CURSO DE DIREITO
INFANTICÍDIO
PREVISTO NO ARTIGO 123 DO CÓDIGO PENAL
Priscila Serrano de Oliveira
RA. 443131-4
Turma: 325-F
Fone: (11) 6914-2347
[email protected]
Orientadora: Ana Paula da Fonseca Rodrigues
São Paulo
2004
PRISCILA SERRANO DE OLIVEIRA
Monografia apresentada à Banca
Examinadora do Centro Universitário
das
Faculdades
Metropolitanas
Unidas, como exigência parcial para
obtenção do título de Bacharel em
Direito sob a orientação da Professora
Ana Paula da Fonseca Rodrigues.
São Paulo
2004
BANCA EXAMINADORA:
Orientadora: ___________________
Argüidor:_____________________
Argüidor:_____________________
Agradecimentos
Primeiramente agradeço à Deus, por me
dar fé e coragem nos momentos mais difíceis
da vida, depois as pessoas mais importantes da
minha vida, meu pai Pedro Cândido de
Oliveira, minha mãe Dirce Serrano de
Oliveira, minhas irmãs Ana Cristina Serrano
de Oliveira e Fernanda Serrano de Oliveira,
que sempre estiveram ao meu lado. Ao meu
namorado, Tiago Samos Santovito, com quem
sempre pude contar. À minha orientadora
Prof. Ana Paula da Fonseca Rodrigues, a qual
tive o privilégio de ter sido sua aluna e de ser
sua orientanda, por me ajudar no
desenvolvimento deste trabalho. Obrigada a
todos.
SINÓPSE
O crime de infanticídio em suas legislações ao longo dos tempos teve
várias fases e tem sido tratado de diversas formas, onde muitos doutrinadores
entram em conflito diante de sua espécie e de sua punição.
Trata-se de crime semelhante ao homicídio, que recebe uma diminuição
na pena por motivos fisiopsicológicos.
Porém,
existem
doutrinadores
que
discordam
deste
critério
fisiopsicológico, adotando o critério psicológico, pois acreditam que o motivo
que leva a mãe a cometer este crime não é o estado puerperal e sim para
ocultar desonra própria.
O infanticídio também é muito divergente em relação ao estado
puerperal e se esse estado se estende aos participantes do crime.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
01
CAPÍTULO I
03
1.1.
1.2.
Conceito
Breves Referências Históricas
03
04
CAPÍTULO II
2.1. Critérios Tipificadores do Infanticídio
2.1.1. Psicológico
2.1.2. Fisiológico
2.1.3. Misto
10
10
10
13
14
CAPÍTULO III
3.1. Objetividade Jurídica
3.2. Sujeitos do Crime
3.2.1. Sujeito Ativo
3.2.2. Sujeito Passivo
3.3. Elemento Subjetivo
3.4. Momento do Crime
3.5. Consumação e Tentativa
16
16
16
16
18
21
23
25
CAPÍTULO IV
4.1. Estado Puerperal
4.2. Caracterização do Infanticídio
4.3. Concurso de Pessoas
4.4. Pena
27
27
31
33
39
CAPÍTULO V
5.1. Infanticídio e Aborto
5.2. Infanticídio e Homicídio
40
40
41
CAPÍTULO VI
6.1. Jurisprudências
43
43
CONCLUSÃO
46
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
48
INTRODUÇÃO
O infanticídio tem sido mudado ao longo da história, onde a princípio
não era nem reprovado pela sociedade, e com o advento do Cristianismo foi
considerado um crime gravíssimo, existindo até pena de morte.
Com o passar do tempo, a sua punição ficou mais branda devido aos
critérios adotados para a sua tipificação, que se dividem, basicamente, em
psicológico (motivo de honra), fisiopsicológico (sob influência do estado
puerperal) e misto (que agrega tanto a honra da mãe, quanto o estado
puerperal).
O legislador brasileiro adota atualmente, o critério fsiopsicológico,
onde estabelece que: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio
filho, durante o parto ou logo após”.
Com este critério, surge alguns problemas quanto a análise deste estado
puerperal e até que momento configura este estado. E também, em relação ao
concurso de agentes, onde os doutrinadores se dividem, basicamente, em duas
correntes de pensamento.
O objetivo principal deste trabalho será mostrar as diversas posições
dos doutrinadores, e também tentar entender a razão que leva uma mãe a
1
cometer tal crime, em contraste com um momento que deveria ser de grande
felicidade.
Para melhor sistematização do estudo, este trabalho está dividido em
seis capítulos.
O primeiro capítulo conceitua o tema abordado, trazendo após breves
referências históricas sobre o assunto, apontando que o infanticídio já foi
permitido como prática social, já foi também cruelmente reprimido, e
atualmente, foi abrandado, levando-se em conta o estado puerperal que a
mulher sofre “durante o parto ou logo após”. O segundo capítulo demonstra
os critérios tipificadores do infanticídio, quais sejam: psicológico,
fisiopsicológico e misto. O capítulo três retrata a proteção da vida humana,
aborda os sujeitos do crime: sujeito ativo (mãe) e sujeito passivo (seu próprio
filho, neonato ou recém-nascido), cita também o elemento subjetivo do crime,
especifica o momento do crime, descrevendo quando se consuma e quando
ocorre a tentativa. O capítulo quatro explica o que significa estado puerperal,
traz a caracterização do infanticídio, e a polêmica discussão do concurso de
pessoas, pois tem grandes divergências. Trata também da pena do crime. O
capítulo cinco distingue, em suas principais características, os crimes de:
infanticídio e aborto, infanticídio e homicídio. O capítulo seis mostra algumas
jurisprudências pesquisadas sobre o delito. E, após, encontra-se a conclusão
segundo meu entendimento e aprendizado.
2
CAPÍTULO I
1.1
Conceito
“A palavra vem do latim: infans – caedere é um delito que só
pode ser cometido pela mãe durante o parto ou logo após o parto, e sob a
influência do estado puerperal”1.
Pelo código em vigor, infanticídio é o ato de matar o filho pela
mãe, durante o parto ou logo após este por influência do estado puerperal. Se
a própria mãe matar o filho durante ou logo após o parto, mas fora da
influência do estado puerperal, não haverá infanticídio, mas homicídio, do
mesmo modo que haverá homicídio se a morte for praticada por qualquer
outra pessoa.
Para Julio Fabbrini Mirabete2: “O infanticídio seria, na realidade,
um homicídio privilegiado, cometido pela mãe contra o filho em condições
especiais”.
A. Almeida Júnior3 sobre o infanticídio assim se manifesta: “Para
que se possa falar em infanticídio, é indispensável demonstrar que o feto
estava vivo no momento em que a mulher praticou contra ele a violência
criminosa”.
1
José Flávio Braga Nascimento, Direito penal:parte especial, p. 63.
Julio Fabbrini Mirabete, Manual de direito penal: parte especial, p. 88.
3
A. Almeida Júnior e J. B. de O. e Costa Júnior, Lições de Medicina Legal, p. 375.
2
3
1.2
Breves Referências Históricas
O infanticídio, ao longo do tempo, tem sido tratado de diversas
formas, marcando fases de acordo com os valores morais e éticos do meio
social de cada época.
“No Egito, o pai que matasse o filho era obrigado a permanecer
três dias e três noites abraçado ao cadáver.
Em Roma, os recém-nascidos aleijados eram lançados ao Tibre.
Na Abissínia, era comum em partos de gêmeos executar-se um.
Em Otahiti, havia uma associação secreta de mulheres com a
finalidade de assassinar os filhos umas das outras no momento do nascimento,
para que elas pudessem entregar-se aos prazeres sexuais” 4.
O Direito romano mais antigo castigava a mãe que matasse o
próprio filho, considerando a morte do neonato como homicídio qualificado,
impondo-lhe penas severíssimas, enquanto que o pai se fizesse o mesmo, não
sofria punição alguma.
A criança era uma coisa sobre a qual o pai possuía o jus vitae et
necis na sua concepção mais ampla, e a morte praticada por ele, só passou a
ser incriminada na legislação de Justiniano, por influência do Cristianismo.
Ao tempo de Justiniano e na Idade Média, passou-se a punir o
infanticídio como de homicídio, não se fazia diferença, aplicando-se severas
4
Irene Batista Muakad, O infanticídio, p. 10.
4
sanções aos infanticidas.
A gravidade do crime provinha do fato de ser o infanticídio
violação da própria lei da natureza e do especial dever de proteção dos pais
em relação aos filhos, bem como pelas condições especiais em que se
encontrava a vítima.
A equiparação dos crimes de infanticídio e de homicídio
dominaram muito tempo, apesar da influência do Cristianismo que o
converteu em crime distinto.
Com o advento do Cristianismo, o infanticídio passou a ser um
crime gravíssimo. Por influência da Igreja Católica, os juristas passaram a
entender que ninguém tinha direito de suprimir a vida de seu semelhante e
que, por se tratar de uma criança indefesa, o crime se revestia de aspectos
mais repulsivos e abomináveis, sendo merecedor de violenta condenação. A
partir desta concepção filosófica o infanticídio começou a ser punido com
pena de morte.
“No direito medieval não se diferenciava o infanticídio do homicídio.
Graves penas eram impostas aos infanticidas. O Fuero Juzgo, por
exemplo, mandava que se condenasse à morte a mulher que matasse ao
filho, ou então com a cegueira, penas que também se impunham ao
marido que ordenasse o infanticídio. Na Carolina, mandava o art. 131
que fossem enterradas vivas e empaladas, as mulheres que matassem,
secreta, voluntária e perversamente, os filhos que dela receberam vida e
membros”5.
5
José Frederico Marques, Tratado de direito penal: parte especial, p. 172.
5
O Iluminismo e a doutrina do direito natural deram novos rumos
ao tratamento penal do infanticídio, tendo em vista a angustiosa situação da
mãe que, para evitar a desonra, mata o próprio filho. Surgiu uma condição de
exasperação da pena e transformou-se em motivo de sensível abrandamento,
portanto transmudou-se para homicídio privilegiado.
A razão principal foi a honoris causa, o temor à vergonha da
maternidade ilegítima. O critério justificador do privilégio concedido à
infanticida era de natureza psicológica.
Aníbal Bruno6, comentando esse critério defende o princípio da
defesa de honra da seguinte forma:
“ O fundamento da especialização dessa figura delituosa, o conflito tão
dramaticamente descrito pelos autores em que se debate a mulher que
concebeu em situação ilegítima, entre matar o filho nascente ou
submeter-se as duras conseqüências da perda do seu estado de mulher
honrada. Termo final da longa e angustiada elaboração de uma
consciência diante das negras perspectivas da desonra e do destino a
que está condenada ela mesma e o fruto de suas relações ilícitas;
torturas morais, que, por fim, sufocam o sentimento fundamental de
amor e devotamento que caracteriza a mulher-mãe em relação ao filho.
Tratava-se de fundamentar o privilégio não em motivo que poderia
parecer demasiadamente egoísta diante do resultado, mas em uma
condição de ordem físico-psiquica, que, excluindo a normalidade da
consciência, afetasse a culpabilidade. Sugeriu-se, então, que se tomasse
em conta o choque psíquico determinado pelas rudes condições do
processo fisiológico do parto - dores, esforços, angústia, perda de
6
Aníbal Bruno, Direito penal, p.144.
6
sangue, extenuação, com o resultado de uma certa obnubilação da
consciência dentro da qual se geraria o impulso criminoso”.
Esse movimento foi no sentido de combater as penas terríveis
que eram dadas para o tratamento de infanticídio, propugnando pela sua
consideração como um infanticídio privilegiado quando praticado em nome
da honra pela mãe ou por parentes.
A primeira a abolir a pena de morte foi a Áustria em 1803 e em
seguida, a Baviera em 1813.
Alfredo Farhat7, classifica essa reação como uma inovação na lei
penal: “Está iniciada a era evolutiva, que culminou nos dispositivos modernos
da lei penal, entre os quais se salienta, de maneira notável, o artigo 587 do
novo Código Penal Italiano.
Assim, estabelecia o Código Penal Italiano: Infanticídio- morte
de um recém-nascido ou de um feto durante o parto”.
A França que, no início, mantivera a pena de morte, mais tarde,
veio adotar o privilégio da honoris causa, do mesmo modo que a lei austríaca.
A Inglaterra, um pouco mais tarde, também deixou de aplicar a
pena de morte, não por reconhecer o privilégio da honoris causa, mas por
deixar de aplicar a pena de morte a todos os crimes cometidos no país.
7
Alfredo Farhat, Do Infanticídio, p. 122.
7
Apesar de algumas legislações haverem minorado a punição do
infanticídio, o Código Penal de 1810 e o Código Penal Português de 1852
continuavam a manter a pena de morte para quem cometesse este crime.
O Código Penal Português de 1852, em seu artigo 356,
estabelecia que:
“Aquele que comete o crime de infanticídio, matando
voluntariamente um infante no ato de seu nascimento, ou dentro em oito dias
depois de seu nascimento, será punido com pena de morte”.
No Brasil, só a partir do Código Criminal de 1830, o infanticídio
passou a receber uma pena mais branda, atendendo o caráter da honoris
causa, e em seu artigo 198, assim dispunha: “Se a própria mãe matar o filho
recém-nascido para ocultar sua desonra”, a pena seria a de “prisão com
trabalho por um a três anos”.
Na reforma da legislação penal brasileira em 1890, o Código
Penal admitiu o infanticídio como motivo privilegiado, tendo como pena de
prisão celular de seis a vinte anos para a mãe que perpetrasse o crime com o
intuito de “ocultar a desonra própria”.
Dessa forma, as penas do infanticídio foram abrandadas nas mais
diversas legislações penais, em decorrência das idéias vindas do Iluminismo
em defesa da criminosa que agia honoris causa, a ponto de certos códigos
8
estenderem tal privilégio na aplicação das penas às pessoas ligadas por
vínculos de parentesco com a mãe que tivessem participação no delito.
A legislação atual adotou como atenuante no crime de
infanticídio o conceito biopsíquico do “estado puerperal”, justificado pelo
trauma psicológico e pelas condições do processo fisiológico do parto.
O artigo 123 do Código Penal brasileiro em vigor, conceituou o
crime como: “matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho,
durante o parto ou logo após”.
9
CAPÍTULO II
2.1
Critérios Tipificadores do Infanticídio
2.1.1 Psicológico
As legislações mais antigas consideravam a morte do
neonato pela própria mãe como homicídio qualificado, impondo-lhe penas
severíssimas.
Já, no início do século XVIII, o infanticídio passou a ser
considerado um homicídio privilegiado quando o fato era cometido pela mãe
a fim de ocultar desonra própria.
Assim,
dispunha o Código Criminal de 1830, em seu
artigo 198:
“Se a própria mãe matar o filho recém-nascido para ocultar
a sua desonra: Pena – prisão com trabalho por 1 a 3 anos”.
Euclides Custódio da Silveira8, afirma que:
“O critério justificador do privilégio concedido à infanticida era, por
conseguinte, de natureza psicológica. Decorria a benignidade do estado
de angústia em que se encontrava a parturiente, diante das lastimáveis
conseqüências do seu erro e da sua fraqueza, trazendo ao mundo um ser
estigmatizado com a ilegitimidade originária”.
8
Euclides Custódio da Silveira, Direito penal: crimes contra a pessoa, p. 91-92.
10
Já o Código de 1890, dispunha da seguinte forma:
“Matar recém-nascido, isto é, infante, nos sete primeiros dias de seu
nascimento, quer empregando meios diretos e ativos, quer recusando à
vítima os cuidados necessários à manutenção da vida e a impedir sua
morte. Pena – prisão celular de 6 a 20 anos. O parágrafo único
cominava pena mais branda: se o crime for perpetrado pela mãe, para
ocultar desonra própria”.
Critério este que também foi adotado pelo Código Penal de
1969, o qual nunca entrou em vigor, que em seu artigo 122, dispunha que:
“ Matar a mãe o próprio filho, para ocultar sua desonra,
durante ou logo após o parto: pena – detenção, de 2 a 6 anos”.
Alguns defensores do critério psicológico, discordando do
critério adotado pelo Código Penal vigente, ressalta o fato deste não
considerar a diferença existente entre filhos legítimos e não legítimos ao tratar
do problema.
Tal como se expressa, Henrique Fonseca de Araújo9:
“Entendemos, como Nelson Hungria, (que naturalmente foi vencido na
comissão revisora do Código Penal), que o verdadeiro motivo para atenuação
da pena do infanticídio reside na ocultação da desonra. É mesmo a única
razão para constituir um delictum exceptum. O novo Código se afastou da
9
Henrique Fonseca de Araújo, Aspectos legais do infanticídio, p. 291.
11
realidade psicológica, não fazendo distinção entre filiação legítima e ilegítima
ao considerar o problema do infanticídio. Não se pode colocar no mesmo pé
de igualdade a mãe que mata o seu próprio filho, fruto de uma união legal, por
puro egoísmo ou para se furtar aos encargos da maternidade, com aquela que
mata para ocultar a sua desonra, decorrente da concepção de um filho fora dos
laços conjugais, com todas as desastrosas consequências do seu erro. A
consagração do motivo da honra na legislação de quase todos os países, como
causa da profunda diminuição da pena no crime de infanticídio não foi ato de
puro arbítrio. Foi, ao contrário, o resultado de uma porfiada luta entre o
princípio ascético, que se recusava a admitir pudesse um pecado escusar um
crime, e o princípio político, que via no móvel do crime – a preservação da
honra – uma razão de menor gravidade, mostrando não se tratar de um
deliquente perigoso, igual ao homicida vulgar. Daí, portanto, o dano político
menor. E, dessa luta, como era justo e humano, venceu o princípio político,
que passou por isso a nortear a legislação penal dos povos. De fato, enquanto
a sociedade considerar uma desonra a maternidade fora do casamento, não
poderá deixar de reconhecer, na mulher que ainda não perdeu pudor, um
estado de angústia, diante das consequências de ordem moral e material que
acarretaria a descoberta de sua desonra, e que deve ser levado em conta para
minorar (nunca extinguir) a penalidade, se chega a cometer infanticídio. É que
ela chega ao crime, em parte, por um sentimento de respeito pelos postulados
12
morais que reagem a sociedade em que vive. (...) Não nos parece, pois
acertada a orientação adotada pela nova Lei Penal, nessa matéria, rompendo
com um velho critério, acolhido pela grande maioria das legislações e que
assenta sobre um justo motivo psicológico, para firmar a diminuição da
responsabilidade numa problemática perturbação psíquica, decorrente do
estado puerperal”.
2.1.2 Fisiopsícológico
O Código Penal de 1940 veio substituir a preservação da
honra pela influência do estado puerperal.
Para Euclides Custódio da Silveira10:
“A razão fundamental da escolha desse novo critério foi evitar a
injustiça que o tradicional propiciava, por restringir a honoris causa à
gravidez ilegítima. A mulher casada, que concebia legitimamente, mas
era abandonada pelo esposo, sem recursos financeiros, às vésperas do
parto, não podia invocar a honoris causa, se matasse o recém-nascido
impelida pela situação de desespero e dos distúrbios físicos e morais
decorrentes do puerpério. O que se pretendeu, portanto, foi ampliar o
privilégio de molde a abranger todos os casos em que a parturiente
sofresse tais distúrbios fisiológicos e psíquicos ou morais.
Vale dizer, pois, que a lei presume uma perturbação psíquica: é preciso
que fique averiguado ter ação psíquica especial, não patológica, em
decorrência do estado puerperal. Perturbação emotiva que comumente
deriva do estado fisiológico determinado pelo parto”.
10
Euclides Custódio da Silveira, Direito penal: crimes contra a pessoa, p. 93.
13
Neste entendimento, Aníbal Bruno11 destaca:
“A lei admite que o estado puerperal pode gerar uma situação de
turvação do espírito capaz de determinar a mulher a praticar o
infanticídio. Essa situação, mesmo existente, será transitória e
geralmente se apaga sem deixar vestígios. Será difícil demonstrar que
ela ocorreu e conduziu ao crime. Em geral, tais fatos se passam fora da
presença de testemunhas, sobretudo de testemunhas idôneas, e quando
chega o perito já os sinais da sua passagem se desvaneceram.
Um sentimento de justiça conduzirá, então, a fazer cobrir com o
privilégio do art. 123 toda morte dada pela própria mãe ao filho durante
o parto ou logo após, desde que não se demonstre ter sido praticada
friamente, excluindo qualquer comoção que pudesse justificar a idéia de
grave perturbação da consciência”.
Este é o critério adotado por nossa legislação vigente.
2.1.3 Misto
Neste entendimento, leva-se em consideração a influência
do estado puerperal e o motivo de honra. Era o critério adotado no
Anteprojeto de Nelson Hungria, em 1963.
O artigo 119 do Anteprojeto dispunha que:
“ Matar, para ocultar sua desonra ou sob a influência de
perturbação fisiopsíquica provocada pelo estado puerperal, o próprio filho,
durante ou logo após o parto: pena – detenção, de 2 (dois) a 6 (anos)”.
11
Aníbal Bruno, Direito penal, p. 146.
14
Em 1964, o Ministério da Justiça designou uma comissão
revisora para o estudo do Anteprojeto de Nélson Hungria, constituídas por
juristas como Aníbal Bruno, Heleno Cláudio Fragoso.
A comissão revisora do Projeto não acatou o critério
composto, abandonando a influência do estado puerperal e adotando o critério
da honoris causa.
Este critério guarda semelhança com o Anteprojeto ao
Novo Código Penal, que adota o critério composto para a caracterização do
tipo penal, tomando por motivo da preservação da própria honra sexual ao
lado da “influência provocada pelo parto”.
Assim, como menciona Paulo José da Costa Jr.12: “O
anteprojeto de Reforma da Parte Especial incluiu no conceito normativo a
morte do filho honoris causa. Assim, não bastará a morte do próprio filho,
durante o parto ou logo após, sob influência do puerpério, fazendo-se
necessário que o ato se deva à ocultação da desonra própria”.
12
Paulo José da Costa Jr., Curso de Direito Penal: parte especial, p. 18.
15
CAPÍTULO III
3.1
Objetividade Jurídica
Protege-se a vida humana, não só a do recém-nascido (neonato),
como também a daquele que está nascendo (nascente), pois de acordo com o
artigo 123 do Código Penal, o fato é cometido pela mãe durante o parto ou
logo após.
Cezar Roberto Bitencourt13 explicita:
“O bem jurídico do crime de infanticídio, a exemplo do homicídio, é a
vida humana. Protege-se aqui a vida do nascente e do recém-nascido.
Modernamente, não se distingue mais entre vida biológica e vida
autônoma ou extra-uterina. É indiferente a existência de capacidade de
vida autônoma, sendo suficiente a presença de vida biológica.
Assim, a vida extra-uterina autônoma do neonato deixou de ser condição
indispensável do infanticídio, sendo suficiente a vida biológica, que pode
ser comprovada pelos batimentos cardíacos, pela circulação sanguínea
ou qualquer outro critério admitido pela ciência médica”.
3.2. Sujeitos do Crime
3.2.1
Sujeito Ativo
De acordo com o artigo 123 do Código Penal, o
13
Cezar Roberto Bitencourt, Código penal comentado, p. 419-420.
16
infanticídio é um crime próprio, podendo ser praticado somente pela mãe, e
desde que se encontre sob a influência do estado puerperal.
Porém, alguns doutrinadores defendem a teoria da
comunicabilidade, e neste caso, será um crime de próprio, conforme
entendimento de fls. 33 – 39 desta monografia.
Contudo, é necessário observar qual o critério adotado por
cada legislação, se psicológico ou fisiopsicológico.
Em nossa legislação é aplicado o critério fisiopsicológico,
portanto, leva-se em conta o estado puerperal, e sendo assim, é um crime que
se limita a mãe.
Entretanto, há outras legislações que adotam o critério
psicológico, no qual é possível que o autor possa ser o pai, mãe ou até mesmo
um parente.
Há ainda, a possibilidade de terceiros responderem pelo
crime de infanticídio.
Como exemplifica Damásio E. de Jesus14:
“Cuida-se de crime próprio, uma vez que não pode ser cometido por
qualquer autor. O tipo penal exige qualidade especial do sujeito ativo.
Entretanto, isso não impede que terceiro responda por infanticídio
diante do concurso de agentes”.
14
Damásio E. de Jesus, Direito penal:parte especial, p. 107.
17
Enquanto que Aníbal Bruno15 o contradiz:
“O tipo de infanticídio é constituído pelo fato de a mulher matar o
próprio filho, no curso do processo do parto ou imediatamente depois,
sob a influência do estado puerperal. Desde que o decisivo é a situação
anímica provocada pelo estado puerperal, só a própria mãe que, sob
essa condição, dá morte ao filho se concede o privilégio da capitulação
do fato como infanticídio e da conseqüente mitigação da pena. É a
limitação que resulta claramente da lei. E, assim, no nosso Direito, ao
contrário do que acontece em alguns códigos que tomam por fundamento
do tipo a defesa da honra e admitem que essa defesa se promova por
terceiros em determinadas condições, não se inclui entre os possíveis
autores de infanticídio pai, mãe ou outro parente próximo da mulher. O
fundamento admitido pelo nosso Código exclui necessariamente a
possibilidade de que outrem que não seja a própria mãe venha a figurar
como autor”.
3.2.2 Sujeito Passivo
A lei protege não apenas o ser que está nascendo, o
nascente, mas também o que já nasceu, o recém-nascido.
Feto nascente é aquele que está nascendo, já começou, mas
não acabou de nascer.
O estado de recém-nascido é caracterizado pelos vestígios
comprobatórios da vida intra-uterina. Tem o recém-nascido em estágio que
vai desde os primeiros cuidados após o parto até aproximadamente o 7º dia de
nascimento. Esse conceito é puramente médico-legal, a fim de atender à
15
Aníbal Bruno, Direito penal, p. 149.
18
exigência pericial no tocante à permanência de elementos de prova do estado
de recém-nascido.
A lei não exige que o recém-nascido tenha vitalidade, basta
estar vivo, mesmo que se comprove que não teria capacidade de continuação
de vida extra-uterina.
Haverá infanticídio ainda que o nascente ou neonato seja
disforme ou monstruoso.
Tal como Antonio J. M. Feu Rosa16 destaca:
“Não exclui o crime o fato de se tratar de anormal, disforme ou
excepcional. A lei tutela igualmente o neonato normal e o deformado ou
monstruoso. O Código não toma em consideração essas condições
físicas excepcionais, nem tampouco se o recém-nascido tinha poucas
chances de sobreviver”.
Ainda para Aníbal Bruno17 entende-se que:
“A vida, por mais precária que seja a sua duração previsível, é sempre o
bem jurídico que a lei protege dentro do conceito de matar alguém.
O fato de ser o filho legítimo ou ilegítimo não altera a situação, ao
contrário do que se vê nos códigos que tomam por motivo terminante a
preservação da honra, e, então, é a ilegitimidade da concepção que
influi sobre o privilégio”.
16
17
Antonio José Miguel Feu Rosa, Direito penal: parte especial, p. 126.
Aníbal Bruno, Direito penal, p. 150.
19
É necessário verificar se a criança nasceu viva, pois se já
nasceu morta, constitui crime impossível.
Portanto, o feto sem vida não pode ser sujeito passivo.
Em razão disto, é muito discutido qual a prova da
existência de vida.
A vida extra-uterina apresenta, principalmente pela
respiração autônoma do infante nascido ou do recém-nascido, profundas
modificações capazes de oferecer ao perito condições de um diagnóstico de
vida independente.
Esse diagnóstico é feito através da comprovação
respiratória pelas docimásias e pelas provas ocasionais.
Provas Docimásias – As docimásias são provas baseadas
na possível respiração ou nos seus efeitos. As mais importantes são:
Docimásia Diafragmática de Ploquet; Docimásia Óptica ou Visual de
Bouchut; Docimásia Táctil de Nerio Rojas; Docimásia Óptica de Icard;
Docimásia radiológica de Borbas; Docimásia Hidrostática Pulmonar de
Galeno; Docimásia Histológica de Balthazard; Docimásia Hidrostáticas de
Icard; Docimásia Epimicroscópica Pneumo-Arquitetônica de Hilário Veiga de
Carvalho; Docimásia Química de Icard; Docimásia Gastrintestinal de Breslau;
Docimásia Auricular de Vreden, Wendt e Gele; Docimásia HematopneumoHepática de Severi; Docimásia Siálica de Souza-Dinitz; Docimásia Pneumo-
20
Hepática de Puccionotti; Docimásia Plêurica de Placzek; Docimásia Traqueal
de Martin; Docimásia Hematopulmonar de Zalesk; Docimásia Ponderal de
Pulcquet; Docimásia do Volume D’água Deslocado de Bernt; Docimásia
Alimentar de Brothy; Docimásia Bacteriana de Malvoz; Docimásia Úrica de
Budin-Ziegler; e Docimásia do Nervo Óptico de Mirto.
Provas Ocasionais – Em determinadas circunstâncias, são
de grande valia para a confirmação da existência de vida extra-uterina. As
mais comuns são: Presença de corpo estranhos nas vias respiratórias; Presença
de substâncias alimentares no tubo digestivo; Lesões; e Indícios de recémnascimento.
Victor Eduardo Rios Gonçalves18, ainda considera que:
“Se a mãe, mesmo estando sob a influência do estado puerperal e logo
após o parto, mata algum outro filho que não o nascente ou recémnascido, incide no crime de homicídio.
Se a mãe quer matar o próprio filho, mas, por erro, acaba matando
outro recém-nascido, responde por infanticídio, porque o artigo 20, § 3º,
do Código Penal, que trata do chamado erro quanto à pessoa, determina
que o agente seja responsabilizado como se tivesse matado a pessoa que
pretendia”.
3.3
Elemento Subjetivo
O infanticídio somente é punido a título de dolo, que é a vontade
de causar a morte do próprio filho, podendo ser dolo direto ou eventual.
18
Victor Eduardo Rios Gonçalves, Dos crimes contra a pessoa, p. 43.
21
Não há infanticídio de forma culposa. Portanto, se o resultado da
morte provém de culpa, o agente será punido por homicídio culposo.
Julio Fabbrini Mirabete19 afirma que:
“ Não existe forma culposa de infanticídio: se a mãe, por culpa,
causar a morte do filho, responderá por homicídio culposo, ainda que tenha
praticado o fato sob a influência do estado puerperal”.
De outro lado, Antonio José Miguel Feu Rosa20, defende a
hipótese de haver infanticídio culposo: “Participamos, entretanto, do
entendimento daquela importante corrente que, com Carrara à frente, sustenta
que o infanticídio admite a forma culposa. Isto se dá, por exemplo, quando a
mãe, sob a influência do estado puerperal, desleixa nos cuidados devidos ao
recém-nascido: alimentação, proteção contra o frio ou calor, assistência
médica, etc., causando-lhe a morte, não dolosa, mas culposa”.
Enquanto que, para Damásio E. de Jesus21:
“Se a mulher vem a matar o próprio filho, sob a influência do
estado puerperal, de forma culposa, não responde por delito algum (nem
homicídio, nem infanticídio)”.
Damásio tem opinião no sentido de que o fato seria atípico.
O núcleo do tipo é matar, podendo ser por ação ou omissão.
19
Julio Fabbrini Mirabete, Manual de direito penal: parte especial, p. 92.
Antonio José Miguel Feu Rosa, Direito penal: parte especial, p. 127.
21
Damásio E. de Jesus, Direito penal: parte especial, p. 109.
20
22
Exemplo de infanticídio por ação: sufocamento, golpes com
objetos contundentes, etc.
Exemplo de infanticídio por omissão: ausência de alimentação,
falta de ligadura do cordão umbilical, etc.
É necessário para caracterizar o crime, não só que a mãe tenha
agido sob a influência do estado puerperal, mas que o fato ocorra durante o
parto ou logo após.
3.4
Momento do Crime
A lei exige, para que haja infanticídio, um elemento cronológico:
que o crime se consume durante o parto ou logo após.
A expressão durante o parto, abrange o período que vai do
começo do parto até o momento em que o feto se desprende do organismo
materno. É o período durante o qual a criança está nascendo.
O mesmo, entretanto, não sucede com a expressão logo após, que
tem dado lugar a controvérsias e interpretações diferentes.
Aníbal Bruno22 ensina:
“O fato tem de ocorrer dentro de determinada circunstância de tempo,
durante ou logo após o parto. Durante o parto, isto é, no período que se
estende desde o momento em que começa o processo fisiológico da
expulsão do feto, com a dilatação do colo do útero e a ruptura da
membrana amiótica, até aquele em que o ser nascente com os seus
22
Aníbal Bruno, Direito penal, p. 150.
23
anexos é eliminado do corpo materno. Logo após o parto, isto é, dentro
de um período de tempo de limitação imprecisa e para a compreensão do
qual é preciso recorrer à condição de que o fato se dê sob a influência
do estado puerperal”.
Muita discussão surgiu entre os doutrinadores sobre a expressão
“logo após o parto”, pelo fato de que não há prazo estipulado em lei fixando o
seu tempo de duração e determinando até quando ocorre infanticídio e a partir
de que momento a prática é a de homicídio.
Para Heleno Cláudio Fragoso a expressão “logo após o parto”
significa logo em seguida, imediatamente após.
A. F. de Almeida Júnior, que, de início, se referia a um prazo
preciso de até sete dias após o parto, passou a admitir que se deve deixar a
interpretação a critério do julgador.
Bento de Faria faz menção ao prazo de oito dias, durante o qual
ocorre a queda do cordão umbilical.
Flamínio Fávero também entende que a definição compete ao
julgador.
A. J. da Costa e Silva sustenta que a expressão “logo após” quer
significar “enquanto perdura o estado emocional”.
Damásio Evangelista de Jesus estende o lapso temporal até
quando perdurar a influência do estado puerperal.
24
Nélson Hungria23 destaca:
“Não lhe pode ser dada uma interpretação judaica, mas
suficientemente ampla, de modo a abranger o variável período do choque
puerperal”.
Contudo, o mais aceito atualmente para resolver o caso concreto,
o juiz levará em conta os dados objetivos da contagem de tempo e os
elementos subjetivos da autora, de ordem psicológica, fisiológica, social e
moral, para decidir se o crime foi realmente cometido sob a influência do
estado puerperal e durante o parto ou logo após.
Todavia, Flávio Augusto Monteiro de Barros24 ressalta que:
“A melhor orientação, porém, é a que reserva à expressão logo após o
parto significado mais abrangente, compreendendo todo o período em
que permanecer a influência do estado puerperal. Sobrevindo, contudo,
a fase da bonança, em que predomina o instinto materno, cessa a
influência do estado puerperal, não havendo mais delito de infanticídio,
mas homicídio”.
3.5
Consumação e Tentativa
O crime se consuma com a morte do nascente ou recém-nascido.
Não é necessário que tenha havido vida extra-uterina, bastando a
prova de que se tratava de feto vivo. Esta prova está descrita às fls. 18 - 21.
23
24
Nélson Hungria; Heleno Claúdio Fragoso, Comentários ao Código Penal, p. 264.
Flávio Augusto Monteiro de Barros, Crimes contra a pessoa, p. 58.
25
Como se trata de crime plurissubsistente, que por sua vez, é
composto de vários atos que integram a conduta, admite-se a tentativa.
Iniciada a ação de matar, esta pode ser interrompida por alguém
que impeça sua consumação.
26
CAPÍTULO IV
4.1
Estado Puerperal
Trata-se de condição que suprime da mulher por completo o seu
senso de razão, retira-lhe sua inibição, sua conduta moral, em decorrência do
trauma trazido pela parturição levando-a ao trágico fim de tirar a vida do
próprio filho.
Neste aspecto Aníbal Bruno25, conceitua da seguinte forma:
“Estado puerperal é o conjunto das perturbações físicas e psíquicas que
sofre o organismo da mulher em relação com o fenômeno do parto.
A lei admite que o estado puerperal pode gerar uma situação de
turvação do espírito capaz de determinar a mulher a praticar o
infanticídio. Essa situação, mesmo existente, será transitória e
geralmente se apaga sem deixar vestígios. Será difícil demonstrar que
ela ocorreu e conduziu ao crime. Em geral, tais fatos se passam fora da
presença de testemunhas, sobretudo de testemunhas idôneas, e quando
chega o perito já os sinais da sua passagem se desvaneceram.
Um sentimento de justiça conduzirá, então, a fazer cobrir com o
privilégio do artigo 123 toda morte dada pela própria mãe ao filho
durante o parto ou logo após, desde que não se demonstre ter sido
praticada friamente, excluindo qualquer comoção que pudesse justificar
a idéia de grave perturbação da consciência”.
Cezar Roberto26, considera que:
25
26
Aníbal Bruno, Direito penal, p. 146-150.
Cezar Roberto Bitencourt, Código penal comentado, p. 420-421.
27
“O puerpério, elemento fisiopsicológico, é um estado febril comum às
parturientes, que pode variar de intensidade de uma para outra mulher,
podendo influir na sua capacidade de discernimento.
É fundamental a perturbação psíquica que o estado puerperal pode
provocar na parturiente. É exatamente essa perturbação decorrente do
puerpério que transforma a morte do próprio filho em um delictum
exceptum.
O estado puerperal existe sempre, durante ou logo após o parto, mas
nem sempre produz as perturbações emocionais que podem levar a mãe
a matar o próprio filho.
Não significa que o puerpério acarrete sempre uma perturbação
psíquica: é preciso que fique constatado que esta realmente sobreveio
em conseqüência daquele, de modo a diminuir a capacidade de
entendimento da parturiente. Fora daí, não há porque distinguir entre
infanticídio e homicídio.
É indispensável uma relação de causalidade entre o estado puerperal e a
ação delituosa praticada; esta tem de ser conseqüência da influência
daquele, que nem sempre produz perturbações psíquicas na mulher.
Os efeitos do estado puerperal, podem ser apresentados em quatro
hipóteses:
a) o puerpério não produz nenhuma alteração na mulher;
b) acarreta-lhe perturbações psicossomáticas que são a causa da
violência contra o próprio filho;
c) provoca-lhe doença mental;
d) produz-lhe perturbação da saúde mental diminuindo-lhe a
capacidade de entendimento ou de determinação.
Na primeira hipótese, haverá homicídio; na segunda, infanticídio; na
terceira, a parturiente é isenta de pena em razão de sua inimputabilidade
(artigo 26, “caput” do Código Penal); na quarta, terá redução de pena,
em razão de sua semi-imputabilidade”.
28
É interessante ressaltar o que Victor Eduardo Rios Gonçalves27
nos aponta:
“Questiona-se, na prática, se o estado puerperal é presumido ou se deve
ser provado. Ora, como toda elementar de uma infração penal, o estado
puerperal deve ser provado. Se os peritos afirmam que existiu o estado
puerperal, haverá infanticídio, mas se atestarem com convicção que ele
não ocorreu, estará tipificado o homicídio. Acontece, entretanto, que, em
muitos casos, a constatação efetiva da ocorrência do estado puerperal
fica dificultada porque a mulher acaba sendo submetida ao crivo dos
médicos e psicólogos quando já se passou um longo período da data do
fato. Nesses casos, havendo dúvida acerca de sua existência, há que se
presumir que ele ocorreu, já que se afastado o estado puerperal haveria
crime de homicídio. Na hipótese, temos que, na dúvida, deve-se optar
pela solução mais benéfica à acusada (in dubio pro reo). Conclusão: o
estado puerperal, em princípio, deve ser provado, mas, se houver dúvida
no caso concreto, presume-se que ele ocorreu” .
Vale ainda destacar que não se pode confundir o estado puerperal
com o puerpério, que é o espaço de tempo compreendido entre a expulsão da
placenta e a involução total das alterações da gravidez, pelo retorno do
organismo materno às suas condições pré-gravídicas. Ou seja, é o período
variável, de evolução diferente de mulher para mulher, onde concomitante ao
efetivo exercício da maternidade a mulher experimenta profundas
modificações genitais, gerais e psíquicas, com gradativo retorno ao período
não gravídico. A maioria dos autores considera o período como as 6 primeiras
semanas pós-parto, outros o dividem, arbitrariamente, em puerpério imediato
27
Victor Eduardo Rios Gonçalves, Dos crimes contra a pessoa, p. 43.
29
(primeiras 24 horas), precoce (de 24 horas até o final da primeira semana) e
remoto ou tardio (da primeira semana até a retomada das condições prégravídicas – por volta de 6 semanas). Algumas classificações ainda estendem
o término para 90 dias.
Portanto, necessário se faz estabelecer um nexo de causalidade
entre a gravidez, o parto e o puerpério e as circunstâncias confusionais do
chamado estado puerperal, uma vez que tal condição de obnubilação da
consciência não se manifesta em partos assistidos, aceitos e desejados, senão
naqueles de gravidez intangível ou clandestina.
O estado puerperal também não se confunde de modo algum com
as psicoses puerperais que ocorrem no período pós-parto.
As psicoses puerperais configuram doenças mentais, devendo-se
levar o fato a exame nos termos da inimputabilidade da agente, por força do
artigo 26, caput, do Código Penal, isentando-a de pena, ou mesmo, nos
moldes da semi-imputabilidade da mulher, de acordo com o parágrafo único
do citado artigo, quando, então, responderá por homicídio com a devida
atenuação da pena.
Jurisprudências, com relação ao estado puerperal:
PRONÚNCIA – Recurso em sentido estrito – Homicídio tentado
– Pretendida desclassificação para infanticídio (artigo 123 do Código Penal) –
Parte da jurisprudência vem entendendo que a influência do estado puerperal
30
na conduta da agente, que mata o próprio filho após o parto, é presumida – Há
entendimento contrário – No caso, considerando que os fatos não ocorreram
logo após o parto, não há como reconhecer a influência do estado puerperal.
(Recurso em Sentido Estrito n. 224.577-3 – Barretos – 4ª Câmara Criminal de
Férias “Julho/98” – Relator: Passos de Freitas – 23.07.98 – V.U.)
INFANTICÍDIO – Não caracterização – Inocorrência de estado
puerperal – Ré que procurou justificar perante seus familiares a existência de
sujeira resultante daquele ato, revelando que mantinha consciência íntegra
sobre o ocorrido – Puerpério que acarreta uma perturbação psíquica, na qual
há a perda da realidade – Ocultação, ademais, do cadáver do nascido, que não
se amolda àquele estado depressivo – Elementos dos autos que indicam para a
sua rigidez mental – Ré que deve ser pronunciada como incursa no artigo 121,
“caput”, e no artigo 211 do Código Penal, sendo submetida a julgamento pelo
Tribunal do Júri. (Recurso em Sentido Estrito n. 253.586-3 – Cotia – 3º
Câmara Criminal Extraordinária – Relator: Otávio Henrique – 31.05.99.
4.2
Caracterização do Infanticídio
O crime de infanticídio exige para a sua caracterização:
a) Prova da condição de recém nascido;
b) Prova de vida extra-uterina;
c) Diagnóstico da causa morte;
d) Exame de puerpéra.
31
Segundo A. Almeida Júnior28:
“A perícia médico legal contribuirá: 1) para a fixação do momento
fisiológico do crime, a fim de que se verifique se este se deu,
efetivamente, durante o parto ou logo após; 2) para que se determine se
o feto, ao ser submetido à violência infanticida, ainda estava vivo –
condição sem a qual o crime seria impossível; 3) para que se esclareça a
natureza da violência; 4) para que se prove que se tratava, realmente, de
filho da acusada; 5) para que se demonstre que esta última agiu sob a
influência do estado puerperal”.
Idade do Feto
O infanticídio, via de regra, se pratica num recém-nascido a
termo. Antes de proceder à necropsia de um feto o médico-legista precisa
adquirir os sinais do feto a termo.
Exame de Puérpera
O exame da mãe é indispensável nos crimes de infanticídio. Este
exame dirá, em primeiro lugar, se houve ou não parto e se este é recente ou
antigo.
Acusada uma mulher de ter cometido infanticídio, a verificação
pericial de uma gravidez ou de um parto antigo afastará imediatamente a
imputação.
28
A. Almeida Júnior e J. B. de O. e Costa Júnior, Lições de Medicina Legal, p. 373.
32
O exame mental pode ser necessário nos casos de psicoses
puerperais. Além disso, o perito terá de julgar da influência que o estado
puerperal possa ter desempenhado no delito, o que será muito difícil, pois o
exame se realizará, quase sempre, bastante tempo depois do crime, quando
nenhum elemento semiótico existirá.
Tal seja a demora da realização da perícia, pode suceder que a
criminosa já esteja em perfeito estado de saúde ou novamente grávida, afirmase portanto, como exige a lei, que o crime se deu sob a influência do estado
puerperal, pois na prática é extremamente difícil o exame imediato.
4.3
Concurso de Pessoas no Infanticídio
Pode-se observar a controvérsia acerca do tema analisando
apenas as descrições e as penas aplicadas ao crime de infanticídio presentes
nos códigos penais brasileiros através dos tempos, tal é notável a diversidade
de opiniões.
Desde a carta criminal de 1830 até a atual, tem-se a dificuldade
de classificar o crime cometido pelo terceiro, que, de qualquer forma,
contribui para a prática do crime de infanticídio.
O Código Penal de 1940, com seu critério fisiopsicológico adota
como elementar a influência do estado puerperal. Trata-se de crime próprio,
no qual só a mãe pode ser sujeito ativo e só o neonato ou o nascente pode ser
33
sujeito passivo, portanto, aplicando-se a regra contida no artigo 29 do Código
Penal, teríamos uma fácil solução: o partícipe responde pelo infanticídio,
todavia, a discussão doutrinária reside no fato da comunicabilidade ou não da
elementar “influência do estado puerperal”.
Surge grande divergência entre os doutrinadores no seguinte
aspecto: se ao participante do crime de infanticídio aplica-se a mesma pena da
mãe ou a prevista no caso de homicídio?
No direito brasileiro adotam a teoria da comunicabilidade:
Roberto Lyra, Olavo Oliveira, Magalhães Noronha, José Frederico Marques,
Basileu Garcia, Euclides Custódio da Silveira, Bento de Faria, Damásio E. de
Jesus, H. Fragoso e Celso Delmanto.
Portanto, para estes é possível que terceiro responda pelo crime
de infanticídio. Dessa forma, se a mãe mata o recém-nascido, tendo sido
estimulada a realizar a conduta por terceiro, este será partícipe no infanticídio.
E se ambos matam a vítima, são co-autores do infanticídio. Isto em razão do
artigo 29, “caput”, do Código Penal, que diz: “Quem, de qualquer modo,
concorre para o crime incide nas penas a este cominadas”. Bem como,
expressa o artigo 30 do Código Penal, segundo o qual: “não se comunicam as
circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do
crime”. Pois, embora a influência do estado puerperal seja de caráter pessoal,
ela é elementar do crime de infanticídio.
34
Neste modo, sustenta Damásio E. de Jesus29:
“É certo e incontestável que a influência do estado puerperal constitui
elementar do crime de infanticídio. De modo com o que dispõe o artigo
30 do Código Penal, (...). Assim, nos termos da disposição, a influência
do estado puerperal (elementar) é comunicável entre os fatos dos
participantes”.
De outro lado, há doutrinadores que ensinam que o partícipe deve
responder por crime de homicídio, são eles: Heleno Claúdio Fragoso, Galdino
Siqueira, Anibal Bruno, Salgado Martins e João Mestieri.
Isto em decorrência do artigo 30 do Código Penal, que em sua
primeira parte dispõe que: “não se comunicam as circunstâncias e as
condições de caráter pessoal”. Portanto, neste caso, o terceiro que causar a
morte do nascente ou do recém-nascido responderá por homicídio, tendo em
vista, a condição personalíssima, e assim, apenas a mãe estaria incursa no
infanticídio. Portanto, para esta corrente, não existe co-autoria ou participação
no infanticídio.
Assim como esclarece Aníbal Bruno30:
“Só pode participar do crime de infanticídio a mãe que mata o filho nas
condições particulares fixadas na lei. O privilégio que se concede à
mulher sob a condição personalíssima do estado puerperal não pode
estender-se a ninguém mais. Qualquer outro que participe do fato age
em crime de homicídio. A condição do estado puerperal, em que se
fundamenta o privilégio e que só se realiza na pessoa da mulher que tem
29
30
Damásio E. de Jesus, Direito penal: parte especial, p. 111.
Aníbal Bruno, Direito penal, p. 150-151.
35
o filho impede que se mantenha sob o mesmo título a unidade do crime
para o qual concorrem os vários partícipes. Em todos os atos praticados
trata-se, direta ou indiretamente de matar, mas só em relação à mulher,
pela condição particular em que atua, esse matar toma a configuração
do infanticídio. Para os outros mantém o mesmo sentido comum da ação
de destruir uma vida humana, que é o homicídio. Assim, por exemplo,
quando é o terceiro que mata e da mulher é só a instigação para que o
faça, ou, ao inverso, quando aquêle instiga, ou fornece o meio, ou auxilia
materialmente e esta é que realiza a ação de matar, concorrendo os
demais extremos do tipo, para ela o crime é de infanticídio mas a ele se
punirá como homicida. A proteção penal da vida humana debilita-se no
infanticídio em atenção à situação psíquica anômala em que se encontre
a mulher que mata o próprio filho ou colabora na sua morte. É situação
mental que o Direito julga digna de ser considerada como causa de
atenuação da responsabilidade, com a conseqüência da minoração da
pena. Esse enfraquecimento da proteção à vida, bem fundamental no
sistema do Código, não deve estender-se ao comportamento do terceiro
co-partícipe, estranho àquela situação psíquica excepcional que justifica
o privilégio”.
Juntamente Galdino Siqueira31 garante que:
“Trata-se de fato personalíssimo e, nos termos do Código, de
condição incomunicável (sob a influência do estado puerperal)”.
Também, Marcelo Fortes Barbosa32 afirma que:
“Na verdade, o terceiro que colabora na destruição da vida do
neonato pela mãe, é antes um homicida que um infanticida, nada justificando
que se beneficie do privilégio legal”.
31
32
Galdino Siqueira, Tratado de direito penal, p. 53.
Marcelo Fortes Barbosa, O infanticídio e o novo código penal, p. 315.
36
Há ainda, uma terceira posição, na qual alguns doutrinadores,
como José Frederico Marques e Euclides Custódio da Silveira, aceitam a tese
da comunicabilidade, porém com a reserva de que o terceiro participante no
crime tenha atuação meramente acessória na prática da conduta delituosa,
instigando ou induzindo a autora principal.
José Frederico Marques33, defende:
“O infanticídio é crime próprio, pois somente o pode cometer a mãe em
relação ao filho recém-nascido (...). Outras pessoas, no entanto, podem
figurar como co-autores; e como se trata de delito privilegiado, mas
autônomo, comunicam-se as circunstâncias subjetivas que integram o
tipo, aos co-autores (...), muito embora pense de modo contrário Nélson
Hungria. Mas é preciso que o co-autor tenha, como é óbvio,
participação exclusivamente acessória”.
É interessante ressaltar que Nélson Hungria, durante quarenta
anos, foi o maior defensor da incomunicabilidade, porém em sua última
edição de sua obra, mudou seu entendimento, passando a adotar a tese da
comunicabilidade da circunstância elementar da influência do estado
puerperal aos terceiros.
De acordo com Euclides Custódio da Silveira34:
“Na Conferência dos Desembargadores realizada no Rio de Janeiro, em
julho de 1943, decidiu a maioria que ao partícipe do crime de
33
34
José Frederico Marques, Tratado de direito penal: parte especial, p. 176.
Euclides Custódio da Silveira, Direito penal: crimes contra a pessoa, p. 97-100.
37
infanticídio deve ser aplicada a pena cominada para este crime e não a
do homicídio.
É evidente que a participação há de ter caráter meramente acessória,
caso contrário, o partícipe terá praticado um homicídio”.
Ainda, é importante verificar a seguinte situação, segundo Victor
Eduardo Rios Gonçalves35:
“Quando uma pessoa mata o recém-nascido e a mãe apenas estimula
essa conduta, não se tipifica o crime de infanticídio, porque a mãe não
realizou a conduta típica matar e o terceiro não estava sob influência do
estado puerperal. Como foi outra pessoa que realizou a conduta típica, o
crime por ela cometido é o de homicídio e a mãe é partícipe desse crime.
Entretanto, apesar de essa conclusão ser tecnicamente correta, a
doutrina, em uníssono, não a aceita, porque a mãe estaria sendo punida
mais gravemente por ter realizado uma conduta menos grave – se ela
tivesse matado a criança responderia por infanticídio. A doutrina, então,
pleiteia uma reforma na legislação para solucionar a contradição e, por
uma questão de bom senso e justiça, sugere que, nesse caso, seja a mãe
punida por infanticídio”.
Assim, se a tese adotada for da incomunicabilidade, o crime é
considerado de mão-própria, e se for da comunicabilidade, o crime será
próprio.
Julio Fabbrini Mirabete36, diferencia:
35
36
Victor Eduardo Rios Gonçalves, Dos crimes contra a pessoa, p. 44-45.
Julio Fabbrini Mirabete, Manual de direito penal: parte geral, p. 135.
38
“Os crimes próprios (ou especiais), são aqueles que exigem ser o agente
portador de uma capacidade especial. Os crimes de mão-própria (ou de
atuação pessoal) distinguem-se dos delitos próprios porque estes são
suscetíveis de ser cometidos por um número limitado de pessoas, que
podem, no entanto, valer-se de outras para executá-los, enquanto nos
delitos de mão-própria - embora passíveis de serem cometidos por
qualquer pessoa – ninguém os pratica por intermédio de outrem”.
4.4
Pena
Como vimos, a pena é a detenção de dois a seis anos, para o
crime consumado.
Segundo Cezar Roberto Bitencourt37:
“Não há previsão de qualificadoras, majorantes ou minorantes especiais
nem modalidade culposa. A ação penal é pública incondicionada. Como
toda ação penal pública, admite ação privada subsidiária, nos termos da
Constituição Federal, desde que haja inércia do Ministério Público”.
37
Cezar Roberto Bitencourt, Código penal comentado, p. 424.
39
CAPÍTULO V
5.1
Infanticídio e Aborto
Distingue-se infanticídio de aborto pelo momento da prática
delituosa. De fato, o artigo 123 do Código Penal, dispõe que o crime deve ser
praticado durante o parto ou logo após.
Portanto, se ocorrer antes do início do parto, está configurado o
aborto.
Desta forma, é necessário verificar o início e o fim do parto, para
se ter certeza qual o crime que foi praticado.
Heleno Claúdio Fragoso38, define o crime de aborto:
“O aborto consiste na interrupção da gravidez com a morte do feto.
Pressupõe, portanto, a gravidez, isto é, o estado de gestação, que, para
os efeitos legais, inicia-se com a implantação do ovo na cavidade
uterina. Do ponto de vista médico, a gestação se inicia com a
fecundação, ou seja, quando o ovo se forma na trompa, pela união dos
gametas masculino e feminino. Inicia-se então a marcha do óvulo
fecundado para o útero, com a duração média de três a seis dias, dandose a implantação do endométrio. Daí por diante é possível o aborto” .
Diferenciando-se o infanticídio do aborto, Paulo Sérgio Leite
Fernandes39, ensina que:
38
39
Heleno Claudio Fragoso, Lições de direito penal: parte especial, p. 115-116.
Paulo Sérgio Leite Fernandes, Aborto e Infanticídio, p. 135.
40
“A principal característica do infanticídio é que nele o feto é morto
enquanto nasce ou logo após o nascimento. O aborto, ao contrário,
somente se tipificará se o feto é morto antes de iniciado o trabalho de
parto, haja ou não a expulsão. Logo, enquanto não se inicia o parto,
qualquer manobra tendente a matar o feto constituirá, caso haja êxito, o
crime de aborto. A forma tentada (de infanticida), apesar de difícil
comprovação, é admissível. Vivo o feto, enquanto dura o parto e morto
nesse período, haverá feticídio, equiparado a infanticídio”.
5.2
Infanticídio e Homicídio
Distingue-se infanticídio de homicídio pelo estado puerperal.
Para que ocorra o delito de infanticídio precisa estar caracterizado o estado
puerperal, pois a ausência desta influência caracterizará o crime de homicídio.
Alguns traços para diferenciação:
- qualidade do sujeito ativo e do sujeito passivo da ação
delituosa
- influência biopsíquica do estado puerperal
- na circunstância de tempo contida no tipo (durante o parto ou
logo após)
Para alguns doutrinadores, esta distinção também se estende aos
participantes do crime de homicídio, sendo que a influência do estado
puerperal constitui elementar do crime de infanticídio e em decorrência disto
se torna comunicável entre os participantes.
41
Porém, para outros doutrinadores, o estado puerperal é
característica própria da mãe e que por isso é incomunicável aos participantes,
cometendo estes crime de homicídio.
Vale ressaltar ainda, que, quando a mãe expõe ou abandona o
recém-nascido, para ocultar desonra própria, estando ou não sob a influência
do estado puerperal, ocorre o crime de exposição ou abandono de recémnascido, qualificado quando resultar de lesão corporal de natureza grave ou
morte (artigo 134 e parágrafos).
42
CAPÍTULO VI
6.1
Jurisprudências sobre Infanticídio
“Ocorre o infanticídio com a morte do recém-nascido causada
logo após o parto pela mãe, cuja consciência se ache obnubilada pelo estado
puerperal, que é estado clínico resultante de transtornos que se produzem no
psíquico da mulher em decorrência do nascimento do filho” (RT 548/348).
“O infanticídio é, inegavelmente e antes de tudo, um delito
social, praticado na quase totalidade dos casos (e é fácil a comprovação pela
simples consulta dos repertórios de jurisprudência), por mães solteiras ou
mulheres abandonadas pelos maridos e pelos amásios. Raríssimas vezes,
para não dizer nenhuma, têm sido acusadas desses crimes mulheres casadas
e felizes, as quais, via de regra, dão a luz cercadas de amparo do esposo e do
apoio moral dos familiares. Por isso mesmo, o conceito fisiopsicológico do
infanticídio – ‘sob a influência do estado puerperal’ – introduzido no nosso
Código Penal para eliminar de todo o antigo conceito psicológico – a causa
da honra – vai, aos poucos, perdendo sua significação primitiva e se
confundindo com este, por força de reiteradas decisões judiciais” (RT
421/91).
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“Se não se verificar que a mãe tirou a vida do filho nascente ou
recém-nascido sob a influência do estado puerperal, a morte praticada se
enquadrará na figura típica do homicídio” (RT 491/292-293).
“Se a criança nasceu com vida, respirando e se alimentando
normalmente, assim permanecendo até o outro dia, em companhia da mãe, na
mesma cama, sentado aí encontrada passando mal, com sintomas de asfixia
mecânica que a levou à morte, tais fatos constituem indícios suficientes da
autoria; a gravidez clandestina, mantida oculta dos familiares até o dia do
parto, fator agravante dos distúrbios físio-psicológicos denominados estado
puerperal, é outro indício a apontar a recorrida como autora da morte de seu
filho” (TJRS, Rel. Ranolfo Vieira, j. 17-3-1997).
“Responde por infanticídio a progenitora que, após o
nascimento do filho, não presta os cuidados indispensáveis à criança,
deixando de fazer a ligadura do cordão umbilical seccionado” ( TACrimSP,
AC, Rel. Lauro Alves, JTACrim, 49: 187).
“Tentativa – Descaracterização – Mãe que atenta contra vida do
filho recém-nascido depois de certo lapso temporal do parto, quando já
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ultrapassada a influência do estado puerperal – Hipótese que configura
homicídio, no caso em sua forma tentada” (TJSP).
“Estado puerperal – Prova – Perícia médica dispensável –
Efeito normal de qualquer parto – Inteligência do art. 123 do CP” (TJSP).
“Descaracterização – falta de prova da intenção da mãe de
matar o próprio filho ou assumir o risco de fazê-lo – Delito em que inexiste a
forma culposa – Despronúncia operada” (TJES).
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CONCLUSÃO
Concluí, pois, com este pequeno trabalho que o crime de infanticídio
ocorre quando a mãe mata o próprio filho, nascente ou recém-nascido, sob a
influência do estado puerperal. Os elementos desse crime são: o nascente ou
recém-nascido, existência de vida extra-uterina e que a morte seja causada
pela mãe sob a influência do estado puerperal. A intervenção médico-legal é
necessária para a caracterização do infanticídio, sendo indispensável o exame
da puérpera.
É, no dizer unânime dos penalistas, uma espécie de homicídio “mais
que privilegiado” praticado pela mãe em condições especiais.
O infanticídio também está ligado ao aborto, visto que a maioria dos
casos de infanticídio ocorre em mulheres que não desejam a gravidez, por
vezes, mantendo uma gravidez clandestina, oculta dos familiares até o dia do
parto.
Contudo, é necessário salientar que o infanticídio também ocorre em
mulheres casadas, que tem uma vida equilibrada e estável.
Posto isso, considero afastada a hipótese de motivo de honra, tendo em
vista que nos dias de hoje, a sociedade não mais recrimina as mães solteiras,
como antigamente.
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No meu entender também, não cabe concurso de agentes neste crime
estudado, pois o estado puerperal é característica pessoal da mulher, não
devendo se estender a terceiros, e estes devem responder por homicídio.
E por fim, quanto ao tempo de duração do estado puerperal, cabe ao
juiz, analisar caso a caso o tempo deste estado, não devendo jamais fixar um
prazo de duração generalizada.
Desta forma, pude verificar que o infanticídio é um tema muito
polêmico e muito divergente, e que ficará ao arbítrio do julgador estabelecer
se no momento da morte, a agente realmente merece ser enquadrada como
autora deste tipo de delito.
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