterização do infanticídio trazemos aqui uma outra explicação de Ribeiro 74 no que diz respeito à influência do estado puerperal: Convém destacar que a influência do estado puerperal, como elemento normativo do tipo, deve conjugar-se como outro elemento normativo, este de natureza temporal, qual seja, durante o parto ou logo após. A presença de qualquer desses dois elementos, isoladamente, é insuficiente para tipificar o delictum exceptum. Sob o aspecto da caracterização do infanticídio quanto à influência do estado puerperal citamos um acórdão 75 : Infanticídio. Pronúncia. Recurso em sentido estrito. A morte do próprio filho pela própria mãe, logo após o parto e ainda sob influência do estado puerperal que lhe determina perturbação da saúde mental, como constatado pericialmente, caracteriza, em tese, o crime definido no art. 123 do Código Penal e não homicídio qualificado por asfixia. Pronúncia confirmada. Recurso em sentido estrito ministerial não acolhido. Por ocorrência desses possíveis distúrbios percebemos então que é de suma importância a rapidez no que diz respeito aos exames da puérpera, e principalmente a eficácia do laudo técnico, basicamente a proximidade destes com a ocorrência do delito. Já que como foi observado no capítulo anterior do presente trabalho o que ocorre normalmente é a dificuldade nas perícias, já que as seqüelas das psicoses e surtos não são cerebrais e desaparecem com muita rapidez. Não poderíamos deixar de mencionar o que nos ensina Hélio Gomes 76 sobre tal fator: [...] o exame mental pode ser necessário nos de psicose puerperais ou de estados psicopáticos agravados pela gestação, o parto e o puerpério [...] Além disso, o perito terá de julgar da influência que o estado puerperal possa ter desempenhado na produção do delito, o que será muito difícil, pois o exame se realizará, quase sempre, bastante tempo depois do crime, quando nenhum elemento semiótico existirá mais. Uma questão marcante é a do termo logo após o parto no que diz respeito à duração do termo que se encontra presente no artigo 123 do Código Penal. Ribeiro 77 ______________ 73 NORONHA, 1995, p. 42. RIBEIRO, op. cit., p. 93. 75 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Recuso em sentido estrito, n. 70021939301. Terceira Câmara Criminal. Relator: Giacomuzzi, Julgado em 19/12/2007. 76 GOMES, 2004, p. 499-500. 77 RIBEIRO, 2004, p. 77. 74 47 nos coloca seu entendimento de que esta duração tem no máximo ou aproximadamente dois meses, ou seja, seis a oito semanas. Hungria 78 destaca ao abordar o tema: A expressão “logo após o parto” não deve ser entendida isoladamente, mas subordinada à frase anterior do art. 123 – “sob a influência do estado puerperal”. Não lhe pode ser dada uma interpretação judaica, mas suficientemente ampla, de modo a abranger o variável período do choque puerperal. E. Magalhães Noronha 79 ainda sobre a questão da duração do logo após o parto nos traz suas considerações seguintes, “a lei não fixou prazo, como outrora alguns Códigos faziam, porém não se lhe pode dar uma interpretação mesquinha, mas ampla, de modo que abranja o variável período do choque puerperal”. Nélson Hungria 80 por sua vez complementa com o seguinte entendimento: O que se faz essencial, porém, do ponto de vista jurídico-penal, é que a parturiente ainda não tenha entrado na fase de bonança e quietação, isto é, no período em que já se afirma predominante e exclusivista, o instinto maternal. Trata-se de uma circunstância de fato a ser averiguada pelos peritos-médicos e mediante prova indireta. É inegável a existência de variadas concepções doutrinárias quanto ao significado do “logo após o parto”, para Muakad o “logo após o parto” significa alguns minutos após o parto ou mais nunca ultrapassando 48 horas. Heleno Cláudio Fragoso diz significar logo em seguida, imediatamente após não havendo intervalo. Bento de Faria afirma ser o prazo de oito dias, momento em que ocorre a queda do cordão umbilical. A. J. da Costa e Silva sustenta que a expressão "logo após" quer significar "enquanto perdura o estado emocional". A. F. de Almeida Júnior, que, de início, se referia a um prazo preciso de até sete dias após o parto, passou a admitir que se deva deixar a interpretação a critério do julgador. Flamínio Fávero também entende que a definição compete ao julgador. Por seu turno, Damásio Evangelista de Jesus estende o lapso temporal até enquanto perdurar a influência do chamado estado puerperal. ______________ 78 HUNGRIA, 1979, p. 264. NORONHA, 1995, p. 44. 80 HUNGRIA, op. cit., p. 265. 79 48 No caso concreto o que será verificado aqui pelo juiz será de um lado os dados objetivos da contagem do tempo como a questão “logo após o parto”, de outro lado, os elementos subjetivos da autora, de ordem psicológica, fisiológica e social, para que ele possa decidir se o crime foi realmente cometido sob a influência do anunciado estado puerperal, durante o parto ou logo após este. 3.3 Análise das correntes psicológica e fisiopsicológica 3.3.1 Corrente psicológica A corrente psicológica apóia-se no privilégio do motivo de honra, este respaldado pelos doutrinadores como fatores que visam ocultar a gravidez clandestina, ou seja eles levam o conceito da honra como a prenhez ilegítima, fator tido este como motivo de resguardar a honra como um aspecto sexual. Segundo Antolisei 81 : Honra é o complexo de condições ou conjunto de dotes morais (como a honestidade e a lealdade), intelectuais (como a inteligência e a cultura) e físicos (como a sanidade mental e a força física) que concorrem para determinar o valor social que cada indivíduo possui perante si e diante dos indivíduos que o circundam. Sob o aspecto do que vem a ser o motivo de honra que leva a mãe infanticida a cometer tal crime, E. Magalhães Noronha 82 conceitua, “ [...] isto é, na gravidez fora do matrimônio – a solteira, a viúva ou a casada com esposo de impotência generandi – quando é imperioso ocultar o fruto da concepção, o que faz a mulher viver estado de angústia e tormento moral”. Quanto ao aspecto da honra sexual que a infanticida procura salvaguardar como insinua a corrente psicológica cujos doutrinadores respaldam ser fatores que englobam a índole da pessoa, como fidelidade, lealdade, cultura, e que pelo fato de sofrer uma gravidez inesperada e não programada esta vem a sofrer perturbações e ______________ 81 82 ANTOLISEI, 1966, p. 135 apud Muakad, 2002, p. 142. NORONHA, 1995, p. 40. 49 que em conjunto com as dores do parto podem levá-la então a cometer o crime, Otávio Leitão da Silveira 83 , entende ser a honra sexual, “ [...] na opinião que a generalidade da população professa acerca dos requisitos que qualificam uma pessoa como moralmente incensurável sob o aspecto sexual”. Dessa forma, a mãe causa a ocisão do feto com o objetivo de ocultar a gravidez ilegítima, com o intuito de proteger a sua reputação perante a sociedade, para evitar que a sua desonra sexual venha ao conhecimento daqueles que frequentam o mesmo meio social desta. Mas o que essa corrente entende é que esse é o único motivo pelo qual a mãe possa obter o benefício do infanticídio, não cabendo nenhum outro motivo então, nem mesmo a existência de doença grave que vem ao conhecimento da mãe ou a alegação de não ter possibilidade de sustentar a criança. Damásio de Jesus 84 , descreve o motivo de honra como: A base do privilégio honoris causa é de natureza psicológica e restritiva. Dentro dos motivos que podem concorrer para a prática do fato criminoso, o único que tem força de transformá-lo em delictum exceptum é o de ocultara desonra. A honra de que se cuida é a de natureza sexual, a boa fama e a reputação de que goza a agente pela sua conduta de decência e bons costumes. Se desonesta ou de desonra conhecida, não lhe cabe a alegação da preservação da honra. Por outro lado, se trata de outro motivo que não a defesa da honra, como, por exemplo, o de estrema miséria, o excesso de prole, receio de um filho doentio, o fato constituirá homicídio. Após analizarmos os entendimentos doutrinários quanto a explicação do motivo de honra, acreditamos que há um contra-senso no entendimento dessa corrente, ora afirmar agir a mãe com motivo de se resguardar de uma reprovação social, por motivos de uma honra sexual, mas esquecendo-se que a honra esta em questão já foi perdida, e o que deveria ser protegido como um bem maior é a vida de um ser indefeso e desprotegido de tamanha brutalidade. É-nos interessante destacar o que França 85 acentua em sua obra: O Estado moderno fundamenta-se no critério de defesa incondicional da vida humana como o maior bem social e seria inconcebível sobrelevar o estado subjetivo da honra ao indiscutível caráter objetivo da existência humana. O instinto de maternidade e a proteção de uma vida desprotegida, ______________ 83 SILVEIRA, 1968, p. 107apud Muakad, 2002, p. 143. JESUS, 1970, p. 25-56 apud Ribeiro, 2004, p. 49. 85 FRANÇA, 2004, p. 281. 84 50 carente e destituída de maldade, falam mais alto que a maior e a mais intocável das honras. Nesse sentido Maggio 86 acrescenta: Em primeiro lugar, se a honra é um conjunto de atributos físicos, morais e intelectuais que acabam por conferir à pessoa respeitabilidade social e estima própria, como pode o legislador eleger o motivo de honra como elementar do crime, pois, ao matar o filho durante ou logo após o parto, a mãe estaria simplesmente tentando salvar aquilo que já foi perdido, ou seja, a sua desonra. Giuseppe Maggiore 87 , faz uma intereçante crítica ao infanticídio montado com base no motivo de honra, “ [...] existe algo mais forte que a honra, que é o instinto da maternidade, o afeto – obrigatório – à própria criatura. Quem vence este instinto e passa por cima desse dever, é um ser que já perdeu o sentido humanitário”. Não acreditamos que o fato de tentar esconder ou disfarçar a sua condição de gestante e mãe, justifique a ocisão da criança pela infanticida com o pensamento de que estaria então eliminando a única prova que poderia atingir a sua honra. Ressaltando aqui que o dever supremo da norma penal é de tutelar o bem jurídico maior, qual seja a vida do ser indefeso, frágil e desprotegido. A corrente psicológica que se move com o critério do motivo de honra como privilégio, sofreu grandiosas críticas por parte dos estudiosos, que já vinha se desencadeando e se desgastando ao longo do tempo. No entanto com o advento do século XX, os doutrinadores procuraram estabelecer um outro fundamento para estabelecer a atenuação da pena nos casos de infanticídio, visto que o motivo de honra estava ligado exclusivamente à gravidez ilegítima, entrando em contradição constantemente com a própria norma jurídica, além de ser motivo de muita discordância no meio doutrinário, surgindo então o critério fisiopsicológico. ______________ 86 87 MAGGIO, 2001, p. 57. MAGGIORE, 1972, p. 308 apud MAGGIO, 2001, p. 57. 51 3.3.2 Corrente fisiopsicológica Com o novo critério, a corrente fisiopsicológica apóia-se numa visão mais aberta com o intuito de ampliar o privilégio de modo a atender as parturientes que sofressem distúrbios em razão das perturbações derivadas do parto, conhecido como o estado puerperal, concluindo então que o benefício não estaria mais relacionado com o conceito de honra e prenhez ilegítima alavancado pela corrente psicológica. O nosso doutrinador Alfredo Farhat 88 , primeiramente reconhecia a relevância da honoris causa na formação do tipo “infanticídio”, porém passa a criticá-la posteriormente sob uma nova visão mais aberta em face dos novos tempos: É nossa convicção que o estado puerperal e a honoris causa, sendo estas circunstâncias bem apreciadas, dentro de uma relativa excepcionalidade e sem o caráter de regra geral, devem ser levados em conta para os abrandamentos da pena; o que, embora nos conformemos com a corrente vencedora, custa-nos aceitar é alguma exclusividade que assente em qualquer desses motivos [...]. [...] Há um sentimento egoístico e há uma dose da sociedade, da opinião dos homens, nessa honoris causa que se coigita [...]. [...] A causa de honra, única derivativa para a perversidade que o delito revela, é bastante vulnerável e está sujeita a largas discussões. Esta segunda corrente nega a existência do motivo de honra, principalmente pela inexistência da expressão no texto legal, com o princípio de que a corrente fisiopsicológica apóia-se no critério do estado puerperal este previsto na lei vigente, um outro motivo seria o de constituir um ato de incompatibilidade do seu conceito com os tempos atuais. Nélson Hungria 89 afirma que: É de acentuar-se que, pelo menos no Brasil, o infanticídio é, via de regra, um crime das mulheres das camadas inferiores da sociedade, entre as quais, pela sua própria frequência, a gravidez ilegítima não importa a necessitas cogens da ocultação da desonra. Os equívocos judiciários, facilmente ensejados pelo regime do Código de 90, já não poderão, pelo sistema do Código atual, reconhecer o motivo de honra até em casos de cruel egoísmo ou pura malvadez. ______________ 88 89 FARHAT, 1970, p. 152 apud Ribeiro, 2004, p. 55. HUNGRIA, 1979, p. 253-254. 52 Sob esse aspecto França 90 se manifesta: O infanticídio é crime verificado nas populações mais pobres e de menor relevância social cuja gravidez ilegítima não impõe com tanta significação a ocultação da desonra. Por isso, não se pode negar que, na maioria das vezes, o motivo é sempre o egoísmo e a maldade. Por mais que fique constatado o ato praticado por mães de baixo nível social, com poucos recurssos e instruções, é causa de grande indignação aceitar que uma gravidez pode ser imoral, e venha a ferir a honra da parturiente, ora não vemos aqui que a solução da prática do infanticídio vá restituir a honra de alguém, a sociedade pode até olhar uma mãe solteria com um certo repúdio mas isso não é fator relevante para que ela venha a cometer tamanha crueldade, sem falar que a nossa sociedade vem caminhando á uma revolução de conceitos e costumes e aceitando esse motivo de honra como o fator principal levado pela infanticída à prática do crime, seria cometer um retrocesso em tudo que já foi conquistado até hoje. A corrente que tem como fator primordial o estado puerperal baseia-se então em fatores que levam a parturiente à ocisão do ser, por questões que lhe causam distúrbios fisiológicos e psicológicos, advindos das dores do parto, angústias, apreensão, perturbações, e falta de discernimento mental, ao passo que são motivos que se desembocam do próprio organismo da parturiente que se encontra sob a influência do estado puerperal, sendo necessário então o exame de fatos que a levaram a cometer o crime e também da manifestação de distúrbios advindos do estado puerperal. 3.3.3 A posição jurisprudencial fisiopsicológica quanto as correntes psicológica e A Jurisprudência vacilante, ora opta por uma corrente ora opta por outra, mas posiciona-se no sentido de que o que dever ser analisado são as circunstâncias que levaram a mãe a cometer o delito, seja o estado psicológico ou fisiopsicológico, o meio onde vive, se a família a recepcionou, se teve uma gravidez assistida, possuía ______________ 90 FRANÇA, 2004, p. 281. 53 problemas anteriores de questões psicológicas, enfim o que realmente motivou a infanticida ao crime. No Recurso Crime n° 683.0009.237, proferiu a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul o seguinte acórdão 91 : Infanticídio: Julgamento da Competência do Tribunal do Júri. O infanticídio tem semelhança, quanto ao seu efeito, com o homicídio, recebendo, porém, especial abrandamento de apenação, por razões fisiopsicológicas, eis que se trata de ação praticada sob a influência do estado puerperal. A pronúncia apenas profere um juízo de admissibilidade da acusação. O juízo da causa será proferido pelo Tribunal do Júri. Improvimento do Recurso. No seio dessa decisão, o entendimento é de que o delito de infanticídio é considerado um delictum exceptum pelo fato da influência do estado puerperal, que provoca perturbações fisiopsíquicas na parturiente durante o parto ou logo após, em razão das dores, esforço, e perda de sangue, atenuando a sua imputabilidade. No caso se o puerpério não causasse nenhuma perturbação psicológica, então a ré responderia pelo crime de homicídio. Júri. Nulidade. Decisão contrária à prova dos autos. Infanticídio. Materialidade e autoria do delito devidamente comprovado. Estado puerperal também. Absolvição, portanto, insubsistente. Novo julgamento ordenado. Apelação provida. Inteligência do art. 123 do CP de 1940. 92 De acordo com o julgado acima citado, a ré ocultou prenhez da família, dando a luz a uma criança no banheiro de casa, deixando-a cair sobre o vaso sanitário, provocando então na criança traumatismo crânio-encefálico, posteriormente cortou o cordão umbilical sem laquear, deixando então a criança se encher de sangue, assistindo a mãe aos últimos suspiros da criança sem prestar-lhe socorro algum e nem mesmo pediu a alguém ajuda, já que havia pessoas em sua residência. “Só se admite e compreende o infanticídio como delictum exceptum, punido diversamente do homicídio comum e com a pena mitigada, quando há motivo de honra e a vítima é o recém-nascido.“ 93 ______________ 91 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Recurso Crime n. 683009237. Segunda Câmara Criminal, Turmas Recursais. Relator: Donato João Sehnem, Julgado em 14/04/1983. 92 REVISTA DOS TRIBUNAIS, n. 598, 1985, p. 338 apud Ribeiro, 2004, p. 69. 93 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Publicação Oficial. Revista dos Tribunais, v. 73, n. 581, mar. 1984. p. 291. 54 Uma outra explicação nos traz a Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo 94 que em seu bojo há um importante esclarecimento quanto as correntes a serem seguidas: O infanticídio é, inegavelmente e antes de tudo, um delito social, praticado, na quase totalidade dos casos por mães solteiras ou mulheres abandonadas pelo marido ou pelo amásio. Por isso mesmo, o conceito fisiopsicológico do infanticídio – sob a influência do estado puerperal – introduzido no nosso Código Penal para eliminar de todo o antigo conceito psicológico – a causa da honra – vai, aos poucos, perdendo sua significação primitiva e se confundindo com este, por força de reiteradas decisões judiciais. Essa jurisprudência nos deixa claro que com a evolução do direito, podemos perceber que nos próprios julgados mais antigos é observado prevalecer o motivo de honra sob o critério psicológico, e com o advento do novo Código Penal opta-se pela corrente fisiopsicológica, mas com as transformações da sociedade em si, tanto o critério psicológico quanto o fisiopsicológico vão se agrupando e tornando-se uma corrente só, onde a previsão do que possa acontecer é se reconheça a existência do estado puerperal aliado ao motivo de honra com relação a questões sociais da infanticida para que se possa tipificar o infanticídio, eis que já vem acontecendo no nosso ordenamento jurídico mais a tendência é cada vez maior de que haja essa mistura entre as correntes nos julgados. Sob esse aspecto podemos citar uma outra jurisprudência que reconhece a existência tanto do estado puerperal quanto do motivo de honra, Ribeiro 95 demonstra essa decisão do Tribunal de Santa Catarina vejamos: “Infanticídio. Acusada que, logo após o parto, mata o fruto de relação ilegítima. Hipótese de homicídio qualificado afastada. Reconhecimento do estado puerperal, presente a causa da honra.” No caso acima citado, como nos exemplifica Ribeiro 96 , a mãe esperava um filho do pai que a abandonou, tendo insistido para que ela abortasse, quando soube dessa gravidez. A mãe recusou, pois manifestava a vontade de criar a criança, mas vivia com os pais, que a ignoravam, e se viu em passar a esconder de todos o seu estado. A sua vida começou a ficar difícil, até chegar o momento que veio a dar à ______________ 94 RJTJSP, n. 14, p. 391 apud Ribeiro, 2004, p. 58. RIBEIRO, 2004, p. 58. 96 RIBEIRO, loc. cit. 95 55 luz, onde desequilibrada emocionalmente, terminou por matar a criança. Na decisão, a existência do estado puerperal, aliado à honoris causa, tipifica o infanticídio. De forma geral as jurisprudências devem ser inspiradas na presunção de que os representantes do poder legislativo propuseram e aprovaram a lei, inspirando-se nas verdadeiras necessidades sociais e na consciência popular dessas necessidades, concluindo há uma importante missão por parte da jurisprudência, podendo remediar lacunas e imperfeições inevitáveis de todo trabalho legislativo. 56 CAPÍTULO 4 - INFANTICÍDIO: ENTRE A AUTORIA E O CONCURSO DE PESSOAS 4.1 Sujeito ativo do infanticídio Primeiramente tamanha necessidade é esclarecer que o infanticídio pertence à classe e estirpe dos delitos próprios ou especiais, onde necessitam de determinadas condições do sujeito ativo para a sua configuração, e por ser um crime próprio somente pode ser cometido pela genitora, perturbada fisiopsicologicamente, pois só ela pode passar pelo estado puerperal, diferentemente dos tidos como delitos comuns em que pode ser praticado por qualquer pessoa a exemplo o homicídio, o furto, o estelionato. Num primeiro momento como no Código Criminal do Império já abordado por nós anteriormente, ficou observado que era comum a aceitação de sujeito ativo terceiros, além da mãe por motivo de honra, poderiam ser parentes ou estranhos da vítima que por algum outro motivo viriam ocasionar o delito. Quanto a esse dispositivo Ribeiro 97 assim nos ensina: Já o Código Criminal do Império, seguindo a orientação reinante na época, passou a considerar o infanticídio como figura excepcional, apenando-a brandamente. Esse ordenamento jurídico estabelecia dois tipos de infanticídio: um praticado por estranhos ou parentes da vítima, e por motivo diverso ao da causa de honra (como cupidez de herança ou promessa de recompensa), e outro, o praticado pela mãe por motivo de honra. Hoje sob a óptica do Código Penal vigente, afasta-se a possibilidade de terceiros, já que o Código segue a forma fisiopsicológica, onde como sujeito ativo do crime de infanticídio é aceitável apenas a mãe parturiente que esteja sob a influência do estado puerperal, observando não existir então mais a possibilidade de terceiros como sujeito ativo, como um pai incestuoso ou adulterino buscando eliminar a prole indesejada, ou irmãos, parentes, parteira, alegando motivo de preservação da honra. Podemos citar algumas legislações que seguem essa mesma linha de adotar como sujeito ativo do crime de infanticídio apenas a mãe parturiente, não admitindo ______________ 97 RIBEIRO, 2004, p. 29. 57 então a conduta do crime por outra pessoa se não a mãe, como exemplo o Brasil (art. 123); Bolívia (art. 258); Colômbia (art. 328); México (art. 256); Peru (art. 110) e Portugal (art. 136). Contudo verifica-se que, no caso do infanticídio qualquer outra pessoa que não a parturiente venha a praticar a conduta incriminadora, ou até mesmo a própria parturiente sem ter sofrido a influência do estado puerperal, estará cometendo homicídio. 4.2 O problema do concurso de pessoas no código penal O Código Penal de 1940 adotou o estado puerperal como circunstância elementar do crime de infanticídio, sob essa óptica surgiram posições doutrinárias quanto à questão da co-autoria no crime. A problemática surge quando o crime é perpetrado por mais de uma pessoa, alguns falam de co-delinqüência, co-autoria, concurso de agentes, mas o Código Penal vigente adota a expressão concurso de pessoas como mesmo se nota em parte especial tratada pelo Código Penal. Pela doutrina unitária ou monista, tanto o autor como o párticipe respondem pelo mesmo crime. Já para a teoria pluralística, a conduta do párticipe constitui outro crime, então, haverá um crime do autor e outro do párticipe, onde ambos são descritos como crimes autônomos. Ribeiro 98 nos menciona uma considerável definição, “O autor e co-autor são aqueles que executam o comportamento descrito pelo núcleo do tipo [quem mata, subtrai, etc.]. Partícipe é aquele que acede sua conduta à realização do crime, praticando atos diversos do que o autor”. Diante dessas teorias e ao que realmente deve seguir o Código Penal, surge a questão, em que ocorrendo a hipótese de um terceiro concorrer para a prática do ______________ 98 RIBEIRO, 2004, p. 121. 58 crime de infanticídio, ao partícipe do crime de infanticídio deve ser aplicada a pena cominada para o próprio infanticídio, ou para o crime de homicídio. Há muitas controvérsias e a solução não é tão fácil, mesmo sendo o infanticídio um crime próprio, pois apenas a mãe pode ser a autora da conduta criminosa, onde só o filho nascente ou recém-nascido é quem pode ser o sujeito passivo. Mesmo sob essas conclusões não é afastada a possibilidade da participação delituosa no crime, e sob essa discussão a grande questão é se há a comunicabilidade do elemento referente a influência do estado puerperal. A primeira posição, levava consigo alguns juristas, como Nélson Hungria, Galdino Siqueira e Heleno Cláudio Fragoso entre outros, cujo pensamento assim se segue como nos mostra Ribeiro 99 : Sendo o estado puerperal uma circunstância de índole bio-psicológica personalíssima, a sua intransmissibilidade é absoluta, não podendo, assim, terceiros invocar o benefício. E, portanto, um privilégio exclusivo da pessoa, pois, do contrário, instaurar-se-ia flagrante contra-senso. Assim essa corrente pugna pela incomunicabilidade do crime, ou seja, por se tratar o infanticídio um delito personalíssimo e próprio da parturiente, a condição do estado puerperal é incomunicável, e havendo nesse caso partícipe e co-autor, estes respondem pelo crime previsto no artigo 121 do Código Penal, já que o homem ou mulher que não deram a luz não sofrem a influência do estado puerperal que é circunstância personalíssima da parturiente. Nélson Hungria 100 manifestava-se pela incomunicabilidade do elemento e assim escreveu: Não diz com o infanticídio a regra do art. 25 (atual art. 29). Trata-se de um crime personalíssimo. A condição sob a influência do estado puerperal é incomunicável. Não tem aplicação, aqui, a norma do art. 26 (atual art. 30), sobre as circunstâncias de caráter pessoal, quando elementares do crime. As causas que diminuem (ou excluem) a responsabilidade não podem, na linguagem técnico-penal, ser chamadas circunstâncias, pois estas só dizem com o maior ou menos grau de criminosidade do fato, ou seja, com a maior ou menor intensidade do elemento subjetivo ou gravidade objetiva do crime. O párticipe (instigador, auxiliar ou co-executor material) do infanticídio responderá por homicídio. O privilegium legal é inextensível. A quebra da regra geral sobre a unidade de crime no concursus delinquentium é, na ______________ 99 Ibid., p. 118. HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. v. 5, p. 266. 100 59 espécie, justificada pela necessidade de evitar-se o contra-senso, que orçaria pelo irrisório de imputar-se a outrem que não a parturiente um crime somente reconhecível quando praticado sob a influência do estado puerperal. É-nos interessante ressaltar que a opinião dada por Nélson Hungria anteriormente colocada em sua obra Comentários ao Código Penal sob a 4ª edição, não é mais pertinente ao seu pensamento, mas poucos foram os doutrinadores que notaram essa mudança de posição onde Nélson Hungria toma em sua obra atualizada a partir da 5ª edição. Hoje Nélson Hungria é erroneamente citado por grande maioria dos autores como seguidor da corrente que pugna pela tese da incomunicabilidade do crime de infanticídio. Mas o que Nélson Hungria 101 deixa claro em sua obra atualizada sob o capítulo pertinente ao assunto de concurso de agentes no crime de infanticídio, é a seguinte opinião: Comentando o art. 116 do Código suíço, em que se inspirou o art. 123 do nosso, Logoz (op. cit., p. 26) e Hafter (op. cit., p. 22), repetindo o entendimento de Gautier, quando da revisão do Projeto Stoos, acentuam que um terceiro não pode ser co-párticipe de um infanticídio, desde que o privilegium concedido em razão da ‘influência do estado puerperal’ é incomunicável. Nas anteriores edições deste volume, sustentamos o mesmo ponto de vista, mas sem atentarmos no seguinte: a incomunicabilidade das qualidades e circunstâncias pessoais, seguindo o Código Helvético (art. 26), é irrestrita (‘Les ralations, qualités et circonstances personnelles spéciales dont l´efft est d´augmenter, de diminuer ou d´exclure la peine, n´auront cet effet qu´à I´égard de l´auteur, instigateur ou complice qu´elles concernent´), ao passo que perante o Código Pátrio (também art. 26) é feita uma ressalva: ‘salvo quando elementares do crime’. Insere-se nesta ressalva o caso de que se trata. Assim, em face de nosso Código, mesmo os terceiros que concorrem para o infanticídio respondem pelas penas a este cominadas, e não pelas do homicídio. Essa modificação tida por Hungria passou quase que despercebida até mesmo aos olhos de Heleno Cláudio Fragoso onde no mesmo volume e edição que Hungria toma uma posição diversa quanto ao concurso de pessoas, Heleno Cláudio Fragoso 102 em comentários da obra dizia: Hungria inaugurou entre nós a corrente dos que entendem que o terceiro que coopera no delito comete o crime de homicídio. Sempre entendemos correta a lição de Hungria. Em conseqüência, o estranho que participa do infanticídio pratica o crime de homicídio. Heleno Cláudio Fragoso em edição atualizada de Nélson Hungria vem esclarecer as edições anteriores a esta, em que foi sustentada a posição de que o ______________ 101 102 HUNGRIA, 1979, p. 266. HUNGRIA, 1979, p. 541-542, n. 28. 60 estado puerperal é uma posição bio-psicológica, e por esse motivo é personalíssima, e que a intransmissibilidade é absoluta, sendo assim o terceiro responde por homicídio, Fragoso 103 então faz uma ressalva, ““ [...] salvo quando elementar do crime [...]”, assim, em face do nosso Código, mesmo os terceiros que concorrem para o infanticídio respondem pelas penas a este cominadas, e não pelas do homicídio”. Cabe-nos notar então, que Heleno Cláudio Fragoso agora após a modificação e atualização da obra de Nélson Hungria, passa a posicionar-se sob a mesma linha de raciocínio adotada por Nélson Hungria. Voltando aos autores que se mantêm na primeira posição sob a incomunicabilidade, Aníbal Bruno 104 : Só se pode participar do crime de infanticídio a mãe que mata o filho nas condições particulares fixadas na lei. O privilégio que se concede à mulher sob a condição personalística do estado puerperal não pode estender-se a ninguém mais. Qualquer outro que participe do fato age em crime de homicídio. A condição do estado puerperal, em que se fundamente o privilégio e que só se realiza na pessoa da mulher que tem o filho impede que se mantenha sob o mesmo título a unidade do crime para o qual concorrem os vários participes. Em todos os atos praticados trata-se, direta ou indiretamente de matar, mas só em relação à mulher, pela condição particular em que atua esse matar toma a configuração do infanticídio. Para outros mantém o sentido comum da ação de destruir uma vida humana, que é o homicídio. Cumpre-nos ainda lembrar que se a mãe, sob a influência do estado puerperal vier a ser partícipe do crime e não autora ou co-autora, ainda assim responderá ela sempre por infanticídio, esse é o seguimento adotado por essa corrente. Uma segunda posição é defendida por Frederico Marques, Euclides Custódio da Silveira, Magalhães Noronha, Ester de Figueiredo Ferraz sob o entendimento que nos traz Ribeiro 105 , “no sentido de se admitir a comunicabilidade a todos os agentes, de forma irrestrita”. ______________ 103 HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. v. 5, p. 266. 104 BRUNO, 1966, p. 150 apud RIBEIRO, 2004, p. 123. 105 RIBEIRO, 2004, p. 118. 61 Basileu Garcia 106 menciona seu entendimento: Em face da doutrina unitária do concurso de agentes e, aceita a regra da comunicabilidade das circunstâncias de caráter pessoal quando elementares do crime, pode-se sustentar, com êxito, a tese de que cometeria infanticídio todo aquele que, de qualquer modo, concorresse para o crime do art. 123, embora não militando em seu favor a condição personalíssima – a qualidade de mulher, de mãe, de parturiente, de puérpera – que justifica o regime de excepcional benignidade dispensado à autora natural da infração. E. Magalhães Noronha 107 por sua vez assim coloca: Não há dúvida alguma de que o estado puerperal é circunstância (isto é, estado, condição, particularidade etc.) pessoal e que, sendo elementar do delito, comunica-se, ex vi do art. 30, aos co-participes. Só mediante texto expresso tal regra poderia ser derrogada. A não comunicação ao co-réu só seria compreensível se o infanticídio fosse mero caso de atenuação do homicídio e não um tipo inteiramente à parte, completamente autônomo em nossa lei. Sob esse entendimento Noronha confessa não ser a melhor maneira de se punir o partícipe e o co-autor, mas o que deve ser seguido é o que está na lei, ou seja, no caso o artigo 30 do Código Penal, e só mediante um texto expresso essa regra poderia então ser derrogada. Salienta José Frederico Marques 108 o seu pensar: O infanticídio é um crime próprio, pois somente o pode cometer a mãe em relação ao filho recém-nascido. Outras pessoas, no entanto, podem figurar como co-autores; e como se trata de delito privilegiado, mas autônomo, comunicam-se as circunstâncias subjetivas que integram o tipo, aos coautores, muito embora pense de modo contrário o insigne Nélson Hungria. Mas é preciso que o co-autor tenha como é óbvia, participação exclusivamente acessória. Se for ele o autor da morte, isto é, a pessoa que executa a ação contida e definida no núcleo do tipo, então a sua conduta, matando ao nascente ou ao recém-nascido, será enquadrada no art. 121. Mantendo a mesma posição Figueiredo Ferraz 109 demonstra o entendimento que é também favorável à comunicabilidade: [...] é imperdoável que o legislador brasileiro tenha incluído, entre as circunstâncias elementares do crime de infanticídio, uma verdadeira causa de diminuição da responsabilidade penal, como seja a influência do estado puerperal. Transformada essa circunstância em elemento integrante da figura delituosa, não se pode impedir a sua comunicação a todos os agentes, [...]. ______________ 106 GARCIA, 1980, p. 422 apud Maggio, 2001, p. 71. NORONHA, 1995, p. 47-48. 108 MARQUES, 1961, p. 141 apud Ribeiro, 2004, p. 124. 109 FERRAZ, 1976, p. 14 apud Maggio, 2001, p. 68. 107 62 Sob a mesma linha de raciocínio Custódio da Silveira 110 opina: O infanticídio – ninguém o nega – é um crime autônomo e a influência do puerpério é uma circunstância elementar do tipo. Logo, não se pode negar a sua comunicabilidade ao co-participe, a menos que se considere inexistente o artigo 26 (atual art. 30) do Código Penal. Esses doutrinadores adotaram essa segunda corrente, alegando a comunicabilidade do elemento referente a influência do estado puerperal. A norma que reza o artigo 29 do Código Penal assim traz in verbis: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.” Sob o que esse artigo traz entende-se que quem concorre pra a prática do crime de infanticídio deve submeter-se à sanção imposta a ele. Nota-se que a grande discussão aqui é bem referente a essa questão da comunicabilidade ou não da elementar influência do estado puerperal, vemos então que já nos termos do art. 30 do Código Penal reza in verbis: “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.” Já quanto a esse artigo percebemos que se transmitir essa elementar do crime que no caso é a influência do estado puerperal a outro, ou seja, à terceiro, então este responderá por infanticídio, agora caso contrário o mesmo responderá por homicídio. Gláucio Vasconcelos Ribeiro 111 cita uma preciosa lição sob as teorias adotadas por diferentes doutrinadores: Quem entender que a influência do estado puerperal é uma condição pessoal, e não uma elementar do crime de infanticídio, concluirá pelo art. 30 do Código Penal, que o párticipe ou o co-autor responderá pelo crime de homicídio. Ao revés, os que afirmam que a influência do estado puerperal é uma elementar, e não uma condição pessoal da agente, dirão que o párticipe ou co-autor incidirá, também, nas penas previstas pelo art. 123 do Código Penal. Sobre a dúvida de qual teoria a ser adotada ou seguida, o mesmo doutrinador Ribeiro 112 revela uma importante informação: Reunidos em Conferência no Rio de Janeiro, no ano de 1943, os Desembargadores de vários estados e do País discutiram inúmeros temas do então recente Código Penal. Relativamente ao infanticídio, assentaram, por maioria de votos que, pela leitura do artigo 25 do Código vigente à época (atual art. 29), outra solução não havia senão a do párticipe responder, também, pelo crime do art. 123 da lei penal. ______________ 110 SILVEIRA, 1973, p. 98 apud Ribeiro, 2004, p. 125. RIBEIRO, 2004, p. 126. 112 RIBEIRO, 2004, p. 126. 111 63 A respeito Muakad 113 assim traz: Hungria, na última edição de sua obra, Mirabete e outros adotam a posição da Conferência dos Desembargadores, que considera a comunicação das condições pessoais quando elementares no crime, a não ser que a lei disponha expressamente em contrário. Finalizando Ribeiro 114 assim também complementa: Com efeito, a Reforma Penal de 1984 adotou, como regra, a teoria monística, determinando que todos os participantes de uma infração penal incidam nas sanções de um único e mesmo crime e, como exceção, admite a concepção dualista, mitigada, distinguindo a atuação de autores e partícipes, permitindo uma mais adequada dosagem de pena de acordo com a efetiva participação e eficácia causal da conduta de cada párticipe, na medida da culpabilidade perfeitamente individualizada. Em resumo, podemos dizer que enquanto a legislação penal não for mudada e não expressar corretamente a respeito do assunto em questão, teremos que adotar o que a lei, ou seja, o direito garantido e postulado nos trazem e deixam entender. Já que atualmente o terceiro que participa do infanticídio responderá pelo mesmo crime e não por homicídio mesmo pensando ser essa a maneira mais viável de se punir então o párticipe e o co-autor. 4.3 Sujeito passivo Atualmente o sujeito passivo do delito, e também no caso objeto material do crime, por representar o ponto de incidência da conduta criminosa, é o próprio filho nascente (eliminado durante o parto) ou neonato (morto logo após o parto), com vida extra-uterina. Pode-se ter como nascente aquele que ainda não respirou, mas, tem todas as características do feto recém-nascido, como nos traz Muakad 115 em sua explicação: Com relação ao feto que está nascendo, ou seja, que ainda não respirou e que não teve, portanto vida autônoma, denominado nessa fase feto nascente, a prova de vida não se baseia nas docimásias respiratórias, mas ______________ 113 MUAKAD, 2002, p.100. RIBEIRO, op. cit., p. 132. 115 MUAKAD, 2002, p. 122. 114 64 na demonstração da vida circulatória através do tumor de parto e pelas reações vitais das lesões. O neonato ou recém-nascido por sua vez, é o ser que acabou de nascer, respirou, mas não recebeu um cuidado especial para que pudesse continuar a viver, ou seja, é o ser que veio à luz com vida, e pode se tornar vítima do delito imediatamente após o parto por não ter recebido cuidados necessários a sua existência eis que se trata de um ser indefeso sem capacidade alguma de se defender de qualquer ato. Enquadra-se nesta categoria amparada pela lei também o ser disforme ou monstruoso, como nos ensina E. Magalhães Noronha 116 , “[...] ainda que disforme ou monstruoso, o neonato goza da tutela legal. Nem há razão, em uma sociedade civilizada, para excluí-lo dessa proteção.”, visto isso o ser nascente ou recémnascido tem em virtude da lei seus direitos assegurados. Podendo também o ser nascer sem exercitar todas as funções para a vida, já que o simples fato de ter respirado, ou o coração ter batido normalmente já é essencial para que se comprove ter havido a vida. Casper 117 afirma, “viver é respirar, não respirar é não ter vivido”. Sob essa afirmação Nélson Hungria 118 defende que: O radical critério de Casper levaria, na prática, a conclusões intoleráveis. Assim, não responderia por infanticídio, por exemplo, a mãe que expulsasse o feto dentro de uma bacia com água, ou que o matasse antes que os orifícios respiratórios fossem desobstruídos de mucosidades ou restos de membrana amniótica. É certo que a prova da respiração é a mais praticável e a mais segura prova de vida, tornando-se esta difícil quando não tenha havido introdução de ar nos pulmões; mas daí não se segue que só há vida quando há respiração. A constatação de vida extra-uterina efetua-se por meio de docimásias, as quais se caracterizam por serem provas periciais com intuito de comprovarem a existência de respiração, circulação ou até mesmo de nutrição gastrintestinal, sendo que a docimásia mais utilizada pela medicina legal ser a respiratória que se fundamenta na densidade do pulmão que respirou e do que não respirou. ______________ 116 NORONHA, 1995, p. 45. CASPER, 1996, p. 376 apud Maggio, 2001, p. 74-75. 118 HUNGRIA, 1979, p. 259. 117 65 A técnica desta docimásia chama-se Docimásia Hidrostática Pulmonar de Galeno, como nos menciona França 119 , é tida como a mais prática e mais usada na perícia médico-legal. Consiste em mergulhar em água comum, à temperatura ambiente, cuja densidade gira em torno de 1,0, o bloco constituído pelos pulmões, traquéia, laringe, língua, timo e coração. Como o pulmão fetal é compacto e sua densidade varia entre 1,040 e 1,092, inserido em água, não flutuará por ser mais pesado que esta. Já o pulmão que respirou aumenta consideravelmente de volume, pela expansão alveolar, mas continua com o mesmo peso, trazendo sua densidade para 0,70 ou 0,80. Este pulmão, mergulhado em água, sobrenadará constatando-se então que ele respirou. Para que ocorra o crime de infanticídio, como já foi abordado anteriormente não há a necessidade de que o infante seja portador de vitalidade, eis que o delito ocorre mesmo comprovado que o ser iria morrer de causas naturais do parto ou por mais difícil a duração de sua vida, pois o bem jurídico a ser resguardado pela lei é a vida independentemente desta ser precária ou não. Entretanto, exclui-se da proteção do ordenamento jurídico é o que E. Magalhães Noronha 120 afirma, como sendo o ovo degenerado, “[...] a mola, sendo o ovo degenerado, insuscetível de vida extra-uterina, não pode ser, naturalmente, sujeito passivo do delito [...]”, ou seja, o embrião em sí, por não poder subsistir fora do ambiente materno e menos ainda tornar-se um ser humano. Como se vê pelo tipo penal contido no art. 123 do Código Penal, o infanticídio pode ocorrer tanto durante como logo após o parto, portanto está protegida tanto a vida do nascente quanto a do neonato ou recém-nascido. 4.3.1 Elemento subjetivo e materialidade do crime Os doutrinadores afirmam unanimamente que o elemento subjetivo do crime de infanticídio é o dolo, sendo a vontade livre e consciente de praticar um fato ______________ 119 120 FRANÇA, 2004, p. 284. NORONHA, 1995, p. 45. 66 definido na lei como crime, podendo o dolo ser direto e determinado caracterizado pela vontade livre e consciente de causar a morte do filho nascente ou neonato, assim como pode ser indireto ou eventual, consubstanciado na assunção do risco de produção do êxito letal, a mãe deve querer diretamente a morte do filho ou assumir então o risco de produzi-la. Sob esse aspecto Ribeiro 121 assim menciona, “[...] afirmam unanimamente os doutrinadores ser o dolo (como vontade de destruir uma vida humana) a única forma do elemento subjetivo requerido pela figura em tela”. A Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados 122 assim escreve: “Inexistindo nos autos a prova de que a mãe quis ou assumiu o risco da morte do filho, não se configura o crime de infanticídio, em qualquer de suas formas, eis que inexiste para a espécie a forma culposa.” O delito não admite a forma culposa, sendo que, caso o infante vier a morrer por negligência (ausência de precaução ou indiferença em relação ao ato realizado), imprudência (prática de um fato perigoso) ou imperícia (falta de aptidão para o exercício de arte ou profissão) da parturiente, esta responderá por homicídio culposo, mesmo estando sob a influência do considerado estado puerperal. Pensamento este sustentado pelo doutrinador Nélson Hungria 123 posto que o fato se amolde perfeitamente à norma do parágrafo terceiro do artigo 121, do atual Código Penal. Mas há também quem entende ser esse fato atípico. Maggio 124 nos traz a seguinte jurisprudência em sua obra quanto à forma culposa do delito: Pronúncia. Infanticídio. Ausência de prova da intenção da recorrente de matar o próprio filho. Despronúncia. Inexistindo nos autos a prova de que a mãe quis ou assumiu o risco de morte do filho, não se configura o crime de infanticídio, em qualquer de suas formas, eis que inexiste para a espécie a forma culposa. (TJES, Rec., rel. Dês. José Eduardo Grandi Riberito, RT 632/331). Já o doutrinador Gláucio Vasconcelos Ribeiro 125 mostra seu entendimento sobre a possibilidade do fato ser atípico: ______________ 121 RIBEIRO, 2004, p. 109. RTJE, n. 55, p. 255 apud Ribeiro, 2004, p. 88. 123 HUNGRIA, 1981, p. 266. 124 MAGGIO, 2001, p. 101. 122 67 É inconsistente o entendimento contrário, que sustenta tratar-se de conduta atípica. O bem jurídico vida, o mais importante na escala jurídico-social, exige essa proteção penal e só admite a exclusão da responsabilidade penal quando a ação que a lesa não for conseqüência de dolo ou culpa. Maggio 126 , afirma que os doutrinadores Aníbal Bruno e Magalhães Noronha entendem como Nélson Hungria que, “[...] se a morte do nascente ou neonato advém de culpa da mãe, será esta punida por homicídio culposo”. Contudo, há um outro entendimento doutrinário defendido, assim mostra-nos Maggio 127 : É defendido por Olavo Ribeiro de Faria e por Damásio E. de Jesus que, se a mulher vem a matar o próprio filho, sob a influência do estado puerperal, de forma culposa, não responde por delito algum (nem homicídio, nem infanticídio). Porém, se a mulher vier a matar a criança, não se encontrando sob a influência do estado puerperal, agindo culposamente, responderá, então, por homicídio culposo como incursa no art. 121 §3°, do Código Penal. Na prática do delito podem ser utilizados meios comissivos, configurando lesões diversas como a sufocação, estrangulamento, fratura de crânio ou meios omissivos, a exemplo deste o não tratamento do cordão umbilical ou a não retirada das mucosidades da boca do infante. Tratando-se de crime material, no que tange a forma tentada do infanticídio, não há muitas controvérsias, pois se verifica um consenso na doutrina quanto a admissão e sua existência. Sob a tentativa, esta ocorre quando iniciada a ação de matar pela mãe, esta não se consuma, por circunstâncias alheias a sua vontade, não acontecendo então a morte do infante, assim como, quando a mãe infanticida ao dar início a ação de matar a criança é surpreendida por uma terceira pessoa quanto ao prosseguimento do ato criminoso que pretendia cometer. Quanto à forma tentada verificamos um acórdão 128 : Recurso em sentido estrito. Homicídio qualificado tentado. Desclassificação. Infanticídio tentado. Demonstrado nos autos que a conduta atribuída a ré amolda-se ao disposto no art. 123 do cp deve ser mantida a desclassificação operada pela magistrada 'a quo' que alterou a tipificação da denuncia. ______________ 125 RIBEIRO, 2004, p. 116. MAGGIO, 2001, p. 101. 127 MAGGIO, loc. cit. 128 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. Recurso Estrito n. 70004450375, Terceira Câmara Criminal. Relator: Danúbio Edon Franco, Julgado em 07/11/2002. 126 68 A consumação do crime de infanticídio se dá com a morte do feto nascente ou recém-nascido, visto já termos estudado tal ponto ao fazermos a análise do sujeito passivo do delito. Cabendo aqui relembrar que não se questiona mais a respeito da viabilidade ou não do nascimento do ser, pois basta apenas que ele nasça com vida. E pelo fato do feto nascente poder ser o sujeito passivo do crime de infanticídio não há uma exigência maior de que tenha havido a vida extra-uterina, mas apenas a vida biológica já é o bastante. 69 CONCLUSÃO Como analisado, o infanticídio é uma questão delicada e polêmica, por se tratar de um tipo de crime, cuja vítima não tem a menor chance de defesa. Talvez, por esta razão a população se manifeste de maneira enfática, a ponto de desejar fazer justiça de forma imediatista, sem avaliar os parâmetros que contribuem para ocasionar o crime. O infanticídio não é só um problema social, observado em algumas culturas, mas também biológico, visto que é cometido por vários animais, talvez em virtude de desequilíbrio hormonal a mãe sinta, instintivamente, que é necessário sacrificar a vida do filhote para assegurar a sua sobrevivência no meio animal. Ao longo deste trabalho observou-se que o infanticídio, oscilava quanto a época no que tange a sua punibilidade e impunidade, as penas severas até mesmo a de morte e espécies de suplícios encontradas também. E sob a luz dos iluministas da época que pregavam ideais mais humanitários eis que surge uma pena especial para a mãe infanticida privilegiando-se esta em relação à pena imposta ao homicida, tendo como motivo propulsor a honoris causa. O motivo de honra prevaleceu na Legislação Brasileira no tipo do infanticídio por algum tempo, mas com o surgimento do atual Código Penal prestigiou-se o critério fisiopsicológico trazendo consigo a expressão “sob a influencia do estado puerperal”. Mas pudemos observar durante o trabalho apresentado que os Tribunais ainda continuam a prestigiar o motivo da honra, mesmo não estando expresso no nosso texto legislativo. O nosso ordenamento jurídico adotou a corrente fisiopsicológica, entendendo que o abalo do equilíbrio psíquico eventualmente produzido pelo estado puerperal justifica e identifica uma causa especial de responsabilidade diminuída à infanticida. Ao passo que fomos estudando as duas correntes, opinamos por entender também ser a corrente fisiopsicológica a mais viável e mais plausível a ser seguida, é claro fica aqui a questão da dificuldade de se comprovar a existência do estado puerperal com relação ao transtorno psicológico que a parturiente passa. Mas 70 acreditamos que as dores, a excitação, o temor de forma geral podem influenciar a parturiente a deixá-la sob tal estado que possa diminuir a sua capacidade de percepção e reflexão dos próprios atos, estando a parturiente então sob a influência do estado puerperal. Já sob a questão da honoris causa ou motivo de honra não vemos ser nos dias atuais a mola propulsora a ser levantada como motivo levado pela parturiente a cometer a ocisão do próprio filho. Já que hoje ser mãe solteira não causa desonra alguma à mãe, onde a gravidez ilegítima não importa também a necessidade da ocultação da desonra, deveriam ser levantados aspectos mais relevantes para que pudesse a infanticida sob esse motivo ter sua pena minorada. Os Tribunais acabam optando por considerar as duas correntes, é possível sim, mas percebemos que as causas fisiológicas e psicológicas precisam estar em conjunto mantendo uma interdependência, para que não fique excluída a consideração do motivo de honra em casos que possam realmente ter entrado como um coeficiente de anormal impulso criminoso fazendo com que perca a sua completa consciência dos atos que veio a praticar. Podemos aqui salientar que o infanticídio também ocorre em mulheres casadas de família, teoricamente, equilibrada e estável, pois como foi estudado no decorrer deste trabalho muitos doutrinadores consideram que o infanticídio é um crime exclusivamente de classe baixa que não possua orientação ou apoio familiar sendo esse motivo principal que vem levar a mãe a cometer o infanticídio, mas não vemos ser esse entendimento o adequado, já que todas as mulheres estão sujeitas a passar pelo estado puerperal, pode ser que se manifeste em um número maior nas famílias de classe mais amena, mas não que esteja longe de acontecer em famílias com um poder aquisitivo maior, e que se encontra equilibrada e com um ambiente harmonioso. O tipo do infanticídio acarreta vários problemas tanto doutrinários em relação as divergências de entendimento, e motivos práticos também, pela grande dificuldade de visualização do fato, tanto pela dúvida do enquadramento das pessoas que concorrem para a conduta típica do crime quanto ao estado da própria parturiente. Quanto ao estado puerperal podemos dizer ser um critério difícil de ser comprovado, já que existe corriqueiramente praticamente em todas as mulheres que estão prestes a dar à luz, mas de difícil comprovação, até mesmo pelas lesões 71 fisiopsíquicas motivadoras do delito que se localizam no cérebro e desaparecem em um curto espaço de tempo deixando poucas seqüelas, causando na sociedade certa desconfiança quanto ao real acontecimento. Mas podemos dizer que para que haja a justificativa do estado puerperal, é necessário o abalo do equilíbrio psíquico da parturiente deixando-a de tal maneira que perca a consciência dos seus atos. Ficou então a cargo da medicina legal um grande fardo que é a comprovação deste momento exclusivo da parturiente, e não podemos deixar de ressaltar que após os estudos acreditamos ser um trabalho de tamanha importância e peça chave para que haja então a caracterização do infanticídio. Sendo o papel da perícia médico-legal de suma importância para a caracterização do infanticídio, assim como o do legislador e o representante do âmbito jurídico. Outro aspecto a considerar, é que a existência dos elementos constituintes deste tipo de delito, onde a própria mãe é responsabilizada, é necessária a comprovação conclusiva do ato criminal da própria mãe que mata o filho nascente ou recém-nascido. Como já fora dito, o infanticídio se configura no Código Penal, e é necessária a atuação do perito, para esclarecer as questões principais, como o recém-nascimento, o nascimento com vida e a causa criminosa da morte. Além disso, compete à perícia determinar se a mulher apresenta sinais de ter parido recentemente, e se esta, no momento em que praticou a conduta delituosa, encontrava-se ou não sob a influência do estado puerperal. Como já se viu no estudo do sujeito passivo, a prova de existência de vida extra-uterina é feita através das docimásias, que podem ser respiratórias ou nãorespiratórias, ou através das provas ocasionais. Já a prova de existência de vida intra-uterina dá-se através do estudo de dois fenômenos dependentes da circulação sangüínea: o tumor de parto e os caracteres vitais das lesões. Ainda com relação ao sujeito passivo, cabe à perícia médico-legal determinar a causa jurídica da morte. Caso ela tenha sido natural, fica afastada a hipótese de homicídio; caso não tenha sido, necessita-se esclarecer se a sua causa foi acidental ou criminosa. Com relação à mulher, para a comprovação do delito, é necessário que ela seja portadora de grave perturbação psicológica ocasionada pelo estado puerperal, e capaz de levá-la a extirpar a vida de seu próprio filho durante ou logo após o parto. 72 Desta forma, o parecer psiquiátrico, como exame subsidiário, ao fazer uma análise do estado psíquico da parturiente, apresenta sua inegável importância, pois deverá avaliar a possível influência exercida pelo estado puerperal no psiquismo da parturiente. Este exame irá apurar se o parto foi doloroso ou angustiante; se a acusada, após ter matado o filho, tratou de esconder seu cadáver; se ela se lembra do acontecido ou se finge que não se lembra; se ela possui um histórico de psicopatia ou se foi acometida de perturbação mental durante ou logo após o parto capaz de tê-la levado a cometer o crime. Estudamos a questão da diferenciação entre o puerpério e o estado puerperal. Onde restou confirmada a distinção entre ambos, já que entendemos por puerpério o período que vai desde a expulsão da placenta até as condições prégravídicas, observado em todas as gestantes. E o estado puerperal não sendo comum entre as gestantes, decorrendo este do puerpério, proveniente de dores físicas do parto, excitação, estado psicológico que se encontra a gestante, angústia. Não adquire também o estado puerperal um tempo determinado de duração, onde nem mesmo a Lei e a doutrina se posicionaram quanto à duração de forma unânime deixando uma lacuna a ser preenchida. Quanto ao concurso de pessoas e sua comunicabilidade, para que fosse afastada essa comunicabilidade da elementar em exame, a forma jurídica para este fato seria a alteração legislativa, tipificando o infanticídio como um tipo privilegiado do homicídio, onde o “estado puerperal” deixaria de ser uma elementar do tipo comunicável para se transformar uma circunstância pessoal incomunicável assim como sugeria Magalhães Noronha 129 . Eis que teríamos em ralação a influência do estado puerperal uma circunstância de ordem pessoal ou subjetiva, incomunicável nos termos do artigo 30 do nosso Código Penal. Já que assim estaríamos sanando o problema da comunicabilidade do concurso de agente e estaríamos estabelecendo um critério mais homogêneo na legislação penal, já que o bem jurídico maior a ser protegido é a vida. Dessa forma, verificaríamos um possível ajuste no nosso ordenamento jurídico, eliminando a duplicidade das previsões legais, sob essas intrincáveis postulações a respeito do ato a ser condenado. ______________ 129 NORONHA, 1995, p. 52-53. 73 Diante de todas as divergências e incongruências que gravitam no universo do infanticídio, mormente no tocante aos critérios tipificadores do delito como o motivo de honra ou a influência do estado puerperal, ao significado da expressão "logo após o parto", ao concurso de pessoas, a minoração da pena, há que se dizer que muitas são as áreas de conhecimento que permeiam esta temática, posto que este tipo de ato constitui-se em um gesto incompreendido por parte da sociedade, estudado por médicos e especialistas, e julgado e condenado pela justiça. Nós, enquanto operadores do direito, devemos nos debruçar em relação aos crimes, responsabilidade, direitos e deveres dos cidadãos, tomando todo o cuidado para não fazer juízo de valor, sem a real identificação e conhecimento de cada fato ou situação. Esta monografia, portanto, tem a intenção de colaborar com os estudiosos sobre desta questão, mesmo não sendo possível se esgotar o assunto, pois a cada momento surgem novos aspectos, mas buscamos certamente contribuir com a veiculação de informações precisas, no sentido de tornar a sociedade mais fraterna e mais justa. 74 REFERÊNCIAS ALMEIDA JÚNIOR, A. Lições de medicina legal. 21. ed. São Paulo: Nacional, 1996. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Paulo M. Oliveira. São Paulo: Martin Claret, 2002. FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. GOMES, Hélio. Medicina legal. Atualizador: Higínio Hércules. 33. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004. GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Ímpetus, 2006. v. 2. HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. v. 5. ______. Comentários ao Código Penal. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. v. 5. ______. Comentários ao Código Penal. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. v.5. JESUS, Damásio Evangelista de. Infanticídio e concurso de agentes em face do Novo Código Penal, Julgados do tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. 1970. v. 13. MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Infanticídio. São Paulo: Edipro, 2001. MARANHÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 1996. v. 2. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004. MUAKAD, Irene Batista. O Infanticídio: análise da doutrina médico-legal e da prática judiciária. São Paulo: Mackenzie, 2002. 75 NORONHA, E. Magalhães. 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