A prova de Língua Portuguesa costuma seguir sempre o mesmo padrão estrutural: são apresentados três textos, que mesclam questões de interpretação, preenchimento de lacunas, ortografia, léxico (troca vocabular) e gramática. São frequentes questões que exijam do aluno a substituição de expressões presentes nos textos por outras, perguntando se há ou não alteração de significado. É de praxe, também, exigir do candidato que faça a transcrição de trechos do texto para outro discurso (do discurso direto para o indireto, ou o contrário). É, ainda, comum perguntarem quantas palavras seriam alteradas, se o sujeito de uma frase passasse do singular para o plural, ou processo inverso. Veja exemplos: UFRGS 2014 Instrução: As questões de 01 a 11 estão relacionadas ao texto abaixo. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. O que havia de tão revolucionário na Revolução Francesa? Soberania popular, liberdade civil, igualdade perante a lei – as palavras hoje são ditas com tanta facilidade que somos incapazes de imaginar seu caráter explosivo em 1789. Para os franceses do Antigo Regime, os homens eram desiguais, e a desigualdade era uma boa coisa, adequada à ordem hierárquica que fora posta na natureza pela própria obra de Deus. A liberdade significava privilégio – isto é, literalmente, “lei privada”, uma prerrogativa especial para fazer algo negado a outras pessoas. O rei, como fonte de toda a lei, distribuía privilégios, pois havia sido ungido como o agente de Deus na terra. Durante todo o século XVIII, os filósofos do Iluminismo questionaram esses pressupostos, e os panfletistas profissionais conseguiram empanar a aura sagrada da coroa. Contudo, a desmontagem do quadro mental do Antigo Regime demandou violência iconoclasta, destruidora do mundo, revolucionária. Seria ótimo se pudéssemos associar a Revolução exclusivamente à Declaração dos Passada a prova do Enem, partimos agora ao encontro de novos desafios: os vestibulares de verão. Cada universidade apresenta características específicas que norteiam a elaboração da prova de Redação, regra seguida pela UFRGS. Para entendermos um pouco mais sobre como é corrigido o texto e o que será exigido nessa instituição, segue um modelo de Redação nota 10, do ano de 2010. O tema exigia que o aluno explorasse incivilidades e infrações cometidas cotidianamente e abordasse a forma como elas afetam a sociedade. Um mundo de cegos Já afirmava Claude Levi-Strauss que “o mundo começou sem o homem e poderá acabar sem ele”. Nessa perspectiva, a sociedade atual demonstra um paradoxo, visto que, apesar de a tecnologia corroborar a capacidade técnica e intelectual do homem, continuamos cometendo infrações e incivilidades diariamente. Lamentavelmente, muitas pessoas praticam incivilidades no cotidiano, as quais atestam o caráter egocêntrico do homem: ocupar assentos especiais em transportes coletivos, poluir o meio ambiente e não coletar as fezes de nosso animal de estimação são algumas das atitudes inconsequentes que manifestamos no dia a dia, as quais contribuem para uma realidade hostil e desagradável. Nesse sentido, a construção de uma sociedade sadia consiste em ter discernimento de que o espaço de nosso próximo co- 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58. 59. 60. 61. Direitos do Homem e do Cidadão, mas ela nasceu na violência e imprimiu seus princípios em um mundo violento. Os conquistadores da Bastilha não se limitaram a destruir um símbolo do despotismo real. Entre eles, 150 foram mortos ou feridos no assalto à prisão e, quando os sobreviventes apanharam o diretor, cortaram sua cabeça e desfilaram-na por Paris na ponta de uma lança. Como podemos captar esses momentos de loucura, quando tudo parecia possível e o mundo se afigurava como uma tábula rasa, apagada por uma onda de comoção popular e pronta para ser redesenhada? Parece incrível que um povo inteiro fosse capaz de se levantar e transformar as condições da vida cotidiana. Duzentos anos de experiências com admiráveis mundos novos tornaram-nos céticos quanto ao planejamento social. Retrospectivamente, a Revolução pode parecer um prelúdio ao totalitarismo. Pode ser. Mas um excesso de visão histórica retrospectiva pode distorcer o panorama de 1789. Os revolucionários franceses não eram nossos contemporâneos. E eram um conjunto de pessoas não excepcionais em circunstâncias excepcionais. Quando as coisas se desintegraram, eles reagiram a uma necessidade imperiosa de dar-lhes sentido, ordenando a sociedade segundo novos princípios. Esses princípios ainda permanecem como uma denúncia da tirania e da injustiça. Afinal, em que estava empenhada a Revolução Francesa? Liberdade, igualdade, fraternidade. ao se compreender o sentido de “exclusividade” da expressão “especial”, fica-se apenas com duas possibilidades: C e D. O sentido de “empanar” não pode ser “anular”, considerando-se que algo que foi empanado não desapareceu, apenas está encoberto, obscuro. Ainda na letra C, “descrentes” é sinônimo de “céticos”. Logo, o gabarito é a letra C. UFRGS 2014 Instrução: As questões de 20 a 25 estão relacionadas ao texto abaixo. Analisando-se a questão que exigia conhecimento vocabular, percebe-se que, 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. meça onde termina o nosso espaço. Assim, quando prejudicamos o nosso entorno, estamos impedindo que a cooperação minimize as mazelas latentes da sociedade moderna. As infrações que cometemos também prejudicam muito a construção de uma sociedade sadia: a sonegação de impostos é uma atitude tão condenável quanto o ato do político se valer das finanças públicas; a compra de produtos piratas engendra um tráfico que se conecta a tantos outros, como o tráfico de drogas e de armas, os quais aliciam desassistidos e vitimam inocentes; a ultrapassagem do sinal vermelho é uma infração grave, uma vez que recrudesce o trânsito violento que verificamos atualmente. Além disso, é imprescindível que mudemos o nosso “mundo particular”, porque tal mudança se reflete no “mundo coletivo”, do qual todos nós fazemos parte. Caso contrário, só confirmaremos o que Manuel Bandeira escreveu “a existência humana é uma aventura, de tal modo inconsequente”. O escritor português José Saramago, em seu livro “Ensaio sobre a Cegueira”, descreve uma sociedade que, paulatinamente, se torna cega. Metáforas à parte, é exatamente isso o que acontece com nossa sociedade, já que ignoramos que, não só infrações, mas também incivilidades prejudicam a construção de uma sociedade sadia, pois abdicamos de atitudes abnegadas para sermos completamente egoístas, cegos. Portanto, o mundo só atenuará suas mazelas quando percebermos que tudo depende de esforços coletivos, ou, como Saramago registrou, “se podes olhar, vê; se podes ver, repara”. (Fonte: caderno Vestibular de Zero Hora) Autora do texto: Clarissa Both Pinto Alguns comentários: Assim como em outros vestibulares que nos cercam, a UFRGS também exige que seja seguida a ordem estrutural de um texto dissertativo: Introdução – apresenta-se, com clareza e objetividade, o tema que será abordado (...apesar de a tecnologia corroborar a capacidade técnica e intelectual do homem, continuamos cometendo infrações e incivilidades diariamente.); Desenvolvimento – exploram-se argumentos consistentes e bem embasados, que sejam capazes de defender a tese apresentada pelo autor do texto. Faz-se importante a presença de exemplos que comprovem as ideias defendidas (...As infrações que cometemos também prejudicam muito a construção de uma sociedade sadia: a sonegação de impostos é uma atitude tão condenável quanto o ato do político se valer das finanças públicas; a compra de produtos piratas engendra um tráfico que se conecta a tantos outros, como o tráfico de drogas e de armas, os quais aliciam desassistidos e vitimam inocentes; a ultrapassagem do sinal vermelho é uma infração grave, uma Questão 07. Assinale a alternativa que apresenta sinônimos para as palavras especial (l. 12), empanar (l. 20) e céticos (l. 45), no contexto em que ocorrem. (A) notável – anular – descrentes (B) maravilhosa – embaçar – desfavoráveis (C) exclusiva – obscurecer – descrentes (D) exclusiva – anular – incrédulos (E) notável – obscurecer – desfavoráveis Entre as situações linguísticas que o português já viveu em seu contato com outras línguas, cabe considerar uma situação que se realiza em nossos dias: aquela em que ele é uma língua de emigrantes. Para o leitor brasileiro, soará talvez estranho que falemos aqui do português como uma língua de EMIGRANTES, pois o Brasil foi antes de mais nada um país para o qual se dirigiam em massa, durante mais de dois séculos, pessoas nascidas em vários países europeus e asiáticos; assim, para a maioria dos brasileiros, a representação mais natural é a da convivência no Brasil com IMIGRANTES vindos de outros países. Sabemos, entretanto, que, nos últimos cem anos, muitos falantes do português foram buscar melhores condições de vida, partindo não só de Portugal para o Brasil, mas também desses dois países para a América do Norte e para vários países da Europa: em certo momento, na década de 1970, viviam na região parisiense mais de um milhão de portugueses – uma população superior à que tinha então a cidade de Lisboa. Do Brasil, têm ........ nas últimas décadas muitos jovens e trabalhadores, dirigindo-se aos quatro cantos do mundo. A existência de comunidades de imigrantes é sempre uma situação delicada para os próprios imigrantes e para o país que os recebeu: normalmente, os imigrantes vão a países que têm interesse em usar sua força de trabalho, mas qualquer oscilação na 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. economia faz com que os nativos ........ sua presença como indesejável; as diferenças na cultura e na fala podem alimentar preconceitos e desencadear problemas reais de diferentes ordens. Em geral, proteger a cultura e a língua do imigrante não é um objetivo prioritário dos países hospedeiros, mas no caso do português tem havido ........ . Em certo momento, o português foi uma das línguas estrangeiras mais estudadas na França; e, em algumas cidades do Canadá e dos Estados Unidos, um mínimo de vida associativa tem garantido a sobrevivência de jornais editados em português, mantidos pelas próprias comunidades de origem portuguesa e brasileira. Adaptado de: ILARI, Rodolfo; BASSO, Renato. O português como língua de emigrantes. In:___. O português da gente: a língua que estudamos a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2006. p. 42-43. Questão 20. Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas das linhas 25, 35 e 43, nesta ordem. (A) imigrado – incarem – exceções (B) emigrado – incarem – exceções (C) emigrado – encarem – exceções (D) imigrado – encarem – excessões (E) emigrado – encarem – exceções Nesta questão, que exigia conhecimento ortográfico, inicialmente trabalhou-se a diferença entre “imigrar” e “emigrar” (Imigrar quer dizer entrar em um país estranho, a fim de morar nele. Ao contrário de emigrar que significa sair de um país e ir morar em outro.). Como o texto trata da saída do Brasil para outros países, o correto é empregar a expressão “emigrar”. As outras expressões são corretamente escritas nas formas: “encarem” e “exceções”, portanto, letra C. Fique de olho: Conjunções; Pronomes; Artigos; Tempos verbais; Voz passiva; Pontuação; Regência. vez que recrudesce o trânsito violento que verificamos atualmente.) Conclusão – ratifica-se o tema abordado, bem como deve ser feito o fechamento do texto, reafirmando a tese anteriormente comprovada (...já que ignoramos que, não só infrações, mas também incivilidades prejudicam a construção de uma sociedade sadia, pois abdicamos de atitudes abnegadas para sermos completamente egoístas, cegos.); Observe que a linguagem utilizada apresenta um equilíbrio entre leveza, clareza e rebuscamento: o uso da 1ª pessoa do plural (continuamos, cometemos...) torna o texto mais leve e inclui o autor nas ideias abordadas; a utilização de conjunções e pronomes, todos corretamente empregados (além disso, já que, nesse sentido...), torna os enunciados coesos, por isso claros e coerentes; a seleção lexical bem elaborada tornou a escrita rebuscada, sem prejuízo à clareza (paradoxo, corroborar, realidade hostil, engendra...). Além do mais, tem-se nessa produção textual um exemplo de correta abordagem de tema, respeitando todos os limites da proposta. O desenvolvimento carrega argumentos suficientemente exemplificados, tornando comprobatória a defesa da tese. Para que o texto se tornasse mais atrativo, foram empregadas, corretamente, citações que realmente contribuíam com a argumentação pretendida.