COMPARECIMENTO ANUAL DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA AO CONGRESSO NACIONAL A PRÁTICA DOS ESTADOS UNIDOS LÚCIO REINER Consultor Legislativo da Área XIX Ciência Política, Sociologia Política História, Relações Internacionais FEVEREIRO/2001 Lúcio Reiner 2 © 2001 Câmara dos Deputados. Todos os direitos reservados. Este trabalho poderá ser reproduzido ou transmitido na íntegra, desde que citados o(s) autor(es) e a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. São vedadas a venda, a reprodução parcial e a tradução, sem autorização prévia por escrito da Câmara dos Deputados. Câmara dos Deputados Praça dos 3 Poderes Consultoria Legislativa Anexo III - Térreo Brasília - DF Comparecimento Anual do Presidente da República Nota Técnica 2 Lúcio Reiner 3 1. HISTÓRICO A Constituição estadunidense não prevê, de forma específica, o comparecimento anual do presidente ao Congresso. Com efeito, no se artigo II, seção III, a Carta Magna estipula apenas que: “ O Presidente deverá prestar ao Congresso, periodicamente, informações sobre o Estado da União, fazendo, ao mesmo tempo, as recomendações que julgar necessárias e convenientes”. Cumpre observar que a Lei Maior dos Estados Unidos data do século XVIII e, mais do que uma constituição no sentido moderno, de fato assemelha-se a um preâmbulo de princípios gerais. Contudo, criou-se a prática dessas informações assumirem a forma de um discurso com periodicidade anual. George Washington, em 1790, pronunciou a primeira “mensagem anual do Presidente”. Em 1801, Thomas Jefferson rompe essa tradição e passa a enviar uma carta sobre o estado da união ao Congresso. Foi assim que James Monroe , em 1823, estabeleceu a sua hoje famosa doutrina na mensagem que enviou ao Capitólio. Essa forma escrita perdurou até 1913 quando Woodrow Wilson, pressionado por séria crise econômica, foi ao plenário do Congresso pronunciar um dramático discurso solicitando apoio legislativo para seu projeto de reforma tarifária. O comparecimento anual do presidente perante o Congresso foi então retomado, sobretudo durante os períodos críticos de 1929 e das duas guerras mundiais. O advento da radiodifusão propiciava uma tribuna nacional irresistível. Franklin Roosevelt utilizou-se dela em seu famoso discurso de 1941 a respeito das “Quatro Liberdades”. Em 1945, o discurso presidencial assume a sua atual denominação de “Mensagem sobre o Estado da União”. Em 1965, Lyndon Johnson muda o horário de meio-dia para o início da noite para alcançar maiores índices de audiência na televisão. Desde então, o formato e os horários permanecem sem mudanças significativas. Quanto a data do pronunciamento, sofreu esta diversas modificações, ao início era em dezembro, ao final do ano legislativo e, finalmente, estabeleceu-se o dia 21 de janeiro, coincidindo com a posse presidencial. Comparecimento Anual do Presidente da República Nota Técnica 3 Lúcio Reiner 2. 4 CARACTERÍSTICAS O Presidente dos Estados Unidos comparece perante o Congresso, ou seja, diante do Senado e da Câmara de Representantes, no plenário desta. Trata-se de acontecimento de impacto, aguardado e anunciado por toda a nação e transmitido em direto. Reveste-se de protocolo rígido, os parlamentares respeitosamente ficam em pé e aplaudem quando o primeiro mandatário adentra o recinto, ouvem em silêncio o seu discurso e aplaudem novamente ao final, ficando em pé quando de sua saída. Os presidentes de ambas as casas legislativas recebem e acompanham o presidente durante toda a visita. O chefe do executivo utiliza o pronunciamento sobre o Estado da União para definir suas linhas de ação política. Assim, define quais serão as suas prioridades e, em decorrência, solicita ao Congresso que aprove a legislação requerida para implementá-las. Oportuno lembrar que, nos EUA, o presidente não dispõe de iniciativa legislativa, dependendo de legisladores de seu partido para propor projetos de lei. O impacto do discurso é considerável, pois tem repercussões internas e externas e define os rumos do país. É objeto de extensas análises na mídia e no meio financeiro, com conseqüências imediatas no comportamento dos mercados internacionais. Em função do presidente ter ou não maioria no Congresso, o discurso pode ser considerado um projeto de governo ou um desafio ao partido opositor, colocando-o em posição difícil perante a opinião pública, caso não colabore com iniciativas populares do executivo. 3. APLICABILIDADE NO BRASIL Brasil e Estados Unidos possuem sistema político presidencialista e forma federada de organização do estado. Não obstante, as características de cada país são notavelmente diferentes, em particular no que tange à prática política. Nosso sistema é muito mais fragmentado enquanto que o estadunidense é bipartidário, assim, é mais difícil compor base de apoio ao governo no Brasil, máxime sem a existência de fidelidade partidária e de legendas consolidadas. O comparecimento anual do Presidente da República ao Congresso Nacional para pronunciar discurso sobre formulação de políticas provavelmente seria ocasião para debates acirrados entre oposição e situação e entre a própria base de sustentação do governo. Poder-se-ia argumentar que, em democracia, todo debate é benéfico, mas não se deve perder de vista o respeito à liturgia do cargo. Ou seja, em regime presidencialista não se pode expor o chefe do executivo à sanha da oposição, sob risco de crise institucional. Assim, o discurso presidencial deveria ser, caso fosse adotado mediante emenda à Constituição Federal, rigidamente enquadrado em cerimonial específico para evitar atentados aos poderes constituídos. Por fim, não cabe submeter o Presidente da República a debate legislativo após o discurso. Em regime presidencialista, tal possibilidade é inexeqüível, sob pena de abalar as instituições. Apenas em regime parlamentarista é que o chefe de governo deve submeter-se a sabatinas legislativas. Portanto, somos de opinião que o Chefe do Executivo, caso se decida fazê-lo comparecer ao Congresso Nacional, o faça nos moldes já conhecidos e aprovados pela prática política dos Estados Unidos, respeitando, assim, a separação dos poderes e a dignidade dos cargos. 100608 Comparecimento Anual do Presidente da República Nota Técnica 4