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Por que as crianças não obedecem mais?
Capítulo retirado do livro O Desafio de Crescer com os Filhos, de Ângela Marulanda.
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Uma das maiores dificuldades com que os pais se deparam atualmente, talvez por
ser um fenômeno próprio das novas gerações, é que os filhos se negam desde pequenos a
obedecer às suas ordens, quando não desejam segui-las ou não concordam com as
mesmas.
Diferente das gerações passadas, atualmente os filhos exigem que os pais
expliquem e justifiquem as ordens que dão, questionam a autoridade dos pais e querem ter
“voz e voto” em tudo o que se lhes pede. No passado, a autoridade dos pais não somente
era inquestionável, mas também irrefutável. Muitas vezes, até perguntar “por que” era
considerado uma falta de respeito ou um desafio à autoridade paterna. Mas as crianças das
novas gerações se defendem quando não concordam, além de se rebelar quando acham
que a ordem ou a punição de seus pais é desagradável, imprópria ou injusta.
Uma das principais causas para essa nova atitude das crianças é que a relação entre
pais e filhos mudou radicalmente. Como agora a democracia prevalece em todas as
relações sociais, os pais são vistos como iguais por seus filhos e não têm a posição
hierárquica de superioridade que tiveram no passado. Por outro lado, as crianças de hoje
desenvolvem maiores capacidades intelectuais muito cedo. Portanto são capazes de
raciocínios mais complexos, estão mais conscientes de seus direitos e são mais espertas, o
que lhes permite enfrentar e defender-se melhor.
Um novo enfoque na disciplina
Todas essas mudanças tornam imperioso modificar também a forma como vemos
as relações com os filhos. É preciso adotar um novo enfoque disciplinar, que leve as
crianças a obedecerem e assumirem determinadas condutas por convicção ou por respeito
às leis, não por medo dos adultos, como antigamente.
Há quem sustente que o que faz falta hoje em dia é ser um pouco mais severo,
como foram nossos pais, pois as crianças não obedecem porque não são tratadas com
“pulso firme”, como no passado. Sabe-se também que há características do passado, assim
como a firmeza, que é preciso resgatar; também está claro que as surras, os insultos e os
castigos de antes eram comportamentos abusivos e a única coisa que conseguiriam agora
seria transformar a casa num campo de batalha. Além disso, uma atitude tirânica, como a
de alguns anos atrás, deteriora a relação com os filhos e costuma levá-los algum dia a se
rebelar com mais força.
Atualmente, está mais claro que o objetivo da disciplina não é simplesmente que os
filhos obedeçam como cordeirinhos por medo de castigo, mas que sejam pessoas
responsáveis, isto é, que ajam e se controlem porque sabem que têm que enfrentar as
conseqüências de seus atos. Assim, a disciplina de hoje, em vez de procurar que as crianças
respeitem as pessoas com autoridade porque estas têm o poder, deve fazer com que os
filhos ajam devida-mente porque aprenderam que agir de forma indevida implica ter que
enfrentar conseqüências lamentáveis ou pelo menos desagradáveis.
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Para isso, deve-se primeiramente fixar as normas de conduta que se espera que
sejam cumpridas em casa e as penas que serão aplicadas se não forem cumpridas. Em
segundo lugar, devem ser explicadas aos filhos de forma clara. Por exemplo, se a criança
não quer jantar quando é chamada, deve ser lembrada de que a norma da casa é que quem
não chega a tempo para a mesa “perde a janta” (como perde o ônibus ou o avião se não
estiver em tempo na parada ou no aeroporto) e não poderá comer senão na manhã
seguinte. A criança tem duas alternativas: ir comer ou ficar com fome até o dia seguinte.
Sua decisão de não fazê-la lhe trará conseqüências (fome), que a ensinarão a responder por
seus atos, ou seja, responsabilidade. É fundamental que a conseqüência seja mantida e não
se dê uma segunda chance nem permita outras alternativas para aliviá-la dessa
conseqüência (como, por exemplo, que coma algo diferente para acalmar sua fome).
Características da disciplina
Quando se disciplinam as crianças com esse enfoque, é imperativo observar
algumas atitudes e condutas, como:
Respeito. Todas as instruções para os filhos, assim como as reclamações por mau
comportamento, devem ser feitas com todo o respeito, ou seja, sem gestos, atitudes ou
palavras que ferem ou humilham. Um bom exemplo disso pode ser feito utilizando o
mesmo tom e atitude que usaríamos se estivéssemos corrigindo um sobrinho ou um amigo
de nossos filhos.
Gritar, dar apelidos sarcásticos, usar termos insultantes, compará-los ou nos fazer
de vítimas é falta de respeito, humilhante e promove a indignação das crianças, que terão
menos disposição para obedecer e tratarão de se rebelar de alguma forma.
Firmeza. Uma qualidade que os pais do passado tinham é que se dirigiam aos filhos
com firmeza e claridade. Nos dias de hoje, os pais dão as ordens de forma vacilante, com
súplicas e até pedindo desculpas pelas instruções que estão dando. Parece que se confunde
a bondade com a bobice. Assim, em vez de serem boas pessoas e manterem uma relação
amigável com os filhos, mostram-se indecisos e amedrontados diante deles, o que leva as
crianças a menosprezarem e acabarem fazendo o que querem.
Qualquer instrução que damos a nossos filhos deve deixar claro que falamos
seriamente. Um pai intimidado, fraco e a quem os filhos “dobram” não transmite a firmeza
de que eles precisam para que se sintam seguros de que há alguém superior que os guiará
até que possam fazê-la por si mesmos.
Sem muitas explicações nem reflexões. Parte de ser firme é dar uma explicação válida às
crianças, se houver (“Tens que vir imediatamente porque estamos todos te esperando e a
comida está esfriando”), mas não muito mais. Existe uma tendência generalizada a dar às
crianças todo tipo de boas razões e a fazer intermináveis reflexões para que obedeçam, o
que dá lugar a que elas continuem recusando-as, até que nos irritamos e acabamos dizendo:
“Então faça o que achar melhor!”.
Para evitar essas intermináveis argumentações, que deterioram a relação e não dão
nenhum resultado positivo, é preciso resgatar um argumento contundente que os pais
usavam: “Porque eu estou dizendo, que sou seu pai ou sua mãe... e ponto final”. Desta
forma cortamos qualquer possibilidade de continuar a discussão. Se a criança continuar
insistindo em pedir explicações, reiteramos novamente o mesmo argumento com muita
firmeza e damos o assunto por encerrado.
Agir com rapidez. Os pais se desesperam e acabam gritando ou batendo nos filhos
para que obedeçam quando repetem a mesma ordem ou advertência dez vezes, em dez
tons diferentes, com dez ameaças distintas, e as crianças continuam “surdas” e sem
obedecer. Quando dizem a mesma coisa uma e outra vez sem resultados, chega o
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momento em que perdem a paciência e “explodem”, possivelmente agredindo a criança de
modo que depois lamentam.
Agimos muito melhor quando de cabeça fria, ou seja, antes de irritamos. Por isso,
quando uma criança se comporta mal ou não cumpre o que lhe é pedido, o melhor é
estabelecer uma opção e uma sanção o quanto antes. Ou seja, em vez de repetir mil vezes a
ordem (“por favor, venha comer”), quando vemos que diante da primeira chamada ela não
obedece, deve ser lembrada em seguida o que vai acontecer se não o fizer (“vai perder a
janta”). Desta forma tem a opção de decidir e responder por sua decisão. É fundamental
manter-se firme a respeito da sanção que se estabeleceu quando não é cumprido o
solicitado.
Atacar a atitude e não a pessoa. Quando corrigimos uma criança, é importante deixar
clara a diferença entre o que ela faz e o que ela é, ou seja, atacar a má conduta, mas não a
criança como pessoa. Os qualificativos negativos são destrutivos e deterioram seu
autoconceito, além de levá-la, num ataque, a defender-se e a não lembrar o que fez de mal.
Nossas palavras como pais devem transmitir claramente à criança que não
gostamos do que ela está fazendo, mas que como pessoas seguimos amando-a e
apreciando-a. Assim, por exemplo, não devemos dizer que ela é uma desorganizada, mas
que sua desorganização nos incomoda muito. Dessa maneira não se ataca uma criança, mas
suas atitudes.
Exemplo. Ainda que não percebamos, os pais sempre estão mostrando aos filhos
como se comportarem. O que fazemos fala mais alto do que o que dizemos. É muito fácil
cair no erro de pensar que estamos ensinando a agir bem, quando, na realidade, estamos
mostrando com nossa conduta como simular que agimos corretamente e como ficar bem
ante os olhos das outras pessoas. Devemos estar seguros de que nosso comportamento
reflita em todos os aspectos a forma como desejamos que se comportem nossos filhos.
Enaltecer as qualidades e as atitudes positivas. Um elemento-chave para conseguir que as
crianças se portem bem é reforçar seu bom comportamento, valorizando com freqüência
seus bons atas e condutas. Re-conhecer não somente suas contribuições, mas também suas
qualidades e habilidades é uma forma segura de ganhar sua colaboração.
Se nos concentrarmos em educar nossos filhos para que sejam pessoas boas,
cultivando as coisas boas que fazem, assim como suas virtudes, atributos e qualidades,
conseguiremos que haja mais harmonia em nossas relações e muito mais colaboração e paz
em casa.
Ángela Marulanda, colombiana, é mãe, escritora, educadora familiar, socióloga,
conferencista e consultora em temas relacionados com a formação de filhos.
www.angelamarulanda.com
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