UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE
BRASÍLIA
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Direito
“O ESTADO PUERPERAL NO CRIME DE INFANTICÍDIO”
Autora: Aline Becker Ferretti
Orientador: Prof. Douglas Ponciano da Silva
BRASÍLIA
2008
ALINE BECKER FERRETTI
O ESTADO PUERPERAL NO CRIME DE INFANTICÍDIO
Trabalho apresentado ao curso de
graduação em direito da Universidade
Católica de Brasília, UCB, como
requisito para obtenção do Título de
Bacharel em Direito Civil.
Orientador: Prof. Douglas Ponciano da
Silva.
Brasília
2008
Trabalho de autoria de Aline Becker Ferretti, intitulado “O Estado Puerperal no
Crime de Infanticídio”, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Direito, defendida e aprovada, em Brasília, em 00 de 2008, pela banca examinadora
constituída por:
______________________________________
Prof. Douglas Ponciano da Silva
Orientador
__________________________________
Prof.
Integrante
_________________________________
Prof.
Integrante
Brasília
2008
Dedico o presente trabalho, à Deus,
fonte de vida, força e esperança, que
guiou os meus estudos ao longo dessa
trajetória, e aos meus pais, pelo
incansável incentivo, confiança e
paciência, ao longo desta jornada, e a
todos aqueles que participaram desta
realização.
Agradecimentos
Ao Prof. Douglas Ponciano da Silva,
meu orientador, pela gentil acolhida,
pelos ensinamentos e sugestões para
que fosse possível a concretização
deste trabalho. Á Universidade Católica
de Brasília, por me propiciar a
oportunidade de aprender.
RESUMO
FERRETTI, Aline Becker. O estado puerperal no crime de infanticídio. 2008. 76 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de Direito, Universidade
Católica de Brasília, Brasília, 2008.
O crime de infanticídio caracteriza-se pela morte do nascente ou do recém-nascido,
produzida pela própria mãe, sob influência do estado puerperal. Este delito tem
como sujeito ativo, apenas a mãe, e, como sujeito passivo, o ser nascente ou o
recém-nascido. A objetividade jurídica, evidentemente, é a preservação da vida
humana. No tocante ao elemento subjetivo da autoria, existem duas correntes
doutrinárias: a psicológica e a fisiopsicológica. Na primeira, leva em consideração a
honra da infanticida. Na segunda, considera apenas o desequilíbrio fisiopsicológico
proveniente do parto, corrente esta, adotada pelo Código Penal brasileiro. Sobre a
questão do concurso de pessoas, de acordo com a legislação e as prerrogativas
específicas, o nosso Código Penal expressamente determinou ao intérprete a
analisar o problema da co-autoria sob as determinações dos artigos 29 (caput) e 30.
Eis que se o terceiro instiga, induz ou auxilia a parturiente a matar o filho, estará
concorrendo para o delito, cujo resultado caracteriza o infanticídio, já que a
influência do estado puerperal é elementar do tipo, comunicando-se ao fato do coautor ou partícipe, conforme o ditame do artigo 30 do Código Penal vigente.
Palavras-chave: Código Penal. Infanticídio. Estado puerperal. Concurso de pessoas.
ABSTRACT
FERRETTI, Aline Becker. The state crime of infanticide in puerperal. 2008. 76 f.
Monograph (Graduation) – Faculty of Law, University of Brasília Catholic, Brasília,
2008.
The infanticide crime is characterized by the death of the East or of the newly born,
produced by the own mother, under influence of the state puerperal. This crime has
as active subject, just the mother, and, as passive subject, being nascent or the
newly born. The juridical objectivity, evidently, is the preservation of the human life.
Concerning the subjective element of the authorship, two currents doctrinaires exist:
the psychological and the fisiopsicológica. In the first, it takes in consideration the
infanticide's honor. On Monday, it just considers the unbalance originating from
fisiopsicológico the childbirth, current this, adopted by the Brazilian penal code. On
the subject of the people's contest, in agreement with the legislation and the
prerogatives specifics, our penal code expressly determined the interpreter to
analyze the problem of the co-authorship under the determinations of the goods 29
(caput) and 30. Suddenly if the third urge, it induces or it aids the parturient to kill the
son, it will be competing for the crime, whose result characterizes the infanticide,
since the influence of the state puerperal is elementary of the type, communicating to
the joint author fact or participles, according to the ditame of the article 30 of the
effective penal code.
Keywords: Penal code. Infanticide. State puerperal. People's contest.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................9
CAPÍTULO 1 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA .................................................................12
1.1 Período intermediário .....................................................................................13
1.2 Período moderno ............................................................................................14
1.3 Análise histórica do infanticídio no Brasil........................................................16
1.3.1 Ordenações do reino..............................................................................17
1.3.2 Código criminal do império .....................................................................17
1.3.3 Código penal republicano.......................................................................19
1.3.4 Projetos ..................................................................................................20
1.3.5 Código penal de 1940 ............................................................................21
1.3.6 O infanticídio nos dias atuais..................................................................22
CAPÍTULO 2 - CONCEITO DE INFANTICÍDIO ........................................................25
2.1 Elementares do crime .....................................................................................26
2.2 Infante nascido ...............................................................................................27
2.3 Neonato ou recém-nascido.............................................................................28
2.3.1 Vida extra-uterina ...................................................................................28
2.3.2 Puerpério................................................................................................30
2.3.3 Estado puerperal ....................................................................................31
2.3.4 O estado puerperal sob a visão da medicina legal.................................34
2.3.5 Objetividade jurídica e bem juridicamente protegido.............................36
CAPÍTULO 3 - CARACTERIZAÇÃO DO INFANTICÍDIO SOB O VIÉS DA
JURISPRUDÊNCIA ..................................................................................................38
3.1 Motivo de honra ..............................................................................................38
3.2 Influência do estado puerperal........................................................................41
3.3 Análise das correntes psicológica e fisiopsicológica.......................................48
3.3.1 Corrente psicológica...............................................................................48
3.3.2 Corrente fisiopsicológica ........................................................................51
3.3.3 A posição jurisprudencial quanto as correntes psicológica e
fisiopsicológica .......................................................................................52
CAPÍTULO 4 - INFANTICÍDIO: ENTRE A AUTORIA E O CONCURSO DE
PESSOAS .................................................................................................................56
4.1 Sujeito ativo do infanticídio .............................................................................56
4.2 O problema da concurso de pessoas no código penal ...................................57
4.3 Sujeito passivo................................................................................................63
4.3.1 Elemento subjetivo e materialidade do crime .........................................65
CONCLUSÃO ...........................................................................................................69
REFERÊNCIAS.........................................................................................................74
9
INTRODUÇÃO
A cultura brasileira, sob o ponto de vista subjetivo, encarou e interpretou o
infanticídio como algo abominável, um tipo de crime que não merecia nenhum tipo
de perdão. Em alguns casos essa interpretação ocorre sob o parâmetro passional,
sem levar em conta outras questões que este estudo aborda como os aspectos
psicológicos de quem comete este tipo de ato. No crime de infanticídio, para que
fique caracterizada a consumação, deverá haver a morte do feto nascente, ou do
infante nascido. Para alguns estudiosos, como veremos adiante, a morte, só existe,
a partir do momento em que se apresenta a chamada Trípode de Bichat, que é
constituída pela cessação das funções cerebrais, da circulação e da respiração.
Para outros juristas e estudiosos, não interessa questionar a respeito da
viabilidade do ser que nasce, bastando apenas que ele nasça com vida. Como o feto
nascente pode também ser sujeito passivo do infanticídio, não se exige que tenha
havido vida extra-uterina, mas apenas vida biológica. Como se pode perceber, esse
tema é bastante complexo, e ao mesmo tempo polêmico, por despertar na
população, uma rejeição imediata, e às vezes o desejo de vingança.
Para que fique configurado o crime de infanticídio, é necessário que a morte
do sujeito passivo tenha ocorrido durante ou logo após o parto. Neste sentido, a
jurisprudência ainda vivencia uma querela doutrinária, a respeito do que se deve
entender pela elementar normativa temporal durante o parto ou logo após. A
doutrina médica não é pacífica ao tratar do início e fim do parto. Para alguns
autores, o parto inicia-se com as primeiras contrações uterinas e termina com a
expulsão do produto da concepção. Para outros, o parto inicia-se com o período de
dilatação uterina e termina com a expulsão da placenta. Esta falta de entendimento
dificulta a caracterização do crime, pois, se ocorrer a morte criminosa do feto antes
de iniciado o parto, trata-se de aborto, e se não se der durante ou logo após o parto,
será homicídio.
10
Para Nelson Hungria 1 , a expressão “logo após o parto”, não deve ser
entendida isoladamente, mas subordinada ao art. 123 do Código Penal, que se
refere a um estado “sob a influência do estado puerperal”. Como vemos, não pode
ser dada uma interpretação única, mas suficientemente ampla, de modo a abranger
o variável período de choque puerperal. Desta forma, apesar de a lei não ter fixado
um prazo para sua ocorrência, não podemos interpretar de forma restrita, mas sim
de forma ampla até que se possa abranger o variável período do estado puerperal.
Com relação à forma tentada do infanticídio, não há muitos pormenores a se
tratar, pois há na doutrina a admissão da sua existência, em virtude da
materialidade do crime, que ocorre quando, iniciada a ação de matar, esta não se
consuma, por motivos alheios à vontade da agente. Por força do disposto no artigo
14 inciso II do Código Penal Brasileiro, pune-se a tentativa de infanticídio com a
pena correspondente ao crime consumado, que é a de detenção por 2 (dois) a 6
(seis) anos, diminuída de um a dois terços.
Portanto, essa temática envolve várias concepções, opiniões e debates,
fazendo com que os operadores do direito se aprofundem cada vez mais nas suas
prerrogativas. Até porque, hoje é um crime, que ocorre com certa freqüência em
nosso país, e acaba dividindo opiniões dos indivíduos,
e exigindo um
posicionamento da justiça, no sentido de sempre fazer valer a justiça. Sob este
aspecto, resta inegável que o infanticídio, enquanto tipo autônomo ocasionou e
ocasiona muitas querelas jurisprudenciais e doutrinárias, criando assim um ambiente
de incertezas com relação ao correto julgamento de quem incorre neste crime.
Fazendo então com que o direito, muitas vezes, deixe de ser aplicado de forma
satisfatória para a sociedade, e enseja desta forma, um estudo profundo do delito de
infanticídio.
Nesse sentido, a pesquisa monográfica que se apresenta tem como
metodologia, uma revisão bibliográfica de juristas, pesquisadores, médicos, peritos,
que analisam os casos ocorridos, e dão um parecer técnico, profissional, e às vezes
humano à questão. Portanto, ela tem um caráter analítico e qualitativo, em que ao
longo dos quatro capítulos, se tem uma reflexão precisa sobre os parâmetros
______________
HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. 5. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1979. v. 5, p. 264.
1
11
judiciários, compatíveis com a punição ou absolvição deste tipo de crime, além do
viés fisiopsicológico de quem pratica tal ato.
Quanto ao objetivo geral, esta monografia busca analisar o que é de fato o
infanticídio, e quais aspectos envolvem este “fenômeno”, que tradicionalmente choca
a população, fazendo com que os operadores do direito tomem uma posição
enfática sobre cada caso. O objetivo específico é delimitar, sob o ponto de vista
jurídico, os fatores que envolvem o infanticídio, tendo como base o Código Penal, a
Constituição Federal, e outras prerrogativas da área judiciária, que são compatíveis
com este tipo de ocorrência.
Para melhor sistematização do estudo, esta monografia é dividida em quatro
capítulos. No primeiro capítulo temos a definição do que é o infanticídio, através de
conjecturas históricas e cronológicas, passando por elementos que se relacionam
com vários episódios já consumados. No segundo, colocamos algumas definições e
posições jurídicas, no sentido de respaldar os pressupostos que foram levantados.
No terceiro, elementos que tipificam, permeando os aspectos psicológicos e
fisiopsicológicos e no quarto capítulo, consideramos os sujeitos que estão
envolvidos direta ou indiretamente neste tipo de crime e a questão do concurso de
pessoas.
12
CAPÍTULO 1 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Para que possamos compreender melhor, e de forma clara, o que vem a ser o
infanticídio, é imprescindível demonstrar e estudar a sua evolução histórica e
cronológica, para que desta forma possamos entender o seu surgimento, enquanto
um delito. Voltando às suas origens, num período que se encontra por volta do Séc.
V a.C, verifica-se, que entre os bárbaros da Antigüidade, a morte dos filhos e
crianças, não constituía crime, como também não atentava contra os costumes
vigentes, expor recém-nascido por motivo de honra, religiosidade ou até mesmo
deficiência física. Era freqüentemente praticado, nessa época, sacrifício de alguns
povos ao seu Deus, oferecendo a ele seus filhos, como no Oriente, Esparta e
América Pré-Colombiana. No que toca às práticas mais antigas do crime, as
questões legais e penais conhecidas, são dados difíceis de serem encontrados, mas
foi através de historiadores e filósofos que se fizeram as primeiras menções
relacionadas a este tipo de crime.
Para Vicente de Paula Rodrigues Maggio 2 , “[...] as mais antigas legislações
penais, não fazem qualquer referência a esse tipo de ato, concluindo ser, então,
permitida essa conduta, que hoje é tida como delituosa.” Entre os gregos, era
comum o sacrifício de crianças, de qualquer idade, que apresentassem alguma
deformidade física, evidenciando que o grande culto ao corpo, à estética e á beleza
daquela civilização, não encontrava limites éticos. Outra questão bastante comum
neste período, era que o rei quando encontrava dificuldades quanto à falta de
alimentos, acabava ordenando a morte de recém-nascidos.
Na velha Roma, a morte do próprio filho, praticada pelo pai, não constituía
delito algum, podendo ele dispor do filho como quisesse. A criança na época, era
propriedade dos pais, e os recém-nascidos considerados normais eram protegidos,
já os defeituosos podiam ser submetidos à morte, de forma cruel, como o abandono
vindo a morrer de fome e sede. Tinham também aqueles que poderiam servir de
desonra para a família, estes teriam o mesmo destino dos considerados defeituosos.
______________
2
MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Infanticídio. São Paulo: Edipro, 2001. p. 34.
13
De acordo com Maggio 3 , “[...] crianças que nascessem imperfeitas, mal-formadas ou
que constituísse desonra ou afronta à família, podiam ser mortas pelos pais depois
do nascimento".
Sobre tal fato, Gláucio Vasconcelos Ribeiro 4 menciona:
Em Roma, o filho estava totalmente submisso à autoridade paterna, que
podia vendê-lo e condená-lo à morte. Leciona Fustel de Coulanges, que o
pai era o juiz. E condenar o filho à morte, era uma virtude, e um direito de
justiça. Esse patria potestas explica a existência de lei do primeiro período
do direito romano (direito antigo), na qual era punida com a morte, a mãe
que matasse o próprio filho, nada prevendo quando o agente fosse o pai,
pois este tinha o direito de matar.
Nessa época a criança recém-nascida era levada ao pai, que a pegava nos
braços, e exibia como forma de conceder-lhe a vida. Caso o pai a colocasse deitada,
era decretada a sua morte.
1.1
Período intermediário
Após este período entramos no século V ao XVIII d.C, onde essa prática
pelos pais passa a ser incriminada por Justiniano. Tempo em que é observado o
desaparecimento do direito de vida e de morte do pater familiae. Momento também
marcado pela influência do Cristianismo, onde o pai ou a mãe que cometesse tal
delito estaria sujeito às punições da época. Punições estas, bem severas, onde,
sendo a mãe responsável pelo crime seria enterrada viva queimada ou até mesmo
empalada 5 , cabendo aqui ressaltar que nesta época não havia diferença entre
homicídio e infanticídio.
______________
3
MAGGIO, 2001, p. 34.
RIBEIRO, Gláucio Vasconcelos. Infanticídio: crime típico; figura autônoma; concurso de agentes.
São Paulo: Pillares, 2004. p. 20-21.
5
Empalamento é uma técnica de tortura ou execução antiga que consistia em espetar uma estaca
através do ânus até a boca do condenado até levá-lo à morte deixando um carvão em brasa na ponta
para mesmo que chegue até a boca do condenado não morresse até algumas horas deois de
homorragia. Usava-se também cravar a estaca pelo abdômen. WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre.
Empalamento. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Empalamento>. Acesso em: 24 abr. 2008.
4
14
Conforme Nelson Hungria 6 :
O direito romano da época avançada incluía o infanticídio entre os crimes
mais severamente punidos, não o distinguindo do homicídio. Se praticado
pela mãe ou pelo pai, constituía modalidade do parricidium, e a pena
aplicável era o culeus, de arrepiante atrocidade.
Foi o caso da Ordenação Criminal de Carlos V (Constitutio Criminalis
Carolina) a qual destacava que as mulheres que viessem a matar seus filhos
estariam sujeitas a serem sepultadas vivas, empaladas, afogadas e dilaceradas
pelas entranhas, com recursos tenazes. E caso suplicassem, teriam como forma de
atenuação da pena, o afogamento, mas apenas se não fossem reincidentes. Se
reincidente, a ré só teria a opção de afogamento.
Nelson Hungria 7 destaca o artigo 131 da Ordenação Penal de Carlos V,
assim as mulheres que matavam:
[...] secreta, voluntária e perversamente os filhos, que delas receberam a
vida e membros, são enterradas vivas e empaladas, segundo o costume.
Para que se evite o desespero, sejam estas malfeitoras afogadas, quando
no lugar do julgamento houver para isto comodidade de água. Onde, porém,
tais crimes se dão freqüentemente, permitidos, para maior terror dessas
mulheres perversas, que se observe o dito costume de enterrar e empalar,
ou que, antes da submersão a malfeitora seja dilacerada com tenazes
ardentes.
A Igreja dá início à pregação do ato, como crime, e muitos juristas passaram a
compreender que não cabia a ninguém, o direito de dar fim, à vida de outrem. A
partir desse momento, o infanticídio passa a ser considerado um crime gravíssimo, e
tratado como homicídio comum punido com a morte.
1.2
Período moderno
É notório que a vontade de punir severamente, as mães infanticidas, teve
uma duração ao longo da Idade Média. E este rigor das penas, perdurou durante
vários séculos, até o movimento Humanista, em que o Iluminismo e a doutrina do
Direito Natural conferiram novos rumos ao tratamento penal do infanticídio, em
______________
6
7
HUNGRIA, 1979, p. 239-240.
HUNGRIA, loc. cit.
15
benefício da criminosa, passando o ato infracional a ser entendido como um delito
especial.
O movimento que ocorreu por volta do século XVIII, sob influências de idéias
iluministas, foi no sentido de fazer frente à displicência com que o legislador
imputava às penas cruéis do infanticídio, propugnando pela sua consideração como
um homicídio privilegiado, quando praticado em nome da honra pela mãe, ou por
parentes. Sob esse entendimento, foram pioneiros Beccaria 8 e Feuerbach, que no
campo jurídico apresentaram propostas para leis mais humanistas. Maggio 9 relata
que:
Os filósofos do direito natural, visando diretamente, influenciar os
legisladores, no sentido de privilegiar o delito, possuíam fortes e relevantes
argumentos, como a pobreza, o conceito de honra, bem como a prole,
portadora de doenças ou deformidade.
Muakad 10 cita em sua obra, “[...] foi sob a influência das novas idéias a favor
do abrandamento da pena, e contra a pena de morte, que surgiu a argumentação,
de que nem sempre o móvel desse crime era a perversidade”. Conforme as
mudanças foram ocorrendo, até mesmo com o surgimento de novas idéias, o
infanticídio passa então a ter um novo tratamento, em que, de homicídio qualificado,
passa a ser considerado pelas legislações da época, um homicídio privilegiado,
quando praticado pela mãe ou por um parente da parturiente.
Muakad 11 também relata: “[...] as legislações a partir do século XVIII
passaram a aceitar a idéia do motivo de honra, e essa reação se fez sentir
rapidamente, abolindo-se a pena de morte logo depois, na Áustria em 1803 e na
Baviera em 1813”.
Notamos então que a pena de morte foi completamente deixada de lado, em
virtude das mudanças sociais e seus costumes. Com isso a sociedade, juntamente
______________
8
À época, Beccaria tentou justificar a atitude criminosa das infanticidas alegando que "[...] o
infanticídio é, ainda, o efeito quase inevitável da terrível alternativa em que se encontra uma
desgraçada, que apenas cedeu por fraqueza, ou que sucumbiu aos esforços da violência. De um lado
a infâmia, de outro a morte de um ente incapaz de avaliar a perda da existência: como não haveria de
preferir essa última alternativa, que a subtrai à vergonha, à miséria, juntamente com o infeliz filhinho?"
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Paulo M. Oliveira. São Paulo: Martin
Claret, 2002. p. 92.
9
MAGGIO, 2001, p. 36-37.
10
MUAKAD, Irene Batista. O Infanticídio: análise da doutrina médico-legal e da prática judiciária. São
Paulo: Mackenzie, 2002. p. 85.
11
MUAKAD, loc. cit.
16
com os filósofos do Direito Natural, tinham na pobreza, o conceito de honra e as
deformidades como foco principal, fazendo com que os legisladores aplicassem uma
pena mais branda para o crime em estudo, pois existiam na época grandes
humilhações para as mães que engravidavam indesejadamente.
Maggio 12 também coloca: “[...] somente o código napoleônico de 1810 e a lei
inglesa, continuaram mantendo essa espécie de pena de morte.” Com o advento do
Iluminismo, a pena imposta à infanticida passa a ser mais branda que a cominada
ao homicida. Observamos que se inicia dessa maneira, a fase evolutiva de
transformações que culminou com os dispositivos modernos da lei penal.
1.3
Análise histórica do infanticídio no Brasil
Na sociedade primitiva existente no Brasil, antes do domínio português, os
povos indígenas viviam sob responsabilidade coletiva. Famílias inteiras se opunham
às outras, sentiam e reagiam como um ente coletivo, e quanto aos problemas penais
da época, eram solucionados, imperando-se a vingança privada. Conforme o
pesquisador Maggio 13 , “[...] predominavam, então, o talião, a vingança privada e
coletiva”.
Mirabete 14 relata que nesta época, vigorava uma civilização, em que a pena
de morte e as penas corporais, eram tidas como forma de represaria. Encontrava-se
entre eles a vingança privada, vingança coletiva, vingança de sangue e o talião.
Entre os índios, a responsabilidade penal era aplicada de forma igual a todos. Não
existia inimputabilidade penal, condenava-se igualmente uma criança de 10 anos,
como um idoso de 75 anos, nem mesmo existia diferença entre sexo masculino e
feminino.
______________
12
MAGGIO, 2001, p. 36.
Ibid., p. 37.
14
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 1996. v. 2, p. 42-43.
13
17
Mas em relação ao infanticídio Maggio 15 nos traz que “[...] o direito penal
indígena, não constituía qualquer forma de direito penal escrito, e, quanto ao
infanticídio, o próprio costume aceitava a sua prática com total indiferença ou com
conduta irrelevante”.
1.3.1 Ordenações do reino
Com a chegada dos portugueses em nosso país, teve início um processo de
mudanças, entre os indivíduos que aqui habitavam, assim também ocorrendo no
sistema jurídico-penal existente. O Brasil era uma colônia de Portugal, vigorando,
portanto, no país as ordenações do reino, que vigiam em Portugal e suas outras
colônias. A parte referente ao direito penal estava contida no Livro V das referidas
ordenações, Maggio 16 ressalta que, “[...] o direito penal que vigorou no Brasil, desde
o seu descobrimento até a independência, tinha por fonte o Livro V das Ordenações
do Reino que, em nenhum momento, fazia qualquer referência específica ao
infanticídio.” Mággio 17 , no Livro V, capítulo – Do Homicídio Qualificado, comenta
sobre a seguinte disposição legal:
§ 31 – A mãe que, esquecendo-se de o ser, matar de propósito o seu filho
infante, não por malignidade do coração, nem por outra paixão vil e baixa,
ma com o fim de encobrir o seu delito, e de salvar a sua fama e reputação,
será para sempre presa e reclusa na casa de correção.
1.3.2 Código criminal do império
Aos poucos o Brasil foi deixando de ser colônia de Portugal, e com o passar
do tempo foi abandonando a velha legislação portuguesa. Sob a óptica do Código
Criminal do Império, sancionado em 16 de setembro de 1830 trazia ele consigo uma
orientação doutrinária em favor da mãe infanticida. O Código Criminal, artigo 197
______________
15
MAGGIO, 2001, p. 37-38.
MAGGIO, loc. cit.
17
MAGGIO, loc. cit.
16
18
trazia no seu bojo in verbis: “Matar algum recém-nascido - pena de prisão por três a
doze anos.”, causando muita discórdia entre alguns doutrinadores sobre a real
compreensão desse artigo com o próximo a ser mencionado.
Já o artigo 198 do mesmo Código Criminal, período do Império traz a seguinte
disposição in verbis: “Se a própria mãe matar o filho recém-nascido, para ocultar sua
desonra – pena de prisão com trabalho por um a três anos.” Conforme Maggio 18 ,
“[...] em ambos os casos, o legislador utilizou somente a expressão recém-nascido,
deixando sem amparo legal, o nascente (ser que se põe entre o feto e o recémnascido)”. A grande discussão é a possibilidade de o crime ser praticado por
parentes da vítima, ou até mesmo por estranhos, por motivo diverso ao da causa da
honra, contido no artigo 197 do Código Criminal, em que a pena era cominada de
três a doze anos de prisão simples e multa correspondente a metade do tempo, o
outro, mencionado no artigo 198, é o crime praticado pela mãe que traz consigo a
questão da honoris causa, um privilégio dado à mãe que cometesse tal barbaridade,
apenada com um a três anos de prisão, em regime de prestação de serviço.
Todavia a grande indignação dos doutrinadores, em relação a essa época,
era que a vida de uma criança, era entendida como um bem menor para a
sociedade, comparado à vida de um adulto, pois aquele que cometia um homicídio
era apenado de no máximo, a pena de morte, no conceito médio a pena perpétua, e
no mínimo, pegaria vinte anos de prisão com trabalho. Comenta Ribeiro 19 :
Conforme salientam os estudiosos desse ordenamento jurídico, verdadeiro
e flagrante absurdo fora instaurado nessa legislação, quanto à primeira
fórmula descrita, tendo em conta: os motivos determinantes, os agentes e
as penas. Isto porque, quem matasse criança (sem ter sequer com ela
qualquer parentesco), mediante os hediondos e idênticos meios descritos
entre as agravantes para o homicídio, ver-se-ia beneficiado, assim mesmo,
por extraordinária redução punitiva em relação àquele que provocasse a
morte de um adulto, visto serem as penas cominadas para esta última forma
de conduta a morte e as galés perpétuas.
______________
18
19
MAGGIO, 2001, p. 39.
RIBEIRO, 2004, p. 29.
19
1.3.3 Código penal republicano
Nota-se que o Código Penal Republicano de 1890 passou por algumas
mudanças, adaptações, mas cabe ressaltar sobre a insatisfação dos cultores do
direito da época tanto ao Código Criminal do Império de 1830 quanto ao agora
mencionado Código Penal Republicano de 1890. Por mais que tenha havido
mudanças no Código de 1890 o tratamento a questão do infanticídio continuou
confuso trazendo ainda problemáticas quanto ao assunto, tendo em vista as
controvérsias que já havia suscitado. Observa-se que ambos se prenderam ao
motivo de honra como atenuante do crime de infanticídio, também lembrando que o
código de 1830 e o código de 1890 admitiram outro agente do crime de infanticídio
além da mãe.
No Código Penal Republicano de 1890, em seu artigo 298, dispunha in verbis:
Matar recém-nascido, isto é, infante nos sete primeiros dias de nascimento,
quer empregando meios diretos e ativos, quer recusando à vítima os
cuidados necessários à manutenção da vida e a impedir sua morte – Pena:
prisão celular de 6 a 24 anos. Parágrafo único: se o crime for perpetrado
pela mãe para ocultar desonra própria – Pena: prisão celular de 3 a 9 nos.
O legislador coloca como definição de recém-nascido, o infante até o sétimo
dia após o nascimento, mas eis que surge a questão de como descobrir realmente
se é ou não é uma criança, entre os seus sete primeiros dias de vida. Quanto a essa
indagação, coube aos médicos legistas se manifestarem de forma diagnóstica sobre
o assunto. Irene Batista Muakad 20 traz em sua obra, “[...] apesar de a jurisprudência
dos tribunais valorizarem a perícia do técnico especializado, a medicina legal muito
pouco havia contribuído [...]”, deixando entender que foi dado então uma atenção
maior ao trabalho desenvolvido pelo médico legista na época. Com esse artigo notase que o recém-nascido passou a ter um amparo legal maior do que ao antigo
Código Criminal do Império de 1830.
______________
20
MUAKAD, 2002, p. 91.
20
1.3.4 Projetos
Estaremos abordando agora antes de falarmos do atual Código Penal de
1940, sobre os projetos que vigoraram no nosso ordenamento jurídico, projetos
estes sob a autoria de Galdino Siqueira, Virgílio de Sá Pereira e Alcântara Machado.
Primeiramente falaremos do Projeto Galdino Siqueira, este não considerava o
infanticídio como figura autônoma, e sim como homicídio, mas de forma atenuada.
Ribeiro 21 demonstra que o Projeto Galdino Siqueira, tratava o infanticídio como
sendo uma forma de homicídio atenuado, pois a pena aplicada era de dois a oito
anos de detenção, para a mãe que matasse o próprio filho, no momento do
nascimento ou logo após, para ocular sua desonra. Neste projeto adotou-se,
também, o critério da vida apnéica que seria a possibilidade da vida extra-uterina de
um ser que ainda não respirou fato este que vem sendo nos dias atuais discutido
pela medicina legal.
Já o Projeto Sá Pereira, é tido como aquele que configura o infanticídio como
crime autônomo, foi elaborado sob forte influência do Código Suíço de 1916 que em
seu art. 107 trazia in verbis: “Aquela que, durante o parto, ou ainda sob a influência
do estado puerperal, matar o filho recém-nascido, será punida com prisão de até 3
anos, ou com detenção por seis meses, no mínimo”. No Projeto de Sá Pereira
observamos a mesma definição em seu artigo 168 “[...] aquela que, durante o parto,
ou ainda sob a influência do estado puerperal, matar o filho recém-nascido, será
punida com prisão de até 3 anos, ou com detenção por seis meses, no mínimo”.
Maggio 22 relata ser a primeira proposta de substituição do critério psicológico
relacionado com o motivo de honra, para o critério fisiopsicológico, atrelado o tipo
penal à influência do estado puerperal que é um dos pontos fortes deste trabalho e
será mais a frente abordado.
Sob o Projeto de Virgílio de Sá Pereira verifica-se que o delito quando
praticado pelo pai ou irmãos da parturiente para esconder a desonra da mesma era
______________
21
22
RIBEIRO, 2004, p. 39.
MAGGIO, 2001, p. 42.
21
concedido uma punição mais benigna, a pena seria a metade do que a prevista para
o homicídio, assim como é visto in verbis: “Art. 169 – aquele que, para esconder a
desonra de filha ou irmã, cuja gravidez ocorresse ocultamente, lhe matar o filho
recém-nascido antes de conhecido o parto, se descontará por metade a pena em
que incorrer, podendo o juiz converte-la em detenção, se o art. 61 for aplicável”.
Alcântara Machado em seu projeto, retorna ao critério psicológico, aquele
relacionado ao motivo de honra, este projeto passa a estender o privilégio aos
ascendentes, descendentes ou colaterais da parturiente, relatado in verbis: “Art. 312
– matar infante, durante o parto ou logo após deste, para ocultar a desonra própria
ou a de ascendente, descendente, irmã ou mulher. Pena – detenção ou reclusão por
dois a seis meses”, notando então que as circunstâncias do motivo de honra trazem
então um benefício tanto a parturiente quanto aos seus ascendentes, descendentes
ou colaterais.
Observamos ainda que Alcântara Machado manteve-se fiel a teoria que
sustenta como circunstância subjetiva a honoris causa. Mas com o advento da
Comissão Revisora do Código Penal de 1940 passa a ser alterado a questão da
honoris causa, ou seja, motivo de honra e adota-se o estado puerperal como
circunstância elementar para que haja a diminuição da responsabilidade do agente
do crime de infanticídio.
Ribeiro 23 assim explica sob a revisão do Código Penal 1940, “[...] a nova
orientação visava elidir as divergências existentes quanto à co-autoria, como
também procurava estabelecer um tratamento de maior equidade para o fruto da
concepção legítima como o da ilegítima”.
1.3.5 Código penal de 1940
O atual Código Penal de 1940 originou-se do projeto de Alcântara Machado,
porém foi submetido ao exame da Comissão Revisora composta por Nélson
Hungria, Vieira Braga, Narcélio de Queiroz e Roberto Lyra.
______________
23
RIBEIRO, 2004, p. 40.
22
Foi alterado então o critério original do projeto, optando-se ao critério
fisiopsicológico, o qual foi determinado o estado puerperal como motivo
determinante para atenuação da pena, o critério psicológico do motivo de honra a
“honoris causa” observado nos códigos anteriores ao de 1940 deixa de existir e dá
espaço então a um novo critério chamado de “estado puerperal”.
O referido estatuto legal dispõe in verbis: “Artigo 123 – matar, sob a influência
do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após. Pena - detenção,
de dois a seis anos”.
Nélson Hungria 24 estabelece em relação à “honoris causa” o seguinte:
Com a omissão de referência da causa honoris, o código não inibe que se
leve em conta, quando realmente exista, esse antecedente psicológico. O
motivo de honra pode contribuir de par com a morbidez fisiológica do
próprio parto, para o estado de excitação e angústia que diminuem a
responsabilidade da parturiente. Todas as causas fisiológicas e psicológicas
devem ser averiguadas no seu conjunto e interdependência, de modo que
não fica excluída a consideração do motivo de ocultação da desonra, nos
casos em que, realmente, tenha entrado como um coeficiente do anormal
impulso criminoso.
O artigo 123 do Código Penal de 1940, que descreve o crime de infanticídio
deixa muita dificuldade na comprovação da sua real configuração, sem deixar de
lembrar que exige um bom trabalho de médicos legistas, visto que exige o exame
pericial para que se chegue ao resultado mais próximo possível de uma tipificação
correta, também é necessário o exame pericial quanto à questão do estado
puerperal, pois este quando comprovado ou não pela perícia poderá beneficiar ou
não a autora do crime.
1.3.6 O infanticídio nos dias atuais
Ao passo do que já foi estudado quanto ao infanticídio, percebemos que
desde as mais remotas civilizações já se podia observar a prática do infanticídio,
principalmente no império Romano entre as tribos bárbaras, já que eliminando a vida
______________
24
HUNGRIA, 1979, p. 254.
23
de uma criança, para eles podia então haver um controle dos governantes sobre a
população da época em termos de distribuição de alimentos e tudo mais.
Atualmente pode se observar a prática do infanticídio entre os animais que
abandonam seus filhotes ou até mesmo os matam logo após o parto. Podemos citar
outros exemplos como a Índia que possui um elevado índice de infanticídio com
relação a crianças nascidas mulheres, e pela prática ser tão constante acabou-se
obtendo um desequilíbrio entre os sexos feminino e masculino na população.
Outra questão importante a se destacar é a China, que se move em busca do
controle da natalidade pelo governo de forma brutal e cruel que impõe à população
urbana apenas um filho por família e à rural dois filhos, como política de restrição de
natalidade. Os pais sob grande pressão e medo de serem descobertos pelo governo
acabam optando por abandonar ou matar seus filhos. Há também as mães que sob
pressão muitas vezes recorrem ao tido no país como esquadrões de aborto, que se
trata de um grupo mantido sob os olhos do governo com o intuito de arrastar as
mulheres grávidas clandestinamente e mantê-las em cárcere para que cometam o
aborto, em alguns casos as mães que se recusam a abortar acabam sendo
executadas.
Existem casos em que as famílias tentam esconder a criança para que o
governo não tenha conhecimento, ou até mesmo vender à famílias estéreis para
fugir das penas impostas pelo governo, sendo elas multas de sete vezes o salário de
um trabalhador, esterilização compulsória e até mesmo confiscação dos imóveis e
bens da família.
No Brasil podemos dizer que vem acontecendo de forma constante, mas o
crime não tem um conhecimento amplo pela sociedade em si, não é um crime que
acontece no Brasil apenas em famílias de classe baixa que levam como motivo a
ilegitimidade da gravidez, estupro, a ocultação perante a família, mas há constantes
casos também em famílias equilibradas, em mulheres que acabam sofrendo um
abalo psicológico no momento do parto e vindo então a praticar a ocisão do filho.
Também há casos de mulheres que sofrem uma pressão psicológica do marido
quanto ao ser nascente sendo imposto pelo marido que a mulher dê a luz à um filho
homem, já que não podemos negar que ainda existe no nosso meio social pessoas
24
que carregam consigo pensamentos machistas, há casos de pessoas que cometem
o infanticídio pelo fato de ter nascido filhos gêmeos ou filhos com uma certa
deformação.
Esses aspectos acabam por influenciar e causar muito transtorno à
parturiente que em alguns casos acaba por escolher a pior maneira de resolver a
questão da gravidez, pois se encontra abalada fisicamente e psicologicamente.
Hoje é anunciado que em aldeias indígenas no Brasil, crianças acabam sendo
mortas por questões culturais. Talvez pela falta de informação dessas pessoas, mas
há também aqueles que defendem essa prática das aldeias pela questão de se
preservar os costumes e crenças desses povos como um direito a diferença cultural.
E ainda que a sociedade não tivesse o direito de julgar a moral de outra sociedade
que no caso seria a indígena, é fato que há a prática de infanticídio em algumas
tribos, mas há correntes que levam consigo o Relativismo Cultural desses povos
defendendo o direito deles em conservar seus costumes e instituições próprias. Mas
cabe aqui ressaltar que temos que prezar pela vida, pelo direito a vida, respeitando
as culturas, crenças, diferenças, mas acima de tudo os seres humanos e o direito a
ele garantido.
Hoje carecemos de uma estatística precisa que nos mostre como meio de
informação, ampla e confiável, sobre os índices de ocorrência no Brasil do
Infanticídio, dificultando assim um objeto muito importante de informação específico
que serviria como forma de desenvolver instrumentos para pesquisa sobre tal
assunto.
25
CAPÍTULO 2 - CONCEITO DE INFANTICÍDIO
Conforme o artigo 123 do Código Penal o infanticídio é o crime em que a a
mãe mata, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou
logo após, sendo a pena cominada para a mãe que comete tal crime a de detenção
de dois a seis anos.
Num primeiro conceito quanto ao infanticídio com base na definição dada pelo
nosso Código Penal, podemos afirmar que o objeto jurídico do infanticídio assim
como é também do homicídio, é a proteção da vida, tanto do neonato que é aquele
que acabara de nascer quanto do nascente aquele que está entre a vida intrauterina e extra-uterina, assim como encontramos no próprio artigo 123 do Código
Penal. Já o segundo conceito a ser estudado é sobre a influência do estado
puerperal, o qual caracteriza o infanticídio, mas quanto a essa definição estaremos
abordando mais adiante neste mesmo capítulo.
Noronha 25 define o infanticídio, “[...] cremos poder conceituar o infanticídio
como a morte do nascente ou do neonato, pela própria mãe, sob influência do
estado puerperal.” Definição esta baseada no artigo 123 do Código Penal em vigor.
Damásio E. de Jesus 26 , por sua vez menciona o infanticídio da seguinte
forma, “[...] etmologicamente falando a expressão infanticídio deriva de infans
(crianças) e caedo (matar), significando a provocação da morte de uma criança”.
Por outro lado Rogério Greco 27 nos dá uma definição mais específica quanto
ao assunto:
Analisando-se a figura típica do infanticídio, percebe-se que se trata, na
verdade, de uma modalidade especial de homicídio, que é cometido
levando-se em consideração determinadas condições particulares do sujeito
ativo, que atua influenciado pelo estado puerperal, em meio a certo espaço
de tempo, pois que o delito deve ser praticado durante o parto ou logo após.
______________
25
NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal, dos crimes contra a pessoa: dos crimes contra o
patrimônio. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 2, p. 40.
26
JESUS, 1970, p. 110 apud Muakad, 2002, p. 81.
27
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Ímpetus, 2006. v. 2, p. 239.
26
Discorre a Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal, em seu
ítem 40 in verbis, o qual o Ministro Francisco Campos afirma:
O infanticídio é considerado um delictum exceptum quando praticado pela
parturiente sob a influência do estado puerperal. Esta cláusula, como é
óbvio, não quer dizer que o puerpério acarrete sempre uma perturbação
psíquica: é preciso que fique averiguado ter esta realmente sobrevindo em
consequência daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento
ou de auto-inibição da parturiente. Fora daí, não há porque distinguir entre
infanticídio e homicídio. Ainda que quando ocorra a honoris causa
(considerada pela lei vigente como razão de especial abrandamento da
pena), a pena aplicável é a de homicídio.
Com relação ao citado delictum exceptum, como nos ensina a exposição de
motivos do nosso Código Penal, na verdade é um tipo especial de homicídio, ou
seja, como sujeito ativo a mãe, e sujeito passivo o neonato ou ser nascente, com a
condição específica da mãe estar sob a influência do estado puerperal, adquirindo
então uma pena mais amena por estar sob tal condição especial.
Pelo Código Penal em vigor entendemos que Infanticídio é o ato de matar o
filho pela mãe, durante ou logo após o parto, sob influência do estado puerperal. Se
a mãe mata o filho durante ou logo após o parto, sem estar sob a influência do
estado puerperal esta não terá praticado o infanticídio mas sim homicídio, da mesma
forma se o crime for praticado por qualquer outra pessoa que não a mãe haverá
homicídio.
2.1
Elementares do crime
Segundo a nossa lei, para que se caracterize o infanticídio, são necessários,
a princípio, três elementos, sendo eles que se trate de feto nascente ou de infante
recém-nascido, que tenha havido vida extra-uterina e que a morte seja causada pela
mãe sob o estado puerperal. Com base nesses elementos, abordaremos, a seguir,
cada um dos fatores, para que seja possível fazer a distinção e a compreensão do
infanticídio como um todo e o estado puerperal de forma específica.
27
Conforme a definição dada ao infanticídio, vemos que um dos elementos para
que ocorra o infanticídio é estabelecer o estado de feto nascente, onde podemos
notar que em outras legislações essa modalidade de crime chama-se feticídio 28 .
Podemos entender feto nascente como Maggio 29 nos descreve “ [...] assim, o
feto nascente é aquele que apresenta todas as características do infante nascido,
menos a faculdade de ter respirado”.
França 30 , caracteriza o feto nascente da seguinte forma:
O feto nascente apresenta todas as características do infante nascido,
menos a faculdade de ter respirado. No infanticídio de feto nascente, as
lesões causadoras de morte estão situadas nas regiões onde o feto começa
a se expor e têm as características das feridas produzidas in vitam.
2.2
Infante nascido
Por infante nascido se entende aquele que acabou de nascer e respirou.
Destacando que deve ser cuidadosamente comprovado que ocorreu esta
respiração, porém não recebeu nenhuma assistência, especialmente quanto à
higiene pessoal ou ao adequado tratamento do cordão umbilical, além de apresentar
ainda características do estado sanguinolento que é o corpo coberto no todo ou em
parte, por sangue de origem fetal ou materna. Além de o cordão umbilical ter uma
importante função na diferenciação de infante nascido e recém-nascido, serve como
orientação na perícia quanto à lucidez da parturiente frente aos cuidados com o
parto.
França 31 nos traz sua definição:
Infante nascido é aquele que acabou de nascer, respirou, mas não recebeu
nenhum cuidado especial. Apresenta proporcionalidade de suas partes,
peso e estatura habitual, desenvolvimento dos órgãos genitais, núcleos de
______________
28
Feticídio – S.m. Morte dada a um feto; aborto provocado (CP, arts. 124 e 125). SANTOS,
Washington dos. Dicionário Jurídico Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 99.
29
MAGGIO, 2001, p. 28.
30
FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p.
282.
31
FRANÇA, 2004, p. 282.
28
ossificação fêmur-epifisário e, ainda, outras características que merecem
melhores detalhes.
2.3
Neonato ou recém-nascido
Sob o ponto de vista estritamente médico-legal, o estado de recém-nascido
ou neonato, caracterizado pelos vestígios comprobatórios da vida extra-uterina, é
um estágio que vai desde os primeiros cuidados após o parto até aproximadamente
o sétimo dia de nascimento. O recém-nascido pode apresentar embora atenuado, as
mesmas características do infante nascido, exceto o estado sanguinolento e o não
tratamento do cordão umbilical.
Referindo-se a conceituação Maggio 32 explica, “[...] neonato ou recémnascido é aquele que acabou de nascer, respirou, mas não recebeu cuidado
especial algum”.
França 33 nos apresenta algumas explicações sobre a questão do recémnascido quanto a sua caracterização sendo estas, “[...] o estado de recém-nascido é
caracterizado pelos vestígios comprobatórios da vida extra-uterina. Tem o recémnascido um estágio que vai desde os primeiros cuidados após o parto até
aproximadamente o sétimo dia de nascimento”.
2.3.1 Vida extra-uterina
Quando a criança passa a ter uma respiração autônoma ou seja, não
nescecita mais da respiração placentária para se manter viva, apresenta-se aí a vida
extra-uterina, iniciando a vida jurídica do novo ser.
Essa vida extra-uterina, é o momento capaz de fornecer aos peritos a prova
de que houve a vida independente do novo ser, ou seja que ele respirou por sí só,
______________
32
33
MAGGIO, 2001, p. 28-29.
FRANÇA, op. cit., p. 283.
29
mas para que se chegue a conclusão de que houve a respiração da criança, é
necessário que o médico-legista siga uma série de exames, e averiguações, com
métodos próprios da medicina legal.
Esses métodos são de grande valor pois além de provar que houve a vida
extra-uterina e ajudando então a confirmar que houve sim um dos elementos
necessários para a comprovação do infanticídio, serve também para distinguir a vida
intra-uterina da vida extra-uterina.
Há também a possibilidade da constatação da vida autônoma pelos médicos
legistas sem a necessidade dos exames docimáticos como nos mostra o acórdão 34
seguinte:
“Infanticídio.
Prova
pericial
de
vida
extra-uterina
autônoma.
Desnecessidade de exame docimatico, face à comprovação de vida biológica”.
Para Muakad 35 , há três fatores para a distinção de vida extra-uterina de vida
intra-uterina, sendo a cessação da circulação fetoplacentária, a substituição da
respiração placentária pela respiração pulmonar e a substituição da nutrição por via
placentária pela nutrição por meio da via gastrintestinal.
Visto essas diferenças, vemos que as modificações pulmonares ocorridas
assim que o feto é expulso da placenta, é a oportunidade então para que ocorra um
primeiro contato do feto com a vida fora da placenta, passando então a possuir
respiração própria ou seja autônoma, e ser tido como um recém-nascido.
Mas no mundo jurídico, em cima dessa respiração será feito todo um estudo
quanto ao pulmão, chamado como docimásias, sendo essa nada mais do que o
meio de prova judicial usado pelo médico legista, essas docimásias dividem-se em
docimásias respiratórias e não respiratórias.
França 36 define, “[...] as docimásias (do grego dokimos – eu provo) são
provas baseadas na possível respiração ou nos seus efeitos e por isso classificados
em docimásias pulmonares e extra-pulmonares.”
______________
34
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Recuso Crime n. 691043957. Primeira Câmara
Criminal. Relator: Eládio Luiz da Silva Lecey, Julgado em 30/10/1991.
35
MUAKAD, 2002, p. 126.
36
FRANÇA, 2004, p. 284.
30
A docimásia tida como respiratória ou pulmonar é aquela que demonstra a
penetração do ar nos pulmões e outras cavidades dos órgãos, já a docimásia nao
respiratória ou extra-pulmonar, são aquelas que não estão ligadas diretamente a
respiração mas com outras atividades fetais podendo ser a alimentar ou seja faz-se
a pesquisa para verificar se houve ingestão de algum alimento ou substância pelo
feto, ambas docimásias levam consigo uma série de processos e fases a serem
seguidas no meio da medicina legal, mas lembrando que esse tipo de prova só é
válido se for realizado dentro das 24 horas após a morte, pois caso contrário começa
a fase de putrefação do corpo com a possibilidade de surgimento de gases no
pulmão, podendo então induzir os médicos a um falso resultado quanto ao método
usado como prova. A possibilidade de erro nessas formas de investigação existe
pois o campo a ser estudado como meio de prova é muito difícil.
O legista deverá anexar ao laudo qual a docimásia utilizada como afirmativa de
que há a conclusão que a vítima nasceu com vida, pois caso este fator não for
comprovado ficará desprovida a perícia de comprovação da materialidade do crime.
2.3.2 Puerpério
Para que se possa entender melhor o que é o estado puerperal, nos é
indispensável explicar primeiramente o que é o puerpério, para podermos
distinguílos. Puerpério (vem de puer: criança; parere: parir). Trata-se, de um quadro
fisiológico, comum a todas as mulheres que dão a luz, com começo, meio e fim
determinados, é o que ensina Héligo Gomes 37 .
Gomes 38 dá uma explicação médico-legal mais afundo sobre o período do
puerpério:
Com o final do parto, ou seja, após a expulsão do feto e da placenta
(dequitação), tem início o puerpério, que se estende até a volta do
organismo materno às condições pré-gravídicas. Sua duração é de seis a
oito semanas. Temos, pois, puerpério imediato (até dez dias após o parto),
______________
37
GOMES, Hélio. Medicina legal. Atualizador: Higínio Hércules. 33. ed. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 2004. p. 499.
38
GOMES, 2004, p. 499.
31
tardio (que vai até os quarenta e cinco dias) e o puerpério remoto (de
quarenta e cinco dias em diante).
Ribeiro 39 caracteriza puerpério da seguinte forma:
“Puerpério” caracteriza-se pelo período pós-parto, tendo este a duração de
aproximadamente quarenta dias (de trinta a cinquenta dias) ou de seis a
oito semanas. É normal a todas as parturientes, podendo ou não influir no
sentido da mulher durante sua manifestação.
Conforme definições acima citadas, entendemos então ser o puerpério um
período comum a ser passado por todas as parturientes, no espaço de tempo em
que vai desde a expulsão da placenta até a volta do organismo materno às
condições pré-gravídicas. O tempo de duração varia conforme entendimentos dos
autores. Mas o que nos deixa claro aqui no atual trabalho é o entendimento de
puerpério não ser sinônimo de estado puerperal, ou seja há aqui distinções entre
ambos momentos, já que o estado puerperal não é comum em todas as mulheres.
2.3.3 Estado puerperal
Com base nos assuntos que tivemos estudando, quanto ao crime de
infanticídio, a sua evolução, como era tratado nos códigos penais anteriores ao de
1940, as conceituações de questões importantes como palavras de supra
necessidade na explicação e entendimento do crime de infanticídio em sí, chegamos
então a parte que falaremos do estado puerperal, pois o enfoque principal deste
trabalho é em cima desse momento próprio da parturiente.
Como vimos para que seja caracterizado o infanticídio, há alguns requisitos a
serem observados que são eles, se tratar de feto nascente ou de infante recémnascido, que tenha havido vida extra-uterina e o enfoque maior que é o fato de que a
morte seja causada pela mãe sob a influência do estado puerperal.
Chegando então na questão que é motivo de tantas discuções que é o estado
puerperal, primeiramente a fim de que possamos iniciar o raciocínio, vamos colocar
aqui a definição do estado puerperal vista sob a óptica de alguns doutrinadores.
______________
39
RIBEIRO, 2004, p. 62.
32
Muakad 40 nos conduz a idéia da caracterização do estado pueperal:
Alterações emocionais também poderão advir do fenômeno obstétrico.
Algumas são de pouco vulto; outras, no entanto, se intensificam pelo trauma
psicológico e pelas condições do processo fisiológico do parto solitário,
angústia, aflição, dores, sangramento e extenuação, cujo resultado traria um
estado confusional capaz de levar à prática do crime. Tal situação
caracterizaria o denominado estado puerperal, cuja comprovação tem
produzido, de há muito, ferrenhas discussões.
Para Almeida Júnior 41 , o estado puerperal é a perturbação psíquica em que a
mulher, mentalmente sã, mas abalada pela dor física do fenômeno obstétrico,
fatigada, enervada, sacudida pela emoção, vem a sofrer um colapso do senso moral,
uma liberação de impulsos maldosos, chegando por isso a matar o próprio filho.
Por sua vez, assevera Fragoso 42 :
O estado puerperal é um estado fisiológico normal, e sua definição não é
específica. Segundo alguns autores é o estado em que se acha a
parturiente durante a gestação, o parto e algum tempo após este. Outros
somente consideram estado puerperal o período que segue ao parto ou,
ainda, o que se inicia com o parto e termina com a involução clínica do útero
ou a menstruação. O estado puerperal pode ser considerado como um
conjunto de sintomas fisiológicos, que se inicia com o parto e permanece
algum tempo após o mesmo. Nosso CP vigente, adotando o critério
fisiológico, considera essencial, no crime de infanticídio, a perturbação
psíquica que o puerpério pode acarretar na parturiente. O estado puerperal
existe sempre, mas nem sempre ocasiona perturbações emocionais na
mulher, que possam levar à morte do próprio filho. O processo do parto,
com suas dores, a perda do sangue e o enorme esforço muscular, pode
determinar facilmente uma momentânea perturbação de consciência. É
esse estado que se torna a morte do próprio filho um homicídio privilegiado,
nas legislações que adotam o critério fisiológico. É claro que essa
perturbação pode ocorrer mais facilmente se tratar de mulher nervosa ou
angustiada, ou de filho ilegítimo.
Podemos notar que há um campo de entendimento muito grande no mundo
jurídico quanto a definição do que vem a ser estado puerperal, que entre tantas
definições distintas, nos chama atenção ao fato que o estado puerperal é um
momento em que a parturiente passa sob uma perturbação psicológica causada
pelo parto, momento este não observado obrigatoriamente em todas as parturientes,
mas que ocorre e necessita de uma comprovação pelo médico-legista para que seja
aceito o estado puerperal e se caracterize o delito então como infanticídio.
______________
40
MUAKAD, 2002, p. 146-147.
ALMEIDA JÚNIOR, A. Lições de medicina legal. 21. ed. São Paulo: Nacional, 1996. p. 382.
42
FRAGOSO, 1988, p. 84 apud MUAKAD, 2002, p. 150.
41
33
O estado puerperal não se presume, e para que a imputabilidade da parturiente
seja diminuída é importante que haja a comprovação da existência do mesmo. Será
verificado se este estado produziu na mulher algum abalo emocional, psíquico, que
fosse capaz de lhe diminuir a capacidade de entendimento ou auto-inibição.
Assim nos mostra a Revista dos Tribunais 43 uma explicação do que vem a ser
o estado puerperal.
Ocorre o infanticídio com a morte do recém-nascido causada logo após o
parto pela mãe, cuja consciência se acha obnubilada pelo estado puerperal,
que é estado clínico resultante de transtornos que se produzem no psíquico
da mulher em decorrência do nascimento do filho.
Cabe notar que além do exame pericial ser efetuado algum tempo após o
parto, é de grande dificuldade pelo médico legista oferecer os elementos precisos e
seguros para provar a negativa da existência do estado puerperal. Eis que nem
sempre o abalo psíquico resultante do parto, acarretará a parturiente a diminuição
da penalidade pela morte do filho.
Assim como afirma Muakad em sua obra sobre a relação de causalidade entre
o estado puerperal e o crime, eis que a Exposição de Motivos do Código Penal de
1940 ítem 40 deixa claro in verbis que:
[...] A influência do estado puerperal, como é óbvio, não quer significar que
o puerpério acarrete sempre uma perturbação psíquica: é preciso que fique
averiguado ter esta realmente sobrevindo em consequência daquele de
modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de auto-inibição da
parturiente. Fora daí, não há porque distinguir infanticídio de homicídio.
Ainda quando ocorra a honoris causa, a pena aplicável é de homicídio[...].
O despreparo da mãe gestante, a falta de alicerce, de amparo da família para
que a mãe prosiga a sua gestação de forma firme e confiante, é considerado um dos
grandes motivos que desencadeie na puérpera tomar tal atitude da prática do
infanticídio como solução para todos seus problemas, já que a gestação é o
momento em que a deixa frágil, se sentir incapaz, desmotivada e desamparada por
aqueles que a rodeiam, julgamos ser então de fundamental importância o amparo
familiar e até mesmo o tratamento pré-natal de forma adequada acompanhado pelo
médico.
______________
43
REVISTA DOS TRIBUNAIS, 1981, p. 348 apud Ribeiro, 2004, p. 67.
34
2.3.4 O estado puerperal sob a visão da medicina legal
Na doutrina da medicina legal a questão do infanticídio é tida como uma
ficção jurídica no sentido de justificar a benigdade de tratamento penal. Para a
maioria dos doutrinadores deste campo, a mulher que vem a cometer esse crime é
sempre portadora de uma gravidez ilegítima, mantida as escondidas, com o fim de
manter a integridade, dignidade e a honra perante a família, parentes, o meio social
onde vive, pois a pressão que está sujeita a receber desse meio e da própria familia
sobre a sua gravidez fere a sua honra, e com isso passa a pensar constantemente
em uma forma para se livrar do fruto da relação ilegítima, vindo então a praticar o
crime premeditadamente, tendo todo o cuidado de não levantar suspeitas e até
mesmo de esconder o filho morto.
Odon Ramos Maranhão 44 deduz que, “[...] o chamado estado puerperal
constitui uma situação ‘sui generis’, pois não se trata de uma alienação, nem de uma
semi-alienação. Mas, também não se pode dizer que seja uma situação normal.”
No entendimento de França 45 :
O infanticídio é crime verificado nas populações mais pobres e de menor
relevância social cuja gravidez ilegítima não impõe com tanta significação a
ocultação da desonra. Por isso, não se pode negar que, na maioria das
vezes, o motivo é sempre o egoísmo e a maldade.
Hélio Gomes 46 completa o entendimento da seguinte forma:
O que se observa, na prática, é que essa insanidade causada pelo ato de
parir não é observada nos partos assistidos, em mulheres que tiveram uma
gestação assumida e desejada, mesmo que ilegítima, ora, tal fato seria de
se esperar por se tratar de um fenômeno que, teoricamente, acomete
pessoas normais, em termos de saúde mental. O que se dá na realidade, é
a morte de recém-nascido em situações suspeitas, ocorrendo, na imensa
maioria dos casos, em virtude de problemas, os mais diversos, tais como
pobreza extrema, número excessivo de filhos, gravidez resultante de
estupro ou mesmo ilegítima e/ ou fortuita. Diante do fato indesejado, a
mulher quando não consegue abortar, no início, pratica, como último
recurso para sanar o problema, a morte do próprio filho.
______________
44
MARANHÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.
202.
45
FRANÇA, 2004, p. 281.
46
GOMES, 2004, p. 499.
35
Ao passo que vamos estudando mais a fundo a questão que envolve o
infanticídio nos deparamos sob a óptica de entendimentos de alguns doutrinadores
como no caso Hélio Gomes 47 sob a percepção de que as parturientes que cometem
esse tipo de crime, devem ser mulheres sem história pregressa de doenças mentais,
como esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva, ou desordens de cunho psíquico
como neuroses, personalidade psicopáticas, de modo geral elas devem ser
perfeitamente normais do ponto de vista psiquiátrico, pois caso o contrário
caracterizaria então o homicídio aplicando-se então ao caso o artigo 26 do Código
Penal vigente e seu parágrafo.
Para que haja a comprovação do estado puerperal, é necessário como já foi
dito, um estudo e análize suscinta por parte do médico-legista visto que a legislação
deixou a este a tarefa da prova como caracterização do infanticídio, constituindo
assim no âmbito da medicina legal um desafio muito grande entre os profissionais
até mesmo pelas dificuldades e complexidades de buscar os elementos necessários
para que se possa tipificar o crime.
Gomes 48 nesta linha de raciocínio sustenta:
A prova pericial, no que tange ao estado puerperal, é de extrema
dificuldade, uma vez que os exames da puérpera são realizados em época
mais ou menos tardia em relação ao crime, fato este que, por si só,
inviabiliza, ao perito, pronunciar-se com precisão sobre sua ocorrência e a
influência do mesmo na consumação do delito pela mulher mentalmente sã,
já que, como dissemos anteriormente, não ficam quaisquer vestígios, sendo
o quadro efêmero.
Como o legislador deixou a cargo do médico legista a comprovação de que a
parturiente se encotrava sob o estado puerperal quando veio a cometer o
infanticídio, este momento difícil é chamado pela perícia como crucis peritorum (a
cruz dos peritos) pois em meio a tanta dificuldade o estado puerperal é passageiro e
depois de ter passado este, é normal que não deixe sinais e como ocorre
geralmente sem presença de testemunhas, ou algo que facilite o trabalho pericial,
quando então a parturiente vem a ser submetida a perícia médica os vestígios do
distúrbio já desapareceram.
______________
47
48
GOMES, loc. cit.
GOMES, 2004, p. 499.
36
2.3.5 Objetividade jurídica e bem juridicamente protegido
Como nos ensina Magalhães Noronha 49 sobre a objetividade jurídica do
infanticídio:
É o interesse do indivíduo e do Estado na proteção da pessoa física, desde
o começo de seu nascimento. É a vida humana que se tutela, vida do
nascente (transição entre a vida endo-uterina e extra-uterina) e do neonato.
Não há diferença do objeto jurídico do homicídio.
Como vimos acima a explicação do nosso doutrinador, a objetividade jurídica
do crime de infanticídio é a preservação da vida humana, onde o nosso Código
Penal vigente ao definir o que vem a ser crimes contra a vida nos deixa como
entendimento a se proteger
e tutelar a vida humana, como um direito
personalíssimo e individual de cada um. Contudo observamos então que a lei
protege aqui a vida como um bem jurídico.
O direito à vida está inserido na nossa Carta Magna como princípio
fundamental no caput do artigo 5° da Constituição Federal de 1988, que in verbis
preconiza: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes [...]“.
Por sua vez Alexandre de Morais 50 afirma, “[...] o direito à vida é o mais
fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e
exercício de todos os demais direitos.”
Sob essa disposição encontramos na mesma carta sob o artigo 227 que
define in verbis:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminaçaõ,
exploração, violência, crueldade e opressão.
______________
49
50
NORONHA, 1995, p. 40.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 65.
37
Eusébio Gomes 51 assim preconiza a respeito da tutela do Estado:
[...] tem direito à vida em qualquer situação e por mais precária ou efêmera
que ela seja, devendo o Estado protegê-la e garanti-la contra todo e
qualquer abuso, razão pela qual não pode este dela dispor, cominando
pena de morte no ordenamento jurídico penal.
O Estado portanto impõe como imperativo jurídico que a vida seja respeitada,
essa de forma absoluta, pois por mais difícil que essa seja é um direito próprio do
ser humano e o Estado tem o dever de proteger e garantir á pessoa a proteção
constante.
Miguel Reale 52 também nos mostra um outro entendimento quanto ao bem
jurídico, “[...] quando o Estado determina a eliminação do bem supremo, que é a
vida, entra assim em desarmonia com a própria natureza do direito, pois destrói
aquele a quem a pena se destina”.
Entendemos então ser o bem juridicamente protegido a vida humana,
independente dela como for ou das condições do homem, sendo a vida um bem
fundamental dos direitos humanos e deve ser valorada e respeitada, além de ser um
direito garantido tutelado pelo Estado, que tem como obrigação dar todo um aparato
como forma de salvaguardar esse direito próprio de cada um, inclusive aqui a vida
do ser nascente ou recém-nascido.
______________
51
52
GOMES, Eusébio, 1939 apud Ribeiro, 2004, p. 42.
REALE, 1967 apud Ribeiro, 2004, p. 42-43.
38
CAPÍTULO 3 - CARACTERIZAÇÃO DO INFANTICÍDIO SOB O VIÉS DA
JURISPRUDÊNCIA
Quanto a conceituação legislativa do crime de infanticídio, variam os critérios a
serem adotados, sendo eles, o psíquico, fisiopsicológico. Ao passo que há correntes
que seguem o critério psicológico e há correntes que acreditam no critério
fisiopsicológico.
No que tange ao critério psíquico ou psicológico podemos dizer que é o
caracterizado quando o crime é cometido pela parturiente com o intuito de preservar
a própria honra tido como honoris causa.
Já o critério fisiopsicológico ou fisiopsíquico, não admite a honoris causa, mais
sim considera fator principal a influência do estado puerperal, como motivo principal
do ato praticado pela parturiente. Ressaltando aqui ser este critério adotado pelo
nosso Código Penal vigente.
3.1
Motivo de honra
Voltando aos ordenamentos jurídicos mais antigos, assim como foi estudado
no primeiro capítulo, em que o infanticídio antes mesmo de ser considerado um
crime, pela sociedade da época era permitido tal prática, assim como foi relatado o
exemplo no primeiro capítulo mais precisamente na velha Roma, em que o pai tinha
o direito de direcionar a vida do filho como quisesse, pois naquela época cultuava-se
muito o corpo, preocupavam-se com saúde, e vendo o pai seu filho não nascer com
toda a saúde e vigor podia dispor dele como pretende-se considerando a ele a vida
ou até mesmo podendo ela tirá-la.
Maggio 53 nos traz um outro exemplo, “[...] para se ter uma idéia, na cidade de
Esparta, em torno do ano 800 a.C., as crianças eram propriedade do Estado e
criadas para o serviço deste [...]”, isso pois para entendermos o quanto a vida de um
______________
53
MAGGIO, 2001, p. 47.
39
ser indefeso era na época exposta, onde o Estado pregava pela vida de uma criança
forte e saudável para que se tornace um soldado a fim de enfrentar as batalhas e a
suportar as mais dolorosas provas de sobrevivência.
Bem o infanticídio foi sendo levado adiante, sem punibilidade alguma aos pais
que o praticasem, mas num período entre o século V ao XVIII d.C., essa prática
pelos pais passa a ser incriminada, onde o pai ou a mãe que cometesse tal crime
passaria então a se submeter aos castigos da época que eram de grande
atrocidade, como a tortura, levando ate mesmo a morte.
No século XVIII mais precisamente, surge a figura dos filósofos, que iniciam o
movimento do Direito Natural, estes sob o argumento de que o crime de infanticídio
não se dava por perversidade mais sim pelos imperativos da honra que se procurava
na época salvar. Com isso Beccaria e Feuerbach foram pioneiros com base nesse
entendimento, a apresentar leis mais humanístas como forma de pena, e para que
se abolice a pena de morte praticada na época.
A partir daí, com o advento de novas idéias dos filósofos da época, o
infanticídio foi considerado como homicídio privilegiado pelos ordenamentos
jurídicos, desde que este crime fosse praticado por motivo de honra pela mãe ou
parente próximo da vítima.
Eis que então surge a figura da honoris causa, ou motivo de honra, que nada
mais é para nós do que a necessidade da parturiente de se livrar do filho por motivo
de desonra perante a família ou sociedade em que vive, pelo fato de ter contraído
muitas vezes uma gravidez ilegítima, ter sido vítima de sedução, adultério, estupro
ou incesto, onde a grande parte acaba não tendo uma gravidez assistida, causando
a mãe uma grande emoção e desenvolvendo uma infelicidade quanto a sua
gravidez, vindo então a cometer o crime.
A questão da honra, aqui estudada, era concedida então como privilégio à
mãe que agisse para ocultar a gravidez ilegítima e fora do matrimônio, para muitos
doutrinadores essa questão é a clássica do tratamento dado ao infanticídio, no
intuito de estabelecer uma diminuição quantitativa da pena, sem deixar de
mencionar que o critério psicológico adota o motivo de honra sexual como razão de
ser do infanticídio.
40
Muakad 54 , escreve a respeito do motivo de honra, dizendo que, quando os
estudiosos tocaram na figura do motivo de honra como critério este para tornar o
infanticídio uma figura autônoma em relação ao priviléigo diante do homicídio, eles
prenderam-se ao aspecto psicológico denominado então como sendo a honra
sexual, segundo Otávio Leitão da Silveira 55 a honra, “ [...] consiste na opinião que a
generalidade da população profesa acerca dos requisitos que qualificam uma
pessoa como moralmente incensurável sob o aspecto sexual [...]”.
Com base nesse benefício estendido ao agente do crime, podemos ressaltar
que para que lhe seja dado, deve seguir o critério do motivo de honra, e não por
outra razão aleatória como por exemplo o repúdio de uma criança por saber que
esta não será sadia, ou adquire alguma doença, por não possuir a família condições
para a criação e sustento da criança, com base nesses exemplos a mãe não se
enquadrará na questão do motivo de honra como fator prepulsor que levou ela a
cometer o crime mais sim o agente aqui responderá pelo crime de homicídio e não
infanticídio.
Vejamos então asseguir o entendimento de um doutrinador quanto ao motivo
de honra como circunstância elementar constitutiva e integrante da figura típica do
infanticídio.
Para Damásio de Jesus 56 :
A base do privilégio honoris causa é de natureza psicológica e restritiva.
Dentro dos motivos que podem concorrer para a prática do fato criminoso, o
único que tem força de transformá-lo em delictum exceptum é o de ocultar a
desonra. A honra de que se cuida é a de natureza sexual, a boa fama e a
reputação de que goza a agente pela sua conduta de decência e bons
costumes. Se desonesta ou de desonra conhecida, não lhe cabe a
alegação da preservação da honra. Por outro lado, se se trata de outro
motivo que não a defesa da honra, como, por exemplo, o de extrema
miséria, o excesso de prole, receio de um filho doentio, o fato constituirá
homicídio.
O motivo de honra como fundamento não se encontra escrito na lei penal
vigente, mas é um dos principais motivos que sustentam a incriminação autônoma
do infanticídio, como relata Nélson Hungria 57 :
______________
54
MUAKAD, 2002, p. 143.
SILVEIRA, 1968, P. 107 apud Muakad, 2002, p. 143.
56
JESUS, Damásio Evangelista de. Infanticídio e concurso de agentes em face do Novo Código
Penal. Julgados do tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. 1970. v. 13, p. 25-56.
55
41
Deve notar-se, porém, que, com a omissão de referência à causa honoris, o
Código não inibe que se leve em conta, quando realmente exista, esse
antecedente psicológico. O motivo de honra pode contribuir, de par com a
morbidez fisiológica do parto, para o estado de excitação e angústia que
diminuem a responsabilidade da parturiente.
Podemos dizer através dos textos legais disponíveis, que até o advento no
nosso Código Penal de 1940, o motivo de honra relacionado com a gravidez
ilegítima e ligado ao critério psicológico foi tido como o adotado pela legislação.
Esse critério psicológico como caracterização do motivo de preservação da
honra, foi deixado de lado e recebeu uma inovação inspirado pelo texto Suíço de
1916, Virgílio de Sá Pereira em seu Anteprojeto de Código Penal em 1927,
apresentou então a conveniência de substituir o clássico critério psicológico vigente
pelo de natureza fisiopsicológica ligada ao estado puerperal. Com o projeto de
Alcântara Machado essa idéia de Sá Pereira ficou um pouco de lado mas com o
surgimento da comissão revisora, na elaboração e composição então do Código
Penal de 1940, decidiu-se então por adquirir essa inovação de utilizar o critério
fisiopsicológico.
A doutrina não é pacífica quanto ao adotar o critério psicológico ou fisiológico,
existem duas correntes que se opõem, onde há até mesmo divergências
jurisprudenciais não sendo unânime no que diz respeito a qual corrente a ser
seguida, assunto que ainda será objeto de consideração.
3.2
Influência do estado puerperal
Com o decorrer dos anos, a sociedade foi evoluindo procurando meios
adequados para uma maior compreenção, e no que tange ao Código Penal e ao
infanticídio que é um assunto polêmico os doutrinadores passaram então a
estabelecer um critério diverso do psicológico ligado ao motivo de honra, com a
intenção de conseguir um critério que sanace as lacunas dos sistema anterior e o
critério o qual era utilizado, onde pelo critério clássico a circunstância elementar do
______________
57
HUNGRIA, 1979, p. 254-255.
42
motivo de honra só adequava-se em caso de gravidez ilegítima, fora do casamento
ou de mãe solteira.
Em cima desse motivo os doutrinadores procurando obter um sistema mais
equânime, passaram então a adotar o critério fisiopsicológico, baseado então em
distúrbios mentais que sofre a parturiente em razão de pertubações derivadas então
do tido estado puerperal.
Se num primeiro momento a corrente clássica do critério psicológico estava
ligada a pertubações psíquicas decorrentes da índole da infanticída, sentindo-se
esta desonrosa vem então a prática do crime,
já num segundo momento aqui
apresentado, o que é levado em conta não é o simples fato da honra mas sim como
cita Ribeiro 58 , “ [...] leva-se em conta um particular estado de pertubação psíquica da
mãe, determinado por fatores psicológicos em decorrência do puerpério [...]”.
Quanto a esse critério, Nélson Hunrgria 59 reporta-se da seguinte maneira:
O critério fisiopsicológico ao contrário do puramente psicológico, não
distingue entre gravidez ilegítima ou legítima, abstraindo, portanto, ou pelo
menos relegando para terreno secundário, a causa honoris: somente tem
em conta a particular perturbação fisiopsíquica decorrente do parto. Ao
invés do impetus pudoris, o impetus doloris.
Há divergências no que diz respeito à conceituação e principalmente a
duração desse estado entre doutrinadores, Nério Rojas 60 , salienta que:
Uns chamam estado puerperal à gravidez, ao parto e ao puerpério que o
segue; outros somente a este último; outros consideram que esse estado
puerperal dura o tempo da involução clínica do útero; alguns o relacionam à
involução histológica desse órgão, que pode durar até dois meses.
Irene Batista Muakad 61 , nos fala, “[...] autores clássicos do campo médicolegal consideram que esse transtorno dura alguns minutos ou mais, nunca
ultrapassando 48 horas.”, no campo jurídico não há um período adotado como
unânime entre os doutrinadores, fica então designado à medicina legal precisamente
ao médico-legista comprovar se houve ou não a influência do estado puerperal
através de exames feitos na infanticida.
______________
58
RIIBEIRO, 2004, p. 69.
HUNGRIA, 1979, p. 244.
60
ROJAS, 1936, p. 351 apud NORONHA, 1995, p. 41.
61
MUAKAD, 2002, p. 147.
59
43
Relembrando aqui ser de muita dificuldade o exame e a busca de provas, pois
esse estado não deixa seqüelas e após algum tempo regridem, dificultando ainda
mais a busca de elementos para a comprovação pelo médico-legista.
Assim como nos mostra a Revista dos Tribunais 62 :
Infanticídio. Exclusão da hipótese de homicídio doloso. Estado puerperal
reconhecido, embora não constatado pela perícia, por se tornar conhecido o
fato muito tempo depois. Pronúncia mantida. Inteligência do art. 123 do
Código Penal. O fato de não ter sido constatado pelo exame pericial, por ter
sido o crime conhecido muito tempo depois, não impede o reconhecimento
do estado puerperal, que deve receber uma interpretação suficientemente
ampla, de modo a abranger o variável período puerperal, que não é
privativo da primípara.
Ao retornarmos a questão específica do estado psicológico que envolve a
parturiente e mais precisamente a influência do estado puerperal, citamos então o
entendimento conceitual de Ribeiro 63 :
O estado puerperal é uma forma fugaz e transitória de alienação mental, é
um estado psíquico patológico que, durante o parto, leva a gestante à
prática de condutas furiosas e incontroláveis, mas, após o puerpério, a
saúde mental reaparece.
Quanto a essa posição Krafft Ebing 64 em apoio cita:
Durante o período do puerpério, a mulher passa por profunda irritação
provocada pelos tremores convulsivos, as dores e os suores, a emoção e a
fadiga do fenômeno obstétrico. Essas circunstâncias determinan-lhe um
colapso do senso moral, uma desordem mental e uma superexcitação
frenética, que a privam da sua capacidade de querer e entender, nada
recordando após o fato a respeito da sua conduta.
Há que se falar na discordância de doutrinários, entre várias vertentes, no que
tange ao infanticídio e mais precisamente quando se fala no estado puerperal. Essas
discordâncias não são apenas quanto ao conceito, mas também a existência e sua
duração.
Podemos notar a falta de unanimidade de entendimentos doutrinários do que
venha a ser o estado puerperal, e encima desta lacuna procuraremos buscar
entendimentos um pouco mais uniformes tidos como maioria, para que possamos
adquirir uma compreensão mais precisa do assunto em questão.
______________
62
REVISTA DOS TRIBUNAIS, 1980, p. 318 apud Ribeiro, 2004, p. 68.
RIBEIRO, 2004, p. 71.
64
KRAFFT, 1889, p. 746 apud Ribeiro, 2004, p. 71.
63
44
Maggio 65 assegura em seu entendimento que:
É pacífico o entendimento de que a influência do estado puerperal há
simplesmente de diminuir ou reduzir a capacidade de compreensão,
discernimento e resistência da parturiente. Havendo, então, relativa
incapacidade de autodeterminação em decorrência do estado puerperal da
mãe e, a morte do filho nascente ou neonato, estará configurado o crime de
infanticídio.
É-nos interessante mencionar o fato de que algum tempo após o parto, é
possível a ocorrência de alguns distúrbios psicológicos na mulher causado pelo
estado puerperal como nos menciona Maggio 66 :
Ocorre que, ás vezes, dias após o parto, é possível que o estado puerperal
cause na mulher uma perturbação psicológica de natureza patológica, a
chamada psicose puerperal, que geralmente está associada a uma doença
mental preexistente que acaba por anular a capacidade de compreensão e
discernimento da parturiente. Neste caso, o que se tem é a
inimputabilidade, ou seja, a inexistência de crime (ou de imposição de pena)
por falta de agente culpável.
Ribeiro 67 , por sua vez:
Com a expulsão da placenta, inicia-se a fase denominada post-partum ou
puerpério, que tem a duração de aproximadamente quarenta dias (seis a
oito semanas). Nessa fase – o puerpério – a mulher passa, em regra, por
volta do terceiro dia após o parto, por uma depressão física e psíquica, que,
dentro de uma normalidade, caracteriza-se por uma ligeira confusão por
parte da mulher com relação ao seu corpo (com nova forma após nove
meses). Psicologicamente, a mãe confunde-se com relação à sua troca de
papéis, de gestante para o de mãe. São causas desta depressão não só os
fatores citados, como também as alterações hormonais, metabólicas,
orgânicas em geral, pelas quais passa a mãe. Essa depressão, com o
devido acompanhamento médico e familiar da recém mãe e de seu marido,
cessa em alguns dias. Ressalta, porém, esta devida retaguarda afetiva,
unida à disposição individual da parturiente à criança.
Quanto a esses distúrbios Nélson Hungria 68 posiciona-se:
Há as psicoses que costumam sobrevir após o parto, chamadas puerperais.
Trata-se, geralmente, de confusões alucinatórias agudas, de ofuscamentos
da consciência, manias transitórias, amências, delírios. Modernamente, os
psiquiatras afirmam que não existem psicoses puerperais específicas.
Surgem elas no terreno lavrado pela tara psíquica que se agrava pelos
processos metabólicos do estado puerperal ou são uma species do genus
“psicoses sintomáticas”, isto é, transtornos psíquicos que se apresentam no
curso de enfermidades gerais internas, de infecções agudas, de
intoxicações, etc., e cujas lesões não têm uma localização cerebral. Tais
psicoses manifestam-se, de regra, vários dias após o parto, e nada têm a
ver com elas, portanto, o art. 123, deixando a ocisão do infante de ser
______________
65
MAGGIO, 2002, p. 52.
Ibid., p. 53.
67
RIBEIRO, 2004, p. 72-73.
68
HUNGRIA, 1979, p. 256-257.
66
45
infanticídio para constituir, objetivamente, o crime de homicídio, mas
devendo a acusada ser tratada segundo a norma geral sobre a
responsabilidade ou capacidade de direito penal (art.22).
Todavia, há que se ponderar que nesses casos não se aplica então o artigo
123 do Código Penal, mas sim o artigo 26 ou seu parágrafo único, conforme o caso,
assim como afirma Nélson Hungria acima em citação, já que o artigo 22 referido por
ele, hoje se equipara ao artigo 26 do atual Código Penal vigente.
Ao passo que há estados psicopáticos que podem aflorar durante o parto, no
momento do parto ou sobrevir após o parto, Ribeiro 69 afirma ser essas psicopatias
doenças já presentes nas parturientes, que são desencadeadas com o choque
obstétrico do parto. Muakad 70 por sua vez afirma que essas hipóteses não
caracterizam o estado puerperal e por força do artigo 26 do Código Penal
configuram a inimputabilidade criminal.
Seguindo a linha desse raciocínio Noronha 71 nos reporta uma diferenciação
de suma importância para melhor compreensão dessa caracterização do estado
puerperal que diz o seguinte:
Em suma, parece-nos que quatro hipóteses podem ocorrer: a) o puerpério
nenhuma alteração produz a mulher; b) acarreta-lhe perturbações que são a
causa do exício do filho; c) provoca-lhe doença mental (art. 26); d) produzlhe causas de semi-imputabilidade (parágrafo único). Na primeira, haverá
homicídio; na segunda, infanticídio; na terceira, a infanticida é isenta de
pena; na última, terá atenuada a imputabilidade.
Sob esse mesmo entendimento verificamos o pensamento dado por Ribeiro 72 :
O indigitado estado puerperal pode apresentar quatro hipóteses, a saber: a)
o puerpério não produz nenhuma alteração na mulher; b) acarretam-lhe
perturbações psicossomáticas que são a causa da violência contra o próprio
filho; c) provoca-lhe doença mental; d) produz-lhe perturbações da saúde
mental diminuindo-lhe a capacidade de entendimento ou de determinação.
Na primeira hipótese, haverá homicídio; na segunda, infanticídio; na
terceira, a parturiente é isenta de pena em razão de sua inimputabilidade
(art. 26, caput, CP); na quarta, terá uma redução de pena, em razão de sua
semi-imputabilidade.
O mesmo afirma Noronha 73 , “[...] não serão infanticidas, mas homicidas, cuja
imputabilidade não se pode deixar de fazer à luz do art. 26 do Código”.
______________
69
RIBEIRO, 2004, p. 77.
MUAKAD, 2002, p. 160.
71
NORONHA, 1995, p. 42-43.
72
RIBEIRO, 2004, p. 93.
70
46
E completando essa questão das hipóteses de caracterização do infanticídio
trazemos aqui uma outra explicação de Ribeiro 74 no que diz respeito à influência do
estado puerperal:
Convém destacar que a influência do estado puerperal, como elemento
normativo do tipo, deve conjugar-se como outro elemento normativo, este
de natureza temporal, qual seja, durante o parto ou logo após. A presença
de qualquer desses dois elementos, isoladamente, é insuficiente para
tipificar o delictum exceptum.
Sob o aspecto da caracterização do infanticídio quanto à influência do estado
puerperal citamos um acórdão 75 :
Infanticídio. Pronúncia. Recurso em sentido estrito. A morte do próprio filho
pela própria mãe, logo após o parto e ainda sob influência do estado
puerperal que lhe determina perturbação da saúde mental, como constatado
pericialmente, caracteriza, em tese, o crime definido no art. 123 do Código
Penal e não homicídio qualificado por asfixia. Pronúncia confirmada.
Recurso em sentido estrito ministerial não acolhido.
Por ocorrência desses possíveis distúrbios percebemos então que é de suma
importância a rapidez no que diz respeito aos exames da puérpera, e principalmente
a eficácia do laudo técnico, basicamente a proximidade destes com a ocorrência do
delito. Já que como foi observado no capítulo anterior do presente trabalho o que
ocorre normalmente é a dificuldade nas perícias, já que as seqüelas das psicoses e
surtos não são cerebrais e desaparecem com muita rapidez.
Não poderíamos deixar de mencionar o que nos ensina Hélio Gomes 76 sobre
tal fator:
[...] o exame mental pode ser necessário nos de psicose puerperais ou de
estados psicopáticos agravados pela gestação, o parto e o puerpério [...]
Além disso, o perito terá de julgar da influência que o estado puerperal
possa ter desempenhado na produção do delito, o que será muito difícil,
pois o exame se realizará, quase sempre, bastante tempo depois do crime,
quando nenhum elemento semiótico existirá mais.
Uma questão marcante é a do termo logo após o parto no que diz respeito à
duração do termo que se encontra presente no artigo 123 do Código Penal. Ribeiro 77
______________
73
NORONHA, 1995, p. 42.
RIBEIRO, op. cit., p. 93.
75
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Recuso em sentido estrito, n. 70021939301. Terceira
Câmara Criminal. Relator: Giacomuzzi, Julgado em 19/12/2007.
76
GOMES, 2004, p. 499-500.
77
RIBEIRO, 2004, p. 77.
74
47
nos coloca seu entendimento de que esta duração tem no máximo ou
aproximadamente dois meses, ou seja, seis a oito semanas.
Hungria 78 destaca ao abordar o tema:
A expressão “logo após o parto” não deve ser entendida isoladamente, mas
subordinada à frase anterior do art. 123 – “sob a influência do estado
puerperal”. Não lhe pode ser dada uma interpretação judaica, mas
suficientemente ampla, de modo a abranger o variável período do choque
puerperal.
E. Magalhães Noronha 79 ainda sobre a questão da duração do logo após o
parto nos traz suas considerações seguintes, “a lei não fixou prazo, como outrora
alguns Códigos faziam, porém não se lhe pode dar uma interpretação mesquinha,
mas ampla, de modo que abranja o variável período do choque puerperal”.
Nélson Hungria 80 por sua vez complementa com o seguinte entendimento:
O que se faz essencial, porém, do ponto de vista jurídico-penal, é que a
parturiente ainda não tenha entrado na fase de bonança e quietação, isto é,
no período em que já se afirma predominante e exclusivista, o instinto
maternal. Trata-se de uma circunstância de fato a ser averiguada pelos
peritos-médicos e mediante prova indireta.
É inegável a existência de variadas concepções doutrinárias quanto ao
significado do “logo após o parto”, para Muakad o “logo após o parto” significa
alguns minutos após o parto ou mais nunca ultrapassando 48 horas. Heleno Cláudio
Fragoso diz significar logo em seguida, imediatamente após não havendo intervalo.
Bento de Faria afirma ser o prazo de oito dias, momento em que ocorre a queda do
cordão umbilical. A. J. da Costa e Silva sustenta que a expressão "logo após" quer
significar "enquanto perdura o estado emocional".
A. F. de Almeida Júnior, que, de início, se referia a um prazo preciso de até
sete dias após o parto, passou a admitir que se deva deixar a interpretação a critério
do julgador. Flamínio Fávero também entende que a definição compete ao julgador.
Por seu turno, Damásio Evangelista de Jesus estende o lapso temporal até
enquanto perdurar a influência do chamado estado puerperal.
______________
78
HUNGRIA, 1979, p. 264.
NORONHA, 1995, p. 44.
80
HUNGRIA, op. cit., p. 265.
79
48
No caso concreto o que será verificado aqui pelo juiz será de um lado os
dados objetivos da contagem do tempo como a questão “logo após o parto”, de outro
lado, os elementos subjetivos da autora, de ordem psicológica, fisiológica e social,
para que ele possa decidir se o crime foi realmente cometido sob a influência do
anunciado estado puerperal, durante o parto ou logo após este.
3.3
Análise das correntes psicológica e fisiopsicológica
3.3.1 Corrente psicológica
A corrente psicológica apóia-se no privilégio do motivo de honra, este
respaldado pelos doutrinadores como fatores que
visam ocultar a gravidez
clandestina, ou seja eles levam o conceito da honra como a prenhez ilegítima, fator
tido este como motivo de resguardar a honra como um aspecto sexual.
Segundo Antolisei 81 :
Honra é o complexo de condições ou conjunto de dotes morais (como a
honestidade e a lealdade), intelectuais (como a inteligência e a cultura) e
físicos (como a sanidade mental e a força física) que concorrem para
determinar o valor social que cada indivíduo possui perante si e diante dos
indivíduos que o circundam.
Sob o aspecto do que vem a ser o motivo de honra que leva a mãe infanticida
a cometer tal crime, E. Magalhães Noronha 82 conceitua, “ [...] isto é, na gravidez fora
do matrimônio – a solteira, a viúva ou a casada com esposo de impotência
generandi – quando é imperioso ocultar o fruto da concepção, o que faz a mulher
viver estado de angústia e tormento moral”.
Quanto ao aspecto da honra sexual que a infanticida procura salvaguardar
como insinua a corrente psicológica cujos doutrinadores respaldam ser fatores que
englobam a índole da pessoa, como fidelidade, lealdade, cultura, e que pelo fato de
sofrer uma gravidez inesperada e não programada esta vem a sofrer perturbações e
______________
81
82
ANTOLISEI, 1966, p. 135 apud Muakad, 2002, p. 142.
NORONHA, 1995, p. 40.
49
que em conjunto com as dores do parto podem levá-la então a cometer o crime,
Otávio Leitão da Silveira 83 , entende ser a honra sexual, “ [...] na opinião que a
generalidade da população professa acerca dos requisitos que qualificam uma
pessoa como moralmente incensurável sob o aspecto sexual”.
Dessa forma, a mãe causa a ocisão do feto com o objetivo de ocultar a
gravidez ilegítima, com o intuito de proteger a sua reputação perante a sociedade,
para evitar que a sua desonra sexual venha ao conhecimento daqueles que
frequentam o mesmo meio social desta. Mas o que essa corrente entende é que
esse é o único motivo pelo qual a mãe possa obter o benefício do infanticídio, não
cabendo nenhum outro motivo então, nem mesmo a existência de doença grave que
vem ao conhecimento da mãe ou a alegação de não ter possibilidade de sustentar a
criança.
Damásio de Jesus 84 , descreve o motivo de honra como:
A base do privilégio honoris causa é de natureza psicológica e restritiva.
Dentro dos motivos que podem concorrer para a prática do fato criminoso, o
único que tem força de transformá-lo em delictum exceptum é o de ocultara
desonra. A honra de que se cuida é a de natureza sexual, a boa fama e a
reputação de que goza a agente pela sua conduta de decência e bons
costumes. Se desonesta ou de desonra conhecida, não lhe cabe a alegação
da preservação da honra. Por outro lado, se trata de outro motivo que não a
defesa da honra, como, por exemplo, o de estrema miséria, o excesso de
prole, receio de um filho doentio, o fato constituirá homicídio.
Após analizarmos os entendimentos doutrinários quanto a explicação do
motivo de honra, acreditamos que há um contra-senso no entendimento dessa
corrente, ora afirmar agir a mãe com motivo de se resguardar de uma reprovação
social, por motivos de uma honra sexual, mas esquecendo-se que a honra esta em
questão já foi perdida, e o que deveria ser protegido como um bem maior é a vida
de um ser indefeso e desprotegido de tamanha brutalidade.
É-nos interessante destacar o que França 85 acentua em sua obra:
O Estado moderno fundamenta-se no critério de defesa incondicional da
vida humana como o maior bem social e seria inconcebível sobrelevar o
estado subjetivo da honra ao indiscutível caráter objetivo da existência
humana. O instinto de maternidade e a proteção de uma vida desprotegida,
______________
83
SILVEIRA, 1968, p. 107apud Muakad, 2002, p. 143.
JESUS, 1970, p. 25-56 apud Ribeiro, 2004, p. 49.
85
FRANÇA, 2004, p. 281.
84
50
carente e destituída de maldade, falam mais alto que a maior e a mais
intocável das honras.
Nesse sentido Maggio 86 acrescenta:
Em primeiro lugar, se a honra é um conjunto de atributos físicos, morais e
intelectuais que acabam por conferir à pessoa respeitabilidade social e
estima própria, como pode o legislador eleger o motivo de honra como
elementar do crime, pois, ao matar o filho durante ou logo após o parto, a
mãe estaria simplesmente tentando salvar aquilo que já foi perdido, ou seja,
a sua desonra.
Giuseppe Maggiore 87 , faz uma intereçante crítica ao infanticídio montado com
base no motivo de honra, “ [...] existe algo mais forte que a honra, que é o instinto da
maternidade, o afeto – obrigatório – à própria criatura. Quem vence este instinto e
passa por cima desse dever, é um ser que já perdeu o sentido humanitário”.
Não acreditamos que o fato de tentar esconder ou disfarçar a sua condição de
gestante e mãe, justifique a ocisão da criança pela infanticida com o pensamento de
que estaria então eliminando a única prova que poderia atingir a sua honra.
Ressaltando aqui que o dever supremo da norma penal é de tutelar o bem jurídico
maior, qual seja a vida do ser indefeso, frágil e desprotegido.
A corrente psicológica que se move com o critério do motivo de honra como
privilégio, sofreu grandiosas críticas por parte dos estudiosos, que já vinha se
desencadeando e se desgastando ao longo do tempo. No entanto com o advento do
século XX, os doutrinadores procuraram estabelecer um outro fundamento para
estabelecer a atenuação da pena nos casos de infanticídio, visto que o motivo de
honra estava ligado exclusivamente à gravidez ilegítima, entrando em contradição
constantemente com a própria norma jurídica, além de ser motivo de muita
discordância no meio doutrinário, surgindo então o critério fisiopsicológico.
______________
86
87
MAGGIO, 2001, p. 57.
MAGGIORE, 1972, p. 308 apud MAGGIO, 2001, p. 57.
51
3.3.2 Corrente fisiopsicológica
Com o novo critério, a corrente fisiopsicológica apóia-se numa visão mais
aberta com o intuito de ampliar o privilégio de modo a atender as parturientes que
sofressem distúrbios em razão das perturbações derivadas do parto, conhecido
como o estado puerperal, concluindo então que o benefício não estaria mais
relacionado com o conceito de honra e prenhez ilegítima alavancado pela corrente
psicológica.
O nosso doutrinador Alfredo Farhat 88 , primeiramente reconhecia a relevância
da honoris causa na formação do tipo “infanticídio”, porém passa a criticá-la
posteriormente sob uma nova visão mais aberta em face dos novos tempos:
É nossa convicção que o estado puerperal e a honoris causa, sendo estas
circunstâncias bem apreciadas, dentro de uma relativa excepcionalidade e
sem o caráter de regra geral, devem ser levados em conta para os
abrandamentos da pena; o que, embora nos conformemos com a corrente
vencedora, custa-nos aceitar é alguma exclusividade que assente em
qualquer desses motivos [...]. [...] Há um sentimento egoístico e há uma
dose da sociedade, da opinião dos homens, nessa honoris causa que se
coigita [...]. [...] A causa de honra, única derivativa para a perversidade que
o delito revela, é bastante vulnerável e está sujeita a largas discussões.
Esta segunda corrente nega a existência do motivo de honra, principalmente
pela inexistência da expressão no texto legal, com o princípio de que a corrente
fisiopsicológica apóia-se no critério do estado puerperal este previsto na lei vigente,
um outro motivo seria o de constituir um ato de incompatibilidade do seu conceito
com os tempos atuais.
Nélson Hungria 89 afirma que:
É de acentuar-se que, pelo menos no Brasil, o infanticídio é, via de regra,
um crime das mulheres das camadas inferiores da sociedade, entre as
quais, pela sua própria frequência, a gravidez ilegítima não importa a
necessitas cogens da ocultação da desonra. Os equívocos judiciários,
facilmente ensejados pelo regime do Código de 90, já não poderão, pelo
sistema do Código atual, reconhecer o motivo de honra até em casos de
cruel egoísmo ou pura malvadez.
______________
88
89
FARHAT, 1970, p. 152 apud Ribeiro, 2004, p. 55.
HUNGRIA, 1979, p. 253-254.
52
Sob esse aspecto França 90 se manifesta:
O infanticídio é crime verificado nas populações mais pobres e de menor
relevância social cuja gravidez ilegítima não impõe com tanta significação a
ocultação da desonra. Por isso, não se pode negar que, na maioria das
vezes, o motivo é sempre o egoísmo e a maldade.
Por mais que fique constatado o ato praticado por mães de baixo nível social,
com poucos recurssos e instruções, é causa de grande indignação aceitar que uma
gravidez pode ser imoral, e venha a ferir a honra da parturiente, ora não vemos aqui
que a solução da prática do infanticídio vá restituir a honra de alguém, a sociedade
pode até olhar uma mãe solteria com um certo repúdio mas isso não é fator
relevante para que ela venha a cometer tamanha crueldade, sem falar que a nossa
sociedade vem caminhando á uma revolução de conceitos e costumes e aceitando
esse motivo de honra como o fator principal levado pela infanticída à prática do
crime, seria cometer um retrocesso em tudo que já foi conquistado até hoje.
A corrente que tem como fator primordial o estado puerperal baseia-se então
em fatores que levam a parturiente à ocisão do ser, por questões que lhe causam
distúrbios fisiológicos e psicológicos, advindos das dores do parto, angústias,
apreensão, perturbações, e falta de discernimento mental, ao passo que são motivos
que se desembocam do próprio organismo da parturiente que se encontra sob a
influência do estado puerperal, sendo necessário então o exame de fatos que a
levaram a cometer o crime e também da manifestação de distúrbios advindos do
estado puerperal.
3.3.3 A posição jurisprudencial
fisiopsicológica
quanto
as
correntes
psicológica
e
A Jurisprudência vacilante, ora opta por uma corrente ora opta por outra, mas
posiciona-se no sentido de que o que dever ser analisado são as circunstâncias que
levaram a mãe a cometer o delito, seja o estado psicológico ou fisiopsicológico, o
meio onde vive, se a família a recepcionou, se teve uma gravidez assistida, possuía
______________
90
FRANÇA, 2004, p. 281.
53
problemas anteriores de questões psicológicas, enfim o que realmente motivou a
infanticida ao crime.
No Recurso Crime n° 683.0009.237, proferiu a Segunda Câmara Criminal do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul o seguinte acórdão 91 :
Infanticídio: Julgamento da Competência do Tribunal do Júri. O infanticídio
tem semelhança, quanto ao seu efeito, com o homicídio, recebendo, porém,
especial abrandamento de apenação, por razões fisiopsicológicas, eis que
se trata de ação praticada sob a influência do estado puerperal. A pronúncia
apenas profere um juízo de admissibilidade da acusação. O juízo da causa
será proferido pelo Tribunal do Júri. Improvimento do Recurso.
No seio dessa decisão, o entendimento é de que o delito de infanticídio é
considerado um delictum exceptum pelo fato da influência do estado puerperal, que
provoca perturbações fisiopsíquicas na parturiente durante o parto ou logo após, em
razão das dores, esforço, e perda de sangue, atenuando a sua imputabilidade. No
caso se o puerpério não causasse nenhuma perturbação psicológica, então a ré
responderia pelo crime de homicídio.
Júri. Nulidade. Decisão contrária à prova dos autos. Infanticídio.
Materialidade e autoria do delito devidamente comprovado. Estado
puerperal também. Absolvição, portanto, insubsistente. Novo julgamento
ordenado. Apelação provida. Inteligência do art. 123 do CP de 1940. 92
De acordo com o julgado acima citado, a ré ocultou prenhez da família, dando
a luz a uma criança no banheiro de casa, deixando-a cair sobre o vaso sanitário,
provocando então na criança traumatismo crânio-encefálico, posteriormente cortou o
cordão umbilical sem laquear, deixando então a criança se encher de sangue,
assistindo a mãe aos últimos suspiros da criança sem prestar-lhe socorro algum e
nem mesmo pediu a alguém ajuda, já que havia pessoas em sua residência.
“Só se admite e compreende o infanticídio como delictum exceptum, punido
diversamente do homicídio comum e com a pena mitigada, quando há motivo de
honra e a vítima é o recém-nascido.“ 93
______________
91
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Recurso Crime n. 683009237. Segunda Câmara
Criminal, Turmas Recursais. Relator: Donato João Sehnem, Julgado em 14/04/1983.
92
REVISTA DOS TRIBUNAIS, n. 598, 1985, p. 338 apud Ribeiro, 2004, p. 69.
93
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Publicação Oficial. Revista dos Tribunais, v. 73, n. 581,
mar. 1984. p. 291.
54
Uma outra explicação nos traz a Revista de Jurisprudência do Tribunal de
Justiça de São Paulo 94 que em seu bojo há um importante esclarecimento quanto as
correntes a serem seguidas:
O infanticídio é, inegavelmente e antes de tudo, um delito social, praticado,
na quase totalidade dos casos por mães solteiras ou mulheres
abandonadas pelo marido ou pelo amásio. Por isso mesmo, o conceito
fisiopsicológico do infanticídio – sob a influência do estado puerperal –
introduzido no nosso Código Penal para eliminar de todo o antigo conceito
psicológico – a causa da honra – vai, aos poucos, perdendo sua
significação primitiva e se confundindo com este, por força de reiteradas
decisões judiciais.
Essa jurisprudência nos deixa claro que com a evolução do direito, podemos
perceber que nos próprios julgados mais antigos é observado prevalecer o motivo de
honra sob o critério psicológico, e com o advento do novo Código Penal opta-se pela
corrente fisiopsicológica, mas com as transformações da sociedade em si, tanto o
critério psicológico quanto o fisiopsicológico vão se agrupando e tornando-se uma
corrente só, onde a previsão do que possa acontecer é se reconheça a existência do
estado puerperal aliado ao motivo de honra com relação a questões sociais da
infanticida para que se possa tipificar o infanticídio, eis que já vem acontecendo no
nosso ordenamento jurídico mais a tendência é cada vez maior de que haja essa
mistura entre as correntes nos julgados.
Sob esse aspecto podemos citar uma outra jurisprudência que reconhece a
existência tanto do estado puerperal quanto do motivo de honra, Ribeiro 95
demonstra essa decisão do Tribunal de Santa Catarina vejamos: “Infanticídio.
Acusada que, logo após o parto, mata o fruto de relação ilegítima. Hipótese de
homicídio qualificado afastada. Reconhecimento do estado puerperal, presente a
causa da honra.”
No caso acima citado, como nos exemplifica Ribeiro 96 , a mãe esperava um
filho do pai que a abandonou, tendo insistido para que ela abortasse, quando soube
dessa gravidez. A mãe recusou, pois manifestava a vontade de criar a criança, mas
vivia com os pais, que a ignoravam, e se viu em passar a esconder de todos o seu
estado. A sua vida começou a ficar difícil, até chegar o momento que veio a dar à
______________
94
RJTJSP, n. 14, p. 391 apud Ribeiro, 2004, p. 58.
RIBEIRO, 2004, p. 58.
96
RIBEIRO, loc. cit.
95
55
luz, onde desequilibrada emocionalmente, terminou por matar a criança. Na decisão,
a existência do estado puerperal, aliado à honoris causa, tipifica o infanticídio.
De forma geral as jurisprudências devem ser inspiradas na presunção de que
os representantes do poder legislativo propuseram e aprovaram a lei, inspirando-se
nas
verdadeiras
necessidades
sociais
e
na
consciência
popular
dessas
necessidades, concluindo há uma importante missão por parte da jurisprudência,
podendo remediar lacunas e imperfeições inevitáveis de todo trabalho legislativo.
56
CAPÍTULO 4 - INFANTICÍDIO: ENTRE A AUTORIA E O CONCURSO DE
PESSOAS
4.1
Sujeito ativo do infanticídio
Primeiramente tamanha necessidade é esclarecer que o infanticídio pertence
à classe e estirpe dos delitos próprios ou especiais, onde necessitam de
determinadas condições do sujeito ativo para a sua configuração, e por ser um crime
próprio somente pode ser cometido pela genitora, perturbada fisiopsicologicamente,
pois só ela pode passar pelo estado puerperal, diferentemente dos tidos como
delitos comuns em que pode ser praticado por qualquer pessoa a exemplo o
homicídio, o furto, o estelionato.
Num primeiro momento como no Código Criminal do Império já abordado por
nós anteriormente, ficou observado que era comum a aceitação de sujeito ativo
terceiros, além da mãe por motivo de honra, poderiam ser parentes ou estranhos da
vítima que por algum outro motivo viriam ocasionar o delito.
Quanto a esse dispositivo Ribeiro 97 assim nos ensina:
Já o Código Criminal do Império, seguindo a orientação reinante na época,
passou a considerar o infanticídio como figura excepcional, apenando-a
brandamente. Esse ordenamento jurídico estabelecia dois tipos de
infanticídio: um praticado por estranhos ou parentes da vítima, e por motivo
diverso ao da causa de honra (como cupidez de herança ou promessa de
recompensa), e outro, o praticado pela mãe por motivo de honra.
Hoje sob a óptica do Código Penal vigente, afasta-se a possibilidade de
terceiros, já que o Código segue a forma fisiopsicológica, onde como sujeito ativo do
crime de infanticídio é aceitável apenas a mãe parturiente que esteja sob a influência
do estado puerperal, observando não existir então mais a possibilidade de terceiros
como sujeito ativo, como um pai incestuoso ou adulterino buscando eliminar a prole
indesejada, ou irmãos, parentes, parteira, alegando motivo de preservação da honra.
Podemos citar algumas legislações que seguem essa mesma linha de adotar
como sujeito ativo do crime de infanticídio apenas a mãe parturiente, não admitindo
______________
97
RIBEIRO, 2004, p. 29.
57
então a conduta do crime por outra pessoa se não a mãe, como exemplo o Brasil
(art. 123); Bolívia (art. 258); Colômbia (art. 328); México (art. 256); Peru (art. 110) e
Portugal (art. 136).
Contudo verifica-se que, no caso do infanticídio qualquer outra pessoa que
não a parturiente venha a praticar a conduta incriminadora, ou até mesmo a própria
parturiente sem ter sofrido a influência do estado puerperal, estará cometendo
homicídio.
4.2
O problema do concurso de pessoas no código penal
O Código Penal de 1940 adotou o estado puerperal como circunstância
elementar do crime de infanticídio, sob essa óptica surgiram posições doutrinárias
quanto à questão da co-autoria no crime.
A problemática surge quando o crime é perpetrado por mais de uma pessoa,
alguns falam de co-delinqüência, co-autoria, concurso de agentes, mas o Código
Penal vigente adota a expressão concurso de pessoas como mesmo se nota em
parte especial tratada pelo Código Penal.
Pela doutrina unitária ou monista, tanto o autor como o párticipe respondem
pelo mesmo crime. Já para a teoria pluralística, a conduta do párticipe constitui outro
crime, então, haverá um crime do autor e outro do párticipe, onde ambos são
descritos como crimes autônomos.
Ribeiro 98 nos menciona uma considerável definição, “O autor e co-autor são
aqueles que executam o comportamento descrito pelo núcleo do tipo [quem mata,
subtrai, etc.]. Partícipe é aquele que acede sua conduta à realização do crime,
praticando atos diversos do que o autor”.
Diante dessas teorias e ao que realmente deve seguir o Código Penal, surge
a questão, em que ocorrendo a hipótese de um terceiro concorrer para a prática do
______________
98
RIBEIRO, 2004, p. 121.
58
crime de infanticídio, ao partícipe do crime de infanticídio deve ser aplicada a pena
cominada para o próprio infanticídio, ou para o crime de homicídio.
Há muitas controvérsias e a solução não é tão fácil, mesmo sendo o
infanticídio um crime próprio, pois apenas a mãe pode ser a autora da conduta
criminosa, onde só o filho nascente ou recém-nascido é quem pode ser o sujeito
passivo. Mesmo sob essas conclusões não é afastada a possibilidade da
participação delituosa no crime, e sob essa discussão a grande questão é se há a
comunicabilidade do elemento referente a influência do estado puerperal.
A primeira posição, levava consigo alguns juristas, como Nélson Hungria,
Galdino Siqueira e Heleno Cláudio Fragoso entre outros, cujo pensamento assim se
segue como nos mostra Ribeiro 99 :
Sendo o estado puerperal uma circunstância de índole bio-psicológica
personalíssima, a sua intransmissibilidade é absoluta, não podendo, assim,
terceiros invocar o benefício. E, portanto, um privilégio exclusivo da pessoa,
pois, do contrário, instaurar-se-ia flagrante contra-senso.
Assim essa corrente pugna pela incomunicabilidade do crime, ou seja, por se
tratar o infanticídio um delito personalíssimo e próprio da parturiente, a condição do
estado puerperal é incomunicável, e havendo nesse caso partícipe e co-autor, estes
respondem pelo crime previsto no artigo 121 do Código Penal, já que o homem ou
mulher que não deram a luz não sofrem a influência do estado puerperal que é
circunstância personalíssima da parturiente.
Nélson Hungria 100 manifestava-se pela incomunicabilidade do elemento e
assim escreveu:
Não diz com o infanticídio a regra do art. 25 (atual art. 29). Trata-se de um
crime personalíssimo. A condição sob a influência do estado puerperal é
incomunicável. Não tem aplicação, aqui, a norma do art. 26 (atual art. 30),
sobre as circunstâncias de caráter pessoal, quando elementares do crime.
As causas que diminuem (ou excluem) a responsabilidade não podem, na
linguagem técnico-penal, ser chamadas circunstâncias, pois estas só dizem
com o maior ou menos grau de criminosidade do fato, ou seja, com a maior
ou menor intensidade do elemento subjetivo ou gravidade objetiva do crime.
O párticipe (instigador, auxiliar ou co-executor material) do infanticídio
responderá por homicídio. O privilegium legal é inextensível. A quebra da
regra geral sobre a unidade de crime no concursus delinquentium é, na
______________
99
Ibid., p. 118.
HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1958. v. 5, p. 266.
100
59
espécie, justificada pela necessidade de evitar-se o contra-senso, que
orçaria pelo irrisório de imputar-se a outrem que não a parturiente um crime
somente reconhecível quando praticado sob a influência do estado
puerperal.
É-nos interessante ressaltar que a opinião dada por Nélson Hungria
anteriormente colocada em sua obra Comentários ao Código Penal sob a 4ª edição,
não é mais pertinente ao seu pensamento, mas poucos foram os doutrinadores que
notaram essa mudança de posição onde Nélson Hungria toma em sua obra
atualizada a partir da 5ª edição. Hoje Nélson Hungria é erroneamente citado por
grande maioria dos autores como seguidor da corrente que pugna pela tese da
incomunicabilidade do crime de infanticídio. Mas o que Nélson Hungria 101 deixa claro
em sua obra atualizada sob o capítulo pertinente ao assunto de concurso de agentes
no crime de infanticídio, é a seguinte opinião:
Comentando o art. 116 do Código suíço, em que se inspirou o art. 123 do
nosso, Logoz (op. cit., p. 26) e Hafter (op. cit., p. 22), repetindo o
entendimento de Gautier, quando da revisão do Projeto Stoos, acentuam
que um terceiro não pode ser co-párticipe de um infanticídio, desde que o
privilegium concedido em razão da ‘influência do estado puerperal’ é
incomunicável. Nas anteriores edições deste volume, sustentamos o mesmo
ponto de vista, mas sem atentarmos no seguinte: a incomunicabilidade das
qualidades e circunstâncias pessoais, seguindo o Código Helvético (art. 26),
é irrestrita (‘Les ralations, qualités et circonstances personnelles spéciales
dont l´efft est d´augmenter, de diminuer ou d´exclure la peine, n´auront cet
effet qu´à I´égard de l´auteur, instigateur ou complice qu´elles concernent´),
ao passo que perante o Código Pátrio (também art. 26) é feita uma
ressalva: ‘salvo quando elementares do crime’. Insere-se nesta ressalva o
caso de que se trata. Assim, em face de nosso Código, mesmo os terceiros
que concorrem para o infanticídio respondem pelas penas a este
cominadas, e não pelas do homicídio.
Essa modificação tida por Hungria passou quase que despercebida até
mesmo aos olhos de Heleno Cláudio Fragoso onde no mesmo volume e edição que
Hungria toma uma posição diversa quanto ao concurso de pessoas, Heleno Cláudio
Fragoso 102 em comentários da obra dizia:
Hungria inaugurou entre nós a corrente dos que entendem que o terceiro
que coopera no delito comete o crime de homicídio. Sempre entendemos
correta a lição de Hungria. Em conseqüência, o estranho que participa do
infanticídio pratica o crime de homicídio.
Heleno Cláudio Fragoso em edição atualizada de Nélson Hungria vem
esclarecer as edições anteriores a esta, em que foi sustentada a posição de que o
______________
101
102
HUNGRIA, 1979, p. 266.
HUNGRIA, 1979, p. 541-542, n. 28.
60
estado puerperal é uma posição bio-psicológica, e por esse motivo é personalíssima,
e que a intransmissibilidade é absoluta, sendo assim o terceiro responde por
homicídio, Fragoso 103 então faz uma ressalva, ““ [...] salvo quando elementar do
crime [...]”, assim, em face do nosso Código, mesmo os terceiros que concorrem
para o infanticídio respondem pelas penas a este cominadas, e não pelas do
homicídio”. Cabe-nos notar então, que Heleno Cláudio Fragoso agora após a
modificação e atualização da obra de Nélson Hungria, passa a posicionar-se sob a
mesma linha de raciocínio adotada por Nélson Hungria.
Voltando aos autores que se mantêm na primeira posição sob a
incomunicabilidade, Aníbal Bruno 104 :
Só se pode participar do crime de infanticídio a mãe que mata o filho nas
condições particulares fixadas na lei. O privilégio que se concede à mulher
sob a condição personalística do estado puerperal não pode estender-se a
ninguém mais. Qualquer outro que participe do fato age em crime de
homicídio. A condição do estado puerperal, em que se fundamente o
privilégio e que só se realiza na pessoa da mulher que tem o filho impede
que se mantenha sob o mesmo título a unidade do crime para o qual
concorrem os vários participes. Em todos os atos praticados trata-se, direta
ou indiretamente de matar, mas só em relação à mulher, pela condição
particular em que atua esse matar toma a configuração do infanticídio. Para
outros mantém o sentido comum da ação de destruir uma vida humana, que
é o homicídio.
Cumpre-nos ainda lembrar que se a mãe, sob a influência do estado
puerperal vier a ser partícipe do crime e não autora ou co-autora, ainda assim
responderá ela sempre por infanticídio, esse é o seguimento adotado por essa
corrente.
Uma segunda posição é defendida por Frederico Marques, Euclides Custódio
da Silveira, Magalhães Noronha, Ester de Figueiredo Ferraz sob o entendimento que
nos traz Ribeiro 105 , “no sentido de se admitir a comunicabilidade a todos os agentes,
de forma irrestrita”.
______________
103
HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. 6. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1981. v. 5, p. 266.
104
BRUNO, 1966, p. 150 apud RIBEIRO, 2004, p. 123.
105
RIBEIRO, 2004, p. 118.
61
Basileu Garcia 106 menciona seu entendimento:
Em face da doutrina unitária do concurso de agentes e, aceita a regra da
comunicabilidade das circunstâncias de caráter pessoal quando
elementares do crime, pode-se sustentar, com êxito, a tese de que
cometeria infanticídio todo aquele que, de qualquer modo, concorresse para
o crime do art. 123, embora não militando em seu favor a condição
personalíssima – a qualidade de mulher, de mãe, de parturiente, de
puérpera – que justifica o regime de excepcional benignidade dispensado à
autora natural da infração.
E. Magalhães Noronha 107 por sua vez assim coloca:
Não há dúvida alguma de que o estado puerperal é circunstância (isto é,
estado, condição, particularidade etc.) pessoal e que, sendo elementar do
delito, comunica-se, ex vi do art. 30, aos co-participes. Só mediante texto
expresso tal regra poderia ser derrogada. A não comunicação ao co-réu só
seria compreensível se o infanticídio fosse mero caso de atenuação do
homicídio e não um tipo inteiramente à parte, completamente autônomo em
nossa lei.
Sob esse entendimento Noronha confessa não ser a melhor maneira de se
punir o partícipe e o co-autor, mas o que deve ser seguido é o que está na lei, ou
seja, no caso o artigo 30 do Código Penal, e só mediante um texto expresso essa
regra poderia então ser derrogada.
Salienta José Frederico Marques 108 o seu pensar:
O infanticídio é um crime próprio, pois somente o pode cometer a mãe em
relação ao filho recém-nascido. Outras pessoas, no entanto, podem figurar
como co-autores; e como se trata de delito privilegiado, mas autônomo,
comunicam-se as circunstâncias subjetivas que integram o tipo, aos coautores, muito embora pense de modo contrário o insigne Nélson Hungria.
Mas é preciso que o co-autor tenha como é óbvia, participação
exclusivamente acessória. Se for ele o autor da morte, isto é, a pessoa que
executa a ação contida e definida no núcleo do tipo, então a sua conduta,
matando ao nascente ou ao recém-nascido, será enquadrada no art. 121.
Mantendo a mesma posição Figueiredo Ferraz 109 demonstra o entendimento
que é também favorável à comunicabilidade:
[...] é imperdoável que o legislador brasileiro tenha incluído, entre as
circunstâncias elementares do crime de infanticídio, uma verdadeira causa
de diminuição da responsabilidade penal, como seja a influência do estado
puerperal. Transformada essa circunstância em elemento integrante da
figura delituosa, não se pode impedir a sua comunicação a todos os
agentes, [...].
______________
106
GARCIA, 1980, p. 422 apud Maggio, 2001, p. 71.
NORONHA, 1995, p. 47-48.
108
MARQUES, 1961, p. 141 apud Ribeiro, 2004, p. 124.
109
FERRAZ, 1976, p. 14 apud Maggio, 2001, p. 68.
107
62
Sob a mesma linha de raciocínio Custódio da Silveira 110 opina:
O infanticídio – ninguém o nega – é um crime autônomo e a influência do
puerpério é uma circunstância elementar do tipo. Logo, não se pode negar a
sua comunicabilidade ao co-participe, a menos que se considere inexistente
o artigo 26 (atual art. 30) do Código Penal.
Esses
doutrinadores
adotaram
essa
segunda
corrente,
alegando
a
comunicabilidade do elemento referente a influência do estado puerperal. A norma
que reza o artigo 29 do Código Penal assim traz in verbis: “Quem, de qualquer
modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua
culpabilidade.” Sob o que esse artigo traz entende-se que quem concorre pra a
prática do crime de infanticídio deve submeter-se à sanção imposta a ele. Nota-se
que a grande discussão aqui é bem referente a essa questão da comunicabilidade
ou não da elementar influência do estado puerperal, vemos então que já nos termos
do art. 30 do Código Penal reza in verbis: “Não se comunicam as circunstâncias e as
condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.” Já quanto a
esse artigo percebemos que se transmitir essa elementar do crime que no caso é a
influência do estado puerperal a outro, ou seja, à terceiro, então este responderá por
infanticídio, agora caso contrário o mesmo responderá por homicídio.
Gláucio Vasconcelos Ribeiro 111 cita uma preciosa lição sob as teorias
adotadas por diferentes doutrinadores:
Quem entender que a influência do estado puerperal é uma condição
pessoal, e não uma elementar do crime de infanticídio, concluirá pelo art. 30
do Código Penal, que o párticipe ou o co-autor responderá pelo crime de
homicídio. Ao revés, os que afirmam que a influência do estado puerperal é
uma elementar, e não uma condição pessoal da agente, dirão que o
párticipe ou co-autor incidirá, também, nas penas previstas pelo art. 123 do
Código Penal.
Sobre a dúvida de qual teoria a ser adotada ou seguida, o mesmo doutrinador
Ribeiro 112 revela uma importante informação:
Reunidos em Conferência no Rio de Janeiro, no ano de 1943, os
Desembargadores de vários estados e do País discutiram inúmeros temas
do então recente Código Penal. Relativamente ao infanticídio, assentaram,
por maioria de votos que, pela leitura do artigo 25 do Código vigente à
época (atual art. 29), outra solução não havia senão a do párticipe
responder, também, pelo crime do art. 123 da lei penal.
______________
110
SILVEIRA, 1973, p. 98 apud Ribeiro, 2004, p. 125.
RIBEIRO, 2004, p. 126.
112
RIBEIRO, 2004, p. 126.
111
63
A respeito Muakad 113 assim traz:
Hungria, na última edição de sua obra, Mirabete e outros adotam a posição
da Conferência dos Desembargadores, que considera a comunicação das
condições pessoais quando elementares no crime, a não ser que a lei
disponha expressamente em contrário.
Finalizando Ribeiro 114 assim também complementa:
Com efeito, a Reforma Penal de 1984 adotou, como regra, a teoria
monística, determinando que todos os participantes de uma infração penal
incidam nas sanções de um único e mesmo crime e, como exceção, admite
a concepção dualista, mitigada, distinguindo a atuação de autores e
partícipes, permitindo uma mais adequada dosagem de pena de acordo
com a efetiva participação e eficácia causal da conduta de cada párticipe,
na medida da culpabilidade perfeitamente individualizada.
Em resumo, podemos dizer que enquanto a legislação penal não for mudada
e não expressar corretamente a respeito do assunto em questão, teremos que
adotar o que a lei, ou seja, o direito garantido e postulado nos trazem e deixam
entender. Já que atualmente o terceiro que participa do infanticídio responderá pelo
mesmo crime e não por homicídio mesmo pensando ser essa a maneira mais viável
de se punir então o párticipe e o co-autor.
4.3
Sujeito passivo
Atualmente o sujeito passivo do delito, e também no caso objeto material do
crime, por representar o ponto de incidência da conduta criminosa, é o próprio filho
nascente (eliminado durante o parto) ou neonato (morto logo após o parto), com vida
extra-uterina.
Pode-se ter como nascente aquele que ainda não respirou, mas, tem todas as
características do feto recém-nascido, como nos traz Muakad 115 em sua explicação:
Com relação ao feto que está nascendo, ou seja, que ainda não respirou e
que não teve, portanto vida autônoma, denominado nessa fase feto
nascente, a prova de vida não se baseia nas docimásias respiratórias, mas
______________
113
MUAKAD, 2002, p.100.
RIBEIRO, op. cit., p. 132.
115
MUAKAD, 2002, p. 122.
114
64
na demonstração da vida circulatória através do tumor de parto e pelas
reações vitais das lesões.
O neonato ou recém-nascido por sua vez, é o ser que acabou de nascer,
respirou, mas não recebeu um cuidado especial para que pudesse continuar a viver,
ou seja, é o ser que veio à luz com vida, e pode se tornar vítima do delito
imediatamente após o parto por não ter recebido cuidados necessários a sua
existência eis que se trata de um ser indefeso sem capacidade alguma de se
defender de qualquer ato.
Enquadra-se nesta categoria amparada pela lei também o ser disforme ou
monstruoso, como nos ensina E. Magalhães Noronha 116 , “[...] ainda que disforme ou
monstruoso, o neonato goza da tutela legal. Nem há razão, em uma sociedade
civilizada, para excluí-lo dessa proteção.”, visto isso o ser nascente ou recémnascido tem em virtude da lei seus direitos assegurados. Podendo também o ser
nascer sem exercitar todas as funções para a vida, já que o simples fato de ter
respirado, ou o coração ter batido normalmente já é essencial para que se comprove
ter havido a vida.
Casper 117 afirma, “viver é respirar, não respirar é não ter vivido”. Sob essa
afirmação Nélson Hungria 118 defende que:
O radical critério de Casper levaria, na prática, a conclusões intoleráveis.
Assim, não responderia por infanticídio, por exemplo, a mãe que expulsasse
o feto dentro de uma bacia com água, ou que o matasse antes que os
orifícios respiratórios fossem desobstruídos de mucosidades ou restos de
membrana amniótica. É certo que a prova da respiração é a mais praticável
e a mais segura prova de vida, tornando-se esta difícil quando não tenha
havido introdução de ar nos pulmões; mas daí não se segue que só há vida
quando há respiração.
A constatação de vida extra-uterina efetua-se por meio de docimásias, as
quais se caracterizam por serem provas periciais com intuito de comprovarem a
existência de respiração, circulação ou até mesmo de nutrição gastrintestinal, sendo
que a docimásia mais utilizada pela medicina legal ser a respiratória que se
fundamenta na densidade do pulmão que respirou e do que não respirou.
______________
116
NORONHA, 1995, p. 45.
CASPER, 1996, p. 376 apud Maggio, 2001, p. 74-75.
118
HUNGRIA, 1979, p. 259.
117
65
A técnica desta docimásia chama-se Docimásia Hidrostática Pulmonar de
Galeno, como nos menciona França 119 , é tida como a mais prática e mais usada na
perícia médico-legal.
Consiste em mergulhar em água comum, à temperatura
ambiente, cuja densidade gira em torno de 1,0, o bloco constituído pelos pulmões,
traquéia, laringe, língua, timo e coração. Como o pulmão fetal é compacto e sua
densidade varia entre 1,040 e 1,092, inserido em água, não flutuará por ser mais
pesado que esta. Já o pulmão que respirou aumenta consideravelmente de volume,
pela expansão alveolar, mas continua com o mesmo peso, trazendo sua densidade
para 0,70 ou 0,80. Este pulmão, mergulhado em água, sobrenadará constatando-se
então que ele respirou.
Para que ocorra o crime de infanticídio, como já foi abordado anteriormente
não há a necessidade de que o infante seja portador de vitalidade, eis que o delito
ocorre mesmo comprovado que o ser iria morrer de causas naturais do parto ou por
mais difícil a duração de sua vida, pois o bem jurídico a ser resguardado pela lei é a
vida independentemente desta ser precária ou não.
Entretanto, exclui-se da proteção do ordenamento jurídico é o que E.
Magalhães Noronha 120 afirma, como sendo o ovo degenerado, “[...] a mola, sendo o
ovo degenerado, insuscetível de vida extra-uterina, não pode ser, naturalmente,
sujeito passivo do delito [...]”, ou seja, o embrião em sí, por não poder subsistir fora
do ambiente materno e menos ainda tornar-se um ser humano.
Como se vê pelo tipo penal contido no art. 123 do Código Penal, o infanticídio
pode ocorrer tanto durante como logo após o parto, portanto está protegida tanto a
vida do nascente quanto a do neonato ou recém-nascido.
4.3.1 Elemento subjetivo e materialidade do crime
Os doutrinadores afirmam unanimamente que o elemento subjetivo do crime
de infanticídio é o dolo, sendo a vontade livre e consciente de praticar um fato
______________
119
120
FRANÇA, 2004, p. 284.
NORONHA, 1995, p. 45.
66
definido na lei como crime, podendo o dolo ser direto e determinado caracterizado
pela vontade livre e consciente de causar a morte do filho nascente ou neonato,
assim como pode ser indireto ou eventual, consubstanciado na assunção do risco de
produção do êxito letal, a mãe deve querer diretamente a morte do filho ou assumir
então o risco de produzi-la.
Sob esse aspecto Ribeiro 121 assim menciona, “[...] afirmam unanimamente os
doutrinadores ser o dolo (como vontade de destruir uma vida humana) a única forma
do elemento subjetivo requerido pela figura em tela”.
A Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados 122 assim escreve:
“Inexistindo nos autos a prova de que a mãe quis ou assumiu o risco da morte do
filho, não se configura o crime de infanticídio, em qualquer de suas formas, eis que
inexiste para a espécie a forma culposa.”
O delito não admite a forma culposa, sendo que, caso o infante vier a morrer
por negligência (ausência de precaução ou indiferença em relação ao ato realizado),
imprudência (prática de um fato perigoso) ou imperícia (falta de aptidão para o
exercício de arte ou profissão) da parturiente, esta responderá por homicídio
culposo, mesmo estando sob a influência do considerado estado puerperal.
Pensamento este sustentado pelo doutrinador Nélson Hungria 123 posto que o fato se
amolde perfeitamente à norma do parágrafo terceiro do artigo 121, do atual Código
Penal. Mas há também quem entende ser esse fato atípico.
Maggio 124 nos traz a seguinte jurisprudência em sua obra quanto à forma
culposa do delito:
Pronúncia. Infanticídio. Ausência de prova da intenção da recorrente de
matar o próprio filho. Despronúncia. Inexistindo nos autos a prova de que a
mãe quis ou assumiu o risco de morte do filho, não se configura o crime de
infanticídio, em qualquer de suas formas, eis que inexiste para a espécie a
forma culposa. (TJES, Rec., rel. Dês. José Eduardo Grandi Riberito, RT
632/331).
Já o doutrinador Gláucio Vasconcelos Ribeiro 125 mostra seu entendimento
sobre a possibilidade do fato ser atípico:
______________
121
RIBEIRO, 2004, p. 109.
RTJE, n. 55, p. 255 apud Ribeiro, 2004, p. 88.
123
HUNGRIA, 1981, p. 266.
124
MAGGIO, 2001, p. 101.
122
67
É inconsistente o entendimento contrário, que sustenta tratar-se de conduta
atípica. O bem jurídico vida, o mais importante na escala jurídico-social,
exige essa proteção penal e só admite a exclusão da responsabilidade
penal quando a ação que a lesa não for conseqüência de dolo ou culpa.
Maggio 126 , afirma que os doutrinadores Aníbal Bruno e Magalhães Noronha
entendem como Nélson Hungria que, “[...] se a morte do nascente ou neonato
advém de culpa da mãe, será esta punida por homicídio culposo”.
Contudo, há um outro entendimento doutrinário defendido, assim mostra-nos
Maggio 127 :
É defendido por Olavo Ribeiro de Faria e por Damásio E. de Jesus que, se
a mulher vem a matar o próprio filho, sob a influência do estado puerperal,
de forma culposa, não responde por delito algum (nem homicídio, nem
infanticídio). Porém, se a mulher vier a matar a criança, não se encontrando
sob a influência do estado puerperal, agindo culposamente, responderá,
então, por homicídio culposo como incursa no art. 121 §3°, do Código
Penal.
Na prática do delito podem ser utilizados meios comissivos, configurando
lesões diversas como a sufocação, estrangulamento, fratura de crânio ou meios
omissivos, a exemplo deste o não tratamento do cordão umbilical ou a não retirada
das mucosidades da boca do infante.
Tratando-se de crime material, no que tange a forma tentada do infanticídio,
não há muitas controvérsias, pois se verifica um consenso na doutrina quanto a
admissão e sua existência. Sob a tentativa, esta ocorre quando iniciada a ação de
matar pela mãe, esta não se consuma, por circunstâncias alheias a sua vontade,
não acontecendo então a morte do infante, assim como, quando a mãe infanticida
ao dar início a ação de matar a criança é surpreendida por uma terceira pessoa
quanto ao prosseguimento do ato criminoso que pretendia cometer.
Quanto à forma tentada verificamos um acórdão 128 :
Recurso em sentido estrito. Homicídio qualificado tentado. Desclassificação.
Infanticídio tentado. Demonstrado nos autos que a conduta atribuída a ré
amolda-se ao disposto no art. 123 do cp deve ser mantida a
desclassificação operada pela magistrada 'a quo' que alterou a tipificação da
denuncia.
______________
125
RIBEIRO, 2004, p. 116.
MAGGIO, 2001, p. 101.
127
MAGGIO, loc. cit.
128
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. Recurso Estrito n. 70004450375, Terceira
Câmara Criminal. Relator: Danúbio Edon Franco, Julgado em 07/11/2002.
126
68
A consumação do crime de infanticídio se dá com a morte do feto nascente ou
recém-nascido, visto já termos estudado tal ponto ao fazermos a análise do sujeito
passivo do delito. Cabendo aqui relembrar que não se questiona mais a respeito da
viabilidade ou não do nascimento do ser, pois basta apenas que ele nasça com vida.
E pelo fato do feto nascente poder ser o sujeito passivo do crime de infanticídio não
há uma exigência maior de que tenha havido a vida extra-uterina, mas apenas a vida
biológica já é o bastante.
69
CONCLUSÃO
Como analisado, o infanticídio é uma questão delicada e polêmica, por se
tratar de um tipo de crime, cuja vítima não tem a menor chance de defesa. Talvez,
por esta razão a população se manifeste de maneira enfática, a ponto de desejar
fazer justiça de forma imediatista, sem avaliar os parâmetros que contribuem para
ocasionar o crime. O infanticídio não é só um problema social, observado em
algumas culturas, mas também biológico, visto que é cometido por vários animais,
talvez em virtude de desequilíbrio hormonal a mãe sinta, instintivamente, que é
necessário sacrificar a vida do filhote para assegurar a sua sobrevivência no meio
animal.
Ao longo deste trabalho observou-se que o infanticídio, oscilava quanto a
época no que tange a sua punibilidade e impunidade, as penas severas até mesmo
a de morte e espécies de suplícios encontradas também. E sob a luz dos iluministas
da época que pregavam ideais mais humanitários eis que surge uma pena especial
para a mãe infanticida privilegiando-se esta em relação à pena imposta ao homicida,
tendo como motivo propulsor a honoris causa.
O motivo de honra prevaleceu na Legislação Brasileira no tipo do infanticídio
por algum tempo, mas com o surgimento do atual Código Penal prestigiou-se o
critério fisiopsicológico trazendo consigo a expressão “sob a influencia do estado
puerperal”. Mas pudemos observar durante o trabalho apresentado que os Tribunais
ainda continuam a prestigiar o motivo da honra, mesmo não estando expresso no
nosso texto legislativo. O nosso ordenamento jurídico adotou a corrente
fisiopsicológica, entendendo que o abalo do equilíbrio psíquico eventualmente
produzido pelo estado puerperal justifica e identifica uma causa especial de
responsabilidade diminuída à infanticida.
Ao passo que fomos estudando as duas correntes, opinamos por entender
também ser a corrente fisiopsicológica a mais viável e mais plausível a ser seguida,
é claro fica aqui a questão da dificuldade de se comprovar a existência do estado
puerperal com relação ao transtorno psicológico que a parturiente passa. Mas
70
acreditamos que as dores, a excitação, o temor de forma geral podem influenciar a
parturiente a deixá-la sob tal estado que possa diminuir a sua capacidade de
percepção e reflexão dos próprios atos, estando a parturiente então sob a influência
do estado puerperal. Já sob a questão da honoris causa ou motivo de honra não
vemos ser nos dias atuais a mola propulsora a ser levantada como motivo levado
pela parturiente a cometer a ocisão do próprio filho. Já que hoje ser mãe solteira não
causa desonra alguma à mãe, onde a gravidez ilegítima não importa também a
necessidade da ocultação da desonra, deveriam ser levantados aspectos mais
relevantes para que pudesse a infanticida sob esse motivo ter sua pena minorada.
Os Tribunais acabam optando por considerar as duas correntes, é possível
sim, mas percebemos que as causas fisiológicas e psicológicas precisam estar em
conjunto mantendo uma interdependência, para que não fique excluída a
consideração do motivo de honra em casos que possam realmente ter entrado como
um coeficiente de anormal impulso criminoso fazendo com que perca a sua
completa consciência dos atos que veio a praticar.
Podemos aqui salientar que o infanticídio também ocorre em mulheres
casadas de família, teoricamente, equilibrada e estável, pois como foi estudado no
decorrer deste trabalho muitos doutrinadores consideram que o infanticídio é um
crime exclusivamente de classe baixa que não possua orientação ou apoio familiar
sendo esse motivo principal que vem levar a mãe a cometer o infanticídio, mas não
vemos ser esse entendimento o adequado, já que todas as mulheres estão sujeitas
a passar pelo estado puerperal, pode ser que se manifeste em um número maior
nas famílias de classe mais amena, mas não que esteja longe de acontecer em
famílias com um poder aquisitivo maior, e que se encontra equilibrada e com um
ambiente harmonioso.
O tipo do infanticídio acarreta vários problemas tanto doutrinários em relação
as divergências de entendimento, e motivos práticos também, pela grande
dificuldade de visualização do fato, tanto pela dúvida do enquadramento das
pessoas que concorrem para a conduta típica do crime quanto ao estado da própria
parturiente. Quanto ao estado puerperal podemos dizer ser um critério difícil de ser
comprovado, já que existe corriqueiramente praticamente em todas as mulheres que
estão prestes a dar à luz, mas de difícil comprovação, até mesmo pelas lesões
71
fisiopsíquicas motivadoras do delito que se localizam no cérebro e desaparecem em
um curto espaço de tempo deixando poucas seqüelas, causando na sociedade certa
desconfiança quanto ao real acontecimento. Mas podemos dizer que para que haja
a justificativa do estado puerperal, é necessário o abalo do equilíbrio psíquico da
parturiente deixando-a de tal maneira que perca a consciência dos seus atos. Ficou
então a cargo da medicina legal um grande fardo que é a comprovação deste
momento exclusivo da parturiente, e não podemos deixar de ressaltar que após os
estudos acreditamos ser um trabalho de tamanha importância e peça chave para
que haja então a caracterização do infanticídio.
Sendo o papel da perícia médico-legal de suma importância para a
caracterização do infanticídio, assim como o do legislador e o representante do
âmbito jurídico. Outro aspecto a considerar, é que a existência dos elementos
constituintes deste tipo de delito, onde a própria mãe é responsabilizada, é
necessária a comprovação conclusiva do ato criminal da própria mãe que mata o
filho nascente ou recém-nascido. Como já fora dito, o infanticídio se configura no
Código Penal, e é necessária a atuação do perito, para esclarecer as questões
principais, como o recém-nascimento, o nascimento com vida e a causa criminosa
da morte. Além disso, compete à perícia determinar se a mulher apresenta sinais de
ter parido recentemente, e se esta, no momento em que praticou a conduta
delituosa, encontrava-se ou não sob a influência do estado puerperal.
Como já se viu no estudo do sujeito passivo, a prova de existência de vida
extra-uterina é feita através das docimásias, que podem ser respiratórias ou nãorespiratórias, ou através das provas ocasionais. Já a prova de existência de vida
intra-uterina dá-se através do estudo de dois fenômenos dependentes da circulação
sangüínea: o tumor de parto e os caracteres vitais das lesões. Ainda com relação ao
sujeito passivo, cabe à perícia médico-legal determinar a causa jurídica da morte.
Caso ela tenha sido natural, fica afastada a hipótese de homicídio; caso não tenha
sido, necessita-se esclarecer se a sua causa foi acidental ou criminosa. Com relação
à mulher, para a comprovação do delito, é necessário que ela seja portadora de
grave perturbação psicológica ocasionada pelo estado puerperal, e capaz de levá-la
a extirpar a vida de seu próprio filho durante ou logo após o parto.
72
Desta forma, o parecer psiquiátrico, como exame subsidiário, ao fazer uma
análise do estado psíquico da parturiente, apresenta sua inegável importância, pois
deverá avaliar a possível influência exercida pelo estado puerperal no psiquismo da
parturiente. Este exame irá apurar se o parto foi doloroso ou angustiante; se a
acusada, após ter matado o filho, tratou de esconder seu cadáver; se ela se lembra
do acontecido ou se finge que não se lembra; se ela possui um histórico de
psicopatia ou se foi acometida de perturbação mental durante ou logo após o parto
capaz de tê-la levado a cometer o crime.
Estudamos a questão da diferenciação entre o puerpério e o estado
puerperal. Onde restou confirmada a distinção entre ambos, já que entendemos por
puerpério o período que vai desde a expulsão da placenta até as condições prégravídicas, observado em todas as gestantes. E o estado puerperal não sendo
comum entre as gestantes, decorrendo este do puerpério, proveniente de dores
físicas do parto, excitação, estado psicológico que se encontra a gestante, angústia.
Não adquire também o estado puerperal um tempo determinado de duração, onde
nem mesmo a Lei e a doutrina se posicionaram quanto à duração de forma unânime
deixando uma lacuna a ser preenchida.
Quanto ao concurso de pessoas e sua comunicabilidade, para que fosse
afastada essa comunicabilidade da elementar em exame, a forma jurídica para este
fato seria a alteração legislativa, tipificando o infanticídio como um tipo privilegiado
do homicídio, onde o “estado puerperal” deixaria de ser uma elementar do tipo
comunicável para se transformar uma circunstância pessoal incomunicável assim
como sugeria Magalhães Noronha 129 . Eis que teríamos em ralação a influência do
estado puerperal uma circunstância de ordem pessoal ou subjetiva, incomunicável
nos termos do artigo 30 do nosso Código Penal. Já que assim estaríamos sanando o
problema da comunicabilidade do concurso de agente e estaríamos estabelecendo
um critério mais homogêneo na legislação penal, já que o bem jurídico maior a ser
protegido é a vida. Dessa forma, verificaríamos um possível ajuste no nosso
ordenamento jurídico, eliminando a duplicidade das previsões legais, sob essas
intrincáveis postulações a respeito do ato a ser condenado.
______________
129
NORONHA, 1995, p. 52-53.
73
Diante de todas as divergências e incongruências que gravitam no universo
do infanticídio, mormente no tocante aos critérios tipificadores do delito como o
motivo de honra ou a influência do estado puerperal, ao significado da expressão
"logo após o parto", ao concurso de pessoas, a minoração da pena, há que se dizer
que muitas são as áreas de conhecimento que permeiam esta temática, posto que
este tipo de ato constitui-se em um gesto incompreendido por parte da sociedade,
estudado por médicos e especialistas, e julgado e condenado pela justiça. Nós,
enquanto operadores do direito, devemos nos debruçar em relação aos crimes,
responsabilidade, direitos e deveres dos cidadãos, tomando todo o cuidado para não
fazer juízo de valor, sem a real identificação e conhecimento de cada fato ou
situação. Esta monografia, portanto, tem a intenção de colaborar com os estudiosos
sobre desta questão, mesmo não sendo possível se esgotar o assunto, pois a cada
momento surgem novos aspectos, mas buscamos certamente contribuir com a
veiculação de informações precisas, no sentido de tornar a sociedade mais fraterna
e mais justa.
74
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Aline Becker Ferretti - Universidade Católica de Brasília