bula da Catunda Marcela Catunda Trabalhou na TV Globo, TV Bandeirantes, TV Gazeta, Manchete e SBT. Foi redatora da DM9DDB e Supervisora de Criação de Mídia Interativa da Publicis Salles Norton. É sócia do site Banheiro Feminino, está no Orkut e trabalha como autônoma. [email protected] A cigana leu o meu destino... Eu sempre fui chegada num universo astrológico, numas cartas de tarô, num I Ching básico e mais recentemente andei emprestando minhas mãos ao talento de um vidente. E tudo isso sempre à procura da tal resposta: O que será do meu futuro? Esse clima todo de final de ano deixa a gente com aquela vontade de saber se o próximo vai ser melhor. Tudo que sei de 2005, por enquanto, é que ele será mais um ano sem décimo terceiro, sem poder se atirar nas prestações, sem poder passar na frente das grandes lojas de departamento, quer dizer, passar na frente até que eu posso, só não posso é entrar. Isso, de jeito nenhum. Nem morta. Será que minha vida de freela modelo 2006 será mais animada? Mais lucrativa? Mais interessante? Tumultuada? Divertida? Enquanto 2006 não chega, encaro esse dois mil e cinco de frente. Entre um marasmo e outro na tal entressafra de freelas, procuro elevar meu espírito aos píncaros do autocontrole enquanto repito o mantra: O próximo mês vai ser melhor. O próximo mês vai ser melhor. O próximo mês vai ser melhor. Se o próximo mês não for melhor, eu vou dançar. O próximo mês vai ser melhor. Aoooom!!! Aproveito os tempos de freelas tranqüilos para escrever e me dedicar àqueles projetos pessoais como: fazer um roteiro de um longa, ir ao dentista, limpar gavetas, pensar no referendo das armas, assistir a nova velha novela de depois do almoço e aos velhos episódios do Chaves (que eu adoro). Essas coisas deliciosas, que a vida de freela nos permite quando não estamos tomados de trabalhos para ontem. Buracos na vida de freela. Cuidado! É. Quando eu escrevi lá do tal mantra eu tava falando sério, ou quase. Porque na tal da entressafra pinta cada freela roubada que vou te contar. Tem coisa que tá mais pra “friia” do que pra freela. - E aí Catunda, ferradona? – diz um cliente ao telefone. - Especifique o ferradona – peço suplicando por uma resposta. - Ferradona, querida. Sem trabalho. Precisando de algum? – responde. - Especifique o “algum” - suplico quase aos prantos. Depois de escutar a proposta indecorosa e descobrir que o algum era praticamente nenhum, entenda-se nenhum dinheiro, desligo o telefone um tanto irritada enquanto lanço ao universo o mantra: O próximo mês vai ser melhor. O próximo mês vai ser melhor. O próximo mês vai ser melhor. Eu não estou ferrada. O próximo mês vai ser melhor. Eu não 62 sou querida desse cara. O próximo mês vai ser melhor. Quando as coisas não estão agitadas na vida de um freela é preciso tomar muito cuidado para não pegar a - E aí Catunda? Tudo certo? Então, uma amiga minha tá precisando de uma roteirista pra um freela. Parece bem legal. Posso indicar você? – diz um amigo ao telefone. primeira coisa que aparecer pela frente. Essa coisa pode E então passo a mão numa canetinha e anoto o custar caro, muito caro. Caríssimo e daí seu desespero vai endereço da tal agência que pode ser mais uma grande fazer de você um escravo de um job porcaria que vai durar parceira. Liguei, marquei a reunião, fui e cá estou eu e mais séculos, como tudo que é ruim e não acaba nunca. Por isso, um freela. não caia na primeira roubada que surgir em seu caminho. Ser freela é também saber esperar. Se conseguir, espere. Por isso, aqui vai uma dica valiosa para quem, assim como eu, encara a dura vida do freelar: tenha amigos. Tem hora que me sinto uma David Copperfield do Porque se na pior das hipóteses eles não te indicarem mundo dos freelas. Do nada eu levito, faço uma gasolina pra algum trabalho, você terá pelo menos, ótimas com- surgir no meu tanque, o telefone toca, um cliente aparece, panhias para as tardes de calmaria. E nada melhor do que um roteiro reeditado surge, um pagamento atrasado cai na amigos e um saco de pipocas. conta, um amigo me indica pra alguma coisa e pronto, faz- O telefone tá tocando. Será que é mais um freela? se a mágica e a tal luz no fim do túnel dá lugar a um trem de O próximo mês vai ser melhor? O próximo mês vai ser algumas coisas para aliviar o mês que até então anunciava melhor? O próximo mês vai ser melhor. O próximo mês vai ser um fiasco. ser melhor. Aoooom!!! Escuto a tal Madoninha Capixaba e sua versão de Like a Virgin e vejo enquanto a escuto, que nem tudo está perdido. É preciso buscar forças onde quer que elas estejam. 63 bula da Catunda “ Quando as coisas não estão agitadas na vida de um freela é preciso tomar muito cuidado para não pegar a primeira coisa que aparecer pela frente. Essa coisa pode custar caro, muito caro. ”